PREFÁCIO POR JOHN PIPER
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
TONY REINKE
“Os cristãos estão usando a tecnologia para transformar o mundo ou é a tecnologia que está transformando os cristão de uma forma pouco saudável? Desde a época de Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, especialmente, quando as invenções e as formas de organizar as coisas tecnologicamente tornaram-se um estilo de vida, os cristãos precisam estar atentos a essas questões. As reflexões de Tony Reinke sobre o uso de celulares oferecem conselhos úteis sobre o modo como as pessoas devem estar vigilantes nos dias atuais no que diz respeito ao impacto de suas tecnologias favoritas.” George M. Marsden, Francis A. McAnaney Professor de História Emérito, Universidade de Notre Dame “12 maneiras como seu celular está transformando você é uma leitura incrivelmente convincente e profundamente perspicaz. Os celulares tornaram-se parte de nossas vidas, e Tony explora a devastação que o culto à tecnologia causa à mente e à alma humana. Ele nos convida a analisar não apenas o uso de nossos celulares, mas também a motivação que inspira esse uso. Este é um livro necessário à nossa geração, para nos recordar que os hábitos de uso do nosso telefone podem tanto amplificar como atrapalhar o que deve ser nosso maior anseio: a glória de nosso Salvador, que realmente satisfaz a alma.” Jackie Hill Perry, poeta e artista de hip-hop “Em contraste com a televisão, que domina o ambiente da sala de estar moderna, o celular normalmente tem presença muito menos evidente. Talvez por causa dessa presença sutil e discreta, poucas pessoas têm dedicado uma reflexão consistente sobre o efeito dessa tecnologia, que se faz onipresente em nossas vidas. Neste livro, Tony Reinke arranca esses dispositivos da penumbra de nossa consciência crítica, sujeitando-os à luz da sabedoria cristã. O resultado é uma avaliação muitas vezes preocupante do efeito que estão tendo em nossas vidas, acompanhada de um aconselhamento prudente e prático para dominá-los. Trata-se de um tratamento oportuno e criterioso de uma questão extremamente importante; é um livro que deveria ser recomendado a todo cristão que tenha um celular, pelo bem de nossa saúde espiritual.” Alastair Roberts, teólogo e blogueiro
“O livro 12 maneiras como seu celular está transformando você, de Tony Reinke, é um dos livrinhos mais importantes que um cristão do século XXI pode ler. Altamente recomendado.” Bruce Riley Ashford, reitor e professor de Teologia e Cultura, Southeastern Baptist Theological Seminary “Para muitas pessoas, o telefone é um objeto de crescente ansiedade, esgotamento e dependência. Tony Reinke, sabiamente, nos conduz a encontrar a libertação do telefone de forma prática, sem nos obrigar à clausura em um monastério de algum lugar no meio do estado de Montana. Se você quer saber como administrar sua tecnologia e sua vida em Cristo e em seu reino, você precisa ler este livro.” Russell Moore, presidente da Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Southern Baptist Convention “Se você se sente desconfortável em seu relacionamento constante com seu telefone (e mesmo que não se sinta, mas se pergunta se deveria), descobrirá que Tony Reinke é um guia confiável para a forma como devemos avaliar o impacto de nossos telefones sobre nós mesmos e nossos relacionamentos. Este é um livro maravilhoso que aborda um tema gigantesco com uma linguagem clara e envolvente.” Trevin Wax, editor-chefe, The Gospel Project; autor de Counterfeit Gospels e Holy Subversion “Ocorrem-me duas coisas acerca deste livro. Em primeiro lugar, Reinke escreve com bastante humildade, incluindo-se na narrativa para que o vejamos não somente como um professor, mas também como alguém que luta, assim como nós lutamos. Em segundo lugar, este não é um trabalho árduo, guiado pela culpa sobre o que não fazer. Tony sempre nos traz de volta às glórias de Cristo e até mesmo nos ajuda a sonhar com novas maneiras de glorificar a Deus por intermédio de nossas tecnologias. Útil, esperançoso, humilde e inspirador, este livro, 12 maneiras como seu celular está transformando você, é voltado para esta era, consistindo em sabedoria para as gerações futuras.” Trillia Newbell, autora de Enjoy, Fear and Faith e United
“A imagem é tudo, e uma mulher que tenha construído sua identidade no terreno arenoso de como é percebida online eventualmente terá uma decepção, que cairá sobre ela como um choque. Mas há um caminho melhor a seguir, uma maneira de usar nossos telefones de forma altruísta, com o propósito de glorificar a Deus em nossa conectividade e refletir Cristo em nossos hábitos no celular. Dessa forma, devemos avaliar nossas telas brilhantes e treinar nosso discernimento para perceber a diferença entre os hábitos de nosso tempo que são guiados pelo visor do telefone e o caminho da fé iluminado pela Escritura. Cada capítulo deste livro é como um tipo correto de aviso de notificação em nossas vidas. Pare, leia, processe e aplique com cuidado.” Gloria Furman, autora de Sem tempo para Deus “Eu precisava deste livro tanto em minha adolescência quanto preciso hoje, por ser usuária de celular. Tony Reinke é convincente e incisivo, mas faz isso com graça. Minha geração precisa deste livro, porque precisamos usufruir da tecnologia da forma correta. Se não o fizermos, o custo será alto. 12 maneiras como seu celular está transformando você é leitura obrigatória para qualquer usuário de celular, especialmente os mais jovens.” Jaquelle Crowe, autora de Isso muda tudo “Levou mais de uma geração para a pitoresca ‘carruagem sem cavalos’, com toda a sua magia e horror, se tornar o comum e despercebido ‘carro’. Mas, uma vez que um dispositivo chamado smartphone atingiu status de ‘telefone’ — algo inevitavelmente comum e cotidiano — com uma velocidade de tirar o fôlego, pouco tempo nos restou para refletir sobre o verdadeiro poder que ele tem em nossas vidas. Tony oferece um olhar claramente cristão acerca das pequenas maravilhas que estão em nossos bolsos, percebendo sua bondade, beleza e poder, mas também aplicando sobre elas sabedoria divina e cuidados bem fundamentados para ajudar os leitores a usar seus telefones sem que sejam usados por eles.” John Dyer, autor de From the Garden to the City: The Redeeming and Corrupting Power of Technology
“Experimente a melhor forma de teologia prática; Tony aplica uma compreensão profunda da Escritura a uma compreensão profunda de nossa cultura, e isso resulta em um guia muito bem escrito e equilibrado acerca dos perigos e das oportunidades que estão na palma de nossa mão. Sim, nossos telefones nos tornaram piores, mas este livro mudará para melhor tanto a nós mesmos como nosso uso do telefone.” David Murray, pastor, autor e professor de Antigo Testamento e Teologia Prática, Puritan Reformed Theological Seminary “Quanto mais difundido e influente algo for, mais os cristãos devem pensar a respeito. Neste livro repleto de sabedoria, Tony Reinke nos ajuda a fazer isso com o celular. Sem cair na tecnofobia ou na paranoia, ele apresenta as várias maneiras como nossos telefones estão transformando nossas vidas, destacando tanto os problemas como as soluções disso. É um livro oportuno e criterioso.” Andrew Wilson, autor, palestrante e pastor-docente da King’s Church London “Dificilmente um livro é tão impactante na prática quanto é teologicamente rico. Numa era em que somos diretamente atraídos para um turbilhão digital, Tony Reinke nos alerta para as implicações disso, desafiando-nos a examinar se nossos telefones deslocaram nossas prioridades espirituais de Cristo. Reinke compartilha suas próprias batalhas contra a tecnologia com uma honestidade inabalável e, ao fazê-lo, leva-nos a uma postura reflexiva, de oração e até mesmo de arrependimento. Bastante envolvente e de aplicação imediata, 12 maneiras como seu celular está transformando você é leitura obrigatória para o nosso tempo.” Kim Cash Tate, autora de Cling: Choosing a Lifestyle of Intimacy with God
PREFÁCIO POR JOHN PIPER
TONY REINKE
Copyright © 2017 por Tony S. Reinke Traduzido do original em inglês: 12 Ways Your Phone Is Changing You Publicado por Crossway a publishing ministry of Good News Publishers Wheaton, Illinois 60187, U.S.A. As citações bíblicas foram retiradas da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação contrária. Citações bíblicas com a indicação (BKJ) foram retiradas da Bíblia King James Fiel 1611. Citações bíblicas com a indicação (NVI) foram retiradas da Nova Versão Internacional Todas as ênfases nas citações bíblicas foram adicionadas pelo autor. É proibida a reprodução deste livro sem prévia autorização da editora, salvo em breve citação. 1a edição: junho de 2020 Edição Yuri Freire Tradução Maryssa de Oliveira Caetano Revisão Shirley Lima – Papiro Soluções Textuais Projeto gráfico e diagramação Argemiro Neto Capa Luis Henrique de Paula Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477 R372d
Reinke, Tony, 197712 maneiras como seu celular está transformando você / Tony Reinke ; [prefácio por John Piper ; tradução: Maryssa de Oliveira Caetano]. – Niterói, RJ: Concílio, 2020. Tradução de: 12 ways your phone is changing you. Inclui referências bibliográficas. ISBN 9786587263007 (impresso) 9786587263014 (ebook) 1. Tecnologia – Aspectos religiosos – Cristianismo. 2. Smartphones. I. Título. CDD: 261.56
Publicado no Brasil por Editora Concílio Copyright © 2020 Editora Concílio www.editoraconcilio.com.br contato@editoraconcilio.com.br
Para Karalee
“Tudo me é permitido”, mas nem tudo convém. “Tudo me é permitido”, mas eu não deixarei que nada me domine... “Tudo é permitido”, mas nem tudo edifica. — Apóstolo Paulo
SUMÁRIO
Prefácio por John Piper ....................................................................... 13 Prólogo ...................................................................................................... 17 Introdução: um pouco de história da tecnologia ...................... 33 1. Estamos viciados em distração ................................................... 47 2. Ignoramos nossa carne e nosso sangue ................................... 63 3. Desejamos ter aprovação imediata ........................................... 75 4. Perdemos nosso letramento ........................................................ 93 5. Alimentamo-nos do que é produzido .................................... 107 6. Tornamo-nos parecidos com o que “curtimos” .................... 131 7. Tornamo-nos solitários ................................................................. 143 8. Sentimo-nos confortáveis com os vícios secretos .............. 157 9. Perdemos o sentido das coisas .................................................. 175 10. Tememos estar perdendo algo ................................................ 185 11. Tornamo-nos duros uns com os outros ................................ 197 12. Perdemos nosso lugar no tempo ............................................ 215 Conclusão: usando o celular com inteligência ......................... 229 Epílogo ................................................................................................... 247 Agradecimentos .................................................................................. 259
PREFÁCIO
Por John Piper
Os celulares são perigosos, assim como são o casamento, a música
e a boa comida — ou qualquer outra coisa que possa tornar-se um ídolo. Mas esses aparelhos também são muito úteis, da mesma forma que as armas, as lâminas de barbear e a cannabis medicinal — ou tantas outras coisas que podem arruinar sua vida. Pessoalmente, gosto muito de ser casado e uso lâminas de barbear diariamente. Por isso, estou nessa com Tony Reinke, em seu moderado entusiasmo acerca das constantes mudanças no mundo da tecnologia moderna. Mas eu nunca poderia ter escrito este livro. Não teria a paciência necessária para isso, e não leio rápido o suficiente ou com tamanha amplitude. Tony fez mais pesquisa para este livro do que para qualquer outra coisa que ele já tenha escrito. E esses outros livros não foram lançados juntos. Seu compromisso em se manter informado e, ao mesmo tempo, ser justo, exigiu que ele prestasse notável atenção às sutilezas e tivesse um compromisso persistente com reedições cada vez mais claras. Adicione isso ao dom de perspicácia teológica e este livro torna-se uma obra que pouquíssimas pessoas poderiam escrever. Eu certamente não conseguiria. Mas, de fato, eu tenho uma pequena vantagem ao refletir sobre o celular. Tenho 70 anos. E isso é uma vantagem por duas razões. Uma delas é que eu já era adulto durante toda a revolução dos computadores — desde seu início. A outra é que já posso avistar os raios da eternidade bem ali no horizonte. Consegui meu primeiro emprego como professor em 1974. Na época, eu tinha 28 anos. O primeiro computador pessoal foi introduzido em 1975. Era um verdadeiro trambolho. E não me dou 13
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bem com trambolhos. Por isso, costumo esperar. Em 1980, deixei a vida acadêmica e me tornei pastor. Praticamente nenhuma igreja usava computadores em 1980. Eles mais pareciam brinquedos caros e calculadoras extravagantes do que qualquer outra coisa. Mas logo as coisas começaram a ficar sérias. A IBM produziu o primeiro computador pessoal em 1981 e, no ano seguinte, a revista Time considerou 1982 “o ano do computador”. O preço era proibitivo. Mas eu queria ter um por uma razão principal: processamento de texto. Para escrever. O preço já era menor em 1984 e a anotação de 16 de junho em meu diário dizia: “Eu comprei um computador ontem. Um PC da IBM, 256 KB de RAM, leitor duplo de disquete, por US$1.995”. O monitor era à parte. O sistema operacional de disco (DOS 2.1) custava US$60. Vinte e três anos mais tarde, foi criado o iPhone. Computador e celular agora são a mesma coisa. Eu entrei nessa onda no prazo de um ano. Fazendo ligações. Enviando mensagens de texto. Mantendo-me atualizado em relação às notícias. Jogando palavras cruzadas com minha esposa. E lendo a minha Bíblia, salvando versículos — e memorizando-os em qualquer lugar. No meio de todos os abusos e toda a devastação da distração, das horas desperdiçadas, da autopromoção narcisista e da degradação pornográfica, ainda consigo ver o computador e o celular como dádivas de Deus — da mesma forma que o papiro, o códice, o papel e a imprensa. Se você viver o suficiente, orar fervorosamente e mantiver o foco na incorruptível Palavra de Deus, poderá ser poupado da escravidão da inovação. E, com o passar do tempo, poderá ver algo maravilhoso acontecer. Você verá o fascínio cheio de vaidade dar lugar a um uso sóbrio. Você poderá observar a transformação do brinquedo em uma ferramenta; de uma mania em um parceiro de trabalho; de senhor em servo. Usando as palavras de Tony — e seu objetivo — você pode observar o triunfo do uso eficiente sobre um hábito desprovido de sentido. 14
PREFÁCIO
Eu gostaria de proporcionar a cada jovem adulto o gosto da eternidade, que se intensifica quando você entra na oitava década de vida. Uma alegre consciência da realidade da morte e do porvir é um elemento libertador e maravilhoso do modismo e do deslizar impensado das telas. Refiro-me a uma “alegre consciência” porque, caso tudo que você possui seja medo, seu celular provavelmente é um dos meios que você usa para escapar de pensar sobre a morte. Mas se você se alegrar na esperança da glória de Deus porque seus pecados estão perdoados por meio de Jesus, então seu celular se torna uma espécie de mula de carga no caminho para o céu. E mulas não são mantidas por sua boa aparência. Elas simplesmente fazem seu trabalho. O trabalho não é impressionar ninguém. O trabalho é valorizar Cristo e amar as pessoas. Nós fomos criados para isso. Então, não desperdice sua vida enfeitando sua mula. Faça-a carregar o peso de mil obras de amor. Faça-a acompanhá-lo às alturas das montanhas de adoração. Se isso soa estranho para você, mas também atraente, Tony vai atender bem às suas expectativas nas páginas seguintes. Onde mais você vai ver um iPhone ser relacionado à Nova Jerusalém? Onde mais alguém será sábio o suficiente para dizer que “nossa maior necessidade na era digital é contemplar a glória do Cristo invisível no fraco brilho azulado de nossas Bíblias pixelizadas”? Onde mais ouviremos louvor adequado aos aplicativos da Bíblia ao lado de uma confissão honesta de que “nenhum aplicativo pode soprar vida à minha comunhão com Deus”? Quem mais tem escrito sobre celulares com a convicção de que “a imaginação cristã tem padecido de muita fome por uma alimentação teológica sólida”? E quem mais vai confrontar o suposto ocultamento de nossos pecados privados com esta verdade: “Não existe real anonimato. É só uma questão de tempo.”? Sim. E o tempo é curto. Não o desperdice desfilando com sua mula. Faça-a trabalhar. Seu Criador ficará contente. 15
PRÓLOGO
Este maldito celular! Enfado da produtividade. Uma praga de
bipes e vibrações. Um dispositivo sem alma e com fome insaciável de energia. Conjurador de truques digitais. Pulseira de vigilância. Poço de dinheiro. Inescapável roteador de trabalho. Ditador, armadilha, inimigo! Mas também é meu incansável assistente pessoal, companheiro de viagem insubstituível e minha forma de conexão ultrarrápida com meus amigos e familiares. Tela de realidade virtual. Dispositivo de jogos. Lastro para a vida diária. É meu amigo inteligente, meu alerta e colaborador sempre a postos. Este bendito celular! Meu telefone é uma janela para o que é inútil e para o útil, para o que é artificial e também para o que é autêntico. Algumas vezes, sinto que meu telefone é um vampiro digital, sugando todo o meu tempo e toda a minha vida. Outras vezes, sinto-me como um centauro cibernético — parte humana, parte digital — à medida que meu telefone e eu vamos nos fundindo perfeitamente em um complexo conjunto de ritmos e rotinas. IPHONE 1.0
Steve Jobs, o mago da tecnologia, apresentou o iPhone na Macworld Expo, em 9 de janeiro de 2007, como um “gigante” de 3,5 polegadas com tela de alta resolução, que não exigia teclado físico ou caneta. Ao contrário dos desajeitados celulares de até então, ele anunciou: “Vamos usar o melhor dispositivo de seleção que existe no mundo todo. Vamos usar um dispositivo com o qual todos nós nascemos — e nascemos com dez deles. Vamos usar nossos dedos”. Desse 17
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momento em diante, a magia da tecnologia multitoque introduziria reconhecimento de toque altamente preciso em um dispositivo de bolso, trazendo o homem para uma proximidade mais íntima com sua tecnologia computacional, de uma forma jamais vista. Quando, mais tarde, Jobs anunciou, como um elemento adicional, “Você agora poderá tocar sua música”, a magnitude da declaração foi mística demais para ser compreendida naquele momento.1 A Apple lançou oficialmente o primeiro iPhone em 29 de junho de 2007, e eu comprei um no outono desse mesmo ano. Fiquei maravilhado com a tecnologia dentro daquele telefone portátil reluzente: um sistema operacional legítimo de computador, um iPod recém-projetado para minha música, um mecanismo rápido de enviar mensagens para amigos, um vídeo de alta definição combinado com um novo navegador móvel para preservar a visualização da web, um acelerômetro para monitorar como toco, giro e inclino meu telefone, tudo em uma tela com controles táteis intuitivos guiados por movimentos de tocar, deslizar e ampliar. Em uma viagem de carro, poucos dias após a sagrada aquisição, fui para a parte externa de uma área de descanso em um estado de Iowa cheio de neve, desbloqueei meu novo iPhone e respondi ao meu primeiro email bem no meio do campo. Sem precisar de fios. Sem esforço. E fiquei viciado, assim como milhões de outras pessoas. Em dez anos, quase um bilhão de iPhones foram vendidos. O dispositivo celular da Apple logo foi seguido pelo Android, de modo que os smartphones se disseminaram pelo globo e por todos os cantos de nossas vidas. Nós agora verificamos nossos celulares a cada 4,3 minutos de todo o nosso tempo acordados.2 Desde que
1. Mic Wright, “The Original iPhone Announcement Annotated: Steve Jobs’ Genius Meets Genius”, The Next Web, thenextweb.com (6 set. 2015). 2. Jacob Weisberg, “We Are Hopelessly Hooked”, The New York Review of Books (25 fev. 2016). 18
PRÓLOGO
comprei meu primeiro iPhone, tenho um celular ao meu alcance 24 horas por dia: para me acordar pela manhã, para organizar minha biblioteca de músicas, para me entreter com vídeos, filmes e televisão ao vivo, para registrar minha vida em fotos e vídeos, para me permitir jogar o jogo mais recente, para me guiar por ruas estranhas, para exibir minha mídia social e para me assegurar todas as noites que ele me acordará novamente (desde que eu o coloque para carregar). Eu uso meu telefone para manter nosso cronograma familiar, que está em constante mudança, sincronizado em tempo real. Eu usei meu telefone para pesquisar, editar e até mesmo escrever seções deste livro. Eu uso meu telefone para praticamente tudo (exceto para ligações, aparentemente). E carrego meu telefone comigo aonde quer que eu vá: ao quarto, ao escritório e, sim, também ao banheiro. O celular aliou várias tecnologias3 que ainda estavam sendo desenvolvidas ao dispositivo manual mais poderoso de conectividade social já inventado. Com nossos telefones, tudo na vida é imediatamente fotografável e compartilhável. Portanto, eu não me surpreendi quando os editores da revista Time nomearam o iPhone o dispositivo individual mais influente de todos os tempos, dizendo que ele “mudou radicalmente nossa relação com a computação e a informação — uma mudança que possivelmente repercutirá nas décadas seguintes”.4 Ah, sim, as repercussões. E qual é o preço de toda essa magia digital? Eu também descobri que meu onipresente iPhone está corroendo minha vida com distrações — algo involuntariamente reconhecido pelos executivos da Apple na véspera do lançamento do Apple Watch, 3. Este livro é muito pequeno para recontar a história fascinante do celular. Para saber mais a esse respeito, consulte o livro de Majeed Ahmad, Smartphone: Mobile Revolution at the Crossroads of Communications, Computing and Consumer Electronics (North Charleston, SC: CreateSpace, 2011). 4. Lisa Eadicicco et al., “The 50 Most Influential Gadgets of All Time”, revista Time (3 maio 2016). 19
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anunciado como uma tecnologia mais nova e menos invasiva para corrigir todo o ruído digital trazido às nossas vidas pelo iPhone.5 O que eu não sabia quando desembalei meu primeiro iPhone é que Jobs já estava protegendo ativamente os próprios filhos de suas máquinas digitais.6 Eu não deveria estar me protegendo também? A GRANDE QUESTÃO
Os criadores e publicitários do celular exercem grande poder sobre nós, e eu quero saber qual é o efeito dessa tecnologia em minha vida espiritual. Assim como em todas as áreas da vida cristã, quero aprender com a história da igreja e com os cristãos mais antigos. A primeira entrevista feita por mim, enquanto ainda percorria o caminho de produção deste livro, foi uma ligação telefônica para David Wells, um teólogo de 75 anos. (1939–). Seu livro mais recente sobre a santidade de Deus foi surpreendentemente preenchido por uma discussão sobre tecnologia (um subtópico relevante em qualquer conversa na atualidade).7 “Foi somente a partir de meados de 1990 que a web passou a ser amplamente utilizada em nossa sociedade, então estamos falando de cerca de duas décadas apenas”, disse Wells. “E assim nós — todos nós — estamos tentando descobrir o que é útil e o que nos prejudica. Não podemos escapar dela, e provavelmente nenhum 5. David Pierce, “iPhone Killer: The Secret History of the Apple Watch”, Wired (abril de 2015). 6. Em 2010, logo após a Apple lançar seu tablet (iPad), um repórter perguntou a Jobs: “E, então, seus filhos também amam o iPad?”, ao que ele respondeu: “Eles nunca o usaram. Nós limitamos a quantidade de tecnologia que nossos filhos usam em casa”. Nick Bilton, “Steve Jobs Was a Low-Tech Parent”, The New York Times (10 set. 2014). Mais tarde, o vice-presidente de design da Apple, Jonathan Ive, admitiu estabelecer “regras rígidas sobre o tempo em frente às telas” para seus filhos gêmeos de 10 anos. Ian Parker, “The Shape of Things to Come”, The New Yorker (2 mar. 2015). 7. David Wells, God in the Whirlwind: How the Holy-love of God Reorients Our World (Wheaton, IL: Crossway, 2014). 20
PRÓLOGO
de nós quer escapar. Não podemos nos tornar monges virtuais.” Para minha surpresa, Wells pareceu pessoalmente familiarizado com as tentações: “Não há dúvida de que a vida se torna muito mais distraída, porque recebemos notificações, bipes e mensagens de texto. Estamos, de fato, convivendo com um universo paralelo e virtual, um universo que pode ocupar todo o tempo que temos. O que acontece conosco quando somos constantemente estimulados, ou melhor, quando ficamos quase viciados ao estímulo visual constante? O que isso está fazendo conosco? Essa é a grande questão”.8 Wells está absolutamente correto — nossos telefones são variáveis constantes, sempre mudando e transformando novos comportamentos em nós. Muitos anos atrás, Jacques Ellul (1912–1994) nos alertou, de maneira profética, do perigo da era tecnológica, escrevendo que “a imprevisibilidade é uma das características gerais do progresso tecnológico”.9 A imprevisibilidade da era tecnológica carrega consigo certo nível de insegurança inabalável que nos conduz para longe de uma resposta à pergunta de Wells. Não sabemos o que nossos celulares estão nos causando, mas estamos passando por mudanças — e isso é nítido. Depois enviei um email a Oliver O’Donovan (1945–), um especialista em ética cristã de 71 anos da Escócia, para lhe perguntar se os cristãos deveriam sentir-se desconfortáveis com a ascensão da tecnologia de comunicação digital. “As comunicações eletrônicas são uma questão mais direcionada à geração mais jovem do que a mim”, admitiu. “São eles que têm de aprender a compreender os poderes e as ameaças que elas incorporam, em parte por meio de tentativa e erro, mas também, e muito importante, lembrando-se do que era mais importante antes da revolução das comunicações tomar conta de tudo.” 8. David Wells, entrevista com o autor por telefone (9 jul. 2014). 9. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990), p. 60. 21
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“Nunca ninguém teve de aprender isso antes”, disse ele sobre as questões que agora encaramos. “Ninguém é capaz de ensinar a tal respeito a essa nova geração. É um enorme desafio para a inteligência consciente, entregue exclusivamente a eles. O perigo que enfrentam, naturalmente, é que as ferramentas definem a pauta. Uma ferramenta de comunicação é uma ferramenta para comunicar alguma coisa.” Em seguida, ele repetiu a indagação de Wells: “As mídias não ficam simplesmente por aí de forma passiva, à espera de que nos juntemos a elas e encontremos nelas alguma utilidade para algum projeto que temos em mente. Elas nos dizem o que fazer e, de forma mais significativa, o que devemos querer fazer. Há um fluxo na maré e, se não soubermos nadar, seremos carregados por ela. Vejo alguém fazer algo e logo quero fazer a mesma coisa. Então eu esqueço o que quer que seja que achei que gostaria de fazer.” O’Donovan concluiu a entrevista com um impressionante aviso: “Essa geração tem uma tarefa ímpar: a de discernir para o que os novos meios de comunicação são realmente bons e, também, para o que eles não são bons. Caso falhem, as gerações posteriores pagarão o preço”.10 MINHAS TENSÕES
Eu queria escrever este livro dialogando com os anciãos da igreja, mas minhas perguntas a Wells e O’Donovan ricochetearam uma pergunta diretamente para mim: como nós, aqueles que estão mais familiarizados com celulares, podemos dar nosso melhor para nos aprofundarmos nas respectivas consequências? Eu também me vejo em uma situação complicada, tendo de me perguntar de que maneira meu telefone está me transformando, ao mesmo tempo que trabalho online em tempo integral e tento
10. Oliver O’Donovan. Entrevista com o autor por email (10 fev. 2016). 22
PRÓLOGO
aproveitar minhas habilidades e experiências para cativar a atenção de um público virtual. E, à medida que o universo online está cada vez mais se globalizando, novas oportunidades para o evangelho também estão sendo abertas. De modo geral, o poder da era digital para agrupar a inteligência humana e os dados reais não tem precedentes (a Wikipédia é apenas um exemplo do que está por vir). Oportunidades inigualáveis são agora dadas a todo cristão para um ministério online. Hoje, nossos mais proeminentes pregadores podem alcançar centenas de milhares de pessoas por meio das mídias sociais. Até mesmo o cristão mais comum pode falar para uma audiência imediata de duzentos ou trezentos amigos no Facebook, um alcance sem precedentes na história humana. Dessa forma, eu sinto o cerco se fechando. Quero me tornar hábil em atrair atenção online (para Cristo), mas também quero fazer perguntas críticas sobre meus próprios impulsos, hábitos e suposições em relação ao meu telefone. MINHA INTENÇÃO
Este livro sobre celulares poderia facilmente tornar-se mais grosso que uma lista telefônica, então, para mantê-lo pequeno, vou abordar apenas o que é essencial e navegar com cuidado e concisão. Enquanto alguns escritores afirmam que nossos telefones estão nos tornando cognitivamente mais apurados e relacionalmente mais intensos,11 outros nos alertam para o fato de que nossos telefones estão nos tornando rasos, limitados e menos competentes no
11. Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing Our Minds for the Better (New York: Penguin, 2013); e Steven Johnson, Everything Bad Is Good for You: How Today’s Popular Culture Is Actually Making Us Smarter (New York: Riverhead Books, 2006). 23
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
mundo real.12 Ambos os argumentos soam verdadeiros algumas vezes, mas “as mídias sociais são, em grande parte, aquilo que fazemos delas — um meio de escapismo ou transformação, dependendo do que esperamos delas e de como as usamos”.13 A pergunta deste livro é simples: qual é o melhor uso do meu celular no desenvolver da minha vida? Com esse propósito, meu objetivo é evitar ambos os extremos: o otimismo utópico dos tecnófilos e o pessimismo distópico dos tecnofóbicos. O’Donovan tem toda a razão quando diz que nossa tentação é a de ver alguém fazendo algo e, em seguida, simplesmente copiar o comportamento e perder de vista nossos chamados pessoais e objetivos de vida. Em outras palavras, precisamos nos perguntar: quais tecnologias atendem aos meus objetivos? E quais são os meus objetivos, antes de qualquer coisa? Sem respostas claras a esse respeito, não podemos fazer qualquer progresso em pensar sobre os prós e contras dos celulares na condição de cristãos. Ainda assim, se você tem um celular, é provável que já tenha abusado dele. Esse abuso é alvo de inúmeras matérias em revistas, livros de lamentação e vídeos poderosos que revelam que o uso excessivo do nosso celular influencia nossas vidas em um nível absurdo. Um momento de culpa pode ser um poderoso motivador, mas não vai durar muito. Assim que a motivação se esvai e a culpa diminui, retornamos aos antigos comportamentos. Isso ocorre porque nossas convicções fundamentais são demasiadamente frágeis para sustentar novos padrões de comportamento, de modo que aquilo que parece imediatamente “certo” (desligar nossos telefones) 12. Nicholas Carr, A geração superficial: o que a internet está fazendo com nossos cérebros (Rio de Janeiro: Agir, 2019); e Mark Bauerlein, The Dumbest Generation: How the Digital Age Stupefies Young Americans and Jeopardizes Our Future (Or, Don’t Trust Anyone Under 30) (New York: TarcherPerigee, 2009). 13. Andy Crouch, Strong and Weak: Embracing a Life of Love, Risk & True Flourishing (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2016), p. 87. 24
PRÓLOGO
não é nada mais do que o produto de um simples momento de vergonha. O que precisamos, de fato, é da disciplina de uma vida nova, oriunda em um novo conjunto de prioridades e capacitada pela liberdade de nossa nova vida em Jesus Cristo. Então, eu não posso simplesmente falar para você deixar seu telefone de lado, largá-lo ou pegá-lo novamente após um período de estafa. Meu objetivo é, antes de tudo, explorar por que você deveria tomar atitudes desse tipo. BREVE IMPRESSÃO
Aqui está um punhado de observações para você ter em mente à medida que vamos apresentando o assunto. Em primeiro lugar, este livro é escrito tanto para mim como por mim. Eu não apenas preciso dessa mensagem, como também carrego seu fardo. Se o título sugere que estou pregando para você, eu não estou. Estou pregando para mim mesmo. Poucos de vocês se tornarão autores, mas nós, que escrevemos livros sobre ética, somos mais rigorosos com o que escrevemos do que qualquer outra pessoa. Em segundo lugar, para manter o título deste livro curto, deixei implícito que tudo o que está nele é relevante para cada um dos leitores. Na verdade, nunca estive tão familiarizado com a variedade de hábitos relacionados ao celular. Nós pegamos nossos celulares como criadores ou consumidores de conteúdo e focamos em conteúdos atemporais ou atuais. Da mesma forma, nosso relacionamento com o celular tende a certas direções: ou como parte de comunidades virtuais ou como complementos aos nossos relacionamentos face a face. E essas conversas permeiam constantemente entre a edificação e o papo furado (veja a Figura 1, p. 26). Todos nós transitamos constantemente entre essas categorias, e cada tendência apresenta seus próprios pontos fortes e fracos, a serem abordados nas páginas seguintes. Mas nenhum de nós se enquadra exatamente da mesma forma que outra pessoa. Eu menciono isso logo agora, no 25
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
começo do livro, como uma forma de pedir que você seja paciente quando discutirmos sobre hábitos que podem não ser diretamente aplicáveis a você. CRIADOR de conteúdo digital conteúdo TEMPORAL
conteúdo ATEMPORAL
CONSUMIDOR de conteúdo digital
EDIFICAÇÃO de conteúdos digitais Comunidade virtual investidora
Vida real aplicada
Conteúdo digital de PAPO FURADO
Figura 1. Relacionamentos e hábitos relacionados ao celular
Em terceiro lugar, este livro não é anticelular; ele foi escrito para pessoas que, como eu, se beneficiam do uso do celular e o usam diariamente. Provavelmente vocês vão ouvir a respeito deste livro nas redes sociais em seu celular, e alguns de vocês vão ler o presente conteúdo em seus telefones, publicar citações no Facebook — e isso não é oximoro, irônico ou paradoxal; é o cumprimento da razão pela qual escrevi e de como pretendo passar a mensagem. Em quarto lugar, este livro também não é pró-celular. Eu quero que este livro seja equilibrado, embora o equilíbrio não seja minha principal preocupação. Pouco importa se alcançarei ou não o 26
PRÓLOGO
equilíbrio completo entre pró-celular e anticelular (até mesmo na divisão das seções), porque sei que, no final das contas, os leitores estarão divididos. Ressalto esse ponto previamente com a intenção de falar de forma mais direta aos meus leitores que pretendem rever os padrões de suas vidas (e também para evitar que este livro fique inchado com um milhão de condições, ressalvas e qualificações). Prossigo sob a suposição de que todos nós precisamos parar e refletir a respeito de nossos hábitos impulsivos no celular, pois, em uma época em que nossos olhos e corações são capturados pelo mais recente e brilhante dispositivo, precisamos de mais autocrítica, e não de menos. Em quinto lugar, já que você está lendo um livro intitulado 12 maneiras como seu celular está transformando você, presumo que provavelmente seja o tipo de leitor que acolhe, corajosamente, essas autocríticas. Por isso, eu o parabenizo. O antigo filósofo Sêneca estava completamente certo quando disse: “Algumas vezes, seja duro consigo mesmo”.14 Algumas vezes. Nem sempre. Em certos momentos importantes da vida, observe-se no espelho do banheiro, aperte bem os olhos e projete pessimismo na pessoa que você vê. Todos nós precisamos de crítica saudável. Mas, se tudo o que você faz é ser duro consigo mesmo, deixe-me dar um alerta. Este livro terá falhado se, ao lê-lo, você apenas passar a se odiar ainda mais, e terá sido bem-sucedido caso o tenha conduzido a desfrutar mais de Cristo. Então, se você se pega facilmente sobrecarregado com culpa e insegurança, eu oro para que este livro ensine e prepare você a desfrutar liberdade na vida, de modo que você prove mais profundamente a infinita alegria que temos em Cristo, deixando as indulgências medíocres para trás ao avistar os prazeres mais profundos e mais satisfatórios no porvir. 14. Seneca, Letters from a Stoic: Epistulae Morales ad Lucilium, trad. Robin Campbell (New York: Penguin, 2015) p. 67. 27
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Em sexto lugar, eu citarei teólogos, filósofos, professores, pastores, papas, não cristãos notáveis e ateístas conhecidos — e a inclusão deles neste livro não é um completo endosso às suas respectivas teologias ou um endosso por atacado às menções adiante de links, aplicativos, livros ou filmes de mafiosos. Por último, como sugere o título, este livro se concentra mais no diagnóstico e na cosmovisão do que na aplicação. Não vamos ignorar aplicações importantes, mas elas serão implícitas genericamente em todo o texto e abordadas especificamente no final. UM CHAMADO À HUMILDADE
A insegurança é marca registrada das criaturas sábias.15 E conversas autocríticas sobre nossos comportamentos individuais requerem uma grande dose de humildade. Com frequência, conversas acerca de nossos celulares não levantam novos questionamentos; ao contrário, reconduzem-nos às eternas perguntas que todas as gerações são forçadas a fazer. Veja, por exemplo, o Snapchat, o fenômeno mais recente sobre a “forma de expressão instantânea”. Em uma de minhas entrevistas, um teólogo sugeriu que é difícil que seu “sim” seja sim quando suas palavras desaparecem em poucos segundos.16 Mas os defensivos especialistas de TI vão imediatamente combater esse argumento com um fato simples: enquanto palavras efêmeras compartilhadas no Snapchat desaparecem em segundos, nossas palavras vocalizadas desaparecem no ar em centésimos de segundo. A tecnologia não torna nossas palavras mais temporárias — se é que faz algo, a tecnologia as torna mais duráveis. Se tivermos de contabilizar toda palavra vã, somos provavelmente a primeira geração que pode
15. Provérbios 3.5-8; 12.15; 26.12. 16. Tiago 5.12. 28
PRÓLOGO
verdadeiramente vislumbrar o volume de palavras vãs, já que as publicamos mais do que qualquer grupo da história humana. Portanto, embora possamos examinar nossa autenticidade quando falamos por meio de mensagens que se autodestroem (como o Snapchat), nossos telefones não tornam nossas palavras mais transitórias ou vazias; eles simplesmente levantam questões que são feitas em todas as gerações. E somente quando reconhecemos essas questões, podemos voltar a examinar o Snapchat. É assim que as conversas nos meios digitais geralmente ocorrem. Dessa forma, começo o livro pedindo uma trégua. Podemos concordar que algumas das questões mais importantes acerca do celular também se aplicam às conversas travadas em meios não virtuais? Só porque uma luta que enfrentamos em nossa vida virtual também se relaciona com contextos não virtuais, isso não significa que a conversa em meio digital tenha de ser evitada — simplesmente significa que a Escritura se prova atual e relevante na era digital. QUEM SOU EU?
Como você pode ver, essa jornada para desembaraçar o relacionamento com meu telefone é muito pessoal (ou seja, autocrítica a mim), razão pela qual você precisa saber quem eu sou desde o início. Eu sou um “pioneiro na adoção”17 — uma maneira sutil de dizer “um viciado convicto em iPhone e tecnologia”. Também sou um cristão que entende a Bíblia como autoridade irrevogável e definitiva sobre a minha vida há quase duas décadas. Tenho educação em negócios, jornalismo e artes liberais, e atualmente trabalho como repórter investigativo da complexa dinâmica da vida cristã em confronto com as atuais pressões da conformidade cultural.
17. “Early adopter”. Uma pessoa que adquire uma nova tecnologia, produto ou serviço assim que é lançado. (N. do E.) 29
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Pesquiso e escrevo em conjunto com muitas outras vozes da igreja, tanto de pessoas vivas como mortas. Sou casado há quase duas décadas. Minha esposa e eu temos três filhos, e estamos tentando criá-los para que sejam competentes no uso de tecnologia e, ao mesmo tempo, autocontrolados.18 Em nossa casa, atualmente temos um desktop, três notebooks, três tablets, três celulares e um iPod. No momento em que este livro foi publicado, compilei 32,6 anos de experiência em quatro plataformas: blog, Twiter, Facebook e Instagram.19 Eu trabalhei online para ministérios sem fins lucrativos por uma década e nunca sem possuir um iPhone. E esses trabalhos não me isolaram das questões prementes da era digital — na verdade, amplificaram-nas. Ao mesmo tempo, meu trabalho me colocou em contato com vários dos mais ponderados filósofos, teólogos, pastores e artistas cristãos que estão cuidadosamente pensando sobre como ajudar a igreja a responder com sabedoria à era digital, e eu vou compartilhar alguns dos melhores insights de minhas conversas com eles. Simultaneamente, escrevi este livro em um diálogo com uma variedade de cristãos: estudantes, solteiros, casais casados, pais, construtores, profissionais de negócios e líderes de ministérios. Cada um de nós enfrenta questões similares sobre como viver de forma saudável e equilibrada na era digital. DESEJOS FUTUROS
O teórico de mídia Marshall McLuhan (1911-1980) lembrou à sua geração que tecnologia é sempre uma extensão do próprio indiví-
18. Tony Reinke, “Walk the Worldwide Garden: Protecting Your Home in the Digital Age”, Desiring God, desiringGod.org (14 maio 2016). 19. Escrevo para blogs há 565 semanas, posto no Twitter e Facebook há 441 semanas cada e uso Instagram há 248 semanas. 30
PRÓLOGO
duo. Uma faca é simplesmente uma extensão da minha mão. Meu carro é uma extensão dos meus braços e pés, basicamente nada mais do que o carro do Fred Flintstone. Da mesma forma, meu smartphone amplia as minhas funções cognitivas.20 Os neurônios ativos do meu cérebro são um emaranhado crepitante de impulsos elétricos dentro do crânio, e meus pensamentos vívidos são como uma tempestade no Kansas.21 Essa pequena tempestade elétrica no espaço microscópico do meu sistema nervoso estende-se naturalmente aos meus polegares para criar minúsculas fagulhas digitais de eletricidade dentro do meu telefone, que são emitidas por ondas de rádio para o mundo inteiro. Isso tudo significa que meu telefone ocupa um lugar no tempo e no espaço — fora do meu corpo —, espaço no qual posso projetar meus relacionamentos, meus anseios e o escopo completo da consciência de minha existência. Na verdade, segure a palavra “desejo” em frente a um espelho, e você poderá ler “ojesed”, que é o nome do espelho mágico nos livros do Harry Potter.22 No antigo Espelho de Ojesed, você verá os mais profundos desejos de seu coração revelados em imagens vívidas. As telas brilhantes de nossos celulares fazem o mesmo. 20. “Se a roda é uma extensão do pé, e as ferramentas são das mãos, costas e braços, então o eletromagnetismo parece ser, em suas manifestações tecnológicas, uma extensão de nossos nervos e torna-se, principalmente, um sistema de informação.” Marshall McLuhan, entrevista em vídeo, “O futuro do homem na era da eletricidade”, marshallmcluhanspeaks.com (BBC, 1965). Ao longo do livro, vou distinguir nossas vidas como encarnada e desencarnada. Tais termos não são tão precisos, mas são palavras úteis para estabelecer contraste. Claro que nós sempre usamos nossos corpos em nossos telefones: nossos olhos, polegares, orelhas, cérebros e até mesmo nossos nervos, para sentir as vibrações. A utilidade dos termos ficará clara mais adiante no livro, quando discutirmos sobre a influência dos telefones em nossa saúde física, algo que, com frequência, ignoramos. Eles também servirão como um bom contraste para a vida encarnada, termo que uso em referência a cenários nos quais nossa personalidade como um todo (corpo, alma e emoção) é mostrada e usada simultaneamente (como em uma conversa face a face). 21. Uma metáfora de N.D. Wilson, “Palavras encarnadas: estórias contando histórias e as bonecas russas de criatividade divina”, Vimeo, vimeo.com (25 abr. 2015). 22. J. K. Rowling, Harry Potter e a Pedra Filosofal (Rio de Janeiro: Rocco, 2017), p. 140. 31
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Por demasiadas vezes, meu telefone não expõe os santos desejos do que eu sei que deveria querer, nem o que eu acho que quero, muito menos o que eu quero que você pense que eu quero. A tela do meu telefone divulga em pixels precisos como uma navalha o que meu coração realmente quer.23 A tela brilhante do meu telefone projeta aos meus próprios olhos os desejos e as afeições que habitam nos recantos mais abstratos do meu coração e da minha alma, os quais encontram expressão visível em pixels de imagens, vídeo e texto, para que eu veja, consuma, digite e compartilhe. Isso significa que tudo que acontece no meu celular, especialmente sob o disfarce de anonimato, é o que verdadeiramente habita em meu coração, refletido aos meus olhos em pixels coloridos. Honestamente, isso pode explicar até mesmo as senhas. Acessar um telefone é dar uma espiada no interior da alma de outra pessoa. Temos muita vergonha de que outras pessoas vejam o que clicamos, olhamos e procuramos online. O que poderia ser mais inquietante? Se formos honestos o suficiente para enfrentar nossos hábitos no smartphone, e se usarmos as páginas a seguir como um convite à comunhão com Deus, podemos esperar encontrar graça para nossos fracassos virtuais e para nosso futuro digital. Deus nos ama profundamente, e ele está ansioso para nos dar tudo aquilo de que precisamos na era digital. O sangue derramado por seu Filho é prova disso.24 Precisamos de sua graça quando avaliamos o lugar que os celulares devem ocupar — os prós e os contras — na trajetória de nossas vidas eternas. Se formos complacentes, não só sofreremos agora, como também as gerações futuras pagarão o preço.
23. A realidade de um coração assombrado descrita vividamente por James K. A. Smith em Você é aquilo que ama: o poder espiritual do hábito (São Paulo: Vida Nova, 2016). 24. Romanos 8.32. 32
INTRODUÇÃO
UM POUCO DE HISTÓRIA DA TECNOLOGIA
A história deste livro não começa no momento em que meu pri-
meiro celular recebeu um email na área externa daquela parada de descanso, nos tempestuosos campos de milho em Iowa. Tampouco o lançamento do iPhone na Macworld 2007 é suficiente para retroagir no tempo. Nem mesmo é o começo da Apple ou o nascimento de Steve Jobs. Para observarmos a linha do tempo do celular, precisamos lançar um rápido olhar sobre a história da tecnologia, uma vez que remonta a séculos atrás. Nossa era digital não é um acidente cósmico. A HISTÓRIA DA TECNOLOGIA
No princípio, Deus criou Adão a partir do barro, e criou Eva a partir de uma costela. Yahweh se curvou e exalou sopro em seus pulmões, e eles acordaram em um mundo estranho com oceanos, luz solar, montanhas, frutos, animais sem nome, solos não identificados e matérias inexploradas, como diamantes, ouro, prata e ferro.1 A primeira ordem de Deus foi para que suas criaturas gerassem filhos, recolhessem alimentos e governassem os animais. Mas, nesses comandos iniciais, Deus já havia traçado o fim do jogo em seu grande plano. O jardim era apenas o começo. O objetivo era um globo de avanço tecnológico, conduzindo a uma criação tão refinada que as ruas das cidades serão pavimentadas com uma grossa camada de ouro cristalino; uma criação tão radiante e luminescente
1. Gênesis 2.10-14. 33
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que dificilmente conseguimos imaginar como parecerá no fim.2 Então, quando Adão e Eva acordaram e caminharam no jardim, um plano invisível e muito maior também foi posto em ação. O jardim sem nome se tornaria uma cidade gloriosa. Encontramo-nos bem no meio desse desenrolar da história, de passarmos de um jardim a uma cidade, e Deus está governando todo esse processo de variadas formas. Entre as grades de proteção da lei natural, amparada pelos corrimãos da abundância e da escassez de certas matérias-primas na terra, e levados adiante pelos portadores da sua imagem, cada um deles ligado à inovação, a trajetória do progresso tecnológico — desde o jardim até a cidade — foi colocada em ação. Esse processo é integralmente iniciado, direcionado e guiado por Deus.3 Mas entre o enlameado início rural do jardim e o reluzente fim urbanizado, precisamos preencher a história, porque esse é o ponto em que nos encontramos: a leste do Éden e a oeste da Grande Cidade, em uma jornada da história feita por Deus e soberanamente guiada por Ele, segurando celulares. E à medida que a história ampliada da tecnologia vai-se desenvolvendo, a Bíblia nos ensina nove realidades fundamentais que precisamos repetir para nós mesmos na era digital. 1. A tecnologia modifica a criação
A comissão de Deus para o primeiro casal, que era cuidar do mundo e dos animais, deixa implícita uma série de avanços tecnológicos que possibilitariam todo esse trabalho por meio de ferramentas de pedra, depois de cobre e, mais tarde, de ferro.
2. Apocalipse 21.18-21. 3. Essa inevitabilidade explica o que os historiadores chamam de fenômeno das “descobertas múltiplas” ou “invenções simultâneas”. Veja Clive Thompson, Smarter Than You Think: How Technology Is Changing Our Minds for the Better (New York: Penguin, 2013), pp. 58-66. 34
INTRODUÇÃO
Ao contrário de suas outras criaturas, os portadores da imagem de Deus produziriam alimentos de forma estratégica. De modo intencional, os avanços agrícolas rapidamente tiveram início — numa trajetória de pás, foices, arados puxados por cavalos, depois tratores, sistemas de irrigação e, agora, equipamentos guiados e comandados por GPS. A tecnologia é usada para subjugar a criação em prol do benefício humano, bem como para aumentar a eficiência. A agricultura de hoje não é perfeita e levanta problemas morais, mas o longo trajeto dos avanços tecnológicos é especialmente esclarecedor e impressionante. A agricultura também é um bom exemplo de tecnologia construída a partir da inteligência do Criador (dada à humanidade) e da abundância da criação (fornecida pela terra). A tecnologia é a reordenação das matérias-primas com finalidade humana. Adão e Eva reordenaram as matérias-primas do solo para fazer as plantas e as flores frutificarem. Hoje, os chefes de cozinha e cozinheiros reordenam as matérias-primas dos alimentos em refeições deliciosas. Os carpinteiros da construção civil reordenam pregos e madeira em vigas (matéria-prima) para construir casas. Os químicos farmacêuticos reorganizam os elementos orgânicos e sintéticos em drogas medicinais. Os músicos reordenam notas e sons em música. Os romancistas reordenam a matéria-prima da experiência humana em histórias. Como escritor de não ficção, eu reordeno a matéria-prima das palavras em ideias, para que uma editora reordene polpa de madeira, tinta preta e cola de liga em um livro para você segurar e ler. Tudo isso é tecnologia. 2. A tecnologia combate os resultados da queda
Não muito tempo depois na história do mundo, Adão e Eva cometeram o trágico erro — o inexplicável pecado — de ignorar a única proibição de Deus. Satanás os tentou, e Adão e Eva experimentaram tornar-se semelhantes a Deus. Nesse momento, Deus derramou 35
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sua maldição sobre a criação, e o resultado imediato foi a ruptura nas relações do homem com tudo e com todos.4 A queda ainda nos afeta hoje — ervas daninhas nas plantações, dor de parto e embaraço mediante a nudez. Os agricultores usam a tecnologia para matar as ervas daninhas e minimizar espinhos e cardos nas fazendas. As mulheres usam a tecnologia para suprimir a dor no parto. Os estilistas de moda usam tecido para cobrir nossos corpos. O avanço tecnológico é um presente gracioso de Deus para nos ajudar a viver numa criação caída. Mas toda essa tecnologia também nos faz lembrar de nosso problema fundamental — nós estamos pecaminosamente alienados de Deus. 3. A tecnologia estabelece o poder humano
Quando desatrelada do medo e da obediência a Deus, a tecnologia rapidamente se torna um peão nos jogos de poder humanos. A descoberta do cobre e a invenção do ferro, mais resistente e de melhor fundição, tornaram a agricultura mais fácil, mas também viabilizaram novos equipamentos de guerra.5 Possuir minas de ferro e empregar ferreiros significavam controlar um fornecimento infinito de novos armamentos, que, por sua vez, significava ter superioridade militar — e isso significava exercer poder sobre as nações rivais. Arcos, flechas, ferro e pólvora dão poder para defender e conquistar. O mesmo acontece hoje. Poder e superioridade apoiam-se na tecnologia: armas nucleares, navios de guerra, drones, aviões de caça e mísseis. Quanto maior é o poderio militar de uma nação, mais poder exerce no mundo. E tal poder só pode ser quantificável e escalável por meio da inovação tecnológica.
4. Gênesis 3.1–24. 5. Gênesis 49.5; Juízes 1.19; 4.3. 36
INTRODUÇÃO
4. A tecnologia ajuda a edificar almas
Na história bíblica, as inovações também servem aos adoradores. Os instrumentos musicais foram inventados para que o povo de Deus expressasse sua alegria em belas canções.6 Mais tarde, o templo de Israel exibiu anos de avanço na tecnologia de construção, metalurgia e técnica artística. A grandeza e a escala majestosa do templo proclamavam às nações a glória, a grandeza e o esplendor do Deus de Israel. E conforme o plano de Deus mudou de uma religião do tipo “venha e veja” (Antigo Testamento) para uma religião focada em “vá e pregue” (Novo Testamento), o cinzel e a pedra deram lugar a avanços primitivos em papel e tinta, tornando possível o avanço da tecnologia da comunicação escrita. As palavras de Deus —inicialmente marcadas em pedra, depois processadas em peles de animais e, posteriormente, em produtos de árvores — se tornariam o ponto central do Criador para reunir seu povo separado por continentes, línguas e milênios. Com o tempo, os muitos pergaminhos do Antigo Testamento e os muitos livros e cartas do Novo Testamento foram reunidos em um códice, traduzidos e publicados em massa como um único livro de autoridade unificada que agora, convenientemente, carregamos em uma única mão. Cada vez que abrimos nossas Bíblias, nossas almas estão sendo alimentadas ao longo de séculos de avanço tecnológico. De trombetas e templos a Bíblias com bordas douradas, foi intencional da parte de Deus que a tecnologia desempenhasse papel essencial para que pudéssemos conhecê-lo e adorá-lo. 5. A tecnologia defende e fortalece nossos corpos
O avanço tecnológico também muda e refina nossos corpos de uma forma bastante dramática. Óculos e aparelhos auditivos ampliam 6. 1Crônicas 15.16; 23.5. 37
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nosso senso visual e auditivo. A tecnologia musical, tal como o violino, afina habilidades motoras humanas e nos oferta novos propósitos para os movimentos microrrefinados de nossos corpos. A tecnologia industrial conecta nossas mãos aos braços hidráulicos de máquinas de cavar. A tecnologia da medicina reanima corações que já pararam e conserva corpos mortos em funcionamento. Os avanços na medicina curam doenças e retardam doenças terminais. Os avanços no vestuário possibilitam que adornemos nossos corpos em formas que definem e modelam as identidades que projetamos uns aos outros.7 A tecnologia aprimora nossos corpos, refina nossos movimentos, amplifica nossas ações e modela a forma como nos apresentamos para o mundo. 6. A tecnologia dá voz à autonomia humana
O misto de bom-mau-feio na tecnologia alcançou uma expressão particularmente detestável na Torre de Babel, em uma tentativa de consolidar toda inovação da construção civil da época para construir uma cidade rebelde.8 Mais do que um simples arranha-céu, Babel foi um novo império com uma cidade unificada em torno de um templo (a torre), totalmente dedicada ao culto do progresso humano. Suprimindo a engenhosidade de Deus em todos os avanços humanos, Babel foi a tentativa do homem de sequestrar a tecnologia e fabricar uma sociedade e uma vida religiosa em rebelião ao Criador. Nesse contexto, Babel marcou a rejeição coletiva do homem à ideia de que a tecnologia é um dom de Deus. Antes de construir uma torre que tocasse os céus, o povo de Babel desenhou uma linha na areia que dizia ao Criador que “a autonomia humana vai tomar o crédito pela inovação tecnológica a partir de agora, muito 7. 1Pedro 3.3-4; 1Timóteo 2.9; Apocalipse 17.4-5. 8. Gênesis 11.1-9. 38
INTRODUÇÃO
obrigado”. A zombaria desse ato de traição também é parcialmente cômica — o homem constrói seu templo o mais alto possível e, então, o Deus vivo do universo se inclina sobre seus joelhos e coloca o rosto no chão para avaliar o progresso.9 Isso é o que acontece quando a tecnologia é mal utilizada, ou seja, usada a serviço da incredulidade. Deus é a gênese de todo o conhecimento e de todo o avanço tecnológico, sendo também o autor e consumador de uma cidade glorificada por vir. Por que um arranha-céu de barro iria impressioná-lo? A tecnologia não é inerentemente má, mas ela tende a se tornar a plataforma de escolha para expressar a fantasia da autonomia humana. 7. Deus governa cada tecnologia humana
A Torre de Babel foi realmente a Torre da Ignorância. Esse arranha-céu de orgulho foi montado com matéria-prima terrena e moldado pela engenhosidade humana — e todos esses produtos provêm de Deus. Ao construir um arranha-céu ímpio, usando os recursos de Deus colocados na terra e a criatividade de Deus colocada naqueles que carregam a sua imagem e semelhança, a arrogância humana atingiu seu ápice, como veremos adiante, assim como a total distorção do propósito humano. Então, Deus espalhou os construtores da torre por todo o mundo, em uma variedade de línguas (reunindo-as de volta no dia de Pentecostes, quando o evangelho estava pronto para ser proclamado no mundo inteiro).10 Deus não estava ausente durante a construção de Babel. Ele era o encarregado cósmico no local, anulando a tecnologia humana, a fim de atender ao seu objetivo final de proclamação do evangelho. 9. Gênesis 11.5. 10. Atos 2.1-13. 39
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Mas o reinado soberano de Deus, acima dos mais terríveis males da tecnologia, fica mais evidente do que nunca na cruz romana. Um poste de madeira vertical com uma viga transversal. A cruz era a marca do criminoso, pregado contra a madeira por três pontas de ferro e, em seguida, elevado para que todos pudessem vê-lo, enquanto a cruz estivesse presa ao chão. A cruz foi desenvolvida para matar lentamente, pelo cansaço e por asfixia, criminosos, rebeldes e escravos desobedientes. A morte lenta era uma tortura pública, um outdoor de intimidação: “Contemple o destino dos insensatos que desafiaram a lei romana e ameaçaram a estabilidade social”.11 Mas esse terrível instrumento de tortura curvou-se como uma dobradiça quando o plano redentor de Deus se revelou. Deus criou as árvores a serviço do homem, mas foi o homem quem inventou as cruzes para destruir a si mesmo. Na escuridão desse terrível momento, todo o plano de Deus deu um passo decisivo para a frente, rumo à nova cidade gloriosa. Com a má utilização dos recursos tecnológicos, o homem matou o Autor da vida, mas Deus foi soberano durante todo o tempo.12 Por um paradoxo cósmico que nunca será eclipsado, na vergonhosa tortura diante de olhos humanos, Cristo expôs todas as forças do mal à vergonha da derrota despojada e nua.13 O mal foi derrotado pela tecnologia, pelo design soberano de Deus. A tecnologia, mesmo quando é usada pelo homem com as intenções mais malignas, nunca estará fora do plano soberano de Deus. E, nesse caso, o Calvário foi hackeado. Deus invadiu a tecnologia da cruz “e, com uma pequena mudança, inverteu sua
11. Martin Hengle, Crucifixion (Mineapolis: Fortress Press, 1977). 12. Atos 3.15; 2.23. 13. Colossenses 2.15. 40
INTRODUÇÃO
função e significado”.14 Deus faz isto: uma paródia de nossas más tecnologias por meio do seu hackeamento soberano. 8. A tecnologia molda todo relacionamento
A linhagem do avanço tecnológico é longa: arcos e flechas, rodas e eixos, ferramentas de ferro e armas, tipos móveis e prensas de impressão, relógios de parede e de pulso, máquinas a vapor e ferrovias, carros e aviões, computadores e celulares. Cada nova tecnologia abre a humanidade a novas esperanças, sonhos e aspirações. Toda tecnologia muda as dinâmicas sociais fundamentais de como nos relacionamos com o mundo, uns com os outros e com Deus. Primeiro, a tecnologia altera a forma como nos relacionamos com a terra. Com um aplicativo de GPS, consigo ver meu lugar exato na terra de uma forma que era quase impossível vinte anos atrás, além de impensável aos meus antepassados. Em segundo lugar, a tecnologia altera a forma como nos relacionamos com nossos semelhantes. Se eu me aproximar de você na rua e puxar conversa, nossa relação será fundamentalmente aberta. Mas se eu convidar você para um chat com minha câmera ligada, e eu estiver segurando o telefone bem na minha frente, nossa interação será fundamentalmente diferente se você decidir fazer contato visual comigo ou com o público invisível do outro lado da minilente da minha câmera. Em terceiro lugar, a tecnologia pode tornar-se uma metáfora que Deus usa para revelar seu trabalho no mundo. Depois de ter feito avanços primitivos em metalurgia, por exemplo, Deus poderia revelar seu trabalho na humanidade como um fogo consumidor a fundir toda a raça humana — com o propósito de julgar a escória de rebelião e purificar sua obra, sua nação, de ligas metálicas falsas. O 14. Martin M. Olmos, “God, the Hacker: Technology, Mockery, and the Cross”, Second Nature, www.secondnaturejournal.com (29 jul. 2013). 41
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desvelar da nova tecnologia cria novas metáforas para Deus revelar como se envolve conosco, os mortais.15 9. A tecnologia molda nossa teologia
Finalmente, usamos a tecnologia para manifestar as metáforas de Deus (para o bem ou para o mal). Veja, por exemplo, a tecnologia mais recente do relógio de bolso — molas espirais em miniatura, rodas, engrenagens precisas, tudo organizado em batidas rítmicas. Com a invenção do relógio, poderíamos manter o tempo com precisão e coreografar nossos cronogramas. O avanço tecnológico em relógios também levou ao nascimento de duas novas metáforas para explicar o relacionamento entre nós e Deus: uma perspicaz e a outra enganadora. Em primeiro lugar, o relógio forneceu uma metáfora útil para Deus. Uma vez que as várias peças do relógio são reunidas com uma finalidade, o objeto carrega em si as marcas de um “design inteligente”, a obra de um artesão. Isso também é válido para nossos corpos. Em conjunto, as várias partes, os pedaços e as interações químicas de nossa existência articulam-se em harmonia para sustentar nossa existência coesa. Essa é “a analogia do relojoeiro”. Deus não está somente perto; suas impressões digitais estão em nós. Mas o relógio também forneceu uma metáfora defeituosa para Deus. Alguns começaram a imaginar um Deus que montou o universo e se envolveu, colocando-o em movimento, e depois se afastou. Essa é uma forma de deísmo, a ideia de que Deus se encontra à parte e distante do mundo, nada mais fazendo do que preservar as leis naturais.
15. Isaías 1.22-25; Jeremias 6.27-30; Salmos 119.119. Veja também Paula McNutt, The Forging of Israel: Iron Technology, Symbolism and Tradition in Ancient Society (Sheffield, England: Bloomsbury T&T Clark: 2009). Podemos dizer que Deus cunhou novas metáforas sobre tecnologia para si mesmo até o fechamento do cânon. 42
INTRODUÇÃO
Para melhor ou para pior, a tecnologia muda fundamentalmente a forma como falamos de Deus. E a tecnologia molda a forma como Deus se comunica conosco. Deus se faz claro para nós através de metáforas sobre a tecnologia, e nós entendemos que é possível defini-lo, e também distorcê-lo, ao projetar nele metáforas sobre a tecnologia. TEOLOGIA DA TECNOLOGIA
Eu só arranhei a superfície de algo mais profundo. Defendo aqui que toda inovação tecnológica é um novo convite teológico ao povo de Deus para uma contemplação bíblica renovada. Isso significa várias coisas. Primeiro, a vida na era digital é um convite aberto ao pensamento claro e bíblico sobre o impacto de nossos telefones em nós mesmos, naquilo que criamos, em nosso próximo e em nossos relacionamentos com Deus. A adoção impensada de novas tecnologias é mundanismo. Em segundo lugar, tecnologia é tecnologia, seja conectada a uma tomada, seja amarrada a um cavalo. Para esse projeto, eu não vou fazer uma distinção dura e rápida entre ferramentas e tecnologia, desconectando as ferramentas primitivas não elétricas das novas tecnologias elétricas. Em parte, porque os deuses domésticos de pedra esculpida ou de madeira e os ídolos portáteis de prata e ouro, comuns no mundo antigo, não eram ferramentas. Esses ídolos eram mais como nossas tecnologias: oráculos divinos do conhecimento e da prosperidade, usados por adoradores em uma tentativa de controlar e manipular os eventos da vida em benefício pessoal. A estatueta e o iPhone apelam para o mesmo fetiche. Em terceiro lugar, independentemente de como meu celular esteja me afetando, também está me apontando na direção de uma gloriosa cidade vindoura. Não depositamos nossa confiança em coisas portáteis. Não depositamos nossa confiança em coisas feitas 43
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à mão. Em vez disso, ansiamos por estar na presença de nosso Deus trino em uma nova criação, a qual não foi construída por mãos humanas engenhosas e pecaminosas, mas pelo próprio design e inovação de Deus — a criação sem pecado, sem morte e sem lágrima que Deus sempre planejou.16 NOSSO LUGAR NA HISTÓRIA
Então, aqui estamos nós, na “era digital”, uma era tão inundada de inovação que deixamos de percebê-la. E estamos adotando e nos adaptando às novas tecnologias mais rapidamente do que qualquer outra geração na história do mundo. Desde 2015, 86% dos adultos americanos de 18 a 29 anos possuem um celular, muito acima dos 52% de quatro anos antes. Nessa mesma pesquisa demográfica, 50% possuíam um tablet, contra apenas 13% de quatro anos antes. Concomitantemente, no mesmo grupo, a posse de computadores, MP3 players, consoles de jogos e leitores de ebook diminuiu.17 Nossos telefones estão engolindo essas funções. Talvez tenhamos nos adaptado tão rapidamente porque somos uma geração talentosa, facilmente treinável e moldável. Ou talvez nossa adaptação seja tão rápida porque, como sugere Jacques Ellul, nossa tecnologia exerce uma espécie de terrorismo sobre nós.18 Vivemos sob a ameaça de que, se falharmos em acolher as novas tecnologias, seremos postos de lado, numa espécie de obsolescência cultural, considerados sem competências-chave para conseguir um emprego, desconectados de conversas culturais e separados de nossos amigos.
16. João 14.1-7; Atos 7.49-50; Hebreus 9.11-28. 17. Monica Anderson, “Technology Device Ownership: 2015”, Pew Research Center, www.pew internet.org (29 out. 2015). 18. Jacques Ellul, The Technological Bluff (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990), pp. 384-400. 44
INTRODUÇÃO
Quaisquer que sejam nossos motivos, o fato é: estamos adotando as novas tecnologias, estamos online e estamos cada vez mais móveis. As capas dos celulares funcionam como carteiras porque não ousaríamos sair de casa sem eles. Na verdade, 36% dos jovens norte-americanos entre 18 e 29 anos admitem estar online “praticamente o tempo todo”, um fenômeno possibilitado pelo smartphone. O perfil mais provável do adulto que vive online é aquele do jovem que ganha mais de US$75 mil ao ano, é graduado, vive em um ambiente não rural e tem entre 18 e 29 anos, em média.19 Nosso vício em internet no celular pode ser novo, mas veio para ficar. Nunca estamos offline. Então, meu celular é um inimigo hostil? É uma bugiganga cultural? Ou é uma ferramenta legítima? Essas são algumas das questões que vamos examinar nas páginas seguintes. Nossos telefones concentraram uma tecnologia poderosa em um pequeno dispositivo que podemos controlar com nossos polegares. Temos total acesso a essa tecnologia e, por alguma espécie de mágica digital e elétrica, estamos potencialmente conectados o tempo todo com todos os outros telefones do planeta. Todas essas realidades estão nos transformando; não há controvérsia a esse respeito. Assim, as maiores questões persistem: como nossos celulares estão nos transformando? Devemos estar preocupados com isso?
19. Andrew Perrin, “One-Fifth of Americans Report Going online ‘Almost Constantly’”, Pew Research Center, www.pewinternet.org (8 dez. 2015). 45
ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
11
Costumamos verificar nossos celulares cerca de 81.500 vezes por
ano ou uma vez a cada 4,3 minutos enquanto estamos acordados; isso significa que você será tentado a checar seu telefone três vezes antes de terminar este capítulo.1 Não é difícil entender esse impulso. Nossas vidas estão consolidadas em nossos telefones: nossas agendas, câmeras e imagens, nosso trabalho, nossos treinos, nossa leitura, nossa escrita, nossos cartões de crédito, nossos mapas, nossas notícias, nosso clima, nosso email, nossas compras... Tudo isso pode ser gerenciado por meio de aplicativos atualizados, instalados em pequenos e poderosos dispositivos que levamos conosco a todos os lugares. Até mesmo o aplicativo GPS do meu telefone, que hoje me conduziu a uma nova cafeteria, tem trinta mil vezes a velocidade de processamento do computador de bordo de navegação que guiou a Apollo 11 à superfície lunar. Não causa admiração que tenhamos o hábito de pegar nossos telefones assim que acordamos, não só para desligar nossos alarmes, mas também para verificar emails e mídias sociais, em um estado semiconsciente de inércia do sono, antes mesmo de nossos olhos grogues se abrirem totalmente. Se o universo em constante expansão é o limite externo do horizonte da humanidade, nossos telefones nos levam a uma viagem sem limites ao interior dessa mesma humanidade, e nós reiniciamos essa jornada todas as manhãs, bem cedo. 1. Jacob Weisberg, “We Are Hopelessly Hooked”, The New York Review of Books (25 fev. 2016). 47
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Não me causa estranheza esse instinto de estender o braço e pegar o telefone, mas eu queria saber se outras pessoas compartilhavam esse padrão. Desse modo, questionei oito mil cristãos sobre suas rotinas em mídias sociais.2 E mais da metade dos entrevistados (54%) admitiu checar seu celular nos primeiros minutos ao acordar. Quando indagados se eles eram mais propensos a verificar emails e mídias sociais antes ou depois de sua disciplina espiritual em uma manhã típica, 73% responderam antes. Essa realidade é especialmente preocupante porque a manhã é o período no qual preparamos espiritualmente nossos corações para o restante do dia. (Observaremos mais de perto esse hábito e outras de minhas descobertas nos capítulos seguintes.) Nossos telefones são viciantes e, como se fossemos viciados, buscamos esse vício imediatamente pela manhã. E, sim, há um aplicativo para isso. FACEBOOK
O aplicativo ao qual mais recorremos para alimentar nosso vício é o Facebook. Em 2013, 63% dos usuários do Facebook fizeram check-in diariamente. Apenas um ano depois, esse número subiu para 70%. Se você fizer check-in no Facebook diariamente, vai se juntar a mais de um bilhão de outras pessoas com a mesma compulsão cotidiana. E, atualmente, o usuário médio gasta cinquenta minutos diários na linha de produtos do Facebook (Facebook, Messenger e Instagram), um número que continua a crescer por causa do design estratégico que eles adotam.3
2. Essa foi uma pesquisa não científica feita online com os leitores de desiringGod.org, através de canais de mídia social (abril de 2015). Voltaremos a essas descobertas mais adiante neste livro. 3. James Stewart, “Facebook Has 50 Minutes of Your Time Each Day. It Wants More”, The New York Times (5 maio 2016). 48
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
A ascensão do Facebook coincide com um pico na tecnologia móvel e no aumento de usuários que estão adotando smartphones a cada momento público de suas vidas. Agora, o Facebook viaja conosco, e essa mobilidade está rapidamente nos viciando a todos. Poucos de nós conseguem ter autocontrole a esse respeito. Ofir Turel, psicólogo na California State University, em Fullerton, adverte que viciados, ao contrário de toxicodependentes compulsivos, “têm a habilidade de controlar seu comportamento, mas não contam com a motivação necessária, pois não veem as consequências como graves”.4 Mas as consequências são reais. À medida que as distrações virtuais passam a se intrometer em nossas vidas em um ritmo sem precedentes, cientistas e psicólogos comportamentais dão provas estatísticas disso, estudo após estudo: quanto mais viciado em seu telefone você se torna, mais estará propenso à depressão e à ansiedade, e menos será capaz de se concentrar no trabalho e de dormir à noite. Distrações digitais não são brincadeira. Por estarmos tão interconectados, centenas de pessoas (amigos, familiares e estranhos) podem nos interromper a qualquer instante. E, quando estamos entediados, ao toque de um polegar, podemos percorrer uma lista interminável de diversões e esquisitices online. As consequências psicológicas e físicas de nossas distrações virtuais são interessantes, mas este livro vai se concentrar nas dimensões espirituais de nossos vícios em celulares — consequências quase inteiramente ignoradas em muitos artigos e livros cristãos. À medida que formos progredindo, vou apontando algumas descobertas científicas. Entretanto, elas funcionarão apenas como uma catraca para deslocarmos a discussão dos efeitos biológicos de nossos hábitos diante das telas para a questão mais importante: o puxa 4. Rebecca Strong, “Brain Scans Show How Facebook and Cocaine Addictions Are the Same”. BostInno, www.bostinno.streetwise.co (3 fev. 2015). 49
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e empurra espiritual entre nossas ações online e as consequências infinitas de nosso comportamento no dispositivo. A eternidade, e não a psicologia, é minha maior preocupação. Então, se o estudo de tendências online mostra um tsunami de distrações virtuais devastando nossas vidas, precisamos de sabedoria situacional para responder a três perguntas espirituais: por que nos sentimos atraídos para essas distrações? O que é uma distração? E o mais fundamental de tudo: o que é uma vida sem distrações? POR QUE AS DISTRAÇÕES NOS ATRAEM?
Vícios digitais insalubres encontram terreno fértil em nós porque não conseguimos perceber suas consequências. Por isso, vamos começar este estudo descobrindo as três razões pelas quais sucumbimos às distrações com tanta facilidade. Primeiro, usamos as distrações virtuais para fugir do trabalho. O Facebook é um meio de escapar da pressão profissional. Procrastinamos as coisas difíceis: prazos de trabalho, conversas difíceis, pilhas de roupa para lavar e projetos e trabalhos escolares. O estudante americano universitário médio desperdiça 20% do tempo de aula mexendo em um dispositivo digital, fazendo coisas não relacionadas à aula (essa estatística me parece inferior à realidade).5 Quando a vida se torna mais exigente, queremos fazer alguma outra coisa — qualquer coisa. Em segundo lugar, usamos as distrações virtuais para manter as pessoas afastadas. Deus nos chamou para amar o próximo; no entanto, usamos nossos telefones para nos retirar da presença das outras pessoas e também para que todos saibam que preferíamos estar em outro lugar. Em uma reunião ou sala de aula, quando meu telefone é posto de lado, é mais provável que eu seja visto como 5. Leslie Reed, “Digital Distraction in Class Is on the Rise”, Nebraska Today, www. news.unl.edu (15 jan. 2016). 50
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
alguém comprometido. Quando meu telefone não está em uso, mas está virado para cima sobre a mesa, eu me apresento como envolvido naquele momento, mas eventualmente distraído caso alguém mais importante, de fora da sala, precise de mim. Caso meu telefone esteja em minha mão, e eu esteja respondendo a textos e olhando as mídias sociais, eu projeto abertamente desprezo, porque “dividir a atenção é uma expressão típica de desdém”.6 Na era digital, somos especialmente vagarosos em “nos associar aos humildes” que nos rodeiam.7 Em vez disso, retiramo-nos para junto de nossos telefones, projetando nosso desprezo em relação a situações complexas ou a pessoas chatas. Em ambos os casos, quando pegamos nossos telefones, transmitimos certo senso de superioridade em relação aos outros, muitas vezes até mesmo inadvertidamente. Em terceiro lugar, usamos as distrações virtuais para manter afastados os pensamentos sobre a eternidade. Talvez, de forma mais sutil, seja fácil cair nas armadilhas das distrações virtuais, pois encontramos nos aplicativos mais novos e atraentes um meio de fuga de nossa autopercepção mais verdadeira, mais crua e mais honesta. Essa foi a visão de um cristão do século XVII, também matemático e sábio criador de provérbios, Blaise Pascal. Ao observar as almas distraídas de seu próprio tempo (não muito diferentes destas de nosso tempo), ele percebeu que, se “tirarmos sua distração, você as verá secar de cansaço”, porque são conduzidas à sua própria infelicidade, “já que estão reduzidas a pensar em si mesmas, sem nenhuma escapatória”.8 A percepção de Pascal é um fato perene: o apetite humano por distração é grande em todas as faixas etárias,
6. Oliver O’Donovan, Ethics as Theology, v. 2, Finding and Seeking (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2014), p. 4. 7. Romanos 12.16. 8. Blaise Pascal, Thoughts, Letters, and Minor Works. Ed. Charles W. Eliot. Tradução de W. F. Trotter, M. L. Booth e O. W. Wight (New York: P. F. Collier & Son, 1910), p. 63. 51
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
porque as distrações nos proporcionam uma fuga fácil do silêncio e da solidão, por meio dos quais nos familiarizamos com nossa finitude, nossa mortalidade inevitável e a distância de Deus em relação a todos os nossos desejos, esperanças e prazeres. Conduzir cada distração, de estado de guerra a turismo internacional, é a promessa para escapar do tédio em casa, disse Pascal em seus dias: “Descobri que toda a infelicidade dos homens surge de um único fato: de que eles não podem permanecer em silêncio em seus próprios aposentos”.9 Encarar o teto de nossos quartos silenciosos, somente acompanhados dos pensamentos sobre nós mesmos, sobre a realidade e Deus, é algo insuportável. “É daí que provém o fato de o homem amar tanto o barulho e a agitação; daí provém o fato de a prisão ser um castigo tão horrível; daí provém o fato de o prazer na solidão ser incompreensível.”10 Estar sem uma constante disponibilidade de distração é uma espécie de confinamento solitário, a espécie mais temida de punição. Por essa razão, nos momentos em que nos damos conta de que esquecemos nosso telefone, de que o perdemos ou de que deixamos a bateria acabar, experimentamos o cativeiro de uma cela de prisão — e isso pode ser assustador. Embora tenhamos mil razões para ficar sóbrios e, assim, fazer uma autorreflexão, procuramos divertimentos, como “jogar bilhar ou lançar uma bola”,11 ou, no nosso caso, baixamos um novo jogo de 99 centavos. Nossos telefones sempre presentes oferecem diversões intermináveis, desde downloads de dez segundos até compras de um único toque. Nossos bipes, alertas e notificações redirecionam a atenção de nossas maiores necessidades e realidades para a diversão virtual. 9. Ibid., p. 52. 10. Ibid., p. 53. 11. Ibid., p. 55. 52
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
O Pascal de nossa geração diria isso da seguinte forma: “Nós fugimos como insetos conscientes ou coelhos assustados, adulando nossas máquinas, nossas escravas, nossos mestres” — clicando, deslizando, tocando, curtindo, compartilhando... qualquer coisa. “Nós pensamos querer paz, silêncio, liberdade e lazer, mas, bem lá no fundo, sabemos que isso seria insuportável para nós.” Na verdade, “queremos tornar nossas vidas ainda mais complexas. Não precisamos disso, mas queremos. Queremos estar atormentados, incomodados e ocupados. Inconscientemente, queremos a mesma coisa da qual reclamamos. Se tivéssemos lazer, olharíamos para nós mesmos, ouviríamos nossos corações, veríamos o grande buraco neles e ficaríamos aterrorizados, pois o buraco é tão grande que nada além de Deus pode preenchê-lo”.12 A fim de anestesiar a dor desse vazio, voltamo-nos para os “novos e poderosos antidepressivos de variedade não farmacêutica”: nossos celulares.13 Mas, mesmo que procuremos escapar disso nas mídias sociais, a morte nos persegue e assombra essas distrações virtuais de novas maneiras. “Eu amo a diversão e a frivolidade da maior parte do que acontece no Twitter. Os GIFs. As piadas. As conversas agrupadas”, admite um escritor honesto. “A realidade é que, contudo, lá no fundo, há uma parte de mim que está com medo de que, se eu estiver fora do campo de visão, também estarei fora da mente das pessoas — e, dessa forma, talvez eu não seja mais importante. Em certo sentido, essa é uma dimensão do medo iminente da morte que a maioria de nós da sociedade americana contemporânea nunca quer enfrentar ou nomear.”14 Não, nós, não.
12. Peter Kreeft, Christianity for Modern Pagans: Pascal’s Pensées Edited, Outlined, and Explained (São Francisco: Ignatius, 1993), p. 168-69. 13. Andrew Sullivan, “I Used to Be a Human Being”, revista New York (18 set. 2016). 14. Derek Rishmawy, “Forget Me Not (Twitter and the Fear of Death)”, Reformedish, www.derekzrishmawy.com (6 abr. 2016). 53
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Todos nos encontramos desconfortavelmente próximos de passar para o mistério da eternidade, deixando este lugar, e de ser esquecidos no único lar que algum dia conhecemos. Por isso, todos os dias nos lançamos, vez após vez, no carrossel de nossas conversas virtuais e abafamos a realidade. A máxima filosófica “Penso, logo existo”15 foi substituída pelo lema digital “Me conecto, logo existo”,16 levando ao seguinte desejo de status: “Sou ‘curtido’, logo existo”.17 Só que nossas conexões virtuais e as marcas de aprovação são meros pixels cintilantes que não podem fundamentar o sentido de nossas vidas. Mas, ainda assim, procuro satisfazer esse desejo cada vez que me aproximo do balcão do Facebook, para estar onde cada amigo sabe meu nome, onde minha presença pode ser afirmada e reafirmada em pontos virtuais ao longo do dia. Quero alguma coisa para quebrar esse silêncio, que me leva a sentir o peso de minha mortalidade. Então, aqui está um exercício para ajudar a fundamentar nossa autopercepção. Uma vez ao dia, vire seu telefone para baixo por um instante, vire a palma de sua mão direita aberta com os dedos apontados para o céu e imagine a linha temporal da história alcançando um quilômetro à sua esquerda e uma eternidade à sua direita. Seu tempo na Terra cruza aproximadamente a largura de sua mão (mais ou menos).18 Nada põe a mídia social e os hábitos no celular mais em perspectiva do que a dura realidade de nossa mortalidade. Deixe-o de lado um pouco. Dê-se conta da brevidade da vida, e isso fará com que você se sinta plenamente vivo.19 15. René Descartes, The Philosophical Works of Descarte. Tradução de E.S. Haldane e G.R.T. Ross (New York: Cambridge University Press, 1970), p. 101. 16. Kevin Vanhoozer, entrevista com o autor por email (26 fev. 2016). 17. Donna Freitas, The Happiness Effect: How Social Media Is Driving a Generation to Appear Perfect at Any Cost (New York: Oxford University Press, 2017), p. 33. 18. Salmos 39.4-5. 19. Salmos 90.12. 54
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
DEFININDO DISTRAÇÕES
Isso tudo é muito pesado, eu sei, mas, se formos honestos, estaremos cientes de que precisamos de uma dose de avisos proféticos de Pascal nos dias de hoje. “Vivemos em uma cultura muito loquaz, barulhenta e distraída”, diz o filósofo Douglas Groothuis, que vem acompanhando a influência do mundo digital sobre os cristãos por mais de vinte anos, desde que escreveu The Soulin Cyberspace (1997). “É difícil servir a Deus com nosso coração, alma, força e mente quando eles estão desviados, distraídos e funcionando em modo multitarefa o tempo todo”.20 O historiador Bruce Hindmarsh acrescenta: “Hoje, nossa condição espiritual é a de um viciado espiritual”.21 Se parece que Pascal levou a discussão longe demais, o fato é que ele não a levou suficientemente longe. Suas advertências quanto à distração das diversões intempestivas apenas imitam a urgência das advertências bíblicas sobre as distrações. As advertências bíblicas ampliam ainda mais as categorias até que a “distração” cubra todos os detalhes prementes de nosso cotidiano, de nossos relacionamentos e deveres aparentes, bem como o cuidado com nosso dinheiro e nosso bens — qualquer coisa que nos cause preocupação neste mundo e na vida. Uma distração pode surgir de várias formas: uma nova diversão, uma preocupação persistente ou uma aspiração vã. É algo que desvia nossa mente e nosso coração do que é mais significativo; qualquer coisa “que monopolize as preocupações do coração”.22 O coração funciona melhor quando não é dominado por preocupações e demandas.
20. Douglas Groothuis, entrevista com o autor por telefone (3 jul. 2014). 21. Bruce Hindmarsh, entrevista com o autor por telefone (12 mar. 2015). 22. Horst Robert Balz e Gerhard Schneider, Exegetical Dictionary of the New Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990), v. 2, p. 409. 55
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Em seis ocorrências, o Novo Testamento nos adverte para os efeitos na alma dessas distrações desmedidas. Podemos resumir essas distrações em três grandes categorias: 1. Distrações desmedidas que cegam a alma para Deus. Essas são as distrações mais perigosas: preocupações mundanas, ansiedade, perseguição de riqueza, preocupações egoístas com a segurança pessoal que sufocam a alma por arrebatar as sementes da verdade, sufocando o fruto do evangelho e tornando sua esperança irrelevante. A vaidade do efêmero rouba nossas vidas do que tem valor infinito.23 2. Distrações desmedidas que cessam a comunhão com Deus. Essas distrações são exemplificadas por Marta, que estava tão distraída em servir a mesa para os outros que deixou escapar a importância das palavras de Cristo em sua própria vida.24 Podemos nos tornar tão sem foco na vida que nos perdemos na implacável roda das tarefas diárias e falhamos em ouvir a voz de Cristo. Deixamos de orar e deixamos de percebê-lo escutando atentamente e aproximando-se de nós. Sentimo-nos distantes de Deus porque estamos distraídos. No entanto, ele nos busca; e busca nossa atenção plena.25 3. Distrações desmedidas que silenciam a urgência de Deus. O casamento é uma dádiva maravilhosa, mas também vem carregado de rotinas e obrigações domésticas — e também de certas distrações — que demandam muita atenção. Ao abraçarem as bênçãos do casamento, os cônjuges também aceitam, de bom grado, as distrações da vida conjugal e abandonam o que Paulo vê como vida “sem distrações” — o dom do celibato.26
23. Mateus 13.22; Marcos 4.19; Lucas 8.14. 24. Lucas 10.38-42 25. Lucas 21.34-36. 26. 1Coríntios 7.32-35. 56
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
O casamento não é a prioridade máxima da vida, nem mesmo o é o amor romântico ou sexual. O casamento é um dom precioso, e a intimidade no casamento é uma bela expressão do projeto de Deus, mas a Escritura nos chama para temporadas em que até mesmo a prática sexual deve cessar para que os cônjuges recalibrem sua vida de oração e redefinam sua prioridade maior de comunhão com Deus.27 Tanto o casamento como o celibato são grandes presentes. O casamento afirma a bondade da criação,28 projeta uma bela metáfora do amor de Cristo por sua igreja29 e antecipa um casamento cósmico no porvir.30 O celibato, por outro lado, direciona nossa atenção para a bela vida de Cristo na Terra, apontando para a magnificência de nosso momento futuro de glorificação pessoal.31 Prenunciando tal momento de metamorfose, Cristo retrata um celibato tão profundo e suntuoso que se descobre uma urgência transcendente e uma dignidade inquestionável em todo celibato terreno. Cada qual à sua maneira, o casamento e o celibato são dons divinos, validados por Cristo e celebrados por Paulo. Em 1Coríntios 7 encontramos a teologia bíblica mais detalhada sobre a distração e a busca da não distração. E quando entendemos o que isso significa para o casamento, estamos bem posicionados para aplicar essas mesmas categorias em nossa vida virtual. As distrações verdadeiras incluem qualquer coisa (até mesmo as coisas 27. 1Coríntios 7.1-5. 28. Mateus 19.4-6; 1Timóteo 4.1-5. 29. Efésios 5.22-33. 30. Apocalipse 19.6-10. 31. Marcos 12.25; 1Coríntios 7.29. Nas perguntas complexas sobre casamento, divórcio e celibato em 1Coríntios 7, as respostas precisam ser “elaboradas no contexto das prioridades do evangelho e da visão transformada provocada pelo alvorecer da era escatológica e pela antecipação do fim”. D. A. Carson, sermão, “The Gospel of Jesus Christ; 1Co 15.1-19”, The Gospel Coalition. Disponível em thegospelcoalition.org (23 maio 2007). 57
12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
boas) que encubra nossos olhos espirituais da brevidade do tempo e da urgência das expectativas elevadas, enquanto aguardamos o abreviar de toda a história. A data do retorno de Cristo é secreta, mas se aproxima tão rapidamente que apela a todo cristão para que fique nas pontas dos dedos de tanta expectativa.32 A morte e a ressurreição de Cristo marcaram o início do fim, o desenrolar, o momento em que o cronômetro do jogo de futebol passa dos noventa minutos e continua insistindo por algum tempo de acréscimo desconhecido, próximo de finalmente expirar. O relógio da linha redentora de Deus já passou dos noventa minutos, e ainda está correndo. De agora em diante, sempre que tentarmos definir distrações, especialmente nas áreas mais complexas da vida, como, por exemplo, namoro, sexo e casamento, devemos procurar fazê-lo por meio do vislumbre do cronograma de Deus para esta criação, o qual é urgente e está prestes a acabar. Todas as distrações são aferidas pela realidade de que “o tempo determinado está acabando”.33 Somos chamados à vigilância,34 pois tudo na vida cristã é condicionado por esse senso de urgência escatológica do retorno de Cristo.35 Para aqueles que têm olhos para ver, o retorno de Cristo é tão iminente que, potencialmente, desentulha nossas vidas de tudo que é superficial, tornando irrelevantes todas as nossas vãs distrações. Dito de outra forma, nossa batalha contra as distrações deste mundo — especialmente aquelas desnecessárias, com nossos telefones — é uma guerra no coração que somente podemos travar se nossas afeições estiverem firmemente travadas na glória de Cristo. A resposta ao nosso mundo hipercinético de distrações é o esplendor de Cristo, o sedativo que tranquiliza a alma
32. Mateus 24.36-25.13; 1Tessalonicenses 5.1-11. 33. 1Coríntios 7.29. 34. Mateus 24.42; 1Coríntios 16.13; Colossenses 4.2. 35. Romanos 13.11-14. 58
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
ao ser contemplado com a mente e apreciado pela alma. A beleza de Cristo nos acalma e enraíza nossos anseios mais profundos em esperanças eternas que são muito maiores do que nossos celulares podem esperar entregar.36 A VIDA SEM DISTRAÇÕES?
Então, deveríamos retroceder as horas do relógio e voltar à simplicidade da era pré-digital, “sem distrações”? Não! Pode ter havido uma era pré-digital, mas nunca houve uma vida sem distrações. Não importa se você tem um smartphone, ou um celular mais básico ou nem tenha celular, você não pode escapar de uma vida que divida sua atenção. No entanto, a Bíblia deixa bem claro que essas distrações estão em um espectro. Nós enfrentamos distrações santificadas e não santificadas. Nós enfrentamos distrações que enchem nossa alma e que esvaziam nossa alma. Nós enfrentamos interrupções necessárias e mundanas. Nós enfrentamos distrações inevitáveis de casamentos piedosos e distrações evitáveis da cultura de consumo. Desde o início deste estudo, devemos abandonar a ideia de que uma vida sem distração é possível — não é e nunca foi. A vida santa é piedosamente complexa, o que significa que devemos aprender a forma de gerenciar as distrações em cada situação. Aqui vai uma advertência: como cristãos, se falharmos em gerenciar as distrações da vida com sabedoria, perderemos nossa urgência e — nas palavras sóbrias de uma mãe de crianças pequenas que é viciada em celular — poderemos “esquecer a forma de caminhar 36. Veja John Owen, Meditations and Discourses on the Glory of Christ, em The Works of John Owen, ed. William H. Goold (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1965), v. 1, pp. 277-279, 402-403. Nesta vida, em que frequentemente lutamos contra o amor-próprio, o mundanismo, os cuidados e os medos sem-fim, e também lutamos contra “uma avaliação excessiva das relações” — pense aqui nas mídias sociais —, em contraste, nossas almas devem ser alimentadas com “meditações tranquilas em Cristo e sua glória” (v. 1, p. 403). 59
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com o Senhor”.37 O gerenciamento da distração é uma habilidade crítica para a saúde espiritual, e não menos crítica nesta era digital. Mas se meramente exorcizarmos uma distração digital de nossas vidas sem substituí-la por um hábito novo e mais saudável, outras sete distrações virtuais ocuparão seu lugar.38 Ao longo do tempo, podemos até perder nossos corações com o poder erosivo da diversão não contida. Eventualmente, podemos ignorar Paulo, à medida que vamos perdendo o senso de nossa posição no cronograma de Deus. PROPOSITALMENTE NÃO DISTRAÍDO
Ainda que nossas relações com nossos telefones não sejam uma aliança para toda a vida (embora os contratos com nossas operadoras façam parecer que sim), eu não seria o primeiro a sugerir que ter um celular é similar a ter um namorado ou uma namorada, alguém que exige muito e é faminto por atenção.39 O celular é carregado de comandos, bipes e atrativos. Muitos desses estímulos (talvez a maioria) não são pecaminosos, mas são inescapáveis. Quanto mais distraídos estamos digitalmente, mais espiritualmente deslocados nos tornamos. Seguindo as palavras de Paulo dirigidas aos casados, precisamos ter como objetivo limpar nossas vidas de toda distração desnecessária e inútil. Uma vez perguntaram online ao pastor Tim Keller: “Por que você acha que jovens adultos cristãos lutam mais profundamente em ter Deus como uma realidade pessoal em suas vidas?”, ao que ele respondeu: “Barulho e distração. É mais fácil tuitar do que orar!”40 (respondido nada menos que no Twitter!). A facilidade e o imediatismo do Twitter 37. Tracy Fruehauf, “Airing My Dirty Laundry”, One Frue Over the Cuckoo’s Nest. Disponível em onefrueoverthecuckoosnest.com (18 ago. 2015). 38. Mateus 12.43-45; Lucas 11.24-26. 39. Trip Lee, entrevista com o autor via Skype, explicando sua faixa “iLove” (25 mar. 2015). A mesma metáfora aparece em Freitas, The Happiness Effect, p. 224. 40. Tim Keller (@timkellernyc), Twitter, twitter.com (21 dez. 2013). 60
1. ESTAMOS VICIADOS EM DISTRAÇÃO
não são páreo para o trabalho paciente de oração, e a negligência na oração faz com que sintamos Deus distante em nossas vidas. Assim como em todas as outras idades, Deus chama seus filhos para que parem, estudem aquilo que desperta sua atenção neste mundo, analisem as consequências e lutem por corações não distraídos diante dele. Com essa finalidade, aqui vão dez perguntas diagnósticas que podemos fazer a nós mesmos na era digital: 1. Meus hábitos no celular expõem um vício subjacente em divertimentos fora de hora? 2. Meus hábitos no celular revelam o desejo compulsivo de ser visto e de autoafirmação? 3. Meus hábitos no celular me distraem de uma comunicação genuína com Deus? 4. Meus hábitos no celular oferecem uma fuga fácil a um pensamento sóbrio acerca da minha morte, da volta de Cristo e de outras realidades eternas? 5. Meus hábitos no celular me tornam mais preocupado com a busca de sucesso neste mundo? 6. Meus hábitos no celular calam a liderança esporádica do Espírito de Deus em minha vida? 7. Meus hábitos no celular me deixam preocupado com namoro e romance? 8. Meus hábitos no celular ajudam na edificação de outros cristãos e da minha igreja local? 9. Meus hábitos no celular centralizam o que é necessário para mim e benéfico para os outros? 10. Meus hábitos no celular desviam meu empenho quanto a necessidades das pessoas que Deus colocou bem na minha frente?
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12 MANEIRAS COMO SEU CELULAR ESTÁ TRANSFORMANDO VOCÊ
Sejamos honestos: nossos vícios virtuais (se é que podemos chamá-los assim) são bem-vindos. Aqui, o principal é mover-se do estado de “estar distraído de propósito” para outro estado cada vez menos distraído, com um propósito eterno. As perguntas martelam e atingem cada área da vida: Deus, cônjuge, família, amigos, trabalho, lazer e autoprojeção. Mas essa martelada pode conduzir-nos a realizar mudanças saudáveis. Nossos celulares amplificam as distrações mais desnecessárias à medida que elas nos amortecem acerca das “distrações” mais significativas e importantes: as necessidades de nossas famílias e do nosso próximo. Meu telefone me condiciona a ser um observador passivo. Meu telefone é capaz de me conectar a muitos amigos, mas também me afasta da expectativa de engajamento na vida real. Quando navego nas marés da mídia social, muitas vezes uso o Facebook para me isolar das necessidades concretas de meus amigos. O Facebook, então, torna-se um espaço seguro e higienizado, no qual posso ver os altos e baixos das vidas alheias como um espectador anônimo, sem nenhum impulso compulsivo de responder e cuidar deles de maneira significativa. E, conforme faço isso, torno-me cada vez mais cego para a carne e o sangue à minha volta. Essa mudança é o próximo item da lista.
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VOCÊ CONTROLA SEU CELULAR OU SEU CELULAR CONTROLA VOCÊ? Poucos anos após seu lançamento, o smartphone se tornou parte de nós, totalmente conectado aos padrões cotidianos de nossa vida. Nunca offline, sempre ao nosso alcance, portamos agora uma varinha mágica de poder tecnológico, a qual estamos apenas começando a desvendar. Mas, juntamente com o celular, vêm novos mistérios. Nunca estivemos tão conectados, mas parece que estamos cada vez mais distantes. Nunca fomos tão eficientes, mas nunca estivemos tão distraídos. Com base nas ideias de inúmeros pensadores, estudos publicados e em sua própria pesquisa, o escritor Tony Reinke identifica doze maneiras poderosas como nosso celular nos transformou — seja para o bem, seja para o mal. Reinke nos chama a cultivar pensamentos sábios e hábitos saudáveis na era digital, encorajando-nos a desfrutar as muitas bênçãos, a evitar as diversas armadilhas e a usar sabiamente o dispositivo de conexão humana mais poderoso já lançado.
“Seu compromisso em se manter informado e, ao mesmo tempo, ser justo exigiu que ele prestasse notável atenção às sutilezas e tivesse um compromisso persistente com reedições cada vez mais claras. Adicione isso ao dom de perspicácia teológica e este livro torna-se uma obra que pouquíssimas pessoas poderiam escrever.” — JOHN PIPER, teólogo e autor “Nossos telefones nos tornaram piores, mas este livro mudará para melhor tanto a nós mesmos como nosso uso do telefone.” — DAVID MURRAY, pastor e autor
ISBN 978-65-87263-00-7