O Fabuloso Livro Verde - TRECHO GRÁTIS

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O Fabuloso Livro Verde



Tradução:

Marcela Saint Martin Raul Martins Lima Veríssimo Anagnostopoulos


O Fabuloso Livro Verde, Andrew Lang © Editora Concreta, 2018 Título original: The Green Fairy Book Os direitos desta edição pertencem à Editora Concreta Rua Dr. Vale, 24, conj. 402 – Bairro Floresta – CEP: 90560-010 Porto Alegre – RS – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br Editor: Renan Martins dos Santos Tradutores: Marcela Saint Martin Raul Martins Lima Veríssimo Anagnostopoulos Revisão: Gabriel Ceroni Lied Ilustrações: Carolina Pontes Capa & Editoração: Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica Lang, Andrew, 1844-1912 L2691o O Fabuloso Livro Verde [edição eletrônica] / edição de Renan Santos. – Porto Alegre, RS: Concreta, 2018. – 432p. : col. il. ; 16 x 23cm ISBN 978-85-68962-32-9 1. Literatura infantil. 2. Contos de fadas. 3. Folclore. 4. Coletânea. I. Título. CDD-808.899282

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

www.editoraconcreta.com.br


Q

uem acompanha os dados referentes ao sistema educacional brasileiro tem visto, ano após ano, uma nítida e acentuada decadência. Pesquisas recentes indicam que estamos na penúltima posição entre os 36 países investigados pela OCDE para o ranking internacional de educação. Agravando ainda mais o quadro nacional, metade dos nossos universitários são analfabetos funcionais. As trágicas repercussões disso fazem-se sentir de muitas formas em toda a sociedade. Enquanto os governantes repetem infinitamente as soluções de sempre à situação, seja propondo aumento da carga horária de aulas, aumento do número de anos de frequência obrigatória, melhor remuneração aos professores, (a clássica) “mais investimentos em educação”, ou ainda uma combinação de todas as opções anteriores, pouco ou nada revelando, contudo, sobre o que de fato têm em mente ao falar em educação, acredito que grande parte da solução do problema passa por uma distinção entre educação e escolarização. Em termos gerais, pode-se dizer que a primeira envolve a totalidade do sujeito, conduzindo-o de maneira autoconsciente para além de si mesmo em direção aos outros, ao mundo e à realidade; já a segunda diz respeito basicamente a um conjunto de habilidades que têm por objetivo a preparação da pessoa para o mundo do trabalho. Assim, compreen-


der que educação e escolarização são coisas diferentes, sendo a primeira muito mais ampla, profunda e podendo ou não abarcar a segunda, gera então a pergunta sobre quem seriam os responsáveis por este processo que extrapola em muito o âmbito da escola. A resposta contempla duas possibilidades: em se tratando de indivíduos adultos, eles próprios são os responsáveis pela promoção de seu crescimento; por outro lado, no entanto, em se tratando de crianças, os pais são os responsáveis por conduzi-las neste caminho para além de si mesmas, ampliando seus horizontes e possibilitando sua inserção no mundo de modo muito mais pleno. E é pensando nelas, nas crianças, que o selo Homebooks vem a público. Ao contrário do que afirmam os especialistas, acredito que os pais têm condições de educar seus filhos, adotando ou não, paralelamente, o apoio da escola. Baseada nessa convicção, confirmada pela realidade de um incontável número de famílias brasileiras que praticam o homeschooling, o selo Homebooks pretende oferecer aos leitores conteúdos de qualidade que contribuam para a restauração do protagonismo familiar na educação dos filhos. Para isso, estão entre os alvos contos de fadas em suas versões originais, manuais de homeschooling, apostilas de diferentes disciplinas e muito mais. Espero que esta iniciativa, empreendida por uma simples dona de casa e mãe homeschooler, e acolhida tão calorosamente por um jovem e entusiasmado editor, encoraje você, leitor, a não esperar pelas velhas “soluções” governamentais, mas a assumir o seu quinhão de responsabilidade pela conquista de uma formação melhor para suas crianças e, consequentemente, de um futuro melhor para o nosso país. Quiçá a longo prazo consigamos auxiliar na reversão do triste cenário atual. Com um abraço, Camila Abadie Fundadora do selo Homebooks


Agradecimentos aos colaboradores

Através de campanha de pré-venda no website da Concreta, 450 pessoas fizeram sua parte para que este livro se tornasse realidade. A seguir, a lista com seus nomes: Adalcindo Elias Martins Leal Adaylson Wagner S. de Vasconcelos Adriana Alves da Silva Adriana Lima da C. Vargens Nunes Adriano Dal Molin de Oliveira Adrielle Tomaz Tonin Adrievelly Catana Freitas da Silva Alan Alfim Malanchini Ribeiro Alex Quintas de Souza Alexandre Luis Soares Pereira Jr. Alexandre Luiz Rampin Alexandre Marques Alexandre Queiroz de Almeida Alexandre Ventieri

Alice Cavalli Viscardi Alice Fockink Mendes Alice Henriques Aline Schneider Aline Zamboni Alita Medeiros de Lima Amantino de Moura Ana Beatriz de Oliveira Sousa Ana Beatriz Valente Ana Borba Ferrari Carrati Ana Clara Purcina Guimarães Ana Júlia de Alcântara Góes Ana Luiza Marcelino Oliveira Ana Nely Castello Branco Sanches


Anderson Cleiton Sales Rocha Andre Betzler de Oliveira Machado André Carezia André Longo Andre Melo Rios André Miguel Cavalcante Vieira Maia Andre Moreira André Ortlieb Quinto André Vinícius V. de Sant Anna Alves Andressa Francisca Ribeiro de Souza Andrey Gómez Kopper Angélica Jado chagas Ângelo Augusto Fernandes Barboza Ângelo Daniel Medeiros de Lima Anny Kássio Antônia Trevisoli Antônio Carlos Soares Antônio Gomes da Silva Jr. Antonio Jefferson Cavalcante Araújo Antonio Jorge De Paula Vicente Antonio Moura Antonio Santos de Oliveira Argemiro Ferreira Aristela Barcellos de Andrades Armando Pugliesi do Nascimento Arthur Alves Marcelino Arthur Belmonte Arthur Costa Adriano Artur Andrade Augusto César da Silva Campos Filho Aurora Rocha Aydar Bárbara Galvão Beatriz Fontenele Oliveira Beatriz Martins Ribeiro Ferdinandes Beatriz Monteiro Tin

Benício Santiago Neiva Viana Benjamin Carson V. de Albuquerque Bento Pedrini Menegotto Bernardo Minoru Lay Silva Breno Braz Zanchetta Pinhal Bianca Thomazine Brocchi Brunno Pinto Bruno Diniz Teixeira Bruno Leal Bruno Vendramini Caio Bastos Perozzo Camila Zuany Siqueira Carla Manzzini De Carli Carlos Alexander de Souza Castro Carlos Alexandre de Moraes Leme Carlos Calmon Carlos Felipe dos Santos e Silva Carlos Roberto Bach Cassia Regina Silva Cassius Garcia Cecília Caprara dos Santos Cecília Resende Gouveia Cecília Souki Leal D’Carlos Barbosa Celio Antonio Pereira Jr. César Gianni César Pacheco Christian Rocha Cintia Adriane de Aquino Daflon Cintia Magalhaes Clarice Amaral Silva Clarisier Morais Claudia Marcia Pompein L. Gomes Claudia Viana Claudio Costa Cleto Marinho de Carvalho Filho


Clovis Amaral Cristiano Bordoni Silva Cristiano Eulino Cristiano Galhardo Cinti Cristiano Nunes Laureano Cristina Alcântara Daiane C. D. Nezzi Dallima Um Tseng Daniel Andrighetti Gewehr Daniel Cirne Torres Daniel Felipe Bonfim da Silveira Daniel Mello Daniel Pereira Volpato Daniel Ribeiro da Silva Daniela Azevedo Danielle Mendes Rodrigues Daphne Resende Gouveia Davi Bertolino Café dos Santos F. C. Davi Heckert Bastos Davi Luigi Zuchi Marchesini Davi Moura Davi Oliveira Calderaro Cunha Davy Ferreira Leite Sales Dayane Cazassa Deborah Almeida Lucena Deisiane Cechinel Demessiano Delania Gomes Vieira Denys Alves dos reis Denyse Tavares Lopez Diego Onetta Douglas Pelegati Douglas Zanardi Drayfine Moura Ederson Oliveira Edgar Martins Lírio

Ednei Consolmagno Jr. Edson Flávio de Almeida Pessôa Eduardo Chaves Bueno Eduardo dos Santos Piva Eduardo Fernandes Eduardo Furtado da Silva Eduardo Mecenas Nina Elaine Carvalho Lima de Freitas Elba Valéria da Silva Vieira Eliane Lopes Elisa Basso Elisandra Canabarro Elisângela Nojoza Aires Elivelton Ribeiro de Brito Elizabeth de Mello Santos Oliveira Else Mandelli Emília Lourenço Emílio Vagnon Figueiredo Silva Enzo Nicollas Pereira dos Santos Érica Hanke Erick Robles Lima Estela Lourenço Thé Vanin Ester Andrade Saint Martin Esther Pedrini Menegotto Ettore Nicolau Jose da Rocha Eugenia Beatriz V. Werneck Nunes Eugênio Silva Gomes Fabia F. de Albuquerque da Cunha Fábio Aurélio Bonk Fabio Dias Fábio Salgado de Carvalho Fabio Seiji Koguti Fabio Silva Ribeiro Fabricio dos Santos Vieira Fabricio Esmeraldino de Jesus


Felipe Araujo Felipe Bello Dias Felipe Gonçalves Assis Felipe Pina Fernanda Mendes Higuti Fernanda Xavier dos Santos Ferreira Fernando Gonçalves Fernando José Ribeiro Fernando Pasquini Santos Fernando Passos Flaurinete do Nascimento O. Torres Flaviany Marques Martins Mourão Flávio Sebastião Rocha Macedo Francine Hehn de Oliveira Francisco Assis Corrêa Jr. Francisco Conrado Ferreira Penço Francisco Yukio Hayashi Frank Costa Cavalcante Frederico Mendonça Gabriel Antonio Macêdo Ferreira Gabriel de Paula Gabriel Valdino Burkhardt Gabriel Warken Charczuk Gabriela Rigo Rotta Gabriela Soares Arrigoni Getúlio César Arrais Giovane Goulart Fiorentino Gisela Lamarca Gisele Santos Giselle Marques de Godoi Velasco Giuliano Sasso Teixeira Glaucia Elisa de Paula Mizuki Glaudiney Mendonça Gleice Marins Glicia Siqueira

Gracian Li Pereira Guiguelhe Arraes Silva Guilherme Acurcio Barbosa Guilherme Cerqueira K. de Campos Guilherme Cerutti Muller Guilherme Oliveira Gustavo Araujo Gustavo Gianesini Hapuque Marinho Helena Arrias Haswell Helena Petersen Schiffner Henrique Bolfe Passig Henrique Franklin da Silva Humberto Laudari Iago da Silva Rios Igor Borges de Castro Igor de Paula Cardoso Igor Silveira Santos Irena Klumb Iris Ferreira Leite Chagas da Silva Isabel Cristina Barbosa Trevisoli Isabel Souza Mendes Moura Isabella Lessa Isadora Bonfante Rosalem Ismael Cittadin Jacqueline Silva dos Santos Janaína Lopes Oliveira Brito Janaína Rodrigues Martins Jaqueline Santos Lima Almeida Jean Carlos Diniz Lopes Jeferson Kuhnen Jefferson Zorzi Costa Jéssica Orth da Silva João Carlos Crestani Jr. João Coelho Tavares


Joao Diego de Sousa Torres João Furlan Monteiro João Gustavo Costa Siscato João Lucas Lins Ferreira Leite João Luís Ferreira Batista João Marcelo Farias João Miguel dos Santos Adriano João Pedro Liberio Alves João Victor Santos de Moraes Joaquim José da Silva Moura Joelson Severo dos Santos Azevêdo Johann Alves Jorge Donizetti Pereira Jorge Gabriel Carvalho Pessoa Jorge Guilherme Torres de O. Matos Jose da Costa Neto Jose Eduardo de Mello Barboza José Menezes José Ribamar Dias Jr. José Ricardo da Silva Cavalcanti Jose Roberto Milevuski José Ruy Corrêa Jr. Josué Tavares do Rego Campina Joubert Carraro Joana Bertolino Café dos Santos F. C. João Pedro Costa Medeiros Bento Judá Montiel Alves Ferreira Juliana Carvalho Ribeiro João Filipe V. Werneck Nunes João Gabriel Mensch de B. Almeida Julio Rodrigues Kamila Thabita Alves da Silva Karina Bastos Laércio Vitorino Lais Diniz Pranzetti

Larissa da Silva Santos Larissa de Souza Rabelo Larissa Silva Laura Amélia Linden Gomes Leandro Henrique Dessart Leandro Marchezan Leandro Marcio Teixeira Leonardo Alves Paulo Leonardo de Carvalho Rocha Leonardo Gabriel da Costa Filho Leonardo José Ribeiro da Silva Leonardo Monteiro Carvallo Leonardo Souza Letícia Bastos de Andrade Leylane Maia Lidiane Foureaux Liliane Miilher Lincoln Almeida Lívia Formaggio Lara Ratola Azevedo Livia Holanda Lívia Portela Monteiro Lorenzo Fogliarini Wendt Loriane Comeli Luana dos Santos Oliveira Nunes Luana Kim Jardim Picanço Lucas Andrighetti Gewehr Luciana Guimarães Borges Rebello Luciane Torres Freitas Luigi Scalco Ulrich Luís Castro Luís Fernando Rezende Ferreira Luís Guilherme Bonafé Gaspar Ruas Luis Pereira Luiz Afonso Dias Matos Luiz Antônio Alves Marcelino


Luiz Carlos Santos Vieira Luiz Felipe Montecinos Luiz Raphael M. de Menezes Henn Luiz Octavio Cim Pereira Lysandro Sandoval Manuela Lócio Mallmann Sampaio Marcelo Correia Pereira Marcelo Santos Pinto Marcia B. Daldon Marcio Pohlmann Marco Antônio Oliveira e Silva Marcos Alcântara Marcos Aparecido Silva Marcos Gomes Marcos Ribeiro Maria Alvarenga Maria Calderaro Cunha Maria Cecilia Martins Manckel Maria de Lourdes Barbosa Guimarães Maria Eugênia Arrais Maria Isabel Belmonte Maria Julia Belmonte Maria Pedrini Menegotto Maria Regina Benedita dos Santos Mariana Fernandes Baptista Mariana Moraes Mariana Scarsi Grohs Marina Fonseca Martins Marina Guimarães Marina Pessini Marinaldo Cavalari Marlan Alves Santana Batista Mateus Ceretta Sfredo Mateus Cruz Matheus Knychala Biasi

Matheus Paiva Moscardini Maurício Paraboni Mayara Pereira Miciara Pinto Serafim Baia Miguel Almeida Leme Miguel Antonio Oliveira de Souza Miguel Francisco Franzen de Souza Miguel Freire de Resende Miguel Lourenço Thé Vanin Miguel Marcelino de Lima Mikael Ribeiro Negreiros Miria Rodrigues Mislaine Aparecida Santos Morena Maggi de Moraes Naira da Silva Faria Landim Nayara Yone Bueno Yamashita Nicholas Augusto Gauto Nicolas Barbieri Beoni Nilceia Bianchini Nilza Russo Ferreira Nina Joy Meira Olavo Barreto de Souza Othavio Backes Pablo Barboza Cardoso Pâmela Arumaa Patrícia A. F. Franco de Lima Patrícia De Sousa Cirera Patricia Felix de Almeida Patricia Peterson Santos Vanini Patrik Vitório Pinto Paulo Afonso de Mello Correa Paula Anjos Paulo Chiaroni Paulo De Tarso Irizaga Pereira Paulo Henrique Brasil Ribeiro


Paulo José Péret de Sant’ Ana Paulo Marcelo Moraes Santana Paulo Oliveira Calderaro Cunha Paulo Roberto Magalhães Cristino Pedro Miguel da Silva Costa Pedro Paulo Mendonça Bulcão Pedro Pinheiro Antonelli Pedro Santos de Moraes Phellipe Ribeiro Priscila Maranhão Priscila Tenório Quésia Talita Ribeiro Lírio Rafael Alves Cursino Rafael Caetano dos Santos Conceição Rafael Plácido Rafael Rocha Ferreira Rafaela Freire Machado Raimundo Felipe de Aguiar Raphael Barbosa Justino Feitosa Raphael Feitosa Raul Gonzaga Reginaldo Amorim Reginaldo Passero Jr. Renan Massoto Mendes Renata Fangueiro Renata Gomes Bessa Luz Renata Jardim Meneses Renata Passos Martins Renato Cadecaro Renato Emydio da Silva Jr. Renato Guimarães Ricardo Felipe Ferreira Rodrigues Ricardo Gasparini Ricardo Ribeiro da Costa Rodrigo Domenico

Rodrigo Domingos dos Reis Rodrigo Donizete Santana de Pádua Rodrigo Eidelvein do Canto Rodrigo Erichsen Rodrigo Lamar Rodrigo Sevilha Roger Mendes Rogério Siqueira Peters Ronald Rafael Lorenzi Ronaldo Vicente Ronan Okano Gimenes Ronney Lira Roscio Chaves Rubem Seixas Rubens Jardin Nochi Jr. Sabrina Gardner Safira Yuko Ohta Samia Marsili Samuel da Silva Marcondes Samuel L. Santos Samuel Tavares do Rego Campina Sandro Boschetti Sara Calderaro Cunha Sara Rigo Rotta Saulo Daniel Silva Selma Leite de Souza Sharlie Macente Sirqueira Sheila Graaff Sideval Ramos de Paula Sidicleia dos Santos Jesus Silvio José de Oliveira Sim Oliveira Alves Sofia Calderaro Cunha Sofia Helena Lacombe Cardoso Sofia Psiquê da Silva Costa


Sofia Silva Cardoso Sofis Albrecht Solange da Silva Tammy Alcala Chaves Tarcisio Moura Tarsila Meschiari Scotti Tatiana Cristina D’Artibale Tatiany Fernandes Silva Baptista Télia Oliveira Alves Teresa Souki Leal D’Carlos Barbosa Thalles Gabriel Raineri Thays Costa Dutra Abreu Theodoro Mota Colombo Thiago Barbosa de Sousa Thiago Henrique Avelino Cruz Thiago Junglhaus Thiara Laranjeira Passos Tiago Assad Tiago Aurich Tomás Sakumoto Patote Valdirene Bento Alves Valfrêdo Felinto Cardoso Filho

Vanessa Ribeiro S. Berini Piccolo Vicente Rigo Niquetti Victor Fonseca Victor Roner Freire Gomes Victoria Bertolino Café dos Santos O. Vinícius Emanuel Salvador Vinicius Vicente Martins Virlaine Regina Silva Brito Vitor Hugo Pontes Butrago Vitor Mendonça Ferreira Vitor Montenegro Vivian de Araujo Calliga Waleska Montenegro de Melo Dantas Wendy Fumis Consolmagno Werbson Laurentino Werner Spolidoro Freund William José Werter Yanni Porfírio de Arruda L. de Souza Yuri Bandin Sátiro Yuri Gagarin da Ponte Ribeiro Yuri Magadan


Sumário Prefácio à edição brasileira 17 Prefácio à edição original 23 O Pássaro Azul

27

O Meio Pintinho

53

A história do Califa Cegonha

59

O Relógio Encantado

73

Rosanela 79 Silvano e Jocosa

87

Dons de Fada

95

O Príncipe Narciso e a Princesa Potentila

101

O Príncipe Cabeça-de-Vento e a Princesa Celidônia

117

Os Três Porquinhos

133

Coração Gelado

141

O Anel Encantado

171

A Tabaqueira Mágica

181

A Mérula Dourada

187

O Soldadinho

195

O Cisne Mágico

215

A Pastora Suja

221

A Serpente Encantada

227


Os Trambiqueiros Trambicados

237

O Rei Kojata

247

O Príncipe De Lua e a Bela Helena

261

Batraquinha

269

A história de Hok Lee e os Anões

277

A história dos Três Ursos

283

O Príncipe Viviano e a Princesa Plácida

289

A Pequena Um-Olho, a Pequena Dois-Olhos e a Pequena Três-Olhos

313

Jorinde e Joringel

323

Allerleirauh, ou a Besta de Mil Peles

327

Os Doze Caçadores

335

Fuso, Lançadeira e Agulha

341

O Caixão de Cristal

345

As Três Folhas de Serpente

351

O Enigma

357

João d’Ouriço

363

Os Rapazes de Ouro

371

A Serpente Branca

379

A história do Alfaiate Astuto

385

A Sereia de Ouro

391

A Guerra do Lobo e da Raposa

401

A história do Pescador e sua Esposa

407

Os Três Músicos

417

Os Três Cães

425


Prefácio à edição brasileira Era uma manhã qualquer de trabalho, ainda bastante tranquila e silente, há aproximadamente quatro anos. Sentei-me à mesa, liguei o computador, abri os e-mails entre um gole e outro de café, sem pressa, e, naquela pequena lista à espera de resposta, encontrei um comentário a um post escrito recentemente em meu blog Encontrando Alegria, aguardando moderação. Tratava-se de um texto a respeito de nossa decisão de não mais utilizarmos televisão em nossa casa. Cliquei para ler o comentário e deparei-me, então, com um pequeno parágrafo bastante gentil repleto de agradecimentos. O que eu não esperava, contudo, era a frase de encerramento, expressa mais ou menos nos seguintes termos: “eu não sabia que era possível viver sem televisão”. Fui tomada de perplexidade. Reli o comentário em busca de algo que me houvesse escapado. Não havia ironia naquelas poucas linhas. A surpresa do meu interlocutor era sincera, assim como a minha própria também o era. Sua reação ao meu texto evidenciava, por um lado, a onipresença da “telinha” nas casas por ele frequentadas, mas, por outro, demonstrava algo muito mais dramático: sua reduzida capacidade imaginativa, decorrência direta de um escopo de vivências bastante limitado. Afinal, qual a amplitude de um horizonte que ignora o fato de que somente muito recentemente, há pouquíssimas décadas, a televisão passou a fazer parte da história humana? Por surpreendente que possa parecer às novas gerações, os eletrônicos em geral, não só a TV, são exceções em termos de entretenimento e comunicação, não a regra em que a maior parte dos nossos antepassados viveu.


Andrew Lang · O Fabuloso Livro Verde

Mais recentemente, passados alguns anos, lia eu a História de uma família, sobre os Martin, a família de Santa Teresinha do Menino Jesus. Em um capítulo bastante avançado da narrativa, já em época posterior ao falecimento de Santa Zélia e à mudança para Lisieux, surge a descrição do modo como a família divertia-se: nada de festas e bailes, nada de grandes ajuntamentos com pessoas desconhecidas, nada de passeios dispendiosos, nada de exibicionismo e consumismo, mas somente a discrição dos passeios a pé pelo campo e o deleite junto aos chamados “serões”, aqueles agradáveis momentos antes de irem deitar-se, quando liam alguma história em voz alta, cantavam, brincavam. É reveladora a expressão utilizada pelo padre Piat ao resumir as práticas dos Martin a este respeito: “eles eram auto-suficientes em seus recreios”. Descobri-me perplexa mais uma vez. Interrompi a leitura e procurei refletir sobre as razões de minha perplexidade. Descobri, então, com grande pasmo, que, apesar de já vivermos em família algo muito parecido ao relatado pelo padre, meu olhar e minha compreensão estavam ainda muito condicionados pelo nosso tempo, escapando-me, portanto, as categorias corretas com que pensar e entender aquilo que vivíamos. Em outras palavras, até aquele momento, era-me muito custoso ver que o fato de não estarmos em busca de elementos externos que animassem nossa vida familiar, sobretudo nossos singelos divertimentos, não era, absolutamente, um problema, uma incompletude, uma falha ou omissão. Pelo contrário. Especificamente sobre esse aspecto, a família Martin mostrou-me que, quando os pais são generosos no acolhimento dos filhos e, além disso, conduzem-nos por um caminho de riqueza interior, então não há nada de errado em que eles “se bastem” na hora da diversão, pois cada um, com seu temperamento e talentos particulares, consistirá num grande acréscimo de alegria aos demais. Mas, afinal de contas, o que tudo isso pode ter a ver com esta pequena esmeralda que Andrew Lang colocou em nossas mãos? Não é difícil perceber que tudo o que foi dito até aqui faz parte de um mesmo âmbito de nossas vidas, isto é, aquele espaço destinado aos re18


Prefácio à edição brasileira

creios, à diversão, ao entretenimento, âmbito este em que a literatura, bem como os Fabulosos Livros Coloridos, também podem ser situados. Mas talvez o que não seja tão fácil perceber, e que as diferentes situações acima referidas nos mostraram, é o quanto o fato de termos uma imaginação demasiadamente limitada – pois alguma limitação é constitutiva – acaba por restringir nosso próprio modo de vida. Como poderemos refletir e avaliar o modo como vivemos se não conseguimos sequer imaginar um modo distinto? E, se não conseguimos nem ao menos imaginar uma outra maneira de viver e conduzir determinados aspectos de nossas vidas, como poderemos chegar a viver diferentemente? Ao investir nosso tempo de lazer na leitura dos contos de fadas, relembramos uma série de verdades primitivas sobre as quais repousa a saúde dos povos, verdades tais como o fato de que há uma ordem no mundo, de que as coisas não acontecem ao acaso, de que tudo tem um propósito e de que a esperança, quando comprometida com o bem, é sempre recompensada; verdades, enfim, que nunca caem em desuso – embora sempre haja quem se esforce por isso –, verdades que, em épocas como a nossa, tornam-se imprescindíveis. Além disso, essas leituras e o tempo a elas dedicado acabam por nos conectar, de algum modo, àqueles que delas usufruíram antes de nós, às gerações que foram entretidas e educadas por meio delas, às famílias “auto-suficientes em seus recreios” que gostavam de ler, conversar e entender aquilo que liam, famílias, enfim, que viviam seus momentos de diversão verdadeiramente em família, voltados uns para os outros em busca de um convívio harmônico e frutuoso. Que este Fabuloso Livro Verde sirva a você e aos seus como uma chave mágica, a abrir portas secretas. Contudo, em lugar de conduzi-los a um lugar qualquer de fantasia, que ela dê acesso de fato ao caminho percorrido pelas gerações que vieram antes de nós, uma trilha que já não divisamos mais, pelo excesso de luzes que ofuscam nosso olhar, mas que está lá, sempre esteve e sempre estará. Precisamos acertar com ela caso queiramos nos apropriar das heranças que eles nos legaram 19


Andrew Lang ¡ O Fabuloso Livro Verde

e, principalmente, caso queiramos enxergar mais longe, expandindo nossos horizontes e, com isso, podendo rever nosso modo de vida, sem permanecermos mais como refĂŠns inconscientes do agora. Camila Abadie Canela, abril de 2018

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Este Fabuloso Livro Verde ĂŠ dedicado a Stella Margaret Alleyne por Andrew Lang



Prefácio à edição original Ao amigo leitor, Este é o terceiro e provavelmente o último* dos Fabulosos Livros de muitas cores. Primeiro foi o Fabuloso Livro Azul; então, crianças, vocês pediram mais, e preparamos o Fabuloso Livro Vermelho. E, como vocês quiseram ainda mais, organizamos o Fabuloso Livro Verde. Tomamos emprestado de vários países os contos que compõem esses livros – há histórias francesas, alemãs, russas, italianas, escocesas, inglesas, e até uma chinesa. Malgrado as insignificantes diferenças entre esses países, todos têm em comum o gosto por contos de fadas. A razão, sem dúvida, é que há muito, muito tempo, a mente dos homens era como a das crianças – e, antes que começassem a produzir jornais, sermões, romances e longos poemas, eles contavam histórias uns para os outros. Eles acreditavam que bruxas podiam transformar pessoas em animais, que animais podiam falar, que anéis mágicos podiam tornar invisível quem os possuísse – acreditavam, enfim, em todas essas maravilhas que se leem nas histórias. À medida que o mundo foi ficando adulto, os contos de fadas não escritos teriam caído no esquecimento, não fosse pelas vovós que ainda se lembravam deles e os contavam a seus netinhos – e quando estes, por sua vez, tornavam-se vovôs, recordavam-se dessas histórias e as contavam para seus próprios netos. Esses contos são, assim, mais antigos que a leitura e a escrita – e muito mais antigos que a imprensa. * A previsão pessimista de Lang não se confirmou, e o sucesso dos livros levou-o a publicar ainda mais nove volumes da série – a serem todos traduzidos pela Concreta. [Nota do Editor]


Andrew Lang · O Fabuloso Livro Verde

Os mais antigos contos de fadas registrados por escrito de que se tem notícia foram redigidos no Egito, por volta do período em que viveu José – aproximadamente 3.500 anos atrás. Na Grécia, há quase três mil anos, Homero conhecia outras histórias de fadas, e com elas compôs um poema, a Odisseia – o qual espero que vocês leiam um dia. Nele vocês encontrarão a bruxa que transforma homens em porcos, o homem que espetou o olho de um gigante tolo, o capacete da escuridão e as sandálias da agilidade, que mais tarde foram utilizados por Jack, o Matador de Gigantes.* Esses contos de fadas são as mais antigas histórias do mundo. Inventados por homens que jamais abandonaram os divertimentos da infância, eles agradam às crianças e também aos adultos que não se esqueceram de que um dia foram pequenos. Sem dúvida, algumas dessas histórias foram criadas não apenas para nos divertir, mas para ensinar a virtude. Reparem como, nesses contos, o menino que trata bem os animais, e que é cortês, generoso e corajoso, sempre triunfa sobre as adversidades. Certamente pretendia-se que essas histórias inspirassem bondade, generosidade, cortesia e coragem em quem as ouvisse. Essa é a moral encerrada por essas narrativas. Mas a verdade é que as lemos mais pela diversão do que pela instrução. Há quem diga que essas histórias não são boas para as crianças – porque não são verdadeiras, porque afinal bruxas não existem, nem animais que falam, e porque nessas histórias pessoas morrem – especialmente gigantes malvados. Mas o mais certo é que vocês, leitores, sabem diferenciar muito bem entre a verdade e o faz-de-conta – e jamais ouvi falar de uma criança que tenha matado um homem prodigiosamente alto só porque João matou um gigante, ou que tenha destratado sua madrasta (se for o caso de ter uma madrasta) só porque as madrastas dos contos de fadas são geralmente más. Se nessas histórias existem monstros assustadores, isso não é motivo para temer, pois, seja lá o que eles tenham feito há muitos e muitos anos, a verdade é que já não andam pelo mundo como antes. * Conto presente no Fabuloso Livro Azul, o primeiro da série.

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Prefácio à edição original

Foram transformados em pedra, e vocês podem ver nos museus o que restou deles. Por isso, não receio que vocês fiquem com medo dos magos e dragões – aliás, eles sempre acabaram se submetendo, ainda que no auge de sua fúria, a um garoto ou garota de verdadeira coragem. Alguns dos contos aqui reunidos, como “O Meio Pintinho”, são para crianças bem pequenas; outros, para crianças maiores. Os contos mais extensos, como “Coração Gelado”, não foram criados ao mesmo tempo que os demais; foram escritos em francês, por homens e mulheres de gênio, como Madame d’Aulnoy e o Conde de Caylus, cerca de 200 anos atrás. Hoje já não há muitos escritores – se é que ainda existe algum – capazes de escrever bons contos de fadas, porque eles não acreditam verdadeiramente em suas próprias histórias, e porque pretendem ser mais espertos do que aos Céus agradaria que fossem. Deixamos com vocês, por ora, as últimas dessas histórias antigas, na esperança de que as apreciem e sintam-se agradecidos aos Irmãos Grimm, que as resgataram dos nossos ancestrais; a M. Sebillot e M. Charles Perrault, que nos emprestaram alguns contos de seu povo francês; ao Sr. Ford, que fez as ilustrações;* às Srtas. Blackley, Alma Alleyne, Eleanor Sellar, May Sellar, Wright e à Sra. Lang, que traduziram muitas das histórias a partir do francês, do alemão, e de outras línguas. Se no ano que vem lançarmos um novo livro, não será de contos de fadas. Qual será a obra é segredo por enquanto, mas esperamos que, quando o revelarmos, não seja algo sem graça. Por ora, adeus – e, quando tiverem lido um livro de fadas, emprestem-no a outras crianças que não possuírem nenhum, ou contem para elas as histórias com suas próprias palavras, já que esta é uma maneira muito agradável de passar o tempo. Andrew Lang, 1892

* As belas ilustrações das edições originais foram feitas pelo artista britânico Henry Justice Ford (1860–1941), e seu estilo serviu de inspiração para os desenhos da presente edição, elaborados por Carolina Pontes. [N. E.]

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O Pássaro Azul

ra uma vez um rei imensamente rico, que possuía grandes extensões de terra e muitos sacos transbordantes de ouro e prata. Nada disso, porém, tinha para ele a menor importância, pois a rainha, sua esposa, havia morrido. Tamanho era o seu pesar, que se trancava em um pequeno aposento no alto do castelo e passava os dias martelando a cabeça contra a parede. Os cortesãos, temendo que ele se ferisse, forraram as paredes com almofadas de penas por baixo da tapeçaria, de modo que ele pudesse bater a cabeça à vontade – se isso lhe trazia algum consolo – sem o risco de se machucar. Todos os súditos visitavam-no e diziam-lhe tudo que pudesse confortá-lo: alguns tinham o ar grave, até sombrio; outros tentavam ser agradáveis, até alegres. Mas nenhum conseguia causar a mínima impressão no rei. Na verdade ele parecia sequer ouvir o que lhe diziam. Por fim, veio visitá-lo uma senhora envolta em um manto negro, com uma expressão de profundo pesar, e chorava e soluçava tanto que o rei não pôde deixar de notá-la. Então a mulher disse que, longe de tentar


Andrew Lang · O Fabuloso Livro Verde

confortá-lo, ela, que acabara de perder seu querido esposo, tinha vindo então se unir às suas lágrimas, uma vez que padecia da mesma dor – e o rei lamentou-se em dobro. Ele começou a relatar à infeliz senhora as qualidades de sua falecida rainha, ao que ela passou a enumerar todas as virtudes de seu falecido esposo. O tempo transcorreu de modo tão agradável, que o rei já não tinha vontade de bater a cabeça contra a parede e a senhora já não enxugava como antes as lágrimas de seus grandes olhos azuis. Pouco a pouco, começaram a falar sobre outros assuntos que os interessavam, e não demorou muito para que a notícia do casamento do rei com a infeliz senhora deixasse todo o reino perplexo. Ora, o rei tinha uma filha de apenas quinze anos. Chamava-se Florina, e era a mais bela e amável princesa que se possa imaginar, de espírito sempre alegre e exultante. A nova rainha, que também tinha uma filha, logo mandou buscá-la para viver no palácio. Troutina – pois esse era seu nome – vivia com sua madrinha, a Fada Mazila, mas nem todos os cuidados com a criação da menina foram capazes de fazê-la bonita ou graciosa. Na verdade, a rainha ficou muito apreensiva quando viu que, ao lado de Florina, ressaltava-se a feiura e o terrível temperamento de sua filha. Por isso, passou a fazer de tudo para que o rei se voltasse contra a sua própria filha e desenvolvesse uma predileção por Troutina. Certo dia, o rei resolveu que era tempo de Florina e Troutina se casarem, e decidiu que ofereceria a mão de uma delas ao primeiro príncipe que visitasse a corte, desde que fosse um homem digno. A rainha respondeu: — É evidente que minha filha deve ser a primeira a se casar; ela é mais velha que a vossa, e mil vezes mais formosa! O rei, que detestava contendas, respondeu: — Bem, isso não é problema meu, fazei como quiserdes. Pouco tempo depois, circulou a notícia de que o Rei Formoso – o mais belo e magnífico príncipe daquela parte do mundo – estava a caminho para visitar o rei. A rainha, ao saber da novidade, encomendou aos seus ourives, costureiras, tecelões e bordadeiras os mais fabulosos vestidos e ornamentos para Troutina. Disse ao rei que Florina afinal não 28


O Pássaro Azul

precisava de nenhum acessório novo e, na véspera da chegada do Rei, subornou sua dama de companhia para que escondesse todos os vestidos e joias da princesa. Assim, quando chegou o dia e Florina quis se enfeitar, não encontrou sequer um laço de fita. Porém, adivinhando o autor da trapaça, não reclamou: mandou encomendar finos vestidos e acessórios aos mercadores, mas eles lhe disseram que a rainha expressamente os proibira de fornecer qualquer artefato à princesa, e que não ousariam lhe desobedecer. Assim, nada lhe restava para vestir, senão o singelo vestido branco que usara no dia anterior. E foi com esses trajes que ela se apresentou à chegada do Rei, sentando-se a um canto, na esperança de passar despercebida. A rainha recebeu o visitante com todas as honrarias e apresentou-o à sua filha, cujo esplendor dos trajes apenas ressaltava sua feiura. Ao olhá-la de relance, o Rei voltou o rosto para o outro lado; a rainha, contudo, pensou que era apenas timidez do Rei e fez questão de manter Troutina bem à vista dele. O Rei então perguntou se havia no palácio outra princesa, de nome Florina. — Sim – respondeu Troutina, apontando na direção de Florina. – Ali está ela, tentando esconder-se, pois não está vestida à altura. A essas palavras, Florina enrubesceu, e sua aparência tornou-se tão tímida e amável, que o coração do Rei foi definitivamente arrebatado. Levantou-se e, inclinando-se diante dela, disse-lhe: — Senhora, vossa incomparável beleza dispensa ornamentos. — Senhor – respondeu a princesa –, garanto que não costumo vestir-me assim, tão desalinhada e amarrotada. Preferia que o senhor jamais tivesse me visto. — Ora, que dizeis? – bradou o Rei Formoso. – Onde quer que se apresente uma princesa de tão fabulosa beleza, não posso ter olhos para nada mais. Neste ponto da conversa, foram abruptamente interrompidos pela rainha, que disse em tom áspero: — Garanto-vos, senhor, que Florina já é vaidosa o bastante. Poupai-vos de encorajá-la com vossos elogios. 29


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O Rei entendeu que a rainha não estava nada satisfeita, mas não se importou, e continuou contemplando Florina conforme mandava o seu coração – e assim os dois conversaram por três horas seguidas. Ao ver que o Rei nitidamente preferia a companhia de Florina, a rainha e sua filha desesperaram-se. Foram queixar-se com o rei e imploraram sua permissão para que a princesa fosse trancada em algum aposento do palácio enquanto durasse a visita do Rei Formoso. O rei por fim consentiu, e, naquela noite, quando se dirigia aos seus aposentos, a princesa foi capturada por quatro capatazes mascarados, que a atiraram no último aposento de uma alta torre, onde foi abandonada à própria sorte. Não lhe custou entender que tentavam afastá-la da vista do Rei, a fim de evitar que ele se enamorasse dela. O problema, entretanto, é que ela já o estimava, e lhe agradaria muito ser escolhida para sua esposa! Como o Rei Formoso nada sabia do que sucedera à princesa, contava os minutos para revê-la e perguntava sobre ela aos cortesãos que o serviam. Porém, seguindo ordens da rainha, estavam todos proibidos de fazer qualquer elogio à princesa. Os criados, assim, afirmavam que Florina era vaidosa, volúvel e de mau temperamento; que atormentava suas criadas e que, apesar de todo o dinheiro que o rei lhe dava, era tão sovina que, em vez de gastá-lo, preferia andar vestida como se fosse uma camponesa pobre. Esses relatos deixaram bastante aborrecido o Rei, que se manteve em silêncio. — É bem verdade – pensou – que ela estava malvestida, mas parecia tão envergonhada! Só pode ser porque não estava acostumada a apresentar-se daquela maneira. Não posso acreditar que Florina, com aquele semblante tão amável, tenha o mau gênio que lhe atribuem. Não, não. A rainha deve estar com ciúmes por causa de sua filha feia, daí ter espalhado tanta mentira. Os cortesãos perceberam que o Rei não gostou do que ouvira e um deles começou sorrateiramente a aproveitar as ocasiões em que estava a sós com ele para elogiar Florina. O Rei Formoso ficou tão feliz e interessado por tudo quanto dizia respeito à princesa, que era evidente o quanto a admirava. Quando a rainha mandou chamar os cortesãos e 30


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exigiu um relato sobre tudo o que haviam descoberto, suas piores suspeitas se confirmaram. Quanto à pobre Florina, só lhe restou passar a noite aos prantos. — Ficar trancada nesta pavorosa torre já seria ruim se eu jamais tivesse visto o Rei Formoso – pensava consigo. – Mas, agora que sei que ele está por perto, é demasiado cruel suportar esta prisão, enquanto todos lá embaixo desfrutam de sua companhia. No dia seguinte, a rainha enviou ao Rei Formoso magníficas joias e outros presentes valiosos, incluindo um ornamento encomendando especialmente para a ocasião do casamento que se aproximava: um coração lavrado de uma pedra inteiriça de rubi, contornado por arcos de diamantes e cravejado com um brilhante solitário. Na parte superior do coração, um ornamento de ouro, em forma de nó dos amantes, ostentava os dizeres: “Apenas um pode ferir-me”, e a peça inteira estava presa por um colar de enormes pérolas. O mundo jamais vira coisa igual, e o Rei ficou verdadeiramente impressionado. O pajem que trouxera o presente pediu que o Rei o aceitasse da parte da princesa, que o escolhera para seu cavaleiro. — Como?! – bradou o Rei, indignado. – Acaso a estimada princesa Florina ousaria cortejar-me? — Vossa Alteza confunde os nomes – precipitou-se a dizer o pajem. – Venho em nome da princesa Troutina. — Ah, é Troutina quem deseja ter a mim por cavaleiro – respondeu, friamente. – Lamento não poder aceitar essa honra. O Rei mandou devolver os belos presentes à rainha e sua filha, que ficaram furiosas com esse tratamento desdenhoso. Na primeira oportunidade, o Rei Formoso foi visitar o rei e a rainha, e, uma vez no salão do palácio, começou a olhar em volta, à procura de Florina. Seus olhos voltavam-se ansiosos cada vez que alguém se insinuava no salão, e a rainha percebeu nitidamente sua inquietude e seu ar contrariado. Fingiu, porém, que nada via, e não fazia outra coisa senão falar sobre todos os divertimentos que estava planejando. O príncipe respondia ao acaso, e logo perguntou se não teria o prazer de ver a princesa Florina. 31


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— Senhor – respondeu a rainha, altivamente –, o rei ordenou que ela não saia de seus aposentos até que se realize o casamento de minha filha. — Por que razão alguém manteria prisioneira tão adorável princesa? – disse o Rei, profundamente indignado. — Não sei – respondeu a rainha –; e, mesmo que eu soubesse, não estaria inclinada a revelar-vos o porquê. O Rei ficou louco de raiva ao se ver frustrado desta maneira. Tinha certeza de que havia nisso o dedo de Troutina, e, lançando-lhe um olhar fulminante, despediu-se da rainha e retornou aos seus aposentos. Disse, então, a um pajem que o acompanhava: — Trocaria toda a minha riqueza pelo favor de uma das aias da princesa, a fim de conseguir falar-lhe por um momento. — Ora, nada mais fácil – disse o jovem pajem, que em pouco tempo fez amizade com uma das aias. Ela então lhe disse que, à noitinha, Florina estaria a uma pequena janela que dava para o jardim, onde o Rei conseguiria falar-lhe. Contudo – advertiu –, que ele tomasse muito cuidado para não ser visto, pois ela estava arriscando seu emprego ajudando o Rei a se encontrar com Florina. O pajem ficou muito satisfeito e prometeu fazer tudo o que ela pedira. No entanto, enquanto ele apressava o passo para contar ao Rei sobre o arranjo, a falsa aia foi até à rainha e revelou-lhe tudo que se passara. A rainha imediatamente ordenou que sua filha estivesse à referida janela, e a instruiu tão bem sobre tudo o que deveria dizer e fazer, que até mesmo uma criatura tão estúpida quanto Troutina não poderia errar. A noite estava tão escura que seria impossível ao Rei descobrir a trapaça. Ele aproximou-se da janela com inexprimível alegria e disse tudo o que entretinha há muito tempo em seu coração, a fim de persuadir Florina do seu amor. Troutina respondeu conforme fora instruída – disse que estava profundamente infeliz e que a rainha não cessaria de maltratá-la até que sua filha se casasse. O Rei então pediu sua mão em casamento, retirando de seu próprio dedo um anel e colocando-o no de Troutina, que respondeu o melhor que pôde. De fato, o Rei esperava uma resposta melhor vinda de sua querida Florina, mas se convenceu de 32


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que seus modos estranhos e pouco naturais deviam-se ao medo de ser flagrada pela rainha. O Rei não partiria até que ela prometesse encontrá-lo novamente na noite seguinte, e Troutina consentiu sem pestanejar. A rainha ficou exultante ao saber do sucesso de seu plano e prometeu a si mesma que, desta vez, tudo sairia conforme sua vontade. Com efeito, no dia seguinte, ao cair da noite, o Rei apareceu trazendo consigo uma carruagem que fora presente de um feiticeiro seu amigo. O carro era puxado por sapos voadores, e o Rei sem dificuldade convenceu Troutina a subir nele. Depois, sentando-se ao seu lado, disse, triunfante: — Agora, princesa minha, sois livre. Onde desejais que se celebre o casamento? Troutina, o rosto encoberto pelo manto, respondeu que a Fada Mazila era sua madrinha e que gostaria que o casamento se realizasse em seu castelo. O Rei deu a ordem aos sapos, que traziam de cabeça o mapa do mundo inteiro, e em pouco tempo pousaram no castelo. O Rei teria descoberto a fraude assim que eles puseram os pés naquele palácio intensamente iluminado, mas Troutina embrulhou-se ainda mais no manto e pediu para estar um momento à sós com a fada. Então relatou à sua madrinha tudo que havia se passado e como conseguira ludibriar o Rei Formoso. — Ó, minha filha! – fez a fada. – Antevejo grandes problemas. O Rei ama tão devotamente a Florina, que apaziguá-lo não será tarefa fácil. Estou certa de que ele não se deixará convencer. Enquanto isso, o Rei esperava por sua noiva em um esplêndido salão com paredes de diamante, as quais eram tão transparentes, que através delas pôde ver a fada e Troutina conversando às escondidas. Ele ficou muito confuso. — Quem nos teria enganado? – perguntou a si mesmo. – Como é possível que nosso inimigo esteja aqui? Na certa, ela está tramando contra o nosso casamento. Por que demora Florina e não vem logo ao meu encontro? Mas a realidade revelou-se pior do que ele imaginava, quando a Fada Mazila entrou no salão seguida por Troutina e lhe disse: 33


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— Ó Rei Formoso, trago-vos a princesa Troutina, a quem prometestes vossa fidelidade. Realizemos, pois, o casamento. — Eu?! – exclamou o Rei. – Casar-me com… isto? Quem pensais que sou? Jamais lhe prometi coisa alguma! — Nem mais uma palavra! Acaso não tendes respeito por uma fada? – disse, enfurecida. — Sim, senhora – respondeu o Rei. – Estou disposto a tributar-vos o respeito devido a uma fada, contanto que eu tenha minha princesa de volta. — Ora, pois não estou aqui? – interrompeu-o Troutina. – Eis o anel que me destes. Com quem conversastes à janela, senão comigo? — O quê?! – esbravejou o Rei, furioso. – Fui então ludibriado todo esse tempo? Onde está minha carruagem? Não fico neste castelo nem mais um minuto. — Oh-ho – fez a fada. – Quietinho aí! – e tocou-lhe nos pés, que imediatamente estancaram presos ao chão, como se estivessem colados. — Fazei de mim o que quiserdes – disse o Rei. – Podeis até transformar-me em pedra, mas jamais me casarei com outra, senão com Florina. E o Rei recusou-se a dizer qualquer outra palavra, ainda que a fada despejasse sobre ele mil censuras e ameaças, e Troutina chorasse e se enfurecesse por vinte dias e vinte noites. Por fim, falou a Fada Mazila, furibunda (pois estava exausta com a obstinação do Rei): — Escolhei entre casar-vos com minha afilhada ou cumprir penitência por sete anos, visto que desonrastes vossa palavra. O Rei respondeu vivamente: — Fazei o que bem entenderdes, contanto que afasteis de mim essa pavorosa megera! — Megera! – vociferou Troutina, delirando de ódio. – Quem pensais que sois, para chamar-me megera? Um maldito Rei que não honra a palavra e passeia pelos ares em uma carruagem puxada por sapos do pântano! — Basta de insultos – bradou a fada. – Ide, Rei ingrato: voai por aquela janela, e por sete anos sede um Pássaro Azul. 34


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Pronunciadas estas palavras, o rosto do Rei transfigurou-se: seus braços mudaram-se em asas; seus pés, em pequenas e retorcidas garras negras. No momento seguinte, seu corpo assumiu uma forma delgada como a de um pássaro, coberto de penas azuis cintilantes; seu bico era como marfim; seus olhos, reluzentes como estrelas, e uma coroa de penas brancas adornava sua cabeça. Feita a transformação, o Rei soltou um grito doloroso e voou pela janela, deixando para trás as gargalhadas zombeteiras de Troutina e da Fada Mazila. Voou e voou, até alcançar o ponto mais alto da floresta, onde, empoleirado em um cipreste, chorou seu triste destino. — Pobre de mim! Em sete anos, quem sabe o que será de minha querida Florina? – disse. – O mais certo é que sua madrasta cruel terá arranjado seu casamento com outra pessoa antes que eu volte a ser eu mesmo. Se isto acontecer, de que me valerá viver? Enquanto isso, a Fada Mazila enviara Troutina de volta para a rainha, que se consumia de ansiedade por saber como transcorrera o casamento. Mas, quando sua filha chegou e contou tudo que se passara, ela ficou transida de ódio e, naturalmente, toda a sua ira voltou-se contra Florina. — Essa mocinha terá muito que lamentar ter caído nas graças do Rei – disse a rainha, fazendo com a cabeça um expressivo aceno. Então, acompanhada por Troutina, dirigiu-se ao pequeno aposento no alto da torre, onde a princesa era mantida prisioneira. Florina não coube em si de espanto quando viu Troutina vestida em um manto real e ostentando uma coroa de brilhantes, e seu coração ficou compungido quando a rainha lhe disse: — Minha filha veio mostrar-vos alguns dos presentes de casamento, pois é agora esposa do Rei Formoso, e os dois formam o casal mais feliz deste mundo. Ele simplesmente a venera! Enquanto isso, Troutina exibia aos olhos relutantes de Florina rendas e joias, finíssimos brocados e laços de fita. Fazia questão especialmente de mostrar o anel do Rei Formoso em seu polegar. Ao vê-lo, a princesa reconheceu-o imediatamente e já não podia duvidar de que ele realmente se casara com Troutina. Desolada, ela lhes disse: 35


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— Levai embora essas malditas quinquilharias! Como poderia apreciá-las uma pobre prisioneira? – e, perdendo os sentidos, desabou no chão. A cruel rainha apenas riu-se maldosamente e deixou o aposento seguida por Troutina, abandonando Florina ao seu próprio desespero. Naquela noite, a rainha disse ao rei que Florina estava tão apaixonada pelo Rei Formoso – muito embora este jamais lhe demonstrasse sinal algum de afeição –, que melhor seria mantê-la na torre, até que recobrasse o juízo. O rei respondeu que nada tinha a ver com isso e que ela podia ordenar o que bem entendesse com relação à princesa. Quando a pobre Florina voltou a si e lembrou-se de tudo o que ouvira, verteu sentidas lágrimas, acreditando que o amor do Rei estava perdido para sempre. Durante toda a noite, ficou à janela aos suspiros e lamentos e, ao despontar do dia, arrastou-se até o canto mais escuro do pequeno quarto e lá permaneceu, sentada, indiferente a tudo, afundada em tristeza. Quando anoiteceu novamente, ela mais uma vez postou-se à janela, lamentando seu triste destino. Ora, havia algum tempo que o Rei Formoso, ou melhor, o Pássaro Azul, voava em torno do castelo, na esperança de ver sua querida princesa, embora não ousasse aproximar-se das janelas, por medo de ser visto e reconhecido por Troutina. Ao cair da noite, estava cansado e triste, sem ter descoberto onde Florina era mantida prisioneira. Então empoleirou-se no galho de um alto pinheiro que havia próximo à torre e começou a cantar até adormecer. Logo, porém, o som de uma voz suave e plangente chamou-lhe a atenção, e, escutando atentamente, ouviu-a dizer: — Ah, rainha cruel! Que vos fiz eu para merecer esta prisão? E já não vos bastava minha infelicidade de antes, para que viésseis atormentar-me com a felicidade de vossa filha, que agora é esposa do Rei Formoso? O Pássaro Azul, enormemente surpreso, esperou ansiosamente pela aurora; assim que o dia começou a clarear, voou para ver quem teria dito aquelas palavras. Entretanto, encontrou a janela fechada e não viu ninguém. Na noite seguinte ficou à espreita e, sob a clara luz da lua, percebeu que a moça lamentosa à janela era a própria Florina. 36


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— Minha princesa! Finalmente vos encontrei! – disse, pousando junto a ela. — Quem está falando comigo? – indagou a princesa, cheia de espanto. — Acabastes de pronunciar meu nome e já não me reconheceis, Florina? – disse, entristecido. – Não é de admirar, já que sou apenas um Pássaro Azul, e devo permanecer assim por sete anos. — Será possível? Ó pequeno Pássaro Azul, seríeis realmente o grande Rei Formoso? – perguntou a princesa, acariciando-lhe as penas. — É a mais pura verdade – respondeu. – Foi minha punição por ter me mantido fiel a vós. Mas, crede-me: ainda que minha punição fosse em dobro, suportá-la-ia feliz para não trair vosso amor. — Ó! Que me dizeis? – exclamou a princesa. – Pois se vossa esposa, Troutina, há pouco visitou-me, ostentando o manto real e a coroa de diamantes que lhe destes! Não estou enganada, pois vi que trazia vosso anel no polegar. O Pássaro Azul, enfurecido, contou à princesa todo o ocorrido – como o enganaram para que fugisse com Troutina e como, por recusar-se a casar com ela, a Fada Mazila o condenara a ser um Pássaro Azul por sete anos. A princesa ficou exultante ao saber da fidelidade de seu bem-amado e não se cansava de ouvir suas palavras de amor e suas explicações, mas logo o sol subiu, e tiveram de se despedir, para que o Pássaro Azul não fosse visto por alguém do palácio. Depois de prometer que pousaria novamente à janela da princesa tão logo anoitecesse, voou para longe, escondendo-se na pequena abertura de um pinheiro – e Florina ficou a padecer de agonia, receosa de que o Pássaro caísse em uma armadilha ou fosse devorado por uma águia. Mas o Pássaro Azul não ficou por muito tempo em seu esconderijo. Cruzou os céus até chegar ao seu próprio palácio, onde penetrou por uma janela quebrada e dirigiu-se ao aposento em que guardava suas joias. Escolheu um magnífico anel de brilhantes para sua princesa e voou de volta. Florina esperava por ele sentada à janela e, ao receber o presente, repreendeu-o docemente por ter se exposto a tamanho risco. 37


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— Prometei usá-lo sempre! – pediu o Pássaro Azul, e a princesa prometeu, com a condição de que ele deveria visitá-la durante o dia e durante a noite. Conversaram a noite toda, e na manhã seguinte o Pássaro Azul voou até seu reino, penetrou furtivamente no palácio através da janela quebrada e escolheu dentre seus tesouros duas pulseiras confeccionadas a partir de uma pedra inteiriça de esmeralda. Ao oferecê-las à princesa, ela meneou a cabeça em desaprovação e disse: — Julgais que vos amo tão pouco, que preciso desses presentes para me lembrar de vós? Ele respondeu: — Não, princesa minha. Mas meu amor é tão grande que não consigo expressá-lo, por mais que tente. Se vos trago esses objetos sem importância, é apenas para mostrar que não cesso de pensar em vós, mesmo que deva deixar-vos a sós por alguns instantes. Na noite seguinte, ele presenteou Florina com um relógio entalhado em uma pérola inteiriça. Ao vê-lo, a princesa sorriu e disse: — Fazeis bem em me dar um relógio, pois, desde que vos conheci, não pude mais mensurar o tempo. As horas que passamos juntos transcorrem como minutos, e as horas longe de vós parecem anos para mim. — Ah, princesa! Não podem ser mais longas do que são para mim – respondeu. O Rei trazia cada vez mais tesouros para a princesa – diamantes, rubis e opalas. À noite, ela se enfeitava para agradá-lo; durante o dia, escondia os tesouros sob seu colchão de palha. Quando o sol raiava, o Pássaro Azul, escondido no alto pinheiro, cantava para a sua amada com tanta doçura, que as pessoas que por ali passavam diziam que a floresta era habitada por um espírito. Assim transcorreram dois anos – e a princesa continuava cativa, e Troutina continuava solteira. A rainha oferecera sua mão a todos os príncipes das redondezas, que sempre respondiam que, com Florina, de boa vontade se casariam, mas, com Troutina, sob hipótese alguma. Isso desagradava a rainha sobremaneira. 38


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— Na certa, é uma armação de Florina, só para me contrariar! – disse. – Vamos acusá-la de conspiração. Então, a rainha e Troutina subiram a torre. Ora, acontece que era quase meia-noite, e Florina, toda enfeitada de joias, estava sentada à janela na companhia do Pássaro Azul. Quando a rainha parou frente à porta, ouviu a princesa e seu admirador cantando juntos uma singela canção que ele há pouco a ensinara, e que dizia assim: Ó! Desdita maior do mundo inteiro, Um na prisão e o outro no pinheiro. Causa de nossa aflição e castigo Termos sido fiéis, contra o inimigo – Que age cruelmente, mas em vão: Cá não há dois, mas um só coração. Apesar do tom melancólico, as duas vozes cantavam jubilosamente. A rainha escancarou a porta e esbravejou: — Arrá! Minha Troutina, vejo que aqui se arma uma conspiração contra nós! Tão logo a viu, Florina, com notável presença de espírito, rapidamente fechou a janela, a fim de que o Pássaro Azul tivesse tempo de fugir, e então foi ao encontro da rainha, que despejou sobre ela um mundo de censuras. — Vossas maquinações foram reveladas, senhorita – esbravejou, soltando fogo pelas ventas. – E não ouseis pensar que vossa alta posição vos poupará do castigo que mereceis. — Com quem me acusais de estar conspirando, senhora? – indagou a princesa. – Acaso não tenho sido vossa prisioneira por dois anos? E quem tenho visto, senão os carcereiros que me enviais? A rainha e Troutina a observavam enquanto falava, tomadas de indizível espanto, completamente deslumbradas por sua beleza e pelo esplendor de suas joias. A rainha então disse: — Posso saber, senhorita, de onde vêm todos esses diamantes? Teríeis acaso encontrado uma mina na torre? 40


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— De fato, encontrei-os aqui – respondeu a princesa. — Tende a bondade de dizer-me – falou a rainha, cuja fúria crescia a cada minuto – para os olhos de quem vos enfeitastes desta maneira, se nem nas ocasiões mais importantes da corte vos apresentáveis com metade desta elegância? — Para meus próprios olhos – replicou Florina. – Deveis admitir que disponho de bastante tempo livre; não é de admirar que eu gaste parte dele embelezando-me. — Está certo – disse a rainha, desconfiada. – Darei uma olhada por aqui, a ver se descubro algo. A rainha e Troutina começaram a vasculhar cada canto do pequeno quarto, e, quando reviraram o colchão de palha, encontraram tamanha quantidade de pérolas, diamantes, rubis, opalas, esmeraldas e safiras, que ficaram boquiabertas, sem saber o que pensar. A rainha decidiu esconder em algum canto um pacote de correspondências falsas, a fim de provar que a princesa estava conspirando com os inimigos do rei, e escolheu como local a chaminé. Para a sorte de Florina, era exatamente ali que o Pássaro Azul decidira empoleirar-se, para não perder de vista o que se passava e poder evitar qualquer perigo que ameaçasse sua amada princesa. Ele então gritou: — Cuidado, Florina! O inimigo está tramando contra vós! Essa estranha voz assustou a rainha de tal modo, que ela guardou a correspondência e apressou-se em abandonar o aposento com Troutina. Realizaram uma reunião para tentar descobrir quem seria a fada ou o feiticeiro que estava ajudando a princesa. Por fim, enviaram uma das aias da rainha para servir Florina. A criada tinha ordens para que parecesse bastante estúpida, incapaz de ver ou ouvir o que se passava, enquanto na verdade deveria observar a princesa dia e noite, mantendo a rainha informada de tudo quanto ela fazia. A pobre Florina, que adivinhou terem enviado uma espiã, ficou desolada e chorou amargamente, porque não mais ousaria encontrar-se com seu querido Pássaro Azul, receosa de que algum mal lhe ocorresse caso fosse descoberto. 41


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Os dias eram demasiado longos, e as noites demasiado monótonas, mas por um mês inteiro ela não se aproximou de sua janelinha, para evitar que ele voasse ao seu encontro, como costumava fazer. Contudo, a espiã, que jamais tirara os olhos da princesa, fosse durante o dia ou durante a noite, ficou por fim tão cansada, que acabou caindo num sono profundo. Assim que a princesa se deu conta disso, correu até a janela, abriu-a e chamou, suavemente: Pássaro Azul, tal qual o firmamento, Vinde a mim, não há ninguém no momento. E o Pássaro Azul, que durante todo esse tempo não se afastara muito do castelo, voou até ela num instante. Tinham tanto que conversar e estavam tão felizes por se verem mais uma vez, que pareceu durar cinco minutos o tempo que passaram juntos até o nascer do sol, quando o Pássaro Azul teve de se despedir. Na noite seguinte, a espiã dormiu tão profundamente quanto antes, e o Pássaro Azul veio mais uma vez até a janela. Ele e a princesa, acreditando estarem perfeitamente seguros, começaram a fazer planos para sua futura felicidade, tal como antes da fatídica visita da rainha. Mas, que infelicidade! Na terceira noite, a espiã não estava completamente adormecida e, quando a princesa abriu a janela e chamou, como de costume: Pássaro Azul, tal qual o firmamento, Vinde a mim, não há ninguém no momento, a espiã despertou de todo – mas, dissimulada como era, a princípio manteve os olhos fechados. Dentro em pouco ouviu vozes, e, espiando cuidadosamente, viu sob o luar o mais belo pássaro azul conversando com a princesa, enquanto ela acariciava-lhe as penas e dava-lhe leves pancadinhas de afeto. A espiã não deixou escapar uma única palavra da conversa. Assim que o dia amanheceu e o Pássaro Azul teve de dizer adeus muito a contragosto, ela correu até a rainha e contou-lhe tudo que vira e ouvira. 42


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A rainha então mandou chamar Troutina, e as duas conversaram sobre o assunto, logo concluindo que aquele Pássaro Azul não podia ser outro senão o próprio Rei Formoso. — Ah! Aquela princesa insolente! – exclamou a rainha. – E pensar que, enquanto a julgávamos profundamente infeliz, ela gozava da maior das alegrias, junto daquele falso Rei. Mas sei como podemos nos vingar! Ordenaram à espiã que voltasse à torre e fingisse dormir mais profundamente que das outras vezes – e, de fato, ela foi se deitar mais cedo que de costume, e roncou da maneira mais natural possível. A pobre princesa correu à janela e chamou: Pássaro Azul, tal qual o firmamento, Vinde a mim, não há ninguém no momento. Mas nenhum pássaro veio. Chamou a noite toda, e esperou, e escutou – sem obter nenhuma resposta, pois a cruel rainha ordenara que se espalhassem facas, espadas, navalhas, tesouras, podadeiras e foices por toda a copa do pinheiro. Assim, quando o Pássaro Azul ouviu o chamado da princesa e voou em sua direção, teve suas asas cortadas e seus pequenos pezinhos arrancados, ficando todo perfurado e apunhalado em vinte lugares. Recuou, sangrando, para seu esconderijo na árvore, e lá permaneceu, gemendo acabrunhado, pois acreditava que a princesa, cedendo às pressões, o havia delatado em troca da liberdade. — Ah, Florina! Seríeis afinal tão bela e tão desleal? – suspirou. – Se assim for, melhor que eu morra de uma vez! Virou-se para o lado e começou a desfalecer, entregando-se à morte. Mas acontece que seu amigo, o feiticeiro, ficara bastante alarmado ao ver a carruagem de sapos retornar vazia e então saiu pelo mundo por oito vezes à sua procura, mas em vão. Naquele mesmo instante em que o Rei abandonava toda a esperança, o feiticeiro passava pela floresta pela oitava vez e chamava, como havia chamado por todo o mundo: — Formoso! Rei Formoso! Onde estais? O Rei reconheceu imediatamente a voz de seu amigo e respondeu baixinho, pois estava muito fraco: 43


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— Estou aqui… O feiticeiro olhou à sua volta, mas não viu nada. O Rei então disse: — Sou um pássaro azul. Então o feiticeiro encontrou-o num instante e, vendo sua lamentável condição, correu de um lado para o outro sem dizer nada, até que colheu um punhado de ervas mágicas. Com elas, e uma porção de encantamentos, o Rei rapidamente se recuperou. — Agora – disse o feiticeiro – contai-me tudo. Estou certo de que há uma princesa por trás dessa história toda. — Pois há duas! – respondeu o Rei Formoso com um sorriso forçado. Contou-lhe então toda a história, acusando Florina de ter revelado à rainha suas visitas secretas, em troca de obter a liberdade, acrescentando ainda muitas censuras à volubilidade da princesa e acusando sua beleza traiçoeira, e assim por diante. O feiticeiro concordou com tudo que o Rei dissera, e foi ainda mais longe, afirmando que todas as princesas são iguais – salvo, talvez, no tocante à beleza – e aconselhou-o a dar o caso por encerrado e a esquecer Florina de uma vez. Mas, de algum modo, aquele conselho não agradou ao Rei. — O que faremos? – indagou o feiticeiro. – Tendes ainda cinco anos para permanecer como um pássaro azul. — Levai-me ao vosso castelo – respondeu o Rei. – Lá ao menos podeis manter-me em uma gaiola, a salvo de gatos e espadas. — Bem, é o melhor que se pode fazer por enquanto – respondeu o amigo. – Mas não sou um feiticeiro em vão. Estou certo de que em breve pensarei em uma solução para o caso. Enquanto isso, Florina, em tremenda aflição, sentava-se à janela noite e dia e chamava por seu querido Pássaro Azul, sem obter resposta – e imaginava o tempo todo as coisas terríveis que poderiam ter-lhe acontecido, até que começou a empalidecer e enfraquecer. A rainha e Troutina, por sua vez, estavam triunfantes – mas por pouco tempo, pois o rei, pai de Florina, caiu doente e morreu, e todo o povo rebelou-se contra a rainha e sua filha, vindo em massa ao palácio exigir a presença de Florina. 44


O Pássaro Azul

A rainha saiu à sacada do palácio disparando ameaças e maldições sobre o povo, que por fim perdeu a paciência e pôs abaixo todas as portas do palácio, uma das quais desabou sobre ela, matando-a. Troutina fugiu apressadamente para o castelo da Fada Mazila, e todos os nobres do reino resgataram Florina da torre e fizeram-na rainha. Em pouquíssimo tempo, graças à atenção e ao cuidado que lhe devotavam, Florina recuperou-se dos efeitos do longo cativeiro, apresentando-se agora em todo o esplendor de sua formosura. Aconselhou-se com os cortesãos e organizou a administração do reino para todo o tempo em que estivesse ausente. E então, tomando um saco cheio de tesouros, partiu sozinha em busca do Pássaro Azul, sem revelar a ninguém aonde ia. Enquanto isso, o feiticeiro tinha o Rei Formoso sob seus cuidados. Porém, como seu poder não era bastante para neutralizar o feitiço da Fada Mazila, decidiu procurá-la a fim de tentar um acordo favorável ao seu amigo – pois, como se sabe, fadas e feiticeiros são como primos, afinal de contas; e, depois de conviverem por cinco ou seis séculos, frequentemente se desentendendo e fazendo as pazes, eles conhecem um ao outro muito bem. A Fada Mazila recepcionou-o com muita cordialidade. — O que quereis, compadre? – perguntou. — Podeis praticar uma boa ação, se quiserdes – respondeu. – Um certo rei amigo meu teve a infelicidade de ofender-vos… — Ah, sei de quem estais falando – interrompeu-o a fada. – Sinto não poder atender-vos, compadre, mas ele não deve contar com a minha misericórdia a menos que se case com minha afilhada, a quem podeis ver ali, tão bela e graciosa. Espero que ele pondere minha proposta. O feiticeiro não sabia o que dizer, pois achou Troutina a coisa mais feia deste mundo, contudo não podia ir embora sem fazer mais uma tentativa por seu amigo, que corria grave perigo vivendo em uma gaiola. Com efeito, vários incidentes alarmantes já haviam ocorrido. Certa vez, o prego que prendia a gaiola cedeu, e Sua emplumada Majestade machucou-se muito com a queda – e a Senhora Gato, que calhava de estar ali, deu-lhe um arranhão no olho que quase o cegou. Em outra ocasião, esqueceram-se de repor a água, e ele quase morreu de sede. Mas o pior 45


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de tudo é que ele estava prestes a perder seu reino, pois estivera ausente por tanto tempo, que todos os súditos pensavam que havia morrido. Ponderando todas essas coisas, o feiticeiro entrou em um acordo com a Fada Mazila: ela devolveria ao Rei a forma humana e levaria Troutina para passar alguns meses junto dele, em seu palácio; se, depois desse tempo, o Rei ainda resistisse em se casar com ela, tornar-se-ia novamente um Pássaro Azul. A fada então envolveu Troutina em um magnífico manto de ouro e prata, e ambas montaram em um dragão alado, chegando, pouco tempo depois, ao palácio do Rei Formoso. Ele também acabara de chegar ao palácio, trazido por seu fiel amigo, o feiticeiro. Com três movimentos de sua varinha mágica, a fada devolveu ao Rei sua antiga forma, que então assumiu uma aparência mais bela e encantadora do que nunca. Quando avistou Troutina, porém, julgou demasiado alto o preço de sua restauração, e a simples ideia de se casar com ela causava-lhe arrepios. Enquanto isso, a Rainha Florina, disfarçada de camponesa pobre, com um grande chapéu de palha cobrindo-lhe o rosto e um velho saco sobre os ombros, iniciara sua penosa viagem. Tinha percorrido longa distância – às vezes por terra, às vezes por mar, às vezes a pé e às vezes a cavalo – sem saber direito aonde ia, temendo que, a cada passo, estivesse na verdade afastando-se mais de seu bem-amado. Certo dia, estava sentada à beira de um riacho, exausta e triste, refrescando seus pezinhos na cristalina água corrente e penteando seus longos cabelos, que reluziam como ouro sob o sol, quando aproximou-se uma velha senhora corcunda que caminhava apoiando-se em um pedaço de pau. A velha parou e lhe disse: — Ora, minha pequena, estais sozinha? — Sim, minha senhora. Estou infeliz demais para desejar alguma companhia – respondeu, as lágrimas molhando-lhe as faces. — Não choreis – disse a velha. – Contai-me a verdade sobre o que vos aflige. Talvez eu possa ajudar-vos. De boa vontade a rainha contou-lhe tudo que se passara, e que estava à procura do Pássaro Azul. Ao ouvir toda a história, a velhinha de repen46


O Pássaro Azul

te empertigou-se e foi tornando-se mais alta, rejuvenescendo e ficando cada vez mais bela, e então disse, com um sorriso, à admirada Florina: — Amável rainha, o rei que procurais já não é um pássaro. Minha irmã Mazila restaurou-lhe a antiga forma, e ele voltou ao seu reino. Não temais: ireis encontrá-lo e sereis felizes. Tomai estes quatro ovos: quebrai um deles quando estiverdes em apuros, e encontrareis auxílio. Após dizer estas palavras, a fada desapareceu, e Florina, com renovada confiança, guardou os ovos em uma bolsa e dirigiu-se ao palácio do Rei Formoso. Depois de caminhar por oito dias e oito noites, chegou a um alto morro de marfim polido, tão íngreme, que era impossível firmar o pé sobre sua superfície. Florina tentou mil vezes, escalando e escorregando, mas acabava voltando sempre ao ponto de partida. Por fim, sentou-se desolada ao pé do morro, e de repente lembrou-se dos ovos. Sem demora, quebrou um deles e encontrou uns pequenos ganchos de ouro. Prendendo-os nos pés e nas mãos, escalou-o sem mais problemas, uma vez que os ganchos a impediam de escorregar. Assim que atingiu o topo, deparou-se com nova dificuldade, pois do outro lado do morro – e, na verdade, por todo o vale – estendia-se um imenso espelho polido, no qual milhares e milhares de pessoas admiravam seu reflexo. Esse era um espelho mágico, no qual as pessoas viam refletida a aparência que gostariam de ter, e por isso atraía peregrinos dos quatro cantos do mundo. Porém, ninguém jamais conseguira chegar ao topo do morro, e, quando as pessoas viram Florina lá em cima, protestaram em coro, afirmando que, se ela pisasse sobre o espelho, ele se partiria em mil pedaços. A rainha, sem saber como agir e percebendo que seria perigoso descer, quebrou o segundo ovo, e então apareceu uma carruagem puxada por duas pombinhas brancas. Florina entrou e deslizou pelos ares suavemente. Depois de um dia e uma noite, as pombinhas pousaram do lado de fora dos portões do reino do Rei Formoso. A rainha desceu da carruagem, beijou as pombas e agradeceu-lhes; e assim, com o coração palpitante, penetrou na cidade e começou a perguntar às pessoas onde era possível encontrar o Rei. Todos riam-se dela, dizendo: 47


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— Encontrar o Rei? E que assunto teria uma pobre criada, uma ajudante de cozinha, para tratar com o Rei? Vai, lava primeiro teu rosto, teus olhos não estão limpos o bastante para vê-lo! Diziam isso, pois a rainha se disfarçara, e seus cabelos cobriam-lhe os olhos, para que ninguém a reconhecesse. Como se recusavam a responder-lhe, seguiu adiante e voltou a indagar aos que passavam. Desta vez, responderam que no dia seguinte ela poderia ver o rei desfilando pelas ruas acompanhado da Princesa Troutina, pois corria o boato de que ele finalmente consentira em se casar com ela. Realmente eram notícias terríveis para Florina. Teria enfrentado tão fatigante viagem, apenas para descobrir que Troutina conseguira fazer com que o Rei Formoso a esquecesse? O cansaço e a tristeza impediam-na de dar mais um passo, então sentou-se a uma calçada e verteu um sentido pranto a noite toda. Assim que amanheceu, apressou o passo rumo ao palácio. Depois de ser expulsa cinquenta vezes pelos guardas, conseguiu entrar e então viu no magnífico salão os tronos destinados ao Rei e a Troutina, que já era tratada como se fosse rainha. Florina escondeu-se atrás de um pilar de mármore e, dentro em pouco, viu Troutina apresentar-se ricamente vestida, porém mais feia do que nunca; o Rei apareceu em seguida, mais belo e deslumbrante do que Florina se lembrava. Quando Troutina sentou-se no trono, a rainha aproximou-se. — Quem és tu, e como ousas aproximar-te de meu trono real? – perguntou Troutina, fulminando-a com o olhar. — Sou conhecida como ajudante de cozinha – respondeu –, e venho vender-vos algumas coisas valiosas – disse, revirando seu velho saco, do qual retirou as pulseiras de esmeralda que o Rei Formoso lhe dera. — Ho, ho! – disse Troutina. – Tens aí uns belos pedaços de vidro. Suponho que aceites cinco moedas de prata por eles. — Mostrai-os a alguém que entenda destas coisas, senhora – respondeu a rainha –, e então poderemos negociar o valor. Troutina, que de fato amava o Rei Formoso tanto quanto lhe era possível amar alguém, e ficava sempre contente quando tinha a oportunidade de 48


O Pássaro Azul

lhe falar, mostrou-lhe então as pulseiras e perguntou quanto deviam valer. Ao vê-las, ele lembrou-se imediatamente das pulseiras com que presenteara Florina; empalideceu, deu um longo suspiro e mergulhou em pensamentos tão tristes, que se esqueceu completamente de que lhe devia uma resposta. Ela indagou-o novamente, e então ele disse com muito esforço: — Creio que essas pulseiras valem tanto quanto meu reino. Pensava haver apenas um par delas no mundo, mas, pelo que vejo, existem outras. Troutina voltou ao salão onde estava a rainha e perguntou-lhe qual era o menor preço que ela aceitaria pelas pulseiras. — Mais do que poderíeis pagar, senhora – respondeu. – Porém, se permitirdes que eu passe uma noite no Aposento dos Ecos, dar-vos-ei as esmeraldas. — Como quiseres, minha pequena ajudante de cozinha – disse Troutina, muito satisfeita. O Rei não tentou descobrir como aquelas pulseiras tinham ido parar ali – não porque não quisesse saber, mas porque a única maneira de descobrir seria perguntando a Troutina, e tamanha era sua aversão a ela, que jamais lhe dirigia a palavra, a menos que fosse estritamente necessário. Fora ele quem contara a Florina sobre o Aposento dos Ecos quando ainda era um Pássaro Azul. Era um pequeno quarto de dormir abaixo do aposento real, e fora construído com tanto engenho, que o mais suave sussurro emitido ali poderia ser ouvido perfeitamente no aposento real. Florina tencionava repreendê-lo por sua infidelidade, e aquela lhe parecia a melhor maneira de fazê-lo. Então, quando foi deixada no aposento por ordens de Troutina, começou a chorar e a lamentar, sem uma pausa sequer, até o raiar do dia. Questionados por Troutina, os pajens do Rei contaram que ouviram soluços e suspiros durante a noite. Ela então perguntou a Florina o que aquilo significava, e a rainha respondeu que frequentemente sonhava e falava em voz alta. Mas, por um infeliz acaso, o Rei nada ouvira daquilo tudo, pois tomava um gole de sonífero toda noite antes de dormir e não despertava até que o sol já estivesse alto. 49


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A rainha passou o dia em grande inquietação. — Se ele me ouviu – disse –, seria possível que permanecesse cruelmente indiferente? Mas, se não me ouviu, que poderei fazer para ter outra chance? Tenho muitas joias, é verdade, mas nada tão notável para chamar a atenção de Troutina. Foi nesse instante que se lembrou dos ovos. Quebrou mais um e de dentro dele saiu uma pequena carruagem de aço polido, com detalhes em ouro, puxada por seis ratinhos verdes. O cocheiro era um ratinho rosado; o mensageiro, um ratinho cinza, e os ocupantes da carruagem eram pequeninas pessoas, verdadeiramente adoráveis, que sabiam dançar e fazer incríveis proezas. Florina bateu palmas e saltitou de alegria quando viu esse prodígio da arte mágica, e, assim que anoiteceu, dirigiu-se a uma passagem ensombrecida que havia no jardim, pela qual Troutina havia de passar, e fez os ratinhos galoparem e as pessoas miúdas exibirem suas habilidades. Quando Troutina aproximou-se e viu o espetáculo, perguntou: — Ó criadinha, criadinha, o que queres em troca da tua carruagem de ratinhos? A rainha respondeu: — Deixai-me passar mais uma noite no Aposento dos Ecos. — Não negarei teu pedido, minha criança – disse Troutina, condescendente. Então voltou-se para suas criadas e sussurrou: — Essa tola criatura não sabe tirar vantagem quando tem a chance. Bem, tanto melhor para mim. Ao cair da noite, Florina proferiu as palavras mais cheias de amor que lhe ocorriam, mas, pobrezinha! não obteve mais sucesso do que antes, pois o Rei dormia profundamente depois de tomar o sonífero. Um dos pajens disse: — Essa camponesa deve ser louca. Ao que um outro respondeu: — Louca ou não, o que ela diz soa doloroso e comovente. Florina, por sua vez, julgou que o Rei devia ter um coração duríssimo, se pôde ouvir o seu lamento e, ainda assim, ignorá-la. Havia somente 50


O Pássaro Azul

mais uma chance, e, ao quebrar o último ovo, descobriu, com enorme contentamento, que ele continha a coisa mais maravilhosa de todas: uma torta feita de seis pássaros, preparada com perfeição – contudo, os pássaros estavam vivos, cantando e falando, e divertidamente respondiam a perguntas e liam a sorte. De posse desse tesouro, Florina mais uma vez posicionou-se no caminho por onde Troutina deveria passar. Enquanto esperava, um dos pajens do Rei aproximou-se e disse: — Bem, dona ajudante de cozinha, é sorte que o Rei sempre tome um sonífero antes de dormir; do contrário, não conseguiria pregar o olho com toda a tua lamentação. Então Florina descobriu por que o Rei não lhe respondera. Tirou do saco um punhado de pérolas e diamantes e disse: — Se me prometeres que, nesta noite, o Rei não tomará seu sonífero, dar-te-ei todas estas joias. — Ó! Claro que prometo – respondeu o pajem. Neste momento, Troutina apareceu e, ao bater os olhos na apetitosa torta, com todos aqueles passarinhos cantando e conversando, disse: — Que torta admirável, minha ajudante de cozinha! O que queres em troca dela? — O de sempre – respondeu. – Passar mais uma noite no Aposento dos Ecos. — Como quiseres, mas dá-me a torta – disse a gananciosa Troutina. Quando anoiteceu, a Rainha Florina esperou até que todos no palácio tivessem adormecido e começou a desfiar seus lamentos, como fizera antes. — Ah, Formoso! – disse. – Que vos fiz eu, para que me esquecêsseis e vos casásseis com Troutina? Se ao menos soubésseis tudo por que passei, e o quanto me custou encontrar-vos! Ora, o pajem honrara sua palavra e dera ao Rei Formoso um copo d’água em vez do sonífero usual. O Rei jazia na cama bem acordado e assim pôde ouvir tudo que Florina dizia, e até reconheceu sua voz, embora não soubesse distinguir de onde ela vinha. — Ah, princesa! – disse. – Como pudestes delatar-me a vossos cruéis inimigos, quando vos amava tanto? 51


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Florina ouviu e respondeu prontamente: — Procurai pela ajudante de cozinha; ela vos explicará tudo. No mesmo instante, o Rei mandou chamar seus pajens e disse-lhes: — Sabeis onde está a ajudante de cozinha? Trazei-a até aqui imediatamente. — Nada mais fácil, senhor – responderam –, pois ela está no Aposento dos Ecos. O Rei ficou perplexo. Como poderia a amável princesa Florina passar-se por ajudante de cozinha? Ou como poderia uma ajudante de cozinha ter a voz idêntica à de Florina? Vestiu-se num átimo e desceu a escadaria secreta que dava acesso ao Aposento dos Ecos. Ali, sentada sobre uma pilha de almofadas macias, estava sua querida princesa. Havia-se despojado de todo o seu feio disfarce e usava um vestido branco de seda, seus cabelos dourados reluzindo à luz amena da candeia. O Rei não cabia em si de felicidade ao vê-la: atirou-se aos seus pés e fez-lhe mil perguntas, sem que lhe desse tempo de responder. Florina estava igualmente feliz por encontrá-lo uma vez mais, e nada os perturbava, senão a lembrança da Fada Mazila. Mas, neste momento, o feiticeiro entrou no aposento, acompanhado por uma famosa fada – a mesma que dera os ovos a Florina. Depois de cumprimentarem o Rei e a rainha, disseram que, como haviam se unido para ajudar o Rei Formoso, a Fada Mazila já não tinha nenhum poder sobre ele, e o casamento com Florina poderia realizar-se quando quisessem. Imaginai a alegria do Rei! Assim que o dia amanheceu, a notícia espalhou-se por todo o palácio, e todos que pousavam os olhos em Florina ficavam imediatamente encantados. Quando Troutina soube da notícia, correu até o Rei e, ficou furiosa ao vê-lo junto de Florina. Antes, porém, que emitisse qualquer palavra, o feiticeiro e a fada transformaram-na em uma grande coruja marrom, que saiu voando por uma das janelas do palácio, arrulhando tristemente. Celebrou-se o casamento com grande esplendor, e o Rei Formoso e a Rainha Florina viveram felizes para sempre.* * Madame d’Aulnoy

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O Meio Pintinho

ra uma vez uma galinha espanhola, preta e linda que só, mãe duma ninhada enorme de pintinhos. Eram todos uns pintinhos saudáveis e roliços, a não ser o mais novo, que era um tanto diferente dos irmãos e irmãs. O tal pintinho, a bem dizer, era uma criatura tão estranha, tão esquisita dos pés à cabeça, que quando saiu do ovo pela primeira vez, sua mãe mal podia acreditar no que via, tamanha era a diferença entre ele e os outros doze pintinhos fofos, aveludados e macios que lhe ficavam sob as asas. Este parecia como se tivesse sido cortado ao meio. Tinha só uma perna, e uma asa, e um olho; e tinha metade de uma cabeça e metade de um bico. Enquanto o olhava, sua mãe balançou a cabeça de tristeza, e disse: — Minha cria mais nova é apenas um meio pintinho. Jamais irá crescer e se transformar num galo alto e garboso como seus irmãos. Os outros haverão de sair mundo afora e chefiar os seus próprios galinheiros; mas ele, pobrezinho, terá de ficar sempre em casa, com a


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sua mãe. – E lhe deu o nome de Medio Pollito, que é como a gente diz “meio pintinho” em espanhol. Ora, embora Medio Pollito fosse uma criaturinha tão esdrúxula, tão franzina e tão frágil, logo sua mãe descobriu que o pintinho não estava nem um pouco a fim de ficar apenas sob a segurança de suas asas. Para dizer a verdade, ele era, no caráter, tão diferente de seus irmãos e irmãs quanto o era na aparência. Os demais eram uns pintinhos bonzinhos e obedientes, e bastava a velha galinha cacarejar, que saíam todos a piar esganiçados e correr para ela. Mas Medio Pollito tinha um espírito desbravador a despeito de ter uma só perna, e quando a sua mãe lhe cacarejava para voltar ao galinheiro, fingia não conseguir ouvi-la, já que só tinha uma orelha. Quando a mãe saía com toda a família para uma passeio nos campos, Medio Pollito saltitava para longe e se escondia em meio ao milho indiano. E para os seus irmãos era um procurar angustiado por minutos a fio, enquanto a mãe corria para lá e para cá, a cacarejar de medo e desespero. À medida que envelhecia, tanto mais teimoso e desobediente ficava, e era muitas vezes terrivelmente malcriado com a sua mãe, além de ser um brigão e maltratar os outros pintinhos. Um dia, ele saíra para uma viagem mais demorada do que de costume. Ao retornar, saltitou até sua mãe, muito pomposo, com os pulinhos e chutes para o ar que eram o seu modo característico de andar, e, cravando nela o seu único olho, disse, muito petulante: — Mãe, estou cansado desta vida neste terreiro enfadonho, com nada para se olhar senão um milharal sem graça. Vou para Madri, a fim de ver o rei. — Para Madri, Medio Pollito?! – exclamou sua mãe. – És mesmo um pintinho tonto! Uma jornada assim seria longa até para um galo já crescido, e uma coisinha de nada como tu já estaria esgotada antes de trilhar metade do caminho. Não, não, fica em casa com tua mãe, e algum dia, quando estiveres maior, faremos uma viagenzinha juntos. Medio Pollito, porém, já se decidira, e não haveria de dar ouvidos aos conselhos de sua mãe, nem aos rogos e às súplicas de seus irmãos e irmãs. 54


O Meio Pintinho

— Para quê ficarmos todos nós apinhados neste lugarzinho minúsculo? – disse ele. – Quando eu tiver um pátio só meu, muito fino, no palácio do rei, talvez vos chame para uma visita rápida – e mal esperando para dizer adeus à família, lá se foi ele, a saltitar todo estabanado na estrada para Madri. — Sê gentil e atencioso com todos os que encontrares – gritou-lhe sua mãe, enquanto corria atrás dele, mas o pintinho estava tão apressado que não esperou para respondê-la, e sequer olhou para trás. Um pouco mais tarde naquele dia, enquanto saltitava num atalho que cortava o campo, passou por um rio. Ora, a corrente do rio estava sufocada, toda soterrada sob ervas daninhas e algas, de modo que as águas não corriam livres. — Ó! Medio Politto! – clamou o rio, enquanto o meio pintinho lhe saltitava nas margens. – Vem cá me ajudar e arranca de mim estas ervas daninhas. — Ajudar-te?! – exclamou Medio Politto, a abanar a cabeça e sacudir as poucas penas que tinha no rabo. – Pensas que não tenho coisa melhor a fazer do que perder meu tempo com ninharias? Ajuda-te a ti mesma, e não importunes viajantes ocupados. Vou para Madri ver o rei – e pulinho-e-chute para lá, pulinho-e-chute para cá, lá se foi Medio Pollito. Um pouco depois, chegou a uma chama que fora deixada acesa por alguns ciganos na floresta. Ela queimava fraquinha, e dali a pouco haveria de morrer. — Ó! Medio Pollito! – clamou o fogo, numa voz sumida, trêmula. – Daqui a poucos minutos hei de me apagar, a não ser que tu ponhas em mim alguns gravetos e umas quantas folhas secas. Ajuda-me, ou morrerei! — Ajudar-te?! – respondeu Medio Pollito. – Tenho mais o que fazer. Ajunta galhos para ti mesma, e não me importunes. Vou para Madri ver o rei – e pulinho-e-chute para lá, pulinho-e-chute para cá, lá se foi Medio Pollito. Na manhã seguinte, quando estava já perto de Madri, ele passou em frente a um enorme castanheiro, em cujos galhos o vento se emaranhara e acabara preso. 55


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— Ó! Medio Pollito! – clamou o vento. – Dá um pulinho até aqui e liberta-me destes galhos. Não consigo sair, e é tão desconfortável! — Acabaste aí por tua própria culpa – respondeu-lhe Medio Pollito. – Não posso perder a manhã todinha parando aqui para ajudar-te. Chacoalha a ti mesmo, sai daí e não me importunes, pois vou para Madri ver o rei – e pulinho-e-chute para lá, pulinho-e-chute para cá, lá se foi Medio Pollito, alegre que só, pois já se podiam divisar agora as torres e os telhados de Madri. Ao entrar na cidade, viu diante de si um casarão esplêndido, com soldados em pé em frente aos portões. Soube imediatamente ser ali o palácio do rei, e resolveu saltitar até o portão frontal e aguardar até que o rei saísse. Enquanto passava saltitando em frente a uma das janelas traseiras, foi visto pelo cozinheiro do rei: — Mas aí está exatamente o que eu queria – exclamou ele –, pois o rei acabou de enviar uma mensagem dizendo que quer frango para o jantar – e, abrindo a janela, esticou o braço e agarrou Medio Pollito, e o jogou dentro do panelão que estava ao lado do fogo. Ó! Quão molhada, fria e pegajosa lhe parecia estar a água, enquanto caía-lhe sobre a cabeça e fazia com que as poucas penas que tinha se grudassem todas a um só lado do seu corpinho mirrado. — Água, água! – gritou ele, desesperado. – Tem misericórdia de mim e não me molhes assim. 56


O Meio Pintinho

— Ah! Medio Pollito! – respondeu a água. – Não me ajudaste quando era eu um fiozinho d’água nos campos, agora tens de ser punido. Então o fogo começou a queimar e escaldar Medio Pollito, que dançava e pulava de um lado para o outro da panela, a tentar fugir da quentura, gritando de dor: — Fogo, fogo! não me queimes assim; não sabes como dói! — Ah, Medio Pollito! – respondeu o fogo. – Não me ajudaste quando eu estava a morrer na floresta. Estás a ser punido. Finalmente, quando a dor era já tão grande que Medio Pollito achava que iria morrer, o cozinheiro levantou a tampa da panela, a ver se o caldo estava pronto para o jantar do rei. — Veja só! – exclamou, horrorizado. – Este frango é inútil. Só ficaram cinzas. Não posso enviar isto aqui para a mesa real – e, abrindo de novo a janela, jogou Medio Pollito na rua. Mas o vento o pegou ainda no ar, e fê-lo rodopiar com tamanha violência que mal podia respirar, e o seu coração lhe batia tanto contra o peito que parecia prestes a arrebentá-lo. — Ó, vento! – enfim, a muito custo, arfante, ele disse. – Se me fizeres rodopiar assim, hás de me matar. Deixa-me descansar um momento, ou… – mas estava tão sem ar que não foi capaz de terminar a frase. — Ah! Medio Pollito – replicou o vento –, quando eu estava preso nos galhos do castanheiro, tu não me ajudaste; agora estás a ser punido. – E o remoinhou no ar, por sobre os telhados das casas, até alcançarem finalmente a igreja mais alta da cidade, onde o largou, preso à torre do campanário. E lá está até hoje Medio Pollito. Se tu calhares de ir a Madri e andar pelas ruas da cidade até chegar à igreja mais alta que ali há, verás então Medio Pollito, empoleirado com a sua única perna no campanário, a sua única asa caída à ilharga, e o seu único olho a fitar a cidade pasmado e tristonho.*

* Tradição espanhola.

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A história do Califa Cegonha

I assid, o Califa de Bagdá, descansava comodamente em seu divã durante um belo entardecer. Fumava um longo cachimbo, e de tempos em tempos sorvia o café que um escravo lhe alcançava numa delicada xícara, a cada gole acariciando suas longas barbas com ar prazenteiro. Qualquer um que estivesse presente à cena perceberia a excelente disposição de espírito do califa. Com efeito, a esta hora, quem o quisesse abordar estaria seguro de encontrá-lo afável e de bom humor. É por este motivo que Mansur, o grão-vizir, sempre escolhia este momento para lhe fazer sua visita diária. Nesta tarde ele chegou à hora habitual, mas, no lugar de sua habitual bonança, uma angústia lhe estampava o rosto. O califa tirou o cachimbo dos lábios por um instante e lhe perguntou:


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— Por que trazes o rosto tão aflito, Grão-Vizir? O grão-vizir cruzou os braços sobre o peito e, curvando-se diante do seu soberano, respondeu-lhe: — Ó, meu senhor! Se o meu semblante é de aflição, não o havia percebido, mas agora há pouco no pátio do palácio vi um mercador que portava mercadorias tão belas que me entristeci, lembrado de minha penúria. O califa, que há tempos queria dar um presente ao grão-vizir, mandou um preto buscar o mercador imediatamente. O escravo não tardou a voltar; atrás dele vinha o mercador, homenzinho robusto, de cara morena, vestido de trapos. Carregava num baú toda a sorte de artigos: colares de pérolas, anéis, garruchas ricamente adornadas, cálices e pentes. Depois de examinarem o conteúdo do baú, o califa selecionou algumas garruchas para si e para Mansur, e para a mulher do vizir escolheu um pente cravejado de joias. O baú já estava a ponto de ser fechado, quando o califa, reparando no interior dele uma pequena gaveta, perguntou ao mercador que artigos ela comportava, e se estavam à venda. Este a abriu e tirou de dentro dela uma caixinha que continha um pó negro e um pergaminho com caracteres misteriosos, que nem o califa nem o vizir eram capazes de ler. — Comprei estes dois artigos de um vendedor que os encontrara nas ruas de Meca – disse o mercador. – Não sei qual é o poder deles, mas como não me servem de nada, vendo-os de bom grado por uma mixaria. Como tivesse o costume de colecionar manuscritos antigos em sua biblioteca, muito embora os não pudesse ler, o califa adquiriu o pergaminho e a caixa, deixando ir o mercador. Então, ávido por descobrir os segredos do pergaminho, perguntou ao vizir se não conhecia ninguém capaz de decifrá-lo. — Ó Príncipe dos crentes – respondeu o vizir –, próximo à Mesquita mora um homem a quem todos chamam Selim, o Douto, que conhece todas as línguas da face da Terra. Mande buscá-lo, talvez seja capaz de interpretar esses misteriosos caracteres. Selim, o Douto, foi convocado sem demora. 60


A história do Califa Cegonha

— Selim – disse o califa –, ouvi dizer que és um erudito. Examina este pergaminho e vê se és capaz de ler o que está escrito nele. Se fores bem-sucedido, cobrir-te-ei com um manto de honra; se, pelo contrário, fracassares, darei ordens para desferirem doze golpes nas tuas faces e outros vinte e cinco nas solas dos pés, por ostentares sem razão a alcunha de Selim, o Douto. Selim prostrou-se e disse: — Faça-se conforme sua vontade, meu soberano! Em seguida cravou os olhos no pergaminho e pôs-se a mirá-lo por um bom tempo, até que, subitamente, exclamou: — Que eu pereça e morra, meu senhor, se isto não for latim. — Pois bem – disse o califa –, se é latim, ouçamos o que tem a dizer. Selim começou a traduzir: — Tu, a cujas mãos chegou este pergaminho, louva a Alá por sua misericórdia. Quem quer que aspire o rapé contido nesta caixa enquanto pronunciar a palavra “Mutabor”* há de se transformar na criatura que lhe aprouver, e entenderá a língua de todos os animais. Quando quiser voltar à forma humana, basta que se curve três vezes em direção ao Oriente repetindo a mesma palavra. Tome cuidado, no entanto, para não rir enquanto estiver sob a forma de besta; se o fizer, seguramente esquecerá a palavra mágica e permanecerá para sempre um animal. As palavras do pergaminho, traduzidas por Selim, o Douto, fascinaram o califa. Cumpridor de sua palavra, vestiu o sábio com um manto esplêndido, cuidando antes que ele jurasse jamais tratar daquele assunto com ninguém, e o deixou ir. Então disse ao vizir: — Que bela compra, Mansur! Mal posso esperar pelo momento de me transformar em animal. Quero que chegues cedo amanhã de manhã; iremos ao campo, cheiraremos um pouco do rapé desta caixinha, e ouviremos o que dizem as vozes no ar, na terra, e na água.

* Pronuncia-se mutábor.

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II Na manhã seguinte, mal o Califa Cassid acabara de se vestir e fazer o desjejum, o grão-vizir apresentou-se ao palácio, conforme as ordens que recebera, para acompanhá-lo em sua expedição. O califa meteu a caixa de rapé no cinturão e, havendo pedido a seus servos que ficassem em casa, levou apenas o grão-vizir na sua comitiva. Começaram a expedição nos jardins do palácio; ali, contudo, não encontraram nenhuma criatura que os inspirasse a estrear seu novo poder mágico. Por fim, sugeriu o vizir que seguissem até um lago situado fora dos muros da cidade, onde muitas vezes avistara um sem-número de criaturas de toda espécie, e em especial de cegonhas, cujo porte austero e falatório incessante já muitas vezes lhe cativaram a atenção. O califa assentiu, e dali se dirigiram ao lago. Assim que chegaram, notaram uma cegonha desfilando de um lado a outro com ar majestoso, caçando rãs e, de vez em quando, resmungando consigo mesma. Ao mesmo tempo, apareceu-lhes outra no alto do céu, voando para o mesmo local. Disse o vizir: — Aposto as minhas barbas, Vossa Alteza, que estas duas pernudas estão para travar uma conversa interessante. Que tal nos transformarmos em cegonhas? — Boa ideia – respondeu o califa –, mas antes nos lembremos dos procedimentos para voltar à forma humana: curvar-se três vezes em direção ao Oriente e pronunciar “Mutabor”. Quando assim fizermos, eu voltarei a ser o califa, e tu, o grão-vizir. Mas, por Alá, não rias, ou será nosso fim! Assim que terminou de falar, o califa olhou para cima e viu que a outra cegonha se aproximava cada vez mais do solo. Sem delongas, tirou a caixinha de seu cinturão, tomou uma pitada de rapé e ofereceu outra para Mansur; os dois homens cheiraram o rapé e gritaram juntos “Mutabor!”. No mesmo instante suas pernas se enrugaram e afinaram, ficando vermelhas; as sandálias amarelas abriram-se em quatro dedos de cego62


A história do Califa Cegonha

nha, e os braços, em asas; o pescoço lhes brotou do meio dos ombros, espichando-se um metro; as barbas desapareceram, e o corpo inteiro se cobriu de penas. — Que belo bico ostentas, Grão-Vizir! – exclamou o califa, tão logo sacudiu o estupor dos primeiros instantes. – Pelas barbas do Profeta, nunca vi coisa parecida em toda minha vida! — Bondade sua – respondeu o vizir, retorcendo o longo pescoço –, porém, ouso dizer que Vossa Majestade é ainda mais belo na forma de cegonha do que na de califa. Mas venha, aproximemo-nos de nossas amigas para ver se entendemos, de fato, a língua das cegonhas. Nesse entremeio, a cegonha que voava no céu já havia pousado. Roçou o bico com a garra, acariciou suas penas, e seguiu em frente até a primeira cegonha. Os dois homens, agora transformados em cegonhas, não tardaram a se aproximar e, para seu grande espanto, ouviram a seguinte conversa: — Bom dia, Dona Pernocas. Saiu de casa cedo esta manhã! — É verdade, minha cara Faladeira. Vim para tomar o café da manhã. A senhorita aceita um joelho de lagarto, ou uma perna de rã? — Fico muito agradecida, mas não tenho fome esta manhã. Estou aqui por outros motivos. Hoje à noite meu pai receberá visitas, e terei de dançar na frente delas. Vim ao prado para treinar sossegada. A jovem cegonha começou então a remexer-se dando passos estupendos. O califa e Mansur observaram-na atônitos por um bom tempo; mas, no momento em que ela concluiu o espetáculo balançando-se numa perna só enquanto batia as asas graciosamente para cima e para baixo, não conseguiram mais se refrear: uma longa risada irrompeu de seus bicos, e os dois levaram um tempo até recuperar a compostura. O califa foi o primeiro a se recompor. — Que piada! – disse ele. – É uma pena que nossas risadas tenham espantado essas palermas, pois estou certo de que no próximo ato cantariam! De repente, porém, o vizir lembrou-se que o manuscrito lhes avisara enfaticamente para não rirem enquanto estivessem transformados. Sem delongas comunicou sua apreensão ao califa, que exclamou: 63


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— Por Meca e por Medina! Que brincadeira de mau gosto seria esta, de permanecer uma cegonha até o fim dos meus dias! Tenta lembrar, por obséquio, a maldita palavra, pois agora me escapa à memória. — Temos que nos curvar três vezes em direção ao Oriente e dizer – como era mesmo? mu… mu… mu… Voltaram-se para o Oriente e dobraram os corpos até espetar os bicos no chão; contudo – horror dos horrores –, haviam esquecido de fato a palavra mágica, e por mais que o califa se curvasse ou o vizir em prantos repetisse “mu… mu… mu…”, por nada no mundo a palavra lhes acudia à memória, de modo que os míseros Cassid e Mansur continuavam nos seus corpos de cegonha.

III Os dois pássaros enfeitiçados arrastaram-se tristes pelas pradarias. No alto de sua miséria, não sabiam ao que recorrer. Viam-se incapazes de despir-se de suas novas formas; e de nada adiantaria voltar à cidade e 64


A história do Califa Cegonha

dizer quem eram, pois quem levaria a sério uma cegonha que declarasse ser o califa? E mesmo que acreditassem nele, por acaso o povo de Bagdá aceitaria prestar obediência a uma cegonha? Deixaram-se então vadiar por vários dias, tirando seu sustento de frutas, as quais, no entanto, tinham dificuldade de consumir por causa de seus longos bicos. Sapos e lagartos não eram do seu feitio. O único consolo para sua tribulação era o poder de voar, e por isso voavam com frequência sobre os tetos de Bagdá para ver o que andava acontecendo na cidade. Nos primeiros dias perceberam desordem e perturbação nas ruas, mas no quarto dia, pousados no teto do palácio, viram passar na rua abaixo uma procissão cheia de pompa e esplendor. Tambores e trompetes ressoavam; um homem de manta escarlate, com bordados de ouro, montava um cavalo ornado com um esplêndido xairel e rodeado de escravos ricamente vestidos; metade de Bagdá se amontoava atrás dele, e todos na multidão gritavam “Ave Mirza, senhor de Bagdá!”. As duas cegonhas postadas no telhado do palácio se entreolharam, e o Califa Cassid falou: — Adivinhaste agora, Grão-Vizir, o motivo por que fui enfeitiçado? Este Mirza é filho de meu inimigo mortal, o grande feiticeiro Caxenur, que num momento de pura maldade jurou vingar-se de mim. Mesmo assim não entrarei em desespero! Vem, meu fiel amigo; dirijamo-nos à tumba do Profeta, que talvez naquele lugar sagrado a maldição se dissipe. Desprenderam-se do telhado do palácio e alçaram voo em direção a Medina. Porém, voar não foi uma tarefa tão simples, já que as duas cegonhas ainda não tinham muita prática. — Por Alá! – exclamou o vizir, ofegante depois de algumas horas. – Já não posso mais; você voa demasiado rápido para mim. Ademais, o sol já está para se pôr, e temos que achar algum lugar onde passar a noite. A Cassid pareceu boa a sugestão de seu súdito; divisando no vale abaixo umas ruínas que pareciam oferecer abrigo, rumaram para lá. O edifício 65


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em que tencionavam passar a noite parecia ser um antigo castelo. Belas colunas continuavam de pé em meio a escombros; vários aposentos, ainda bem preservados, davam indícios de seu antigo esplendor. Cassid e seu companheiro perambulavam os corredores do castelo em busca de algum lugar enxuto, quando, subitamente, Mansur se deteve. — Meu senhor – sussurrou –, se não fosse absurdo que um grão-vizir, e mais ainda uma cegonha, tivesse medo de fantasmas, eu teria medo agora mesmo, pois alguém ou alguma coisa perto de mim suspirou e gemeu de maneira bastante audível. O califa parou também e conseguiu distinguir um débil pranto que mais parecia vir de um ser humano do que de um animal. Com a curiosidade à flor da pele, estava prestes a ir até o lugar de onde vinha o som plangente, quando o vizir o prendeu pela asa com o bico, implorando que não se expusesse a um perigo novo e desconhecido. Porém o califa, em cujo peito de cegonha batia um coração valente, arrancou-se ao bico do vizir com prejuízo de algumas penas e seguiu em frente, ao longo de um corredor escuro. No fim dele, topou com uma porta entreaberta, através da qual chegavam a seus ouvidos uns suspiros entrecortados de soluços. Empurrou a porta com o bico, mas não conseguiu tirar a pata da soleira, espantado que ficou do que se apresentava diante dos seus olhos. No chão daquela câmara em ruínas, que era frouxamente entreluzida por uma janelinha gradeada, estava sentada uma grande coruja. Grossas lágrimas rolavam de seus olhos largos e redondos; através do bico deformado, resmungava roucas lamúrias. Assim que viu o califa e o vizir – pois no entremeio este insinuara-se atrás de seu soberano – soltou um brado de alegria. Enxugou as lágrimas com suas asas castanhas e, para espanto das duas cegonhas, saudou-as em árabe impecável. — Bem-vindas, ó cegonhas! Sois um sinal propício do meu livramento, pois me foi vaticinado que a boa fortuna recairia sobre mim por meio de uma cegonha. Assim que se recobrou da surpresa, o califa ajeitou a postura, inclinou seu longo pescoço, e disse: 66


A história do Califa Cegonha

— Ó Coruja! Tuas palavras me levam a crer que somos vítimas do mesmo infortúnio. Mas – ai de mim! – a tua esperança, de com nossa ajuda te livrares da tua maldição, é de todo vã. Saberás como estamos perdidos quando ouvires o que aconteceu conosco. A coruja suplicou que lho contasse, e o califa contou tudo o que lemos até aqui. IV Quando o califa terminou a história, a coruja lhe agradeceu e disse: — Ouvi agora minha história, e persuadi-vos de que minha fortuna não é menos infeliz que a vossa. Meu pai é o Rei da Índia, e eu, sua filha única, me chamo Lusa. Caxenur, o mago que vos enfeitiçou, é autor também de meu infortúnio. Certo dia ele chegou a meu pai e exigiu que desse minha mão em casamento a Mirza, seu filho. Meu pai, que é um tanto impulsivo, mandou lançá-lo escada abaixo. O desgraçado não tardou a se aproximar de mim sob outra figura, e certo dia, quando eu estava no jardim, o mago, disfarçado de escravo, me deu de beber uma poção que me transformou instantaneamente nesta criatura horrenda. Enquanto eu desfalecia, incapaz de encarar aquele horror, ele me transportou a este lugar, e exclamou, na sua voz sinistra: “Aqui permanecerás, sozinha e medonha, desprezada mesmo pelas bestas, até o fim de teus dias, ou até que alguém, de livre e espontânea vontade, te peça em casamento. Assim me vingo de ti e da soberba de teu pai”. Desde então muitos meses se passaram, e eu vivo aqui, triste e sozinha, como um ermitão, no interior desta cela; o mundo inteiro me evita, e até os animais fogem de mim; vedado está a meus olhos tudo o que há de belo na natureza, pois sou cega durante o dia, e é apenas em certas noites, quando a lua derrama sua baça claridade neste canto, que o véu cai de meus olhos, e recobro a visão. A coruja parou de falar e mais uma vez levou a asa aos olhos para enxugá-los, pois a narração de seus males lhe havia arrancado novas lágrimas. 67


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Ruminando no pensamento a história que acabara de ouvir, disse o califa: — Ao que tudo indica, há algum vínculo misterioso entre os nossos infortúnios; a questão é como desvendar este mistério. A coruja replicou: — Ó, meu bom senhor! Eu também tenho certeza disso, pois na minha tenra infância uma sábia augurou que uma cegonha me traria grande felicidade; e acho que sei como nos salvaremos. O califa, muito surpreso, perguntou o que ela tinha em mente. — O mago que é autor da nossa miséria – respondeu – vem uma vez por mês a estas ruínas. A pouca distância deste aposento há um amplo salão em que ele costuma repastar com seus amigos. Observei-os várias vezes e os ouvi gabar-se de seus malefícios. É possível que no próximo banquete a palavra mágica de que Vossa Alteza se esqueceu seja mencionada. — Ó, caríssima Princesa! – exclamou o califa. – Dize lá, quando vem o mago, e onde fica o salão? A coruja refletiu por alguns instantes e então disse: — Não quero que penses mal de mim, mas só o revelarei sob uma condição. — Fala, fala! – exclamou Cassid. – Dá as tuas ordens, que eu cumprirei de bom grado o que desejares. — Pois bem – replicou a coruja –, como vês, eu também quero livrar-me desta condição; mas isso só pode ocorrer se um de vós me der a sua mão em casamento… Sentindo-se as cegonhas um tanto acuadas pela sugestão, acenou o califa ao vizir que se retirassem brevemente para deliberar. Já do lado de fora da câmara, disse o califa: — Meu Grão-Vizir, sei como é enfadante esta situação, mas podes ficar com a princesa. — Por certo! – respondeu o vizir. – Para que a patroa me arranque os olhos com as unhas quando eu chegar em casa! Ademais, já sou um velho, e Vossa Alteza, que é jovem e solteiro, seria um partido muito melhor para uma donzelinha graciosa. 68


A história do Califa Cegonha

— Aí que está – murmurou o califa, as tristes asas abatendo –; como sabes que a princesa é uma donzela graciosa? Para mim isto é comprar gato por lebre. A discussão se estendeu por um tempinho, até que, percebendo enfim o califa que o vizir preferiria se manter cegonha para sempre a se casar com a coruja, decidiu satisfazer as condições ele mesmo, para regozijo da princesa. Ela reconheceu que os dois não poderiam ter vindo em melhor hora, visto que os magos muito provavelmente se reuniriam naquela mesma noite. Tomou então a dianteira para conduzi-los ao tal salão. Percorreram um corredor longo e escuro até que, a poucos metros de distância, viram surgir à sua frente um raio de luz que penetrava no corredor através de uma fenda na parede. Ao se aproximarem, a coruja os aconselhou a manterem silêncio. Através daquela brecha era fácil inspecionar o salão inteiro. Adornavam-no colunas elegantes e ricamente talhadas; um sem-número de luminárias coloridas substituía a luz do dia. No centro do salão ficava uma mesa redonda coberta de várias iguarias, e ao redor dela um longo divã, onde estavam sentados oito homens. No meio deles as duas cegonhas reconheceram o vendilhão que lhes vendera o rapé mágico. O homem ao seu lado o instava a relatar seus feitos mais recentes, dentre os quais contou também a história do califa e do vizir. — E que tipo de palavra deste a eles? – perguntou outro velho feiticeiro. — Uma palavra latina bastante difícil: mutabor. V As cegonhas, assim que ouviram esta palavra, extasiaram-se. Correram com tal presteza à entrada do castelo, que a coruja mal os pôde acompanhar. Quando lá chegaram, o califa se voltou para a princesa e lhe disse, com especial afeto: — Redentora minha e de meu amigo, como prova de minha eterna gratidão, aceita-me por marido. 69


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Voltou-se então para o Oriente. Três vezes curvaram seus longos pescoços em direção ao sol, que recém vinha surgindo por trás das montanhas. “Mutabor!”, gritaram ambos, e no mesmo instante estavam transformados. Extasiados por terem recebido vida nova, caíram nos braços um do outro em meio a riso e choro. E quem poderá descrever o estupor que os acometeu quando finalmente se viraram e enxergaram atrás de si uma belíssima donzela, vestida de trajes os mais garbosos? Com um sorriso nos lábios, a donzela estendeu sua mão para o califa e perguntou: — Vossa Alteza não reconhece sua coruja? Era ela! Enfeitiçado pela beleza e graça de sua nova esposa, o califa declarou que transformar-se em cegonha fora o azar mais feliz de sua vida. Os três puseram-se em marcha para Bagdá. Felizmente, dentro do seu cinturão, o califa encontrou não apenas a caixinha do rapé mágico, como também seu moedeiro, de modo que conseguiram adquirir no vilarejo mais próximo tudo o que era necessário para a viagem, e em pouco tempo alcançaram Bagdá. A chegada do califa causou grande sensação na cidade. Fora tido por morto, de modo que agora todo o povo rejubilava-se por ver retornar seu amado monarca. Proporcional ao júbilo popular, contudo, era a raiva que o povo tinha a Mirza, o usurpador. Marcharam todos até o palácio, derrubaram seus portões, e prenderam o mago e seu filho. O califa mandou levarem o mago ao quarto onde a princesa vivera seus dias de coruja e ordenou que ali fosse enforcado. Ao filho, no entanto, que nada sabia dos crimes de seu pai, deu a opção de escolher entre a morte e uma pitada do rapé. Ao optar pelo rapé, recebeu a caixinha das mãos do grão-vizir, e bastou uma pitada para ser transformado em cegonha. O califa então mandou prendê-lo numa gaiola e confiná-lo aos jardins do palácio. O Califa Cassid viveu feliz por muitos anos ao lado da princesa, sua esposa. As horas mais alegres de seus dias eram quando Mansur os visitava à tardezinha; e quando estava de bom humor, o califa abdicava brevemente da própria dignidade para imitar os trejeitos do vizir quando cegonha. Enrijecia as pernas e, grasnando, desfilava com certa gra70


A história do Califa Cegonha

vidade de um lado a outro do aposento, baixando o tronco em direção ao Oriente, e repetindo aquele pranto inútil: “Mu… mu… mu…”. A sultana e seus filhos se divertiam à beça com a palhaçada; mas quando o califa prolongava demais o espetáculo, o vizir, sem deixar as gargalhadas de lado, ameaçava contar à sultana o objeto da discussão que tiveram do lado de fora da cela da Princesa Coruja.

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O Relógio Encantado

ra uma vez um homem rico que tinha três filhos. Quando eles cresceram, o pai enviou o mais velho para viajar e correr o mundo, e três anos se passaram até que a família tornasse a vê-lo. Então um dia ele voltou, em trajes esplêndidos, e seu pai ficou tão satisfeito com seu sucesso, que preparou um grande banquete em sua homenagem, fazendo questão de convidar todos os parentes e amigos. Encerradas as comemorações, o segundo filho pediu a permissão do pai para viajar e correr o mundo. O pai ficou muito satisfeito com o pedido e, entregando-lhe generosa soma de dinheiro para cobrir as despesas, disse-lhe: — Se te comportares tão bem quanto teu irmão, serás, como ele, recebido com honrarias. O jovem prometeu que se esforçaria, e sua conduta nos três anos seguintes foi exatamente como deveria ser, sem tirar nem pôr. Então voltou para casa, e seu pai ficou tão contente ao vê-lo que ofereceu um banquete de boas-vindas ainda mais suntuoso que o anterior.


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O terceiro irmão, que se chamava Jenik, ou Joãozinho, era considerado o mais tolo dos três. Em casa, nada fazia além de sentar-se ao pé da lareira e emporcalhar-se de cinzas. Todavia, também ele pediu permissão ao pai para viajar por três anos. — Vai-te, se quiseres, idiota. Que proveito tirarás disso? O rapaz não se ofendeu com os comentários do pai, na medida em que obteve permissão para a viagem. O pai comemorou a partida do filho, feliz por se livrar dele, e entregou-lhe uma boa quantidade de dinheiro para custear as necessidades. Certo dia, durante uma de suas incursões, aconteceu de Joãozinho cruzar uma campina onde alguns pastores de ovelhas estavam prestes a sacrificar um cachorro. Rogou que não o matassem e que, em vez disso, lhe dessem o animal para criar, no que foi prontamente atendido. Então Joãozinho tomou novamente a estrada, seguido agora pelo cachorro. Pouco mais à frente, deparou-se com um gato que alguém estava a ponto de sacrificar. Implorou por sua vida, e o gato passou a segui-lo. Por fim, em um outro local, salvou a vida de uma serpente, que também lhe foi entregue, e agora formavam todos um quarteto – o cachorro atrás de Joãozinho, o gato atrás do cachorro, e a serpente atrás do gato. Então a serpente disse a Joãozinho: — Segue-me aonde eu for. O caso era que, no outono, quando todas as serpentes se escondem em suas tocas, aconteceu que justamente esta ia ao encontro de seu rei, cujo império estendia-se sobre todas as serpentes. Ela então acrescentou: — Meu rei há de repreender-me por minha longa ausência; todos já se recolheram para o inverno, e estou muito atrasada. Serei obrigada a relatar-lhe todos os apuros por que passei, e como, sem a tua ajuda, eu certamente teria morrido. O rei perguntará o que desejas como recompensa. Dize-lhe sem falta que queres o relógio que fica dependurado na parede. Ele tem toda sorte de propriedades maravilhosas; basta friccioná-lo para obter qualquer coisa que desejares. 74


O Relógio Encantado

Dito e feito. Joãozinho assenhoreou-se do relógio e, tão logo partiu, quis colocar suas virtudes à prova. Estava faminto, e pensou que seria maravilhoso banquetear-se na campina com um pão fresquinho e um bom pedaço de bife regado a uma garrafa de vinho. Friccionou o relógio e, num piscar de olhos, estava tudo ali, diante dele. Imagina só sua alegria! A noite caiu logo, e Joãozinho friccionou seu relógio, pensando que seria muito agradável ter um quarto de dormir com uma cama confortável e uma boa ceia. Num instante, tudo aquilo apareceu diante dele. Depois da ceia, deitou-se na cama e dormiu até a manhã seguinte, como todo homem digno. Então pôs-se a caminho da casa do pai, imaginando o banquete que o esperaria. Regressando, porém, com as mesmas roupas com que partira, seu pai irrompeu em fúria e recusou-se a fazer qualquer coisa por ele. Joãozinho recolheu-se ao seu velho canto, junto à lareira, e encardiu-se com as cinzas, sem que ninguém lhe desse a mínima. No terceiro dia, sentindo-se bastante entediado, pensou que bom seria ver uma casa de três andares repleta de bela mobília, ornada com vasos de ouro e prata. Friccionou o relógio e… pronto! lá estava. Joãozinho saiu à procura de seu pai e lhe disse: — Não me ofereceste um banquete de boas-vindas, mas permite-me que te ofereça um; vem, que te mostro minha prataria. O pai ficou muito admirado e quis saber de onde o filho obtivera tamanha riqueza. Joãozinho não lhe respondeu, mas pediu que convidasse todos os conhecidos e amigos para um grandioso banquete. Então o pai convidou toda a gente, e todos ficaram maravilhados de ver tantas coisas suntuosas, toda aquela prataria e tantos pratos finos dispostos sobre a mesa. Servida a entrada do jantar, Joãozinho pediu ao pai que convidasse o rei e sua filha, a princesa. Friccionou o relógio e desejou uma carruagem adornada de ouro e prata, puxada por seis cavalos, com arreios reluzentes crivados de pedras preciosas. O pai não se atreveu a sentar-se em tão esplêndido coche, mas foi a pé até o castelo. O rei e sua filha ficaram muito impressionados com a beleza da carruagem e nela subiram sem demora, rumo ao banquete de Joãozinho. Ele então friccionou o relógio outra vez e desejou que, por seis milhas, o caminho 75


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até a casa fosse pavimentado de mármore. O deslumbramento do rei era sem precedentes, pois jamais percorrera uma estrada tão bela. Quando Joãozinho ouviu o ruído das rodas da carruagem, esfregou as mãos contra o relógio e desejou uma casa ainda mais maravilhosa, com quatro pavimentos, revestida de ouro, prata e damasco e repleta de belíssimas mesas sobre as quais dispunham-se finos pratos, jamais experimentados por rei algum no mundo. O rei, a rainha e a princesa nem sabiam o que dizer, tamanha foi sua surpresa. Jamais tinham visto palácio tão esplêndido, nem um banquete tão luxuoso. Quando a sobremesa foi servida, o rei manifestou ao pai de Joãozinho o desejo de ter o rapaz por genro. Dito e feito. O casamento se fez ali mesmo, e o rei voltou para o seu palácio, deixando Joãozinho e sua nova esposa na casa encantada. Ora, Joãozinho não era lá muito inteligente e, depois de pouco tempo, começou a aborrecer a esposa. Ela indagou-lhe como conseguira construir palácios e obter tantos bens preciosos. Ele então revelou tudo sobre o relógio, e a esposa não descansou enquanto não conseguiu subtrair-lhe o precioso talismã. Certa noite, ela tomou o relógio, friccionou-o e desejou uma carruagem puxada por quatro cavalos, e, uma vez instalada no coche, tomou imediatamente o rumo do palácio de seu pai. Lá chegando, chamou por seus criados, ordenou que a acompanhassem na carruagem e seguiu direto para o lado da costa. Então friccionou o relógio e desejou que uma ponte cruzasse o mar, e que no meio dele surgisse um magnífico palácio. Dito e feito. A princesa entrou no castelo e esfregou as mãos contra o relógio, e num instante a ponte desapareceu. Abandonado, Joãozinho sentiu-se extremamente infeliz. Seu pai, sua mãe e seus irmãos – e, na verdade, toda a gente – ria-se dele. Nada lhe restava senão o gato e o cachorro cujas vidas ele salvara. Tomou-os consigo e foi-se embora para longe, pois já não podia viver com a família. Chegou afinal a um deserto e viu alguns corvos que voavam em direção a uma montanha. Um deles havia ficado para trás, e, quando enfim alcançou o bando, seus irmãos perguntaram por que se atrasara tanto. — O inverno se aproxima – disseram eles –, é hora de voar para outras paragens. 76


O Relógio Encantado

O corvo contou-lhes que vira, no meio do oceano, o mais maravilhoso palácio jamais construído. Ao ouvir isso, Joãozinho imediatamente concluiu que se tratava do esconderijo de sua esposa. Sem mais tardar, pôs-se a caminho da costa, acompanhado de seu cachorro e seu gato. Ao chegar à praia, disse ao cachorro: — És um exímio nadador; e tu, pequeno, és bastante leve. Monta nas costas do cachorro, e ele te levará ao palácio. Quando chegardes, ele se esconderá próximo à porta, e tu hás de entrar furtivamente no castelo e resgatar meu relógio. Dito e feito. Os dois animais cruzaram o oceano; o cachorro escondeu-se próximo ao palácio, e o gato penetrou sorrateiramente em um aposento. A princesa reconheceu-o e adivinhou por que ele viera. Levou o relógio para o porão e trancou-o em uma caixa. Mas o gato se espremeu tanto que conseguiu penetrar no porão, e, mal a princesa virou as costas, o bicho arranhou a caixa até fazer-lhe um furo. Apanhou o re-

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lógio com os dentes e aguardou pacientemente que a princesa voltasse. Mal ela abriu a porta, o gato furtou-se para fora levando o relógio. Assim que cruzou os portões, disse ao cachorro: — Agora cruzaremos o oceano; cuida para não me dirigires a palavra. O cachorro manteve isso em mente e permaneceu calado. Porém, ao se aproximar da praia, não resistiu e perguntou: — Trazes o relógio? O gato não respondeu, pois temia deixar cair o talismã. Ao alcançar a praia, o cachorro reiterou a pergunta. — Sim – respondeu o gato. E o relógio caiu no mar. Então nossos dois amigos começaram a trocar acusações, e ambos olhavam pesarosamente para o local onde seu tesouro havia caído. De repente, um peixe apareceu à beira-mar. O gato o apanhou e pensou que daria um belo jantar. — Tenho nove filhinhos – disse o peixe. – Poupa a vida de um pai de família! — Certamente – respondeu o gato –, desde que encontres nosso relógio. O peixe assim o fez, e o relógio retornou ao seu dono. Joãozinho friccionou-o e desejou que o palácio, a princesa e todos os seus habitantes fossem engolidos pelo oceano. Dito e feito. Joãozinho voltou para o convívio de seus pais, e viveram todos – ele com seu relógio, seu gato e seu cachorro – juntos e felizes até o fim de seus dias.*

* Charles Deulin.

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Rosanela

odo mundo sabe que, apesar de as fadas viverem centenas e centenas de anos, às vezes elas também morrem, e especialmente porque são obrigadas a passar um dia inteirinho por semana sob a forma de algum bicho; e aí, é claro, ficam à mercê de toda sorte de acidentes. Foi assim que, certa feita, a morte pegou de surpresa a Rainha das Fadas, e se fez necessário convocar uma assembleia geral para a eleição de uma nova soberana. Após muito se deliberar, segundo tudo indicava havia no páreo duas fadas: a primeira chamada Surcantina; a segunda, Paridâmia. E os méritos de uma e de outra estavam tão a par que seria impossível eleger uma sem fazer injustiça à outra. Assim, pois, por unanimidade foi acordado que a rainha haveria de ser quem das duas conseguisse mostrar ao mundo a maior maravilha de todas. Mas a maravilha tinha de ser especial; nada de se jogar montanhas para lá e para cá ou algum outro truque de fada desses que a gente tanto vê por aí. Surcantina, portanto, resolveu que iria tomar sob seus cuidados e criar um príncipe que, de tão volúvel, nada no mundo poderia tornar


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constante. Enquanto Paridâmia decidiu, por sua vez, mostrar aos mortais boquiabertos uma rainha que de tão encantadora, ninguém no mundo poderia ver sem se apaixonar. Acordou-se também que ambas poderiam levar nisto quanto tempo lhes fosse necessário, pois no ínterim o reino seria governado pelas quatro fadas mais anciãs. Ora, Paridâmia era uma velha e boa amiga do Rei Barbandão, monarca dos mais hábeis, cuja corte era um exemplo de perfeição para todas as outras cortes. A sua rainha, Balanice, era também muitíssimo encantadora; a dizer a verdade, é muito raro encontrar um marido e uma esposa que se entendam assim tão bem. Tinham uma filha pequena, à qual haviam chamado “Rosanela”, pois que tinha uma pequena rosa desenhada na garganta alva. Desde a mais tenra infância, Rosanela demonstrara uma inteligência espantosa, e a gente da corte sabia-lhe as frases espertas de cor, repetindo-as sempre que podiam. No meio da noite que se seguiu à assembleia das fadas, a Rainha Balanice acordou de súbito, soltando um grito alto e muito agudo. Quando as suas criadas vieram correndo acudi-la, descobriram que a senhora tivera um sonho horripilante. — Eu sonhei – disse ela – que a minha filhinha havia se transformado num buquê de rosas, e, enquanto segurava-a em minha mão, veio de supetão uma ave, arrancou-a de mim e a levou embora. — Correi e averiguai se vai tudo bem com a princesa – acrescentou ela. E lá se foram as criadas, correndo até a princesa; mas qual não foi o desespero quando viram que o berço estava vazio! E posto que houvessem procurado em todo canto e recanto, não puderam encontrar nenhum sinal de Rosanela. A rainha ficou inconsolável, e não menos o rei, que só não deixava transparecer tanto a tristeza por ser homem e não falar muito sobre seus temores. Propôs então à Balanice que fossem passar alguns dias num dos palácios que tinham no campo; coisa que a senhora aceitou sem demora e de bom grado, pois toda a farra e alegria da cidade já não lhe caíam bem, angustiada como estava. Numa tarde adorável de verão, em que o rei e a rainha estavam sentados à sombra num pedaço de gramado cujo formato, donde irradiavam 80


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