Secreta vitae Segredos da vida
Secreta vitae Segredos da vida
Jota Mello
S達o Paulo 2013
Copyright © 2013 by Editora Baraúna SE Ltda Capa Aline Benitez Projeto gráfico Thaís Santos Diagramação Isaac Tiago Revisão Bianca Briones CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________ M478s Mello, Jota Secreta Vitae: segredos da vida/ Jota Mello. - São Paulo: Baraúna, 2012. ISBN 978-85-7923-651-8 1. Conto brasileiro. I. Título. 12-9102.
CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
12.12.12 17.12.12 ________________________________________________________________
Impresso no Brasil Printed in Brazil DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br
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Dedicatória “Viver pode ser uma ciência, mas envelhecer é pura arte. É nisso que acredito”.
Dedico este livro a turma da Ilha, amigos de juventude, onde quer que estejam. Também aos sonhos que tivemos e nos trouxerem onde estamos. Se por algum motivo nos perdemos pelo caminho é porque deixamos de sonhar.
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O buscador
1 A lei Chega ao fim mais um dia quente de verão. O relógio marca dezoito horas e trinta e seis minutos, enquanto, dentro de um vagão de metrô completamente lotado, após extenuante dia de trabalho, tendo a fadiga expressa em cada detalhe do corpo, a começar pelo peso das pálpebras que recaem, parcialmente, sobre os olhos, acentuando um semblante apático e decaído, Gabriel, em pé, sustenta-se, sem estímulos, seguro a barra de metal fixa ao teto. No subsolo, entre túneis e estações, clarões fortuitos surgem e desaparecem paralelos às modernas janelas panorâmicas. Alçada aos ombros, a mochila jogada sobre as costas arqueadas parece pesar mais do que o corpo jovem pode suportar, embora esteja quase vazia. Meio ao silêncio dos enfastiados passantes urbanos, e ao deslizar cadenciado dos vagões sobre os trilhos, os letárgicos olhos castanhos correm a espreitar as faces metropolitanas, sempre na expectativa de que um assento venha a ficar vago.
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Numa destas ocasiões percebe-se olhado. Não muito distante, um homem negro de meia idade, com cabelos rastafári, sentado próximo à porta automática, está a fitá-lo com um olhar calmo de navegante. Indulgente, continua sua vigília tendo no pensamento apenas a idéia de descansar o corpo esgotado, pois bem sabe que nestes momentos torna-se comum olhar através das pessoas ou coisas num dado instante de introspecção. Porém, inevitavelmente, tudo muda quando se é observado. Um estado de alerta faz com que, coincidentemente, os olhares se cruzem mesmo quando se tenta evitar. Em certo momento, um sorriso gentil acompanhado de olhar sincero, vindo do homem negro, prende a atenção de Gabriel, que, ao contrário de aversão, o que seria óbvio, se desperta de um sentimento terno, como se a exótica figura, a observá-lo de forma carismática, fosse um velho conhecido. No mesmo instante, através do sistema de som, é anunciada a chegada em mais uma estação, momento em que o trem desacelera parando bem de vagar. As portas automáticas se abrem no exato instante em que o adventício homem se levanta, e, com um gesto gentil, sustentando a mesma expressão singela na face, aponta com a mão, mantendo a palma voltada para cima, o assento que ocupava, num convide enfático para que Gabriel tome seu lugar. O homem negro fica ali, sem demonstrar impaciência, imóvel a bloquear o acesso por outras pessoas até perceber que seu convidado, visivelmente indeciso, se aproxima. Tendo-o já bem perto a realizar seu intento, sem aguardar por agradecimento segue em direção à saída de-
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sembarcando segundos antes das portas se fecharem. Do lado de fora, percebendo que Gabriel ainda se encontra em pé, a observá-lo, gesticula levemente com a cabeça o encorajando a se sentar. Induzido, ao tomar a iniciativa percebe sobre o assento um maço de papéis supostamente esquecido; ávido, lança mão sobre ele e o eleva a altura da janela para que seja visto pelo homem, momento em que o trem acelera. Um sorriso de contentamento seguido de um arrastado fechar e abrir de olhos parece querer lhe acalmar a angústia, ao mesmo tempo em que as mãos negras enrolam, na forma de canudo, outro maço de papéis semelhantes, rapidamente exposto à altura do rosto afável, como a dizer: “tudo bem, ainda trago estes aqui comigo”. Fato visivelmente compreendido por Gabriel. Silenciosamente, à medida que o trem se afasta da plataforma, aumentando a velocidade, a estreita parede de concreto, que chega veloz, põe fim ao magnetismo dos olhares. Sentado com o maço de papéis sobre o colo campeado por um olhar curioso, e dono de uma corrosiva sensação de carregar algo que não lhe pertence, Gabriel deixa o tempo passar enquanto a tensão se dissipa. Desejoso em saber sobre o conteúdo nos papéis observa, através da janela, a frígida paisagem sem face, a deslizar pelo lado de fora, até decidir-se. Com especial cuidado desamassa folha por folha, sobre a coxa, percebendo uma caligrafia exótica e uniforme, escrita em parágrafos espaçados garantindo uma leitura clara, ficando obvio que quem escreveu queria fazer-se entender. Concentrado, cheio de interesse, então lê:
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Matéria, tempo e espaço são definições efêmeras estabelecidas por conceitos criados a partir de um ponto de vista próprio, oriundo de uma realidade particular a cada universo. As leis em um universo são concebidas a partir da realidade relacionada à dimensão que se vive. O momento que abrange as situações ideais necessárias para a percepção de tudo o que nos envolve pauta-se pela harmonia com o meio, estando ligado aos sentidos desenvolvidos e aos estímulos sofridos. Juntos, sentidos e estímulos permitem compreender o significado real e profundo da verdade que se acredita e se busca, mesmo que ainda não se aperceba disso. Porém não é o bastante apenas desejar... Tudo depende do desenvolvimento de nossa percepção. Independente de vontades, indiferente a forças, tudo só será alcançado quando se estiver preparado para tal, pois, só enxergamos e entendemos o que estamos prontos pra enxergar e entender. “O momento só será o momento, quando for o momento”. Esta é a única e verdadeira lei presente em todos os universos... 12
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2 O despertar Gabriel, homem quase feito, de peso e estatura mediana, pele clara, cabelos castanhos, lisos e compridos, boca pequena, maxilar largo, queixo afunilado e olhar abstrato, visivelmente indisposto, de forma pouco proeminente entra em seu pequeno apartamento composto por sala conjugada com cozinha americana e uma suíte. O bater da porta faz com que se cerre a tranca automática da fechadura num barulho quase imperceptível. A mão, a tatear a parede, procura pelo interruptor de luz, o qual é acionado. Instintivo, joga a mochila sobre uma pequena mesa recostada na parede, juntamente com as folhas manuscritas, passando direto para o banheiro, onde a pouca circulação do ar faz com que o ambiente cheire a mofo. Num gesto incontido abre a pequena janela de ventilação permitindo que o local seja arejado. Debruçando sobre a pia gira a torneira, num solavanco, por onde a água jorra em abundância a ponto de lhe molhar, a roupa, na altura da cintura.
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As mãos, em forma de concha, mergulham sob o jato d’água retornando, cheias, ao rosto transpirado, para em seguida repousarem sobre a borda da pia sustentando-lhe o corpo que se projeta à frente. Com água a escorrer pelos braços e olhar, denso, projetado para dentro do espelho, permite que sua mente se ocupe por perguntas sem respostas. — Quem seria aquele homem negro de cabelos rastafári? — Com que propósito deixaria aqueles manuscritos? — Qual o significado de tudo? Aos poucos, lembranças do passado brotam em seus pensamentos acirrando a crise existencial a muito deflagrada. Na tentativa de fugir do estado de introspecção molha novamente o rosto, de forma vigorosa, fecha a torneira, puxa a toalha dependurada no toalheiro, enxuga-se e arremessa o pano úmido em direção ao cesto de roupas sujas, o qual acerta parcialmente, ficando metade dependurada para o lado de fora. Saindo, manso, do banheiro, segue em direção à cama deixando-se cair de costas sobre o colchão, que absorve o impacto de seu corpo ao som do ranger de molas. Entorpecido pelo cansaço entrelaça os dedos das mãos sob a cabeça, pouco acima da nuca, mantendo o olhar fixo ao teto, permitindo que idéias voltem a borbulhar em sua mente perturbada, onde, passado e presente se misturam, desordenadamente, conduzidos por vozes e imagens que surgem, sem controle, vindas do inconsciente. Em constante fuga esquiva o olhar para a escrivaninha a frente onde repousa seu computador fazendo com
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que os pensamentos, conflitantes, cedam lugar a um impulso latente. Abandonando o convidativo conforto, levanta-se de súpeto, puxa uma cadeira esquecida num canto qualquer e senta-se frente à máquina, seguindo todo um ritual, até observar o monitor iluminar-se a frente. Ensimesmado, raciocina sobre o que poderia buscar dentro do mundo virtual que pudesse lhe ocupar a mente, neste momento dúbio. Após alguns segundos de indecisões percebe que, se aspira por algo diferente, terá que começar sua busca de forma diferente, decidindo-se pela escolha de um novo apelido que represente, com fidelidade, seu atual perfil. Então, concentrado, se põe a pensar no que seria o mais apropriado passando por várias tentativas frustradas até enxerga, na tela do seu monitor, um ícone descrito por um nome sugestivo e oportuno para o momento: “Buscador”. — Perfeito ‒ exclama em voz alta como se precisasse ser ouvido por si mesmo. Já entre seus iguais, expondo-se a suas expectativas, vê o tempo passar tendo tudo como sempre foi: a mais profunda e apática mesmice. Com certo ar de decepção tenta dar sentido à busca empreendida navegando por ambientes variados, porém nada parece satisfazê-lo. Enfadonho, prepara para se desconectar quando, inesperadamente, tem seu espaço compartilhado por outra pessoa permitindo o acesso. — Olá, Buscador!
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