Enigma na Capela Real

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Série Os Invencíveis

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ENIGMA NA CAPELA REAL



Ana Cristina Massa

ENIGMA NA CAPELA REAL Série Os Invencíveis

4ª edição - 2010


Título Enigma na Capela Real Capa Rex Design Ilustrações de Capa Fotos de Ricardo Galhardo (Imperatriz Leopoldina) e André Arruda (Igreja Nossa Senhora doCarmo) Revisão Mariana Mininel de Almeida Editoração Eletrônica Monique Sena Coordenação Editorial Editora Biruta 4a edição – 2010

Dados Internacionais para Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro – SP, Brasil) M414

Massa, Ana Cristina. Enigma na Capela Real / Ana Cristina Massa. – São Paulo : Biruta, 2004. -- (Série Os Invencíveis) 164p. ISBN 978-85–88159–30–3

1. Literatura infanto-juvenil. I. Título. II. Série CDD-808.899282

Edição em conformidade com o acordo ortográfico da língua portuguesa. Todos os direitos desta edição reservados à Editora Biruta Ltda. Rua Coronel José Euzébio, 95 – Vila Casa 100-5 Higienópolis – CEP: 01239-030 São Paulo – SP Brasil Tels.: (11) 3081-5741 e (11) 3081-5739 E-mail: biruta@editorabiruta.com.br Site: www.editorabiruta.com.br A reprodução de qualquer parte desta obra é ilegal e configura apropriação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.


Sumário

Dia de Cão

7

Novo Desafio

27

Fantasmas na Igreja

45

Conversa com Leopoldina

63

Golpe Baixo

75

“Paradas” Estranhas

91

Bola na Rede

107

Pizza & Suspense

123

Jogada Ensaiada

139

Revelação

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DIA DE CÃO

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ugênio não parava de chorar. Ele estava dentro do box, mergulhado no chuveiro aberto. A água era quente, mas ele não se importava. Suas lágrimas se misturavam com a água que caía no rosto, e as razões para tanta tristeza também eram misturadas. Era um dia difícil, daqueles que a gente não se esquece. Dias assim ficam guardados na memória e às vezes basta um cheiro, uma música ou uma palavra para fazer lembrar de tudo novamente. Era hora do almoço, mas ele não sentia nenhuma fome. Naquela manhã, ele acordou atrasado e com um torcicolo que não o deixava virar a cabeça para nenhum dos lados. Saiu rumo à escola sem tempo de tomar o café da manhã e com um cadarço do tênis desamarrado. Entrou na Rua Ataulfo de Paiva e, depois de dois quarteirões, estava na porta do colégio, no Leblon. O dia estava claro e muito quente, um típico dia de verão.


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Logo na entrada da escola ele percebeu que um grupo de garotos de outra sala olhava para ele de maneira esquisita. Faltava pouco para começar a aula e Eugênio passou direto pelos meninos, com certa pressa. Ele detestava se atrasar. Era sempre pontual e exigente com os horários. Se marcasse alguma coisa com alguém, ele chegava na hora. Gênio, como era chamado, gostava de ser assim, responsável, com palavra. Por isso que ele era representante de turma. Não havia chapa que ganhasse dele. Esse era o terceiro ano seguido como representante e, pelo jeito, ninguém o derrubaria. A não ser ele mesmo... Quando ele entrou na sala, cheia de alunos, mas ainda sem o professor, teve certeza que alguma coisa tinha acontecido. Todos pararam de conversar e olharam fixamente para ele, sérios. Bem diferente dos outros dias. Ninguém falou: – E aí, Gênio! ou – Fala, mano! ou se cumprimentaram com um bater de mãos, como sempre faziam. Nada. Ele andou por entre as carteiras, sem conseguir olhar para o lado, por causa do torcicolo, e, no meio daquele silêncio estranho, sentou numa cadeira, perto da janela. Ele olhava para o rosto de cada um e tanto os mais amigos quanto os outros tinham a mesma expressão: raiva. Por mais que ele procurasse, não achava uma explicação para aquele comportamento tão estranho. Resolveu esclarecer, perguntar o que estava acontecendo. Já que era representante de turma, tinha que saber. Quando estava se levantando, Homero, professor de Geografia, entrou na sala. Homero não permitia conversa


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paralela e expulsava de sala com facilidade. Diante de Homero, Gênio preferiu esperar a aula terminar. É claro que não conseguiu prestar a menor atenção na aula. Estava bastante intrigado. Roberta, a garota que estava sentada do seu lado, durante um exercício, perguntou bem alto: – Aí, que dia do mês é hoje? Quase todos os meninos olharam para Gênio e responderam ao mesmo tempo: – 21! Eugênio entendeu menos ainda. Por que olhavam para ele com tamanho ódio? Ele chegou perto do ouvido de Goma: – E aí? O que está acontecendo? Goma segurou a vontade de pegar Gênio pelo pescoço. Preferiu ser irônico: – Além de você ter se esquecido da inscrição da turma no campeonato de futebol? Não está acontecendo mais nada. Eugênio ficou branco, sem chão. Não pode ser! – ele pensou, com o coração batendo forte. Mas era. Das três turmas, ele foi o único representante que não fez a inscrição. Era até o dia 20. A turma dele estava fora dos jogos. Pra piorar, a turma que ganhasse a competição seria selecionada para disputar um campeonato entre os colégios do bairro. Dois dos seus melhores amigos, Goma e o craque Jonas, não perdoaram Eugênio, e o resto da turma também não quis ouvir nenhuma desculpa. Ele bem que tentou, não iria inventar nenhuma história cabeluda, mas queria dizer a verdade. Esperou a aula acabar e, antes que o outro professor chegasse, foi para o centro da sala:


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– Pessoal, houve um engano! Eu fiz a inscrição! Ontem! Vou à diretoria tentar resolver, certamente é alguma confusão. Antes que ele terminasse de falar, Goma interrom­peu: – A dona Clarice veio aqui, disse que não adiantaria tentar nenhuma desculpa, já que você não entregou a ficha de inscrição. Gênio estava alterado: – Mas dona Clarice não é o diretor, é a secretária! Eu vou à diretoria! Goma fez uma bola grande com chiclete e falou, com desprezo: – Foi recado da diretoria! Jonas, sentado do lado oposto a Goma, se meteu: – Gênio, confessa. Você esqueceu porque não se importa com futebol, não sabe bater uma bola. Pra você não faz diferença. Gênio continuava escutando, mas Jonas se irritou: – Olha para mim quando eu falar com você! Qual é a sua? – Estou com torcicolo, não consigo virar o pescoço. Ele sentia dor desde o ombro até a cabeça, os músculos estavam contraídos, mas também sentia um aperto no peito, uma dor que nada tinha a ver com músculos, não era só dor no corpo: estava arrasado. Ninguém quis escutar nada, a turma ignorava Eugê­nio, sequer olhava para ele. Gênio virou a cabeça com muito esforço, as veias ficaram inchadas e chegaram a latejar, mas, mesmo assim, ele olhou para Jonas, que o encarava sem piscar. Jonas era muito amigo de Gênio, dentro e fora da escola, mas tinha uma paixão cega pelo futebol. Jogava todos os dias, ia ao Maracanã desde pe­queno, torcia para o Botafogo. O


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campeonato do colégio era um grande desafio e ele não iria perdoar Gênio por estar de fora: – Depois de tudo que passamos juntos, e você sabe bem do que eu estou falando, eu espero nunca mais ter que olhar para você. E quanto ao nosso grupo, os Invencíveis, estou fora. Jonas falou bem de perto, com o dedo na cara de Gênio. O dedo tremia, o corpo também. Ele se virou e sentou, aparentemente mais calmo. Goma já não mastigava mais chicletes. Olhou aquela cena, ficou com a boca seca, e saiu da sala para beber um pou­co de água. Gênio também saiu da sala. Afinal, ninguém queria escutar mais nada. Ele pôs a mochila no ombro menos dolorido e foi à diretoria, falar com o diretor, esclarecer tudo logo. Passou por Goma, que tinha a cara enfiada no bebedouro, sugando a água com um barulho horroroso. Goma levantou a cabeça, secou o queixo molhado com a palma da mão e hesitou. Olhou um pouco para Gênio antes de falar: – Cara, que vacilo. Como você dá uma dessas? Tá queimado com a galera. E agora o que você vai fazer? Eugênio não conseguia nem pensar. O ombro doía demais, a cabeça rodava entre milhões de pensamentos, ele só queria seguir em frente: – Vou resolver! Eu entreguei, não pode sumir assim. Num envelope, papel pardo... inscrição... secretária... Ele continuou andando, enquanto balbuciava aquelas palavras. Goma pensou em ir atrás, mas voltou para a sala, sem entender direito o que Gênio dizia. A sala da diretoria ficava ao lado de um banheiro. Gênio entrou sem bater na porta, deu de cara com dona Clarice,


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secretária do diretor. Ela sentava atrás de uma mesa tão baixa que a deixava com a postura meio corcunda. Usava uns óculos pesados, de lentes grossas, e era viciada em café. Antes que Gênio pudesse perguntar qualquer coisa, ela foi logo dizendo: – Ele não está. Seu Palhares foi a uma reunião fora da escola, só volta à tarde. Eugênio entortava o rosto de tanta dor: – Mas eu tenho que falar com ele. É uma questão de vida ou morte! Dona Clarice não se abalava: – Quer que eu repita? Eugênio segurou a vontade de dizer: “quero é que a senhora vá para o inferno, corcunda de Notre Dame!”, mas ele contou até 10, só os números pares, para ser mais rápido: – 8... 10. A senhora lembra que eu estive aqui ontem e deixei um envelope? Dona Clarice abaixou os óculos, bebeu um gole de café e, na lentidão de sempre, respondeu: – Vocês garotos são muito parecidos, cabelos curtos, bonés, mochilas nos ombros. – Isso quer dizer o quê? – Quer dizer que sim, pode ser que você tenha vindo aqui, ou não, posso facilmente me confundir. Gênio se irritou ainda mais: – Mas eu não uso boné!!! Dona Clarice olhou melhor: – É verdade, mas não faz diferença, com ou sem boné. Gênio ameaçou: – Eu volto mais tarde! Volto mesmo! Ela permaneceu com a mesma expressão oca, enquanto ele saía, desolado.


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Gênio entrou no tal banheiro que ficava ao lado da sala do diretor, sentou no vaso e trancou a porta. Pronto. Estava numa cápsula do tempo. Com um pouco de imaginação e muito desespero, ele apertou a descarga e voltou no tempo: lá estava ele, acordando bem disposto, chegando na escola com a inscrição do campeonato nas mãos e recebendo tapinhas nas costas, palavras amigas. Por alguns minutos esqueceu a dor, o coração batia leve e o corpo relaxou. Ele deixou a cabeça cair de lado, num profundo suspiro e gritou. Sentiu uma pontada forte no pescoço, arregalou os olhos e se achou no banheiro. Abriu a porta devagar e viu Aldo, o mais idiota dos garotos, lavando as mãos. Não era um banheiro grande, por isso ficaram bem perto um do outro. Gênio não queria olhar para o rosto daquele moleque, mas nem sempre os olhos nos obedecem. Aldo, pelo contrário, encarava Gênio com um sorriso falso: – Quem diria, hein?, o garoto mais responsável da escola é agora um nada, um zero à esquerda. Eu realmente sinto pena de você, mas estou muito feliz para chorar. No mais, torce pelo meu time, a turma B vai ganhar este campeonato e eu vou ser o artilheiro do colégio. O Jonas perdeu a grande chance, e por sua causa. Valeu, amigão! Gênio não falou nada mas escutou muito bem. Aldo terminou de enxugar as mãos e saiu, tão idiota quanto antes, mas com razão. Jonas foi o mais prejudicado. Gênio sabia disso. Depois de pegar uma autorização para sair mais cedo da escola por causa do torcicolo, Gênio caminhou para casa. Enquanto andava pela rua, ele se concentrava para se lembrar com detalhes do dia anterior: “eu esperei a hora do recreio e,


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antes de seguir para a biblioteca, como sempre faço, passei na diretoria. A sala estava vazia, eu cumprimentei dona Clarice, que respondeu com um aceno de cabeça, sem tirar os olhos da tela do computador. Aí, eu coloquei a inscrição dentro de um envelope pardo, e ela disse: ‘Deixa nessa pilha de papéis que eu já entrego na mesa do diretor’. Aí, eu deixei como ela pediu e saí, fui para a biblioteca. Foi assim que aconteceu.” Ele estava tão tomado daquela lembrança que num instante chegou em casa. Largou a mochila no chão do quarto e entrou no chuveiro. Foi um banho demorado, a água quente aliviava o torcicolo, e ele chorou tudo que podia. Saiu do banho sem fome. Ele nunca deixava de almo­çar, mas o corpo queria dormir e não comer. Ele deitou na cama, fechou as persianas e os olhos. Estava exausto. Decepcionado. Todos duvidaram dele, ninguém acreditou, ninguém. Para Goma e Jonas a decepção era ainda maior. Eram amigos do Gênio, amigos de muitas histórias. Eles ainda assistiram às outras aulas, mas não copiaram a matéria do quadro nem escutaram o que os professores diziam. Ficaram quietos, olhando para o nada. Jonas pensava no futebol e nos Invencíveis. Não nessa ordem. Era difícil abandonar os desafios que eles faziam, deixar Sofia. Ele foi o último a entrar no grupo e nunca antes teve amigos tão legais como os outros quatro Invencíveis. Goma é o mais divertido e engraçado, com mania de mascar chicletes esquisitos. Isadora é uma menina que ele aprendeu a gostar. No começo, achava que ela fosse só metida, mas sempre foi


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uma ótima amiga. Sofia é um dicionário de coisas legais, e foi quase uma futura namorada. E Gênio, que é o amigo do peito, o camarada. Ou, melhor, era. A aula acabou e a turma saiu da sala. O burburinho era geral, todos comentavam sobre o campeonato, alguns falavam alto, outros cochichavam baixinho, mas o assunto era o mesmo: Gênio. Jonas passou direto pelos corredores da escola, desceu ligeiro as escadas e foi direto para casa. Goma ainda ficou um pouco no pátio, esperando Sofia para irem juntos embora. Eles são irmãos só por parte de pai, mas nem lembram disso. Cresceram juntos, implicando um com o outro, e se gostando mais a cada dia. Irmãos são assim, implicam e se gostam. Sofia é mais velha um pouco, mas esse também é um detalhe. São amigos de verdade. Goma sentou em um banco, o mais afastado possível de todos, mas pôde ouvir as gargalhadas do Aldo, que se divertia com um pessoal da turma B. Sofia não demorou a chegar. Ela já sabia de tudo e queria encontrar Gênio o mais rápido possível para juntos arranjarem um jeito de mudar aquela situação: – Anda, Goma, vamos pra casa dele, conversar, bolar um plano, temos que ajudar de qualquer jeito. Goma não tinha tanta esperança: – Mas se o próprio diretor disse que nossa turma está fora! – Foi o Palhares que disse? – Não, Sofia, a dona Clarice deu esse recado, mas dá no mesmo. – Mas o que aconteceu com Gênio? Ele esqueceu a inscrição? – Não sei, ele diz que fez, mas então onde está?


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