Quando o Homem Ama

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A tarde estava bonita naquele domingo em mares belos, porém, o sol castigava a todos quantos ousavam se exporem a seus raios que apesar de enfeitar à tarde, passando por entre as árvores complementando a paisagem, fazia da temperatura um fator fustigante... No entanto, nada parecia intimidar aquelas duas mulheres que adentravam ao cemitério da cidade como se fossem a uma festa. A primeira, trajada de vestido branco e chapéu trazia consigo flores em uma das mãos e em sua face o pesar era bastante perceptível... A segunda mulher, toda de preto, apresentava um ar de descontração e um peculiar espanto com a cena que ali presenciara, mas apenas acompanhava calada. Parece que no fundo parecia sentir o que Marcela sentia e guardava o silêncio respeitando a nítida dor que em sua frente se apresentava. Marcela caminhava lentamente, rumava ao fundo do cemitério, em um dos setores mais recentemente usados para as tumbas, pois o início do cemitério constituía de túmulos antigos o que se fazia supor que “o visitado” se tratava de um óbito mais atual. Chegando ao local desejado, Marcela se debruçou sobre o túmulo e por alguns minutos entre lágrimas silenciosas, com ausência até mesmo de soluços, contemplou a foto que ali se encontrava. Joana, não sabia do que se tratava, mas não interrompeu em momento algum, pois conhecia muito bem sua amiga assim como suas reações afetivas e se naquele momento Marcela demonstrava pesar, seria por algo muito forte.

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Assim, após vários minutos de absoluto silêncio, Marcela finalmente falou algo... — Descanse querida, você merece, não precisa vivenciar toda essa sacanagem. — Quem é ela? — Perguntou Joana. — Minha irmã. — Você nunca me disse que tinha uma irmã. — Sabe, Joana, existem muitas coisas que nos submetem, coisas que realmente nos sacrificamos para conseguir, mas há uma coisa que todas nós buscamos e quase nenhuma temos realmente e mesmo quando temos, não tenho como afirmar se vale a pena... — Mas do que você está falando, Marcela? — Estou falando do amor Joana, em especial do amor de um ser, em geral, desprezível e dominador, o amor de um macho que muitas de nós e deles mesmos chamam de humanos. Joana ouvia sua amiga com ar de espanto, pois jamais a viu daquela forma, cabisbaixa, com ar de impotência e fragilidade. Definitivamente não era a Marcela que conhecia, sua amiga sempre foi à imagem de uma mulher convicta de seus ideais e ali ela mostrava uma face que ela, como amiga íntima, ainda desconhecia. — O que aconteceu com sua irmã? — Ela amou demais, querida, amou de forma errada e pagou o preço por isso. Na verdade nós mulheres não sabemos amar, amamos um homem com uma idealização utópica, fictícia, que nunca vai se concretizar. Constantemente estamos nos prendendo a artifícios que

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venham a servir de subterfúgio para que possamos justificar aos outros e a nós, a razão de ainda tolerar nossos companheiros. Veja seu marido, por exemplo... — Ora, Marcela, por que essa virulência toda, o fato de sua irmã ter se dado mal na vida afetiva não quer dizer que o meu marido se enquadre nesse contexto. — E o caso daquela bonitona naquelas férias? — Você e eu sabemos que aquela mulher era uma atirada, no termo mais vulgar, uma vagabunda mesmo. — E eu Joana? Por acaso sou uma atirada, uma vagabunda? — Você não está querendo insinuar que... — Não estou insinuando querida, estou afirmando, fui assediada por ele e não foram uma nem duas vezes. — Que cachorro sem vergonha! Mas por que você não me disse? — Para quê? Para tirar seus momentos bons, ainda que fossem devido a sua ilusão exclusivista eram bons momentos e além do mais, para que perder tempo procurando outro homem na esperança de que ele fosse melhor se no final das contas ele faria o mesmo, ou até pior? Joana querida, você é uma grande amiga, a ponto de não hesitar em lhe dizer o que estou dizendo agora e por isso lhe digo mais... Desvincule seus anseios afetivos de suas idealizações românticas, o romantismo, aquele homem que ama intensamente uma mulher é coisa de filmes, não existe totalmente. Eu não disse nada por que não adiantava mudar o homem, mas sim a forma de tratá-lo e isso talvez você não conseguisse. — Mas você não está em condições de dizer isso, afinal...

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— O que ocorre é que eu descobri a regra, eu sei como as coisas funcionam. — Disse Marcela de forma cortante. — Então diga como as coisas funcionam, você não é a entendida do assunto. — Pois eu vou lhe dizer e você terá o resto da vida para me agradecer. O jeito de lidar com o bicho homem seguem dois princípios bem básicos... Ou você o domina, ou é dominada por ele. Esse papo de comum acordo em tudo é balela, os homens são uns crápulas e isso não é despeito, rancor ou coisa do gênero, é realismo frio e analítico como o procedimento de um cientista. — Nossa Marcela! Isso parece coisa de mal-amada. — Pelo contrário, isso foi o que me fez sempre ser bem-amada, por que jamais amei um homem se não fosse pelo princípio de me amar primeiro, o amor, a felicidade, são coisas que somente nós buscamos proporcionar a nossa pessoa e se você falhar nesse quesito irá seguir o caminho de minha irmã, mesmo que seja uma morta para si mesma. E morrer para si mesma é ainda pior, por que você não morre totalmente, você renuncia a vida voluntariamente e deposita suas essências nos “porões” mais profundos de seu ser e de repente, já em sua velhice você faz um mergulho dentro de si e tem uma surpresa. Um compartimento esquecido, uma caixinha lacrada e bem guardada, toda empoeirada, você já não sabe o que e nem como aquilo ficou ali tanto tempo e ao abrir aquela caixinha... Lá está, a coisa mais linda de sua vida, seus maiores sonhos que mesmo em seu tamanho gigantesco se traduzia em coisas simples e fáceis, como uma noite de amor, ou um carinho sincero. Mas eu tive muitas noites

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de amor, você diria, incontáveis foram às vezes em que fui acariciada. Não. Nesse dia, sua experiência lhe abrirá os olhos mostrando que na verdade era tudo mentira. É uma triste realidade, vivemos da mentira, nos enganamos, pois o desejo de ter um companheiro é tão grande que nos submetemos a todos os seus caprichos e forjamos uma vida que não foi o que idealizamos para nós. Até mesmo nossas idealizações são roubadas, pois a partir do momento que qualquer crápula passa a viver conosco o vínculo se torna tão grande que as idealizações passam a tê-lo como protagonista desses planos. Ficamos em segundo plano, não nos dando conta. E ao ver aquela caixinha onde você se espremeu por anos você percebe que nada valeu a pena, mas já é tarde.

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