Horácio
Arte Poética Traduzida em verso e comentada por Cândido Lusitano
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Arte Poética de Horácio
Ludere qui nescit, campestribus abstinet armis, [380] indoctusque pilae disciue trochiue quiescit, ne spissae risum tollant impune coronae; qui nescit, uersus tamen audet fingere. Quidni? Liber et ingenuus, praesertim census equestrem summam nummorum uitioque remotus ab omni. [385] Tu nihil inuita dices faciesue Minerua; id tibi iudicium est, ea mens. Siquid tamen olim scripseris, in Maeci descendat iudicis auris et patris et nostras, nonumque prematur in annum membranis intus positis; delere licebit [390] quod non edideris; nescit uox missa reuerti.
379. ludere qui nescit, etc.: quem não sabe daquelas artes em que se exercita a mocidade no campo Márcio, como p. ex. o montar a cavalo, o lutar, brandir a lança, jogar a péla, a barra e o truque chamado de pé, etc., não se mete a jogar e contenta-se em ver; por que de outro modo será objeto de riso para os que estão vendo.
tre (isto é, quatrocentos mil sestércios) e não são homens de bom procedimento? Praesertim census equestrem summam nummorum, vitioque remotus ab omni: como se bastasse ser rico, nobre e bem procedido para poder ser Poeta. Destes, de que Horácio aqui escarnece, não faltam ainda nesta idade.
382. Qui nescit, versus tamen audet fingere: aplica agora o argumento: quem não sabe das artes e jogos que se exercitam no campo Márcio, não se mete a entrar nisto; porém, em quanto a exercitar a Arte Poética é tanta a arrogância dos ignorantes que sem pejo dos doutos se atrevem a fazer versos.
386. Siquid tamen olim scripseris, etc: posto que tu tenhas juízo para escolher o bom (isto quer dizer judicium) e entendimento para executar o que o juízo determinou (e isto significa mens), contudo, se houveres de escrever alguma coisa, mostra-a sempre a bons juízes.
382. Quidni?: isto é (insta o Poeta com bem crítica ironia) pois porque não hão de fazer versos os ignorantes? Eles nasceram de pais livres e nobres? 383. Liber et ingenuus: não têm aquela soma necessária para entrar na ordem eqües-
388. Nonumque que prematur in annum: torna a repetir o conselho de não sair logo um autor com a obra que compusera. Enquanto ela estiver sem seu poder, pode limá-la uma e muitas vezes; depois de publicada, já não tem remédio e precisamente se há de ler com todos os seus defeitos. Este costume
Tradução e comentários de Cândido Lusitano
Quem não é destro em armas, não concorre Ao campo Márcio, e quem jogar não sabe 380 A péla, a barra, o trocho, põe-se quieto, Contente só de ver, para que a roda Do povo impunemente se não ria: E quem do que são versos nada sabe, A fazê-los se atreve presumido: Mas por que não? Se é livre, nobre, rico E vive sem a nota de algum vício? Pelo que toca a ti, fico seguro 385 Que não hás de dizer ou fazer coisa, Se o gênio o não pedir; tanto confio Do teu discernimento: mas se acaso Houveres de compor, ouve a sentença De Mecio, de teu pai e também minha. Nove anos encerrado esteja o livro; Porque em quanto o estiver, podes limá-lo; 390 Mas público uma vez, não tem emenda: Voz, que se proferiu, foi-se e não torna. tiveram sempre os grandes poetas, gastando muito mais tempo em reter as obras em sua mão do que em compô-las. De Helvio Cinna, famoso poeta, nos diz seu íntimo amigo Catulo que nove anos gastara para compor o seu poema intitulado Smirna e outros tantos o retivera em seu poder sem o publicar, a fim de sempre o poder corrigir. O célebre Sannazaro vinte anos gastou em compor e limar o seu pequeno poema De Partu Virginis, como nos diz Bonciario escrevendo a Cipião Barnabeu. Tão dificultoso era publicar seus escritos que até um epigrama ou ode não publicava senão depois de longo tempo que gastava em emendas, como escreve Lelio Bisciola nas suas Horas Subscess. cap. 19, liv. 15. O mesmo praticava Angelo Bargeo, negando longos anos a luz pública de seu poema De Venatione e a sua Syriada, que começou sendo mancebo e publicou-a tendo setenta anos. Fui alguma coisa prolixo em apontar mais de um exem-
plo porque vejo que este conselho de Horácio é mui desprezado nesta idade, dando-se à luz escritos com tanta pressa que mais tempo levaram a imprimir do que a compor. Contudo, convém advertir com Quintiliano que a correção nas obras deve ter seu termo; porque muitas vezes as deitam a perder as demasiadas emendas. Ipsa emendatio finem habet, etc. fit igitur aliquando quod placcat, aut certè quod sussiciat ut opus poliat lima, non exterat: temporis quoque debet esse modus. O mesmo aconselhava o nosso judicioso Ferreira em uma das suas Cartas a Diogo Bernardes, mostrando nela aos poetas quanto é pernicioso à beleza poética o demasiado emendar. 390. Nescit vox missa reverti: engenhosamente imitou este lugar o mesmo Ferreira: A palavra que sai uma vez fora, Mal se sabe tornar: é mais seguro Não tê-la, que escusar a culpa agora.
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