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nº 6
R$ 14,90
O século da América Latina Dilma Rousseff e Cristina Kirchner: cooperação nuclear entre Brasil e Argentina
Um País Protegido Caminhos da indústria de defesa
janeiro-março 2012
ENTREVISTA: Otília Barradas, produzindo barracas de uso dual
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ao leitor
Caminhos da indústria de defesa O Brasil vive no estado democrático de direito. Mas a democracia só será plena no país se e quando não mais existirem mazelas sociais como a miséria e o trabalho escravo em solo brasileiro. Parece utopia, mas é possível. Com educação de qualidade e metas governamentais bem definidas voltadas para o desenvolvimento nacional, torna-se questão de tempo e de vontade política. Nessa cruzada, a indústria de defesa tem tudo para gerar boa parte dos avanços tecnológicos necessários. Aliás, ao longo de sua história, já deu demonstrações cabais do quanto pode facilitar a vida, para além da sua aplicação em conflitos. No país, ela sofreu um longo hiato de atividades, durante o tempo em que atuou isolada da agenda nacional. Em razão disso, encontra-se fragilizada em termos de capacitação técnica, capital humano especializado, infraestrutura industrial, mercados. Porém, apesar do atraso, recuperou sua importância estratégica para o país, e o governo tem aprovado medidas concretas para recuperar seu potencial de produção. O ano de 2012, em particular, traz boas expectativas para o segmento nacional de defesa. Diversos projetos e programas encontram-se em andamento, beneficiando as Forças Armadas e a indústria, todos com vista ao fortalecimento da soberania nacional e no sentido de contemplar o país com novas tecnologias. Perspectivas de fortalecimento dos laços com os vizinhos do país, implicando cooperação no segmento, reforçam o novo peso do país na comunidade internacional. Superiormente importante, por outro lado, é o compromisso com a educação de qualidade na área de ciência e tecnologia, que os diversos programas de defesa inspiram, ajudando a empurrar o país para a rápida conquista do perfil de nação avançada. Nesta edição, sob o título geral de “Caminhos da indústria de defesa”, a revista aborda os principais desafios que o setor produtivo especializado precisará superar para atingir condições plenas de atendimento atual e futuro dos programas tecnológicos de reaparelhamento das Forças Armadas. Defesa Latina destaca ainda a importância das feiras internacionais do setor para a inserção das empresas brasileiras, inclusive pequenas e médias, no mercado mundial. Sobretudo porque está em curso um novo modelo de participação, com a reunião de todas sob o guarda-chuva da “marca Brasil” – a imagem que a Apex-Brasil vem construindo globalmente para tudo o que produzem os brasileiros. Trata-se de um avanço real, que se verá na Fidae, no Chile, cuja edição 2012 se aproxima. Esta abordagem tem por objetivo esclarecer os leitores sobre o momento e as expectativas da Defesa Nacional, cujas conquistas, é certo, extrapolarão o campo específico em benefício da sociedade em geral. Mirian Paglia Costa Editora
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Elbit / Divulgação
DEFESA LATINA Ano 2 Nº 6 janeiro - março 2012 Editora Mirian Paglia Costa MTB Nº 12.637 mirianpaglia@gmail.com Diretor de Redação Cosme Degenar Drumond degenar@terra.com.br Elbit com o Hermes 450 em exposição internacional: o Brasil está testando o vant para emprego em segurança de fronteiras
Helena Maria Alves helena@editoradecultura.com.br Diretor de Arte Yves Ribeiro Filho
Marcos Santos/USP
Diretora de Marketing e Publicidade
Conselho Editorial João Lins de Albuquerque, Maura Sylvia Pasculli de Curci, Norton de Andrade Rapesta, Tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla Impressão Assahi
DCNS
Estudantes no vestibular: engenharia não está entre as cinco carreiras preferidas
DEFESA LATINA é uma publicação da Editora de Cultura Ltda.
Projeto submarinos: técnicos brasileiros e o ministro Amorim, da Defesa, na França
Distribuição nacional por Fernando Chinaglia Distribuidora Ltda. Endereço para correspondência Avenida Sapopemba, 2.722, 1º andar CEP 03345-000 – São Paulo, SP – Brasil Telefone: 55 11 2894-5100 e-mail: sac@editoradecultura.com.br Empresa associada à
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6 CARTAS 8 RADAR
Foto capa EB/ Comando Sul
Blindado Urutu ainda em uso, grande sucesso da indústria de defesa do Brasil
RESPONSABILIDADE SOCIAL
14 Decolando para o futuro com a Embraer
Programa modelo de curso médio da empresa inaugura nova escola em Botucatu (SP)
ENTREVISTA
1 8 Da moda feminina às barracas militares
Empresária Otília Barradas, da VRB 848, conquista aprovação internacional para barracas modulares de uso dual
FEIRAS E EXPOSIÇÕES
22 Vitrines da competição
Indústria de defesa, apoiada pela Apex-Brasil, inaugura no Chile novo formato de participação sob o guarda-chuva da “marca Brasil”
CAÇAS
26 A maioridade do FX-2
Ainda em suspenso o mais antigo processo brasileiro de aquisição de equipamento militar
CAPA | CAMINHOS DA INDÚSTRIA DE DEFESA
32 A união faz a força
A indústria de defesa, em virada positiva, agora é parte do planejamento do Estado
36 Fabricar especialistas
Mão de obra de alto nível é gargalo no desenvolvimento do segmento de defesa, mas país tem programas para recuperar o atraso em ritmo de urgência
44 Projetos estratégicos
Exército, Marinha e Aeronáutica, empenhados em programas de fortalecimento da soberania nacional, abrem oportunidades para a base industrial de defesa
50 Regime tributário especial: uma conquista Agora é lei: regras de incentivo para a área estratégica de defesa irão fomentar avanços em ciência, tecnologia e inovação
56 Brasil, exportador de armas
Quarto maior fornecedor mundial de armas leves, o Brasil enfrenta constrangimento diplomático no Bahrein
PROGRAMA ANTÁRTICO
58 Salvados do incêndio
Ministérios e instituições científicas se juntam para restabelecer as infraestruturas da Estação Comandante Ferraz e dar continuidade às pesquisas
CULTURA
60 Eduardo Gomes: um servidor do Brasil
Por que o Brasil quebrou sua neutralidade antes de declarar guerra ao Eixo
62 EFEMÉRIDES
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cartas TERMINAL 3 DE GUARULHOS A notícia, publicada no Diário de Guarulhos, foi repassada pelo leitor como uma espécie de desafio à DL. “Infelizmente a mídia não publica estas coisas”, disse ele, enfatizando que os veículos de comunicação teriam mais interesse em notícias desse tipo e lhes daria primeira página “se houvesse desvio de dinheiro público”. Assim como o DG, a DL publica. Ainda que o leitor tenha usado apenas iniciais para o encaminhamento da matéria, assinada pelo jornalista Luiz Roiz. I. A. G Guarulhos, São Paulo
A procuradora Cláudia Ramalho Luz, da Justiça Militar, com o general Wagner Oliveira Gonçalves, do Departamento de Engenharia do Exército, durante visita ao Aeroporto de Guarulhos
Para se corresponder com a revista Defesa Latina, as cartas devem trazer assinatura, endereço, número da cédula de identidade e telefone do autor. Por razões de espaço ou clareza, as cartas poderão ser publicadas resumidamente. Enviar para Diretor de Redação: Avenida Sapopemba, 2.722 - 1º andar 03345-000 – São Paulo – SP – Brasil. e-mail: sac@editoradecultura.com.br
“Destacamento Guarulhos” Luiz Roiz A procuradora-geral da Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz, visitou ontem [quinta-feira, 22 de março] as obras militares no Aeroporto de Guarulhos e, ao final de uma vistoria de três horas, disse que elas “são motivo de orgulho, não só para o Exército mas para todo o Brasil”. Ela ficou especialmente impressionada com o fato de a equipe do “Destacamento Guarulhos” não apenas ter concluído a maior parte das obras antes do prazo, mas têlas realizado com menos recursos do que os previstos em orçamento – cerca de 35% a menos, o que representou uma economia para os cofres públicos de R$ 150 milhões. “Está havendo devolução de dinheiro público; isso é uma coisa formidável”, disse a procuradora em entrevista exclusiva ao DG. “É a primeira vez que eu vejo isso.” Segundo ela, o papel do Ministério Público Militar não é apenas apontar e punir eventuais erros de militares, “mas também aplaudir o que está certo”. “Vim até aqui para verificar in loco as obras e dar um testemunho, para que este exemplo se espalhe”, disse. Informou que fará um relatório a respeito do que viu e o encaminhará ao comandante do Exército, general Enzo Peri. As obras em questão são duas: reforma da pista principal de 3.700 metros por 45 metros de largura, que já foi concluída e entregue em dezembro (de 2011, antes do prazo); e terraplenagem e preparação do pátio de aeronaves do futuro Terminal 3 do aeroporto, numa área de 300 mil metros quadrados. A obra do pátio deverá ficar pronta até o início do próximo ano, com seis meses de antecedência, segundo o coronel Carlos Alberto Maciel Teixeira, comandante da equipe militar (hoje, 80 pessoas) que coordena a operação em conjunto com empreiteiras civis. As duas obras estavam orçadas, inicialmente, em R$ 430 milhões; ao final, deverão custar cerca de R$ 280 milhões. A procuradora foi recebida no aeroporto, nesta quinta, 22, pelo general de brigada Wagner Oliveira Gonçalves, diretor de Obras de Cooperação do Departamento de Engenharia do Exército, e pelo tenente-coronel Carlos Alberto Maciel Teixeira, comandante da equipe de soldados e oficiais que toca as obras militares em Guarulhos. Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz é procuradora há 17 anos e está concluindo (em abril) seu segundo mandato como chefe do Ministério Público Militar. Antes, foi promotora de justiça do Rio de Janeiro, seu estado de origem.
ESTAMPAS DE SOJA E DE PASTO A designer paulista Gabriela Guenther quis compartilhar com os leitores da DL um cartum assinado por Leandro, também reproduzido em seu blogue, Verde Dentro, comprometido com a sustentabilidade. Com fino humor, o cartunista captou a discussão em torno do novo Código Florestal, que vem se arrastando desde 2010 e cuja votação está prevista para abril próximo com substanciais concessões à bancada ruralista – favorável a uma drástica redução dos dispositivos de proteção às florestas e de punição aos desmatadores. Sutil, Leandro retratou como um dos possíveis efeitos do novo código a mudança que poderá acarretar no uniforme dos soldados da selva. Gabriela Guenther Botucatu, São Paulo - www.verdedentro.wordpress.com 6
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radar O GRANDÃO NA AL a atual infraestrutura aeroportuária ou com algumas modificações, assegura o fabricante. No caso do Brasil, tanto Guarulhos quanto Galeão precisarão de reformas, enquanto se prevê que o Aeroporto Internacional de Confins, ao término das obras pelas quais passa, também terá condições físicas de receber o jato. O maior problema nos terminais não é o tamanho das pistas em relação à maior aeronave comercial de passageiros do mundo, mas, sim, a estrutura de embarque e desembarque de passageiros, que são 555 no design em três classes, mas podem chegar a 840. Tanto que o processo todo,
incluindo venda de bilhetes, conferência de bagagens, triagem de segurança, passagem pela alfândega e demais procedimentos, já foi apelidado de “pesadelo logístico”. De acordo com informe sobre o avião no blogue How Stuff Works (http:// viagem.hsw.uol.com.br/airbusa380.htm), “se problemas de horário ou de tempo forçarem dois ou mais A380 a pousar em algum lugar ao mesmo tempo, os aeroportos estimam que possa levar quase um dia para cada passageiro desembarcar, realizar os procedimentos de praxe e encontrar sua bagagem”. Apesar disso, de acordo com Rafael Alonso, vice-presidente
Fuselagem: Hamburgo Alemanha Pintura e instalação da cabine: Hamburgo Alemanha Cauda: Stade Alemanha Leme horizontal: Getafe Espanha Leme: Puerto Real Espanha Fuselagem e pré-montagens do cockpit: Meaulte França Nariz: Saint-Nazare França Montagem final: Toulouse França Asas: Broughton Inglaterra Fotos Airbus
How Stuff Works
Antes levar o superjumbo A380 ao Chile, para sua apresentação na Feira Internacional do Ar e do Espaço (Fidae) em Santiago, a direção da francesa Airbus programou duas paradas da aeronave no Brasil: em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos dias 22 e 23 de março respectivamente. Embora se calcule que sejam necessárias adaptações nos aeródromos para o serviço desse avião, foi visto que ambas as pistas nacionais comportam as grandes dimensões do modelo – a de Guarulhos, aliás, já havia sido visitada por ele em 2007, por ocasião do seu lançamento oficial. O A380 está apto a operar em 138 aeroportos do mundo com
Partes do jato embarcadas em supercaminhões na Inglaterra
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executivo da companhia para a América Latina e Caribe, a introdução da aeronave na região são favas contadas. ”O aumento do tráfego e a necessidade de diminuição de custos irão trazer o A380 para cá”, disse ele em São Paulo, acrescentando que o processo de fusão entre a chilena LAN e a brasileira TAM poderá facilitar o início das operações. Alonso se preparou para apresentar o avião também em Buenos Aires, na volta do Chile. Enquanto procura seduzir as companhias aéreas da região para levá-las a comprar a aeronave, a Airbus desenvolve uma verdadeira maratona logística para fabricar o avião, cujas partes são produzidas em quatro países (ver quadro). As partes maiores são transportadas por embarcações especialmente desenvolvidas para navegar em rios e mares. Estradas e instalações portuárias também precisaram ser ampliadas para comportar a passagem de componentes do avião. O primeiro superjumbo foi entregue em 2007 para a Singapore Airlines e a fabricante, otimista, diz que o break even point do A380 será atingido em torno de 2015, quando terão sido feitas 200 entregas. O total de ordens computado pela companhia no relatório “Orders & Deliveries Summary” de fevereiro de 2012 é de 253 aeronaves. janeiro-março 2012
AVANÇOS EM ALCÂNTARA Está prevista para meados de julho a chegada dos primeiros equipamentos terrestres de grande porte que a joint-venture Alcântara Cyclone Space (ACS) irá instalar no sítio de lançamento de Alcântara, Maranhão. O desembarque será feito no porto de Itaqui, próximo à capital maranhense, São Luís. A partir dali, carretas e guindantes com capacidade de carga de até 40 toneladas farão o deslocamento dos materiais: 15 tanques de combustível e acessórios para montagem. A empresa ACS, que junta Brasil e Ucrânia no projeto de oferecer sítio e capacidade de lançamento seguros e competitivos ao mercado mundial, com o foguete Cyclone-4 e o Centro de Lançamento de Alcântara, pertencente à Força Aérea Brasileira (FAB), prevê fazer o voo de qualificação de seu foguete no final de 2013. Enquanto isso, estão em estado avançado as obras de infraestrutura de solo para o lançamento no Complexo Técnico do Sítio de Lançamento, que compreende o prédio TC-100, onde serão preparados os satélites, e o TC-200, onde será feito seu acoplamento aos estágios
Agência Força Aérea/CLA
A asas do A380 transportadas na embarcação Dee-Dee River entre a fábrica britânica de Broughton e o porto de Mostyn, no sul da Inglaterra, de onde segue para o porto francês de Saint-Nazare
A novíssima torre móvel de integração (TMI), que será automatizada e tem, à esquerda, torre de fuga e evasão para aumentar a segurança, visitada por estudantes do Projeto Rondon
propulsores do Cyclone-4. Neste ano, o CLA, que completou 29 anos em 1º de março, tem programados cinco lançamentos: quatro de foguetes de treinamento básico e um de treinamento intermediário. Em 25 de junho, será a vez de um dos maiores desafios: a Operação Salina, considerada um marco na retomada das atividades do veículo lançador de satélite (VLS).
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O BARÃO E A CARICATURA
O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota com selos comemorativos de Rio Branco
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Para marcar o primeiro centenário da morte do Barão do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), jornalista, jurista, historiador e geógrafo, patrono da diplomacia brasileira e um dos mais importantes vultos históricos do país, o Ministério das Relações Exteriores e a Fundação Alexandre de Gusmão conceberam a exposição “O Barão e a caricatura – Rio Branco no traço dos caricaturistas.” Como o ex-ministro Delfim Netto, uma das vítimas preferidas dos cartunistas dos jornais brasileiros e faz questão de colecionar os desenhos produzidos sobre ele, o Barão também guardava os trabalhos em que era focalizado. Assim, foi fácil compor a exposição, toda montada com caricaturas pertencentes ao acervo construído pelo próprio personagem durante o período em que foi Ministro das Relações Exteriores (1902-1912). A coleção, que contém mais de mil peças retratando o chanceler e sua época, está hoje depositada no Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro. A mostra estará aberta ao público no Instituto Rio Branco, em Brasília, de 16 de março a 20 de abril. Como não é possível levar a exposição para o país inteiro, seria interessante colocar esse acervo no formato de livro ou em mídia virtual, ajudando a população a reverenciar a memória do homem que definiu pacificamente o contorno do território brasileiro e lançou as bases, até hoje válidas, da política internacional do Brasil moderno. Até porque Rio Branco está fora de circulação há mais de 20 anos – desde quando a inflação desbancou a nota de 1.000 cruzeiros – 1 barão –, trocada por cédulas de cruzados novos. Aliás, o Barão figurou também na cédula de 5 cruzeiros da reforma monetária de 1942.
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CONCORRENTES COOPERAM
EM SUSTENTABILIDADE
Jim Albaugh, presidente e CEO da Boeing Commercial Airplanes resumiu o momento de sabedoria que envolveu a empresa norte-americana e suas concorrentes Airbus, europeia, e Embraer, do Brasil, rememorando o belo texto do Eclasiastes 3.3: “Há momentos para competir e há momentos para cooperar”. Dito isso, assinou com os pares Tom Enders e Paulo César de Souza e Silva um memorando de entendimento que estatui o trabalho conjunto das empresas aeronáuticas para apoiar o desenvolvimento de biocombustíveis de aviação a custos acessíveis e com desempenho similar ao dos combustíveis fósseis. Aconteceu no dia 22 de março em Genebra, Suíça, por ocasião da VI Conferência de Aviação e Meio Ambiente (Aviation & Environment Summit). Enders, da Airbus, destacou a notável marca já obtida na redução de emissões de CO2 pela indústria aeronáutica na última década, quando o consumo de combustível subiu apenas 3% para um crescimento de 45% do tráfego aéreo. Já Souza e Silva, presidente da Embraer Aviação Comercial, fez questão de lembrar a origem brasileira do programa de biocombustível automotivo nos anos 1970 “E continuaremos a fazer história”, registrou. Para o bem do planeta, o compromisso do trio objetiva conquistar a tecnologia mais depressa do que se as empresas atuassem isoladamente. A Conferência, realizada pelo Atag, Air Transport Action Group, reuniu cerca de 350 participantes, que trabalham pela manutenção do papel-chave da aviação na economia global com o mínimo possível de comprometimento ambiental. Ao final do encontro, foi assinado também o Termo de Compromisso das indústrias, que atualiza as metas de sustentabilidade para os próximos anos. A meta é alcançar crescimento neutro em emissões de carbono a partir de 2020 e reduzir pela metade as emissões do setor até 2050, tendo 2005 como ponto comparativo. Em termos mundiais, o setor garante 56,6 milhões de empregos, transporta 2,6 bilhões de passageiros por ano, usando 23 mil aeronaves e 1.700 aeroportos. janeiro-março 2012
ALFABETIZAÇÃO EM GUARANI Em 1758, teve início o ensino obrigatório de português às crianças nas escolas e, no ano seguinte, os jesuítas foram expulsos do Brasil. Com as duas medidas, ordenadas pelo Marquês de Pombal, os paulistas deixaram de falar o nheengatu local, ou língua geral paulista, bastante semelhante ao guarani que se fala no sul do país e no Paraguai. Agora, assim como a alfabetização pós-Pombal determinou a extinção da língua indígena falada pelos paulistas – o nheengatu ainda subsiste como língua geral na Amazônia –, é a alfabetização que devolverá seu idioma aos alunos indígenas da rede estadual de São Paulo. Até o fim de 2012, os alunos indígenas da rede estadual disporão de uma cartilha de alfabetização em guarani em dois volumes, feita pelos próprios índios com supervisão de um linguista especializado. Ao todo, serão 8.400 livros a serem distribuídos em 16 escolas de origem guarani das 31 existentes no estado, uma iniciativa destinada a valorizar e reafirmar as identidades étnicas e culturais das comunidades, segundo Maria Elizabete da Costa, responsável pelo Núcleo de Educação Indígena estadual, que garante escolas janeiro-março 2012
bilíngues, assim como prevê a formação de professores e estimula a produção de materiais didáticos específicos para os diferentes grupos étnicos existentes no estado. O mesmo cuidado não acontece no caso do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), cujos resultados colocam as escolas indígenas nas piores classificações, como a Escola Estadual Indígena D.Pedro I, de Santo Antônio do Içá (AM), a Txeru Ba e Kua I, localizada em Bertioga (SP), e a Escola Estadual Indígena Cacique Manuel Florestino Mecuracu, de Benjamin Constant (AM). Para o antropólogo Luís Donisete Grupioni, pesquisador do Núcleo de História Indígena e do Indigenismo da USP (NHII-USP), o Enem não considera as especificidades da educação indígena. Além da cartilha de alfabetização em guarani, cuja produção está em andamento, a Secretaria da Educação atende a todas as escolas indígenas da rede com material didático em cinco línguas: guarani, tupi-guarani, terena, kaingang e krenak. O próximo idioma a ganhar cartilha será o tupi-guarani. A iniciativa é da maior importância, considerandose que, de acordo com relatório do Conselho Indigenista Missio-
nário (Cimi) de 2010, Acre, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Rondônia, Roraima e Sergipe apresentaram problemas na educação indígena – de falta de escolas, transporte e merenda escolar a ausência de professores indígenas e material didático especializado. Salvo em ocasiões de conflitos, a população brasileira poucas notícias recebe sobre os povos indígenas, sua vivência e necessidades nos diferentes estados. Em São Paulo, por exemplo, é desconhecida a presença de uma população indígena considerável, que vem aumentando ano a ano e está perto de chegar aos 100 mil indivíduos. Destes, mais de 30 mil moravam na Região Metropolitana já em 1998, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. No último recenseamento, em 2010, 817.963 pessoas entrevistadas pelo IBGE se declararam indígenas em todo o país, com 502.783 vivendo na região rural – uma elevação de 43% se comparado com o Censo de 2000. De acordo com o instituto, é nítida a tendência dos indígenas de deixar as cidades e partir para a zona rural ou para terras indígenas delimitadas pelo governo.
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GELOS SOBRE MAR E TERRA ESPESSURA DO GELO NO OCEANO ÁRTICO
espessura em metros
Graças aos dados do CryoSat, foi gerado o mapa que mostra, pela primeira vez na história, a espessura do gelo nas cercanias do Polo Norte
HAITI REORGANIZARÁ EXÉRCITO
Cartunista dos bons, o haitiano Pancho Cajas retratou o presidente Martelly e disse: “Entre suas habilidades, está a de ser cantor. Esperemos que governe tão bem quanto canta”
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Uma casa que voa sobre a Terra imóvel. A impressão é estranha, mas inevitável para quem assiste à animação destinada a divulgar a “Missão do Gelo” da ESA, a Agência Espacial Europeia (www.esa.int/SPECIALS/Cryosat_animation/), pois o satélite CryoSat, que orbita a Terra desde abril de 2010, tem a forma exata de uma casa com telhado de duas águas. O objetivo da missão é medir a espessura dos gelos polares e monitorar as alterações nos lençóis de gelo que cobrem a Groenlândia e a Antártica, além de conhecer melhor as correntes oceânicas e o ambiente polar. A iniciativa, de especial relevância no estudo das alterações climáticas, comunicou seus resultados iniciais em junho de 2011: o primeiro mapa da espessura dos gelos marítimos do Ártico. Agora, a ESA marcou para o próximo 24 de abril, na Royal Society de Londres, a apresentação do primeiro mapa sazonal de variação da espessura dos gelos marítimos na região do Polo Norte. Serão ainda apresentados outros aspetos da missão europeia, com a participação das comunidades científicas e industriais britânicas, que comemoram o cinquentenário da Grã-Bretanha na pesquisa espacial. O programa anunciou também que, a partir de março, terá início uma parceria com a Nasa, a agência espacial dos EUA, no sentido de checar a acuidade do altímetro do CryoSat e a confiabilidade de suas medições. (janeiro-fevereiro 2011)
O governo do presidente do Haiti, Michel Martelly – que assumiu o cargo em maio de 2011 – trabalha para organizar um Exército com 3,5 mil integrantes. Com o fim das Forças Armadas em junho de 1995, a segurança no país passou a ser feita pela Polícia Nacional e pela Guarda Costeira, sem contar as forças internacionais de paz enviadas ao Haiti e lá mantidas há sete anos pela Organização das Nações Unidas. O Brasil, que chefia o contingente dos “cascos azuis” da ONU, apoia a iniciativa, anunciada por Martelly no documento Política de Defesa e Segurança Nacional. Foi o que sustentou o ministro da Defesa, diplomata Celso Amorim, diante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado em setembro de 2011. Reafirmou o que dissera aos jornalistas após sua posse no cargo: “Acho que tem que ter uma estratégia de saída, isso é bom para o Haiti e para o Brasil também”. O que não deve mudar é a cooperação econômica e social com o país, onde o Brasil é representado pelo embaixador José Luiz Machado. O presidente haitiano – que além de empresário é tecladista, guitarrista, cantor e um dos artistas mais populares do país – estudou na Academia Militar do Haiti e pretende criar também um Ministério de Defesa e Proteção Civil e um serviço de informações.
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InbraAerospace GANHANDO TERRENO De 5 mil metros quadrados ocupados na fábrica de Mauá (SP) para mais de 40 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo (SP). O salto é enorme, mas, de acordo com as projeções de negócios da InbraAerospace, ela vai precisar desse espaço ampliado com urgência. Tanto que a nova planta industrial está com as obras em ritmo acelerado e deverá estar pronta até o final de 2012. Nascida em 2002 para atender à demanda nacional e internacional de compostos aeronáuticos, a empresa produz, além desses compostos, também blindagem para helicópteros empregados pelas forças militar e policial; blindagem para aviões militares
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Super Tucano contra munição .50”AP; já forneceu mais de 700 portas blindadas para aviões das famílias EMB-170 e EMB-190 da Embraer; e é a única no país a oferecer transparências laminadas termoformadas – tecnologia indispensável para fabricação de para-brisas de aviões de caça, janelas especiais de observação e canopis. Em outubro de 2010, a InbraAerospace assinou contrato com o consórcio Helibras/Eurocopter, sendo uma das primeiras empresas selecionadas como fornecedora brasileira para suprimento de partes do helicóptero EC-725 destinado às Forças Armadas. Neste projeto, deverá fornecer capôs e carenagens
Planta mostra ocupação do terreno da InbraAerospace em São Bernardo do Campo
do cone de cauda e estrutura intermediária em material composto – tecnologia esta ainda não disponível no Brasil, que é a mesma empregada em outros helicópteros militares da Eurocopter, como o Tiger e o NH90. Enquanto constrói em São Bernardo do Campo, a InbraAerospace investe em estrutura operacional, com aquisição de novos equipamentos, contratação e treinamento de mão de obra especializada – atualmente, a empresa emprega 120 profissionais.
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FROTA VERDE PARA A GUERRA
O USS Makin Island (LHD 8) em exercício: trata-se do primeiro navio de propulsão híbrida da Marinha dos EUA, com eletricidade gerada por turbinas parte a gás e parte a diesel
A conta vem sendo feita pelos especialistas do Pentágono, mas quem abraçou a campanha pessoalmente é o atual secretário da Marinha dos EUA, Ray Mabus, que já foi governador do Mississipi e embaixador na Arábia Saudita. Ele defende a urgência de construir um programa de energia alternativa para as Forças Armadas do país, em particular, uma biofrota de guerra para a Marinha e os Fuzileiros Navais. Os números, reunidos em dezembro de 2011, são realmente impressionantes. De acordo com o levantamento do Pentágono publicado pela revista norte-americana Government Executive, em um ano de operações militares, os EUA queimam mais de 5 bilhões de galões (18,9 bilhões de litros) de combustível – ou 2,154 milhões de litros por hora. Em média, as 14
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tropas no solo exigem 84 litros de combustível por combatente/dia, ou o dobro do que se gastava na Guerra do Vietnã e 22 vezes o consumo durante a Segunda Guerra Mundial. Conclusão: o país não tem condição de continuar lutando assim, porque o gasto de energia é demasiado. Inclusive porque cerca de 80% dos comboios de suprimento no Afeganistão são fornecedores de combustível e representam um dos alvos preferidos dos inimigos, resultando em muitos mortos ou feridos graves. “É um preço alto demais a pagar”, diz o secretário Mabus, cujos fuzileiros estão entre as baixas. A proposta dele é gritar independência em relação aos fornecedores de petróleo atuais, cuja instabilidade política deixa os EUA em permanente estresse na matéria – que Mabus quali-
fica de “vulnerabilidade insuportável” –, e adotar “um novo modo de usar, produzir e obter energia”, que implica desde navios mais eficientes em combustível até bases mais econômicas no uso de eletricidade. A longo prazo, porém, o secretário da Marinha pensa em programas de pesquisa & desenvolvimento que resultem em uma frota “verde” e também convençam todo o país a trabalhar pela mudança da matriz energética para fontes não fósseis e combustível originário de biomassa. A inovação em energia é uma tradição de pioneirismo da Marinha dos EUA, que mudou da vela para o vapor nos anos 1850, para o diesel no início do século XX e para a propulsão nuclear na década de 1950. Os primeiros navios da Grande Frota Verde sonhada por Mabus devem começar a navegar em 2016. janeiro-março 2012
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responsabilidade social
Filipe Alódio / Casdinho
Instituto Embraer de Educação e Pesquisa cria escola em Botucatu e garantirá curso médio de qualidade para jovens oriundos do ensino público
Maio de 2011: jovens visitam o Colégio Embraer Eng. Juarez Wanderley; eles estudam no Casdinho, curso sem fins lucrativos criado por alunos do ITA, preparando-se para o exame de admissão à escola
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“Se não tivesse propostas próprias para testar e disponibilizar, seria esperado que o Instituto limitasse o escopo de seu trabalho à distribuição de recursos entre instituições cujos objetivos e padrões operacionais fossem satisfatórios”, lê-se na apresentação do Instituto Embraer de Educação e Pesquisa em seu site. Mas não foi assim que a Embraer concebeu sua atuação no setor de responsabilidade social. Ao contrário, refletindo sua natureza como organização de alta tecnologia presente no mercado global, a empresa envolve-se com projetos próprios em duas frentes de batalha: inclusão social de jovens talentosos de baixa renda através da educação e gestão da escola pública para que produza ensino de qualidade. No dia 15 de março passado, o Instituto anunciou uma nova etapa em seu programa na área: a construção, em terreno cedido
pela municipalidade de Botucatu (SP), de uma nova unidade de sua escola modelo – o Colégio Embraer. Com investimento calculado em cerca de R$ 5 milhões, a escola terá capacidade para atender a 360 alunos e será aberta para a primeira turma no início de 2013. A notícia movimentou de imediato a população da cidade e da região, dado o interesse das famílias pelo encaminhamento dos jovens para uma escola gratuita de altíssima qualidade, como faz prova o Colégio Embraer Engenheiro Juarez Wanderley, de São José dos Campos (SP), considerado uma das mais espetaculares histórias de sucesso entre os projetos destinados a auxiliar estudantes pobres no Brasil. Fundada em 2002, essa escola já formou 1.600 jovens, tem aprovado 100% de seus alunos em vestibulares, sendo mais de 80% deles em universidades públicas, e é uma das cinco melhores do estado de São Paulo, de acordo com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010. Em Botucatu, funciona a Neiva, subsidiária da Embraer, que, entre várias atividades fabris, dedica-se a produzir a aeronave EMB 201, de uso agrícola. A nova escola será batizada como Colégio Embraer Casimiro Montenegro Filho, homenageando um dos idealizadores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Como na primeira escola, nesta os janeiro-março 2012
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alunos também receberão, gratuitamente, educação de qualidade, alimentação, transporte escolar, uniforme e material didático. Currículo especial para o sucesso O que faz o êxito desse projeto educacional são as características específicas do que se poderia chamar de “currículo Embraer”, praticado e fartamente testado na escola de São José dos Campos. O modelo educacional adotado orienta-se por três objetivos: 1. excelência acadêmica 2. orientação para o mundo do trabalho (PPU, Programa de Preparação para a Universidade) 3. formação cultural, social e ambiental No que diz respeito ao item da qualidade acadêmica, o Instituto Embraer aplica o Sistema Pitágoras de Ensino em período integral de 10 horas aulas por dia. Já o PPU foi dividido em três setores de interesse, cada qual com assistência de um parceiro conveniado: em engenharia, o Center of Occupational Research and Development (CORD), dos Estados Unidos; em ciências humanas, a Universidade Pitágoras e educadores renomados; e em biomédicas, o Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês. A formação cidadã, por fim, se baseia em atividades ambientais, workshops, visitas a instituições culturais e atividades ligadas às artes. A biblioteca da escola é um
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dos locais com maior circulação de alunos: eles lêm em média 5 livros por mês – fora o manuseio normal dos didáticos. Bonito é também o projeto “Alternativas Sustentáveis”, que consiste na gestão de questões socioambientais, com desdobramento para a comunidade local, indo desde a implantação de horta orgânica, sementeira e produção de húmus até a construção de aquecedores solares e sistema de captação e reutilização da água da chuva, por exemplo. Em reportagem produzida para a Veja.com em 2006, o jornalista Rafael Corrêa ouviu a diretora da Fundação Lemann e do Instituto Social Maria Telles (Ismart), ambas entidades sem fins lucrativos dedicadas à educação de qualidade. Ilona Becskeházy salientou que “esses colégios significam uma oportunidade real de quebrar o ciclo de pobreza, colocando os jovens pobres na universidade pública”.
Demonstrada a efetividade do modelo nesse sentido, foi notado que muitos dos jovens aprovados nos exames das melhores universidades do país não teriam condição de assumir os custos de se manter longe da casa dos pais. Nasceu daí o Fundo de Bolsas, que provê aos ex-alunos os recursos necessários para cobrir suas despesas básicas enquanto estão na universidade. A regra do fundo é que os beneficiários devolvam o valor recebido ao final dos estudos, garantindo que outros ex-alunos também recebam recursos para viabilizar sua passagem pelo ensino superior. A Embraer é a maior contribuinte do Fundo de Bolsas, garantindo até 25% do montante pago aos bolsistas, mas participam também empresas parceiras, clientes, doadores individuais, internacionais e empregados da Embraer – estes são cerca de 600 e garantem 15% da receita.
UM MODELO DE ENSINO MÉDIO
Fonte: Instituto Embaer de Educação e Pesquisa
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Bruno Batista
Há poucos anos, era raro ver mulheres ocupando espaços em atividades profissionais consideradas “masculinas”. Hoje, elas são destaque pilotando grandes jatos comerciais, caças militares, comandando navios e presidindo grupos empresariais. A assistente social paranaense fOtília Barradas é uma figura que confirma essa tendência, muito mais pronunciada no setor público brasileiro a partir da posse da economista Dilma Rousseff na Presidência da República, em janeiro de 2011. Experiente no ramo da confecção, Otília não hesitou em saltar do setor da moda para a área de defesa quando viu surgir uma oportunidade. Assim, desde 2005, ocupa a presidência da VRB 848, indústria especializada na fabricação de sistemas modulares de emprego civil e militar – tendas, barracas e galpões para acampamentos, hospitais de campanha e uma enorme variedade de usos. Um exemplo é a barraca modular de campanha, de tamanhos variados, desenvolvida com especificações para uso das forças da Otan (Organização do Atlântico Norte) e da ONU (Organização das Nações Unidas) em suas missões, que pode servir para montar complexos com vários cômodos e até uma verdadeira cidade, com módulos e túneis de acoplamento, divisórias, portas e pisos rígidos ou de lona plástica – à prova d’água e de insetos –, forração térmica, climatizador e kit para eletricidade. Entre os clientes civis da VRB 848, está a Construtora Camargo Corrêa, cujas frentes de trabalho usam seus produtos, que podem servir como dormitórios, restaurantes, centros de lazer etc. “Fabricar produtos que garantam apoio logístico na manutenção da soberania nacional, na defesa do território brasileiro, na colonização e na abertura de frentes de trabalho, esta é a missão da VRB 848”, resume Otília num intervalo entre mais uma de suas viagens a trabalho e as pesquisas de tecnologia e matérias-primas para sua indústria. Ela está sempre correndo, mas tem tempo para sorrir orgulhosamente quando fala que a VRB 848 tem padrão de qualidade internacional. Prova disso é que seus produtos têm o reconhecimento da ONU.
Fotos: arquivo VRB 848 / Divulgação
O grupo Expedicionários da Saúde (EDS) em ação em barracas que, montadas em conjunto, compões a infraestrutura de um hospital na Amazônia
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da moda feminina às barracas militares Que contribuições para a sociedade brasileira poderão advir do atual processo de fortalecimento da defesa nacional? Além de garantir a soberania do país, o fortaleci mento da defesa nacional induz, em decorrência, o fortalecimento da indústria nacional de defesa. Isso traz inúmeros benefícios para a sociedade brasileira. Uma indústria de defesa forte permite avanços científicos e tecnológicos empregáveis em diversos outros setores estratégicos.
Como surgiu seu interesse profissional pelo mercado de materiais de defesa? Devido a uma demanda feita à nossa indústria familiar, de defesa. Essa indústria produz contêineres, alojamentos para as Forças Armadas, inclusive, um de seus clientes é o Batalhão de Engenharia do Brasil no Haiti. Em uma das licitações que a nossa empresa venceu para fornecer à Aeronáutica, além dos contêineres, o cliente precisava de barracas de alojamento, produto que não era fabricado pela empresa. Foi feita uma busca por possíveis terceiros fornecedores. Sem sucesso. Com o intuito de não perder a licitação, me propus a produzir essas barracas, tendo em vista minha experiência em confecção. Nasceu então a VRB, uma indústria especializada na fabricação de sistemas de acampamentos civis e militares, tendas e galpões de lona. Inicialmente, havia incerteza quanto ao resultado final, pois minha antiga confecção era voltada para a moda feminina. Entretanto, para nossa surpresa, a qualidade das barracas superou as expectativas e houve nova demanda da Aeronáutica. A partir disso, passamos a vender também para o Exército e para a Defesa Civil, por meio do Ministério da Integração Nacional. Este é mais um exemplo clássico da utilização do emprego dual. Nesse processo, me apaixonei pelo segmento e passei a me dedicar apenas à confecção de barracas e à melhora contínua desse produto. Inovação foi a vertente da VRB durante um longo período em que não apenas proporcionamos mais conforto aos compradores como pudemos desenvolver um produto com mais qualidade e maior vida útil. Foi assim que entrei definitivamente para a indústria de defesa.
Rapidez na montagem com hastes e acoplamentos em liga de alumínio
Sob proteção preparada pelos indígenas, a montagem das barracas que correspondem a seções de um hospital
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Sua empresa está plenamente capacitada a cumprir os novos desafios que se apresentam para a indústria nacional de defesa? Sem dúvida. Nossa busca por aperfeiçoamentos, novas tecnologias e produtos é contínua, assim como a exigência quanto aos nossos parceiros e colaboradores. Além disso, a VRB é demandante de insumos produzidos no Brasil, privilegiando dessa forma outras indústrias nacionais.
Em sua avaliação, existem gargalos na indústria de defesa a serem superados? Existem diversos gargalos: tecnológicos, de capital humano e de informação, como a catalogação. Mas o cenário atual mostra que há uma forte mobilização social a favor da defesa, a começar pela aprovação da MP 544. Não tenho dúvidas quanto à capacidade da indústria nacional de defesa de superar esses desafios e, com o apoio do governo, acredito que o nosso país tende a apresentar resultados muito favoráveis em um futuro breve.
Na Amazônia, barraca da VRB 848 com personalidades indígenas durante trabalhos do grupo Expedicionários da Saúde (EDS), que atua em paralelo com a preservação da floresta Fotos: arquivo VRB 848 / Divulgação
Quais são as suas expectativas em relação ao futuro desse mercado específico? Acredito no interesse do governo de desenvolver esse setor, visto que, conforme mencionei antes, trata-se de um campo altamente estratégico, gerador de tecnologia de ponta. A mudança começa a acontecer com a recente aprovação da Lei 12.598/2012 entrada em vigor (Medida Provisória 544), que estabelece regime tributário especial para a indústria de defesa nacional e institui normas específicas para a licitação de produtos e sistemas de defesa. Creio que com isso, inicialmente, além de melhorar a competitividade da indústria de defesa com relação às suas congêneres estrangeiras dentro do próprio país, aumentam nossas chances de exportar para a América Latina e a África, em alguns casos até para a Europa. Atualmente, existem diversas empresas desse setor vindo ao Brasil buscar parcerias.
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feiras e exposições
Cada mercado tem suas características. No de defesa, o cliente é um só: o governo. Quanto maior a presença de delegações militares nas feiras internacionais, melhores são as perspectivas de negócio para o expositor. Porém, vender materiais de defesa não é fácil. As transações exigem longo tempo de maturação, e o risco de anulação das negociações existe. E por várias razões: técnicas, orçamentárias, comerciais, políticas etc. Há casos exemplares inclusive na indústria brasileira. Certa vez, na década de 1980, a Embraer estava prestes a assinar contrato em um país africano quando houve mudança do governo local e a nova administração elegeu outras prioridades materiais. Naquele mesmo período, a brasileira Engesa – então maior indústria de blindados sobre rodas da América Latina – disputou um contrato no Oriente Médio para fornecimento de carro de combate sobre lagartas. Atendeu às exigências de documentação, venceu as provas técnicas, mas não ganhou o negócio. Razão: o governo local decidiu-se por um similar norte-americano que sequer participara das provas técnicas. Poucos anos depois, a Engesa desapareceu do mercado, engolfada por dívidas. Recentemente, uma licitação nos Estados Unidos para aviões leves de ataque foi anulada, prejudicando a indústria brasileira, que vencera a disputa de ponta a ponta. O negócio foi postergado em razão de alegados “problemas de documentação”, o que causou estranheza, pois esse item é um dos primeiros a serem apresentados e discutidos nesses processos, juntamente com o contrato. De acordo com um alto executivo da indústria brasileira, a surpreendente decisão teve motivação político-eleitoral. De fato, com os EUA em ano de eleições presidenciais e estando a economia em crise, ficaria difícil justificar a compra de aviões militares destinados a um terceiro país – o Afeganistão. Diante disso, nova licitação deverá ser aberta. Mas, diz a fonte: “A questão é saber quando e se o produto brasileiro será novamente selecionado”.
Planta da LAAD de 2013, já parcialmente ocupada
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Clarion/divulgação
Fotos Clarion Events
Recinto de uma das exposições da LAAD, no Rio de Janeiro, e cartaz da Fidae 2012
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Virgin Galactic
Presença latino-americana
Talvez a maior atração na Feira de Farnborough: o SpaceShipTwo, da Virgin Galactic, que comparecerá com um modelo em tamanho natural; a nave que deve inaugurar o turismo espacial comercial já está em testes
A. Doumenjou / Airbus
Na Feira de Paris-Le Bourget, espera-se que o best seller seja o A 320neo, da Airbus, que ganhou alternativa de motor mais ecológico e despertou grande interesse dos asiáticos
Por essas e outras peculiaridades, a indústria de defesa é apoiada por fundos especiais do setor público. Em alguns países, o governo concede às empresas de defesa linhas de crédito a fundo perdido, financiamento de programas e disponibiliza sua infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento. Entre nós, a Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) dá suporte a cerca de 12 mil empresas de diferentes áreas produtivas, inclusive do setor de defesa. A colaboração no esforço de exportação justifica-se no interesse da economia. E ela é mesmo necessária, pois, nas feiras internacionais, o preço do metro quadrado de área de exposição coberta é alto: em média, US$ 500. Para as empresas de pequeno porte, a ajuda do governo nessas ocasiões é essencial. Já os grupos empresariais fortes investem verdadeiras fortunas num único evento – sinal de que a presença trará resultados compensadores. Na América do Sul, duas exposições tecnológicas desse mercado estratégico são destaques: a Feira Internacional de Aeronáutica e Espaço (Fidae), a mais antiga do continente, editada em Santiago pela Força Aérea do Chile; e a Latin America Aerospace & Defence (Laad), organizada pela Clarion Eventos no Rio de Janeiro. As duas são bienais: uma acontece nos anos pares, a outra, nos ímpares. Ambas atraem centenas de empresas e expressivo número de delegações militares e comitivas governamentais do mundo inteiro. O pavilhão do Brasil no evento chileno está sendo organizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e pelas entidades setoriais Cecompi (Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista), Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) e Softex (Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro). A 17ª edição da Feria Internacional del Aire y del Espacio será realizada de 27 de março a 1º de abril, em Santiago (Chile). “Esta é
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FACh / Divulgação
Cecompi O complexo que abriga bienalmente a Feira Internacional do Ar e do Espaço em Santiago, no Chile
a primeira vez que organizamos uma participação conjunta do Brasil na Feira, com todas as empresas reunidas em um só local e com uma identidade visual única”, afirma o especialista em comércio internacional Mauricio Borges, que preside a Apex-Brasil. Um elemento importante do apoio da Apex é que essa agência se especializou em vender a “marca Brasil”, agregando um valor que jamais seria atingido pela participação isolada das empresas, por maiores que sejam. Diz Borges: “Nosso objetivo é mostrar aos compradores internacionais que o Brasil é um parceiro confiável e seguro nessa área, que oferece produtos de qualidade, competitivos e inovadores. A indústria brasileira, tanto na cadeia aeroespacial como na de defesa e também em softwares, é altamente desenvolvida”, concluiu. O ministro da Defesa, Celso Amorim, também deverá comparecer e inaugurar o Pavilhão do Brasil, acompanhado dos três comandantes das Forças Armadas: general Enzo Martins Peri (Exército), almirante Julio Soares de Moura Neto (Marinha) e brigadeiro Juniti Saito (Aeronáutica). Essas autoridades e comitivas, acompanhadas pelo embaixador brasileiro no Chile, Frederico César de Araújo, deverão percorrer os 37 estandes de empresas reunidos no espaço coletivo do país. Especialista em posicionar a marca Brasil, a Agência Apex concebeu esse novo modo de mostrar os produtos e serviços do setor para que as diferentes indústrias brasileiras possam ser vistas como complementares, formando uma cadeia produtiva sólida e confiável em defesa, segurança, tecnologia, aviação civil, comercial e tecnologia espacial. A LAAD, por sua vez, já está fazendo a divulgação da próxima feira, a realizar-se de 9 a 12 de abril de 2013 no Rio de Janeiro. A isca para capturar o interesse dos potenciais participantes – sobretudo os do exterior – é o próprio Brasil com seus grandes projetos de segurança interna, como o da Amazônia Azul (Sisgaaz) e o da proteção das fronteiras (Sisfron), além dos eventos mundiais assumidos, como a Conferência Rio +20, ainda no primeiro semestre de 2012, o Dia Mundial da Juventude e a Copa das Confederações, em 2013, a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos de Verão / Paraolimpíadas, em 2016. Dados os desafios enfrentados pelo país na área de segurança, a Clarion, promotora da LAAD, criou também um evento para o ano par, dedicado a segurança pública e corporativa. janeiro-março 2012
O Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi) é uma organização sem fins lucrativos que atua na região do Vale do Paraíba (SP), promovendo a interação entre poder público, universidades e iniciativa privada no sentido de levar os conhecimentos conquistados a gerar lucro sob a forma de ciência aplicada aos negócios. A organização tem cerca de 120 companhias associadas. Destas, 85 pertencem ao arranjo produtivo local aeroespacial e de defesa. Além da presença na Fidae 2012, em Santiago (março/abril); o organismo agendou presença na LAAD Segurança, no Rio de Janeiro (abril); no Air Show de Paris; e na Expo Aero Brasil – Feira Internacional de Aeronáutica, em São José dos Campos (maio); e na Feira de Farnborough, na Inglaterra (julho). Caminhando para os oito anos de apoio do Cecompi às empresas, o coordenador Sebastian Cavali justifica: “Participar de exposições agregou maturidade a aspectos de exportação e competitividade das companhias. Vários negócios e parcerias foram desenvolvidos como resultado dessa atividade”. Agora, abrindo mais o leque, o Cecompi passará a levar aos eventos também empresas de um novo cluster: o de tecnologia, informação e comunicação (TIC).
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caças
No início dos anos 1990, o Estado-Maior da Aeronáutica identificou a necessidade de substituir o caça principal que a Força Aérea Brasileira (FAB) operava, já ameaçado pela longevidade. O Projeto FX foi então concebido com a finalidade de adquirir um interceptador moderno para emprego imediato. Várias indústrias se interessaram pela requisição da FAB, mas a concorrência acabou cancelada. Em pouco tempo, o ciclo operacional do antigo vetor da FAB esgotou-se, levando a instituição a comprar um caça da Força Aérea da França para preencher a lacuna – o Mirage 2000, do qual foram adquiridas 12 unidades. A necessidade na FAB continuou em aberto, pois os jatos franceses tinham vida útil curta. A concorrência foi então relançada em 2006, agora como FX-2, atraindo novas propostas. Do antigo projeto FX, orçado em US$ 700 milhões, saltou-se para gastos previstos em até US$ 4 bilhões para aquisição de caças de superioridade aérea, compreendendo transferência total de tecnologia e até licenciamento para produção da aeronave no Brasil e exportação para o mercado sulamericano. O novo projeto, que ganhou o nome de FX-2, tornou-se tão grande e ambicioso que passou a ser chamado de “a compra da década”. Mas, de novo, o procedimento licitatório não chegou ao fim. Concluídas as avaliações, dois modelos de caça usados, mas com excelentes horizontes de operação, foram classificados para a disputa final, juntamente com um projeto de jato militar a ser desenvolvido: o norte-americano F/A-18, da Boeing, e o francês Rafale, da Dassault, no primeiro caso; e o Gripen NG (New Generation), da sueca Saab, no segundo. Em setembro de 2009, o presidente da República anunciou o Rafale como o modelo de caça preferido do governo. Esclareceu que a concorrência continuaria com os exames dos detalhes técnicos, mas que a decisão final seria exercida como prerrogativa do chefe do Executivo – ele próprio –, dada sua natureza político-estratégica. Entretanto, a anunciada preferência não vingou, e o processo continuou em aberto para a nova administração presidencial, que decidiu reiniciar a avaliação dos caças em janeiro de 2011. A FAB continua a necessitar, com urgência, de um novo interceptador. Desde o início, a ideia era comprar o caça para emprego imediato, sabendo-se que, definido o vencedor, costuma ser necessário pelo menos mais um ano para consolidar as negociações. O novo jato militar deverá entrar em operação na FAB em 20142015. Antes disso, só solução de improviso. Se o governo decidir desenvolver um novo caça, certamente o prazo será bem maior. A seguir, um resumo das contribuições dos três países que participam do FX-2 na aviação militar brasileira.
O Mirage 2000, adquirido emergencialmente pela FAB
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JM_Guhl/Dassault
de do FX-2 janeiro-marรงo 2012
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O F/18 Super Hornet, da Boeing
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países. Em parceria com o Programa Ciência sem Fronteiras, iniciativa do governo brasileiro que busca promover a internacionalização do país em ciência e tecnologia, inovação e competitividade por meio de intercâmbios para alunos de graduação e pós-graduação, os EUA oferecem estágios em suas comunidades científicas. É o segundo país que mais recebe estudantes bolsistas brasileiros nas várias áreas de prioridades. A história do país na aviação mundial remonta ao ano de 1903, quando realizou a primeira decolagem não autônoma de aeronave mais pesada que o ar. É dono da maior indústria aeroespacial do planeta. Quando se fala em mercado aeroespacial, não se imagina de imediato o expressivo número de empresas fornecedoras de partes e componentes que compõem este setor no mundo. A Boeing foi a Boeing
ESTADOS UNIDOS Trata-se da nação com a economia mais desenvolvida do mundo. No início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) socorreu os Aliados com o programa Lend-Lease (Lei de Empréstimos e Arrendamento). Em dezembro de 1941, entrou na guerra ao sofrer o ataque surpresa do Japão em Pearl Harbor, emergindo da guerra como superpotência. Membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), responde por mais de um terço dos gastos militares do mundo. De acordo com a Unesco, é o segundo país com o maior número de instituições de ensino superior no mundo e líder em pesquisa científica e em inovação tecnológica. Desenhou um modelo de educação e formação profissional de alta qualidade, mantendo acordos de intercâmbio científico e cultural com muitos
principal incentivadora da criação dessa cadeia de fornecedores fora dos EUA. O Canadá, por exemplo, tem hoje cerca de 400 empresas na área e conquistou boa demanda em nichos específicos, a partir da estratégica política inicial da Boeing, que ajudou também outros países da Europa e da Ásia. Na aviação das Forças Armadas do Brasil, a participação norte-americana data do início do século XX. Em 1916, a indústria Curtiss forneceu os primeiros aerobotes de instrução para a então recém-criada aviação da Marinha do Brasil. Em 1932, a Boeing forneceu caças Boeing F4B-4 para a aviação do Exército Brasileiro. Nessa área, a relação entre os dois países ganhou maior intensidade no período de organização da Força Aérea Brasileira (FAB), a partir de 1941. Anos depois, os EUA foram a terceira nação a fornecer caças ao Brasil. Algumas vezes, entretanto, a interação comercial bilateral foi marcada por barreiras impostas pela rigorosa legislação dos EUA para cessão de materiais de alto teor tecnológico incorporado. Os países que operam caças estadunidenses não têm acesso aos códigos-fontes dos aviões. O FX-2 pleiteia acesso aos conhecimentos de ponta do jato militar que venha a adquirir. No FX-2, a Boeing oferece compensações de contrapartidas para auxiliar a engenharia brasileira a criar condições técnicas e obter acesso à inteligência do caça por meios próprios. Recentemente, a janeiro-março 2012
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Denny Cantrell/US Navy
empresa anunciou a intenção de criar um centro de pesquisas científicas e tecnológicas, a Boeing Research & Technology-Brazil para desenvolver de forma conjunta conhecimentos de ponta na área aeroespacial. “A Boeing é definida por sua excelência tecnológica, e estabelecer a Boeing Research & Technology no Brasil trará novas ideias e processos inovadores para a nossa empresa”, declarou Donna Hrinak, presidente da Boeing do Brasil desde setembro de 2011. “Mas também fortaleceremos nossa relação com a comunidade de P&D do Brasil, de forma a aumentar a capacidade do país para atingir suas metas de desenvolvimento econômico e tecnológico”. Não há como negar a relevância estratégico-tecnológica do F/A18, bem como as contribuições da Boeing na cadeia de fabricantes de aeroestruturas mundo afora. Entretanto, o mercado comenta que é ilusório acreditar que os EUA abrirão exceção que permita a transferência das tecnologias embarcadas no caça norte-americano. Nesse aspecto, a história brasileira registra exemplos. No mais recente, o Pentágono negou-se a colaborar com um projeto sobre um míssil antirradiação desenvolvido em São José dos Campos; a colaboração ocorreria na cessão dos segredos da antena do artefato. O pedido foi feito visando encurtar etapas do projeto. Com a negativa, os engenheiros brasileiros debruçaram-se sobre o desafio e obtiveram o conhecimento que desejavam.
FRANÇA É o maior país da União Europeia em área e a terceira maior nação do Velho Mundo, atrás de Rússia e Ucrânia. Potência mundial, exerce forte influência econômica, política, cultural e militar em nível global. Sua história de liderança e hegemonia na Europa teve início no século XVII, ao constituir o segundo maior império do mundo, dividido em territórios da América do Norte, África Central e Ocidental, Sudeste Asiático e ilhas do Pacífico. Exibe alto nível de escolaridade pública e desenvolvimento científico-tecnológico. Terceiro maior orçamento militar do mundo, terceira maior força militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e maior exército da União Europeia, a França registra participação em guerras que remontam a passado muito distante. Hoje, mantém um efetivo militar da ordem de 360 mil homens e mulheres. É autossuficiente no atendimento material de suas Forças Armadas.
Sua economia é impulsionada por 2,5 milhões de empresas públicas e privadas. No segmento aeroespacial, tem uma indústria forte e consolidada, liderada pelo consórcio europeu Airbus. Mantém bases de lançamentos de satélites próprias. É considerada um dos maiores centros culturais do mundo. Membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é tida como o país com um dos melhores índices de qualidade de vida do planeta. Sua participação na economia brasileira é forte. Dados da Embaixada da França indicam que as empresas francesas instaladas no Brasil geram cerca de 450 mil empregos diretos. Nos programas de intercâmbio do Capes, do Ministério da Educação, a França recebe o maior número de estudantes bolsistas do Brasil (cerca de 1.500 por ano). Nessa condição, os estudantes são incluídos gratuitamente no sistema de saúde francês. O país se comprometeu a O Rafale, da Dassault
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receber, por ano, 10 mil estudantes brasileiros a mais pelo Programa Ciências sem Fronteiras. Nas relações franco-brasileiras, o intercâmbio acadêmico é praticado há décadas. Muitas gerações de engenheiros do ITA fizeram pósgraduação na França. Com vocação acentuada na atividade aérea, a França foi palco dos maiores eventos da história da aviação mundial no início do século XX. Sua relação com o Brasil, nesse campo, remonta àquele período quando forneceu aviões e instrutores de voo para a então recém-criada Escola de Aviação do Exército. Foi o segundo país a fornecer um jato militar à Força Aérea Brasileira. As recentes aquisições feitas pelo Brasil de helicópteros militares e do Mirage-2000 demonstram a relação positiva dos negócios entre os dois países na aviação militar. O consórcio Rafale propõe amplo programa de compartilhamento tecnológico e cooperação industrial e acadêmica com a indústria e instituições de pesquisa brasileiras. Segundo informações do consórcio, o Rafale é um avião de combate maduro, em condições de evoluir para uma variante exclusiva futura, através da cooperação tecnológica e industrial. A transferência de tecnologias e a abertura dos códigos-fontes do caça são oferecidas à Força Aérea Brasileira. Até recentemente, o Rafale tinha operação restringida apenas às Forças Armadas da França. Nos últimos meses, a Dassault conquistou um dos maiores contratos do mercado militar, para fornecer à Índia 126 unidades do Rafale, por mais de US$10 bilhões de dólares. 30
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SUÉCIA Localizada na Península Escandinava, a Suécia chegou a conquistar territórios e formar um império, que foi perdido entre os séculos XVII e XIX. A metade oriental da Suécia, formada hoje pela vizinha Finlândia, foi conquistada pela Rússia em 1809. Embora de tradição guerreira, a Suécia viveu seu último conflito armado em 1814, quando pressionou a Noruega para formar uma aliança e criar o Reino da Suécia e Noruega, união que durou quase um século. Desde então, adotou a política de neutralidade em tempos de guerra, posição que manteve nos dois grandes conflitos mundiais do século XX e no período da Guerra Fria. Hoje, suas Forças Armadas atuam em manobras conjuntas da Otan e cooperam com outros países europeus em tecnologias de defesa. Também exporta armamentos. Recentemente, a Suécia participou de operações no Afeganistão, ainda sob o comando da Otan, e de missões de paz da ONU no Kosovo, Bósnia e Herzegovina e Chipre. A Suécia constitui uma das democracias mais antigas e consolidadas do mundo e sua economia é desenvolvida. Integrante da União Europeia, tem tradição no comércio. O setor de engenharia do país responde por cerca de 50% da produção e das exportações, resultado do talento de seus inventores. Sua estrutura econômica é sustentada por indústrias intensivas em conhecimentos de ponta. Mas também tem uma das mais elevadas cargas tribu-
tárias do planeta, que o governo compensa com contrapartidas sociais, inclusive educação e saúde de qualidade. Do portfólio industrial sueco, a SAAB, fabricante do Gripen, é expoente do ramo da construção aeronáutica. Fundada em abril de 1937, com base numa decisão do Parlamento de que o país deveria ter sua própria capacidade nesse setor, desde então se revelou uma indústria sintonizada com a inovação. A empresa atende aos mercados interno e de exportação e tem histórico de mais de 4 mil aeronaves produzidas de variados modelos. No setor de defesa, fabrica e exporta uma diversificada gama de equipamentos, inclusive para as Forças Armadas brasileiras. Segundo o marketing do Gripen, o Brasil é um parceiro comercial importante para a Suécia. São Paulo é considerada a principal cidade industrial sueca no exterior, embora os mercados prioritários do país escandinavo sejam Europa, Ásia e Estados Unidos. As diversas indústrias suecas instaladas no Brasil empregam cerca de 50 mil brasileiros. Regularmente, comitivas do país escandinavo visitam o Brasil. Poucos meses atrás, Marcus Wallenberg, chairman da Investor e acionista de empresas suecas; Hakan Buskhe, principal executivo da Saab; e Per Westerberg, presidente do Parlamento sueco, estiveram em Brasília e em São Paulo, tratando de negócios em encontros com autoridades brasileiras e reforçando lobby pelo Gripen. janeiro-março 2012
juntamente com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciên cia e Tecnologia, 100 bolsas para alunos brasileiros na Suécia. Na primeira chamada, pretende aprovar 30 bolsas para pesquisadores plenos, doutorandos e pós-doutorandos. No campo dos materiais de defesa, a Suécia é uma antiga colaboradora do Exército e da Marinha. Na aviação militar brasileira, entretanto, não tem tradição de fornecimento. O Gripen também tem críticos e simpatizantes. Uma das críticas diz que o caça tem limitação de alcance e não seria adequado a países com extensas dimensões geográficas. A Saab rebate, alegando que o caça tem raio de ação perfeitamente adequado ao Brasil e realça que seu custo
de operação é menor comparativamente aos jatos bimotores; o Gripen é monoturbina. Outra crítica diz respeito à impossibilidade de ser empregado de imediato pela FAB, porque esse caça é um projeto. Um problema levantado é sua dependência de tecnologias norte-americanas em motorização e sistemas inteligentes embarcados. Segundo a Saab, a Suécia tem total autonomia para abrir os códigos-fontes do caça para a FAB e transferir suas tecnologias à indústria brasileira: “A FAB poderá manter e integrar seus próprios sistemas de armas de forma absolutamente autônoma e independente”.
O Gripen, da Saab Peter Karlsson/Gripen International
A Suécia mantém parques de ciência e investe maciçamente em P&D e inovação tecnológica. No âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras, apresenta a menor contribuição em termos de intercâmbio com o Brasil, recebendo o menor número de estudantes bolsistas brasileiros. Em maio de 2011, a Saab criou em São Bernardo do Campo, região do ABC paulista, o Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro (Cisb), a fim de incrementar acordos de cooperação em ciência, inovação e tecnologia entre os dois países. O modelo de operação do Cisb é o mesmo dos parques de ciência suecos – laboratórios de P&D das indústrias, universidades, institutos de tecnologia, empreendedores e investidores de capital de risco atuam na colaboração. A Saab pretende financiar,
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caminhos da indústria de defesa
Uma virada positiva na indústria brasileira de materiais de defesa, que passa a funcionar vinculada ao planejamento estratégico do Estado
A UNIÃO FAZ Cosme Degenar Drumond
A indústria de defesa do Brasil tem sua origem no período colonial, quando as primeiras forjarias faziam munição para canhões, armas e boa parte dos utensílios necessários à vida familiar e à economia, como panelas de ferro, engenhos de açúcar e de café, escadas, luminárias etc. Inaugurais nessas atividades foram a Fábrica Real de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro (RJ), fundada por Carta Régia de 13 de maio de 1808, e a Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, criada na região de Sorocaba (SP) por Carta Régia de 4 de dezembro de 1810. Consequências da chegada da família real portuguesa ao Brasil, pois, antes que a colônia se transformasse em sede do trono de Portugal, em 1808, as 32
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atividades industriais eram rigidamente controladas e, em geral, proibidas, concentrando-se nas mãos dos governantes locais, os vice-reis. Um deles, o conde de Bobadela, fundou no Rio de Janeiro em 1762 a Casa do Trem de Artilharia, fundição e oficina que cuidava de reparação de material bélico. No ano seguinte, organizou-se o Arsenal de Marinha, conforme o estudo “Indústria de defesa”, produzido em 2004 pelo general de divisão José Carlos Albano do Amarante para o ciclo de debates “Atualização do Pensamento Brasileiro em Matéria de Defesa e Segurança”, promovido pelo Ministério de Defesa com apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Essa indústria cresceu e se ampliou em capacidade produtiva ao longo do tempo. A metalúrgica de Ipanema, de onde saiu boa parte dos armamentos utilizados na Guerra do Paraguai (18641870), considerada o berço da siderurgia nacional, extinguiu-se em 1895 e tem uma pequena parte preservada, inclusive seus altos fornos geminados, na Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó (SP). Já a Fábrica Real de Pólvora, transferida para o município de Magé (RJ) em 1824, ganhou o nome de Fábrica da Estrela, passou a funcionar como organização militar e, desde 1975, faz parte da Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), estatal vinculada ao Exército. “Com o fim do regime imperial, surgiu um inusitado interesse no janeiro-março 2012
Carlos Kogl/ ICMBio
Julio Durski/Col. Princesa Isabel
A DIFERENÇA Engesa/Divulgação
A Real Fábrica de Ferro São João‑do Ipanema em 1884 e vestígios de suas torres hoje em Iperó (SP); abaixo, um carro de combate EE-T1 Osório, da Engesa
reequipamento do Exército e da Marinha, que após a guerra do Paraguai haviam sofrido grande desgaste”, registrou o general Amarante em seu estudo. Às instalações previamente existentes, como o Arsenal de Guerra da Corte e o Arsenal de Guerra de Porto Alegre, somaram-se, em janeiro-março 2012
1898, a Fábrica de Realengo (hoje desativada), destinada a produzir munição de pequeno calibre, e, em 1909, a Fábrica de Piquete (SP), primeira indústria de pólvora de base simples do país. Avançando entre altos e baixos, a atividade no ramo chegou ao apogeu nos anos 1980, com
um parque industrial de defesa bem estruturado, gerando cerca de 30 mil empregos diretos e variado portfólio, que incluía desde blindados sobre rodas até aviões militares, gerava importantes divisas e significativas contribuições sociais, tributárias, econômicas e tecnológicas para o país. Exemplo desse sucesso era a Engesa, Engenheiros Especializados S/A, que, no auge das atividades, exportava cerca de US$ 400 milhões ao ano, garantia mais de 5 mil empregos e era classificada como uma das cinco maiores fabricantes de material bélico do mundo. Em 1987 e 1988, venceu todas as concorrências de tanques pesados (MBT, de Main Battle Tank) com seu EE-T1 Osório, desenvolvido com recursos DEFESA LATINA
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Engesa/Divulgação
próprios, que, no entanto, não conseguiu vender. Com isso, somado a pesadas perdas em contratos com o Iraque, acabou falindo em 1993, ano em que ainda fabricou 3.300 veículos militares. Do mesmo modo, como historicamente funcionava de acordo com os humores de governantes, a própria indústria de defesa, na primeira grande recessão que enfrentou, desmantelou-se, antes de completar seu ciclo de maturação. Na década de 1990, o fenômeno da globalização passou a impor seus efeitos em todos os quadrantes, atingindo – às vezes mortalmente – diversos setores 34
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e atividades. Nos países em que a indústria de defesa era considerada política de Estado, sendo organizada e estruturada pelo governo, como nos Estados Unidos, um sem-número de aquisições e fusões readequou o setor à nova realidade mundial. Até porque era essencial preservar seu valor estratégico, o legado de inovações nascidas das urgências da guerra e ainda estimular a geração de novas tecnologias de ponta que, servindo à guerra, também facilitam a vida da humanidade na paz. Exemplos clássicos disso são a informática, a robótica, o GPS, entre muitos.
Uma política de Estado No Brasil, que saía do regime de exceção em meados da década de 1980, a produção de sistemas de defesa ganhou antipatia geral como “coisa de militares”. Além disso, os países latinoamericanos iriam sofrer as consequências da crise financeira que gerou a chamada “Década Perdida”, iniciada com a crise da dívida do México em 1982. O Brasil não ficou de fora: desemprego, estagnação da economia, crescimento negativo do PIB, inflação galopante, dívida externa crescente, aumento do déficit fiscal – o panorama da economia local não podia ser pior. Consequência: desarrumação geral do setor industrial. Com isso, o país perdeu boa parte da capacidade de conquistar a independência tecnológica nesse campo. Ainda hoje, quase três décadas depois, não sabe construir o caça supersônico de que a Força Aérea tanto precisa, não domina plenamente a construção de submarinos nucleares nem se consolidou na área de lançadores de satélites, outro campo que vinha se desenvolvendo bem no país. Não foram poucas as empresas que desapareceram do mercado. A Embraer, hoje cantada em prosa e verso como orgulho nacional, só não desapareceu porque pertencia ao então Ministério da Aeronáutica, sendo alavancada por programas de defesa. Porém, viveu momentos dramáticos até ser privatizada em dezembro de 1995. No momento em que o país voltava a conviver com a demojaneiro-março 2012
Foreign Policy
Amorim, na pasta da Defesa desde agosto de 2011
A FALA DO MINISTRO Trecho do discurso de Celso Amorim no II Seminário de Defesa Nacional, 15/02/2012 “A ausência de ameaças militares imediatas não justifica a imprevidência quanto à possibilidade de que venhamos a ser afetados por crises com reflexos na defesa e na segurança, mesmo que à nossa revelia. É verdade óbvia, porém frequentemente esquecida, que nenhum país soberano pode delegar sua defesa a terceiros. Devemos ser capazes de impor custos elevados a qualquer país que, por qualquer motivo, se aventure a usurpar o nosso patrimônio. Nisso, essencialmente, consiste a dissuasão. Marinheiros, soldados e aviadores bem equipados e preparados, capazes de vigiar nossas fronteiras, nossos mares e nossos céus, inspiram respeito e tornam ações hostis menos prováveis. Forças Armadas bem aparelhadas e adestradas minimizam a possibilidade de agressões, permitindo que a política de defesa contribua decisivamente com política externa voltada para a paz e o desenvolvimento. Com a Estratégia Nacional de Defesa, aprovada em 2008 e agora objeto de revisão, o Brasil afirmou o elo indissociável entre defesa e desenvolvimento. Ao priorizar os setores nuclear, cibernético e espacial, a Estratégia Nacional de Defesa impulsiona a ciência e a pesquisa, e expande a formação de recursos humanos em áreas de ponta. Ao reorganizar a indústria nacional de material de defesa, a Estratégia reforça o desenvolvimento tecnológico independente. Níveis sempre maiores de capacitação tecnológica, por sua vez, possibilitarão o atendimento crescentemente autônomo das necessidades de equipamentos das nossas Forças Armadas, ao mesmo tempo em que asseguram maior margem de manobra à política de defesa. O governo da presidenta Dilma Rousseff tem buscado, através do Ministério da Defesa, recuperar a capacidade de investimento estratégico do País, contribuindo para o renascimento da indústria nacional de defesa.”
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cracia, em 1985, um grupo de empresários da área fundou em São Paulo a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa (Abimde), hoje Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança, com o objetivo de sensibilizar o governo e obter apoio para suas indústrias, que desmoronavam. Iniciada a cruzada para resgatar o setor produtivo, em razão do pensamento político fortemente contrário ao que se relacionasse a Forças Armadas, a Abimde nada conseguiu. Resignadamente, a associação passou a promover homenagens as suas próprias filiadas e a autoridades militares. “A gente ia para esses eventos no Clube Nacional, no bairro do Pacaembu, em São Paulo, cada vez menos esperançosos de que algo pudesse mudar”, lembra um executivo do Rio de Janeiro que atua no setor. De fato, nada mudou para melhor e a indústria diminuiu ainda mais. Em junho de 1999, surgiu um primeiro alento: a criação do Ministério da Defesa. Quatro anos depois, outro grupo de industriais renovou a diretoria da Abimde, determinado a trabalhar com mais vigor pela preservação do setor remanescente. Depois de seguidos chás de cadeira tomados em Brasília, eles conquistaram um aliado: a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), órgão governamental que passou a patrocinar as empresas do setor em feiras e congressos internacionais. Paralelamente, os empresários buscaram a soli36
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dariedade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que abraçou a bandeira do aparelhamento das Forças Armadas. Criou o Comitê da Indústria de Defesa (Comdefesa), atual Departamento da Indústria de Defesa, na estrutura da federação paulista e avançou o diálogo com o governo. Através do Comdefesa, a Fiesp realizou palestras, congressos e seminários específicos, implantou o Curso de Gestão em Recursos de Defesa em parceria com a Escola Superior de Guerra, promoveu rodadas de negócios, trabalhou pela aproximação entre a mídia e a indústria e implantou o primeiro banco de dados de competências, de tal modo que o mercado pudesse dispor do necessário “quem faz o quê” – um diretório para dar um retrato prático dos fornecedores atuantes na área. No Ministério da Defesa, o jurista Nelson Jobim apoiou integralmente a cruzada da indústria e o fortalecimento material das Forças Armadas. Em dezembro de 2008, o governo aprovou a criação da Estratégia Nacional de Defesa. Pela primeira vez, um documento oficial incluiu a indústria de defesa na agenda do Estado. Recorrentes conquistas se sucederam. Recentemente, foi aprovada a Medida Provisória nº 544, que, agora Lei 12.598/2012, veio ao encontro dos anseios do empresariado, por clarear mais as expectativas de melhora do parque industrial, sobretudo em competitividade e maturação do setor. Na esteira da influência políti-
ca da Fiesp, a Abimde ganhou maior força de representatividade, tendo hoje cerca de 160 empresas filiadas, embora nem todas sejam fabricantes de materiais de defesa. Segundo opiniões no mercado, falta muito ao parque nacional de defesa para retomar o processo de atingir a maturidade técnicoindustrial. A Abimde tem novas e importantes contribuições a dar ao setor. Deve ainda interagir mais com a sociedade sobre o tema defesa, evitando isolarse em seu próprio ambiente. As empresas tendem a buscar novas figuras de eficiência e competitividade. Como quantidade não significa necessariamente qualidade, um bom passo é medir o tamanho exato do parque industrial e sua real capacidade de gerar tecnologias de ponta. No passado, o descontentamento pela falta de objetividade e de resultados práticos da Abimde, em razão da falta de apoio institucional do governo ao setor, o conjunto industrial de defesa sofreu visível abalo. Não é demais trabalhar com foco no conjunto, jamais em benefício apenas de meia dúzia, porque, como se sabe, a união faz a diferença. Se os desafios para a indústria são muitos, os horizontes são agora bem mais positivos e mais reais do que no passado. Mas exigem aprimorada gestão de competências e infraestrutura de ponta, com laboratórios de pesquisa e capital humano qualificado. A maioria das empresas não tem condição de aportar investimentos – e eles são efetivajaneiro-março 2012
Imbel / Divulgação
mente pesados – nesta empreitada inicial. Novas operações de fusões e aquisições, portanto, podem estar no horizonte do setor industrial de defesa. Em 15 de fevereiro passado, discursando na abertura do II Seminário de Defesa Nacional, realizado no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados exatamento em torno desse tema, o ministro Celso Amorim disse confiar em que a indústria nacional de defesa aproveite bem o regime tributário especial oferecido pela presidente Dilma Rousseff. Ele identificou ainda no processo de desconcentração do poder mundial e na atual fluidez das relações internacionais motivos para o Brasil estar preparado para ameaças externas, janeiro-março 2012
sustentando-se em uma defesa forte, “que possa causar danos sérios a possível agressor”. Depois, citando O príncipe, o clássico de Maquiavel, Amorim lembrou que os governantes devem usar o período de paz para se preparar para um possível conflito, pois “nenhum país soberano delega sua defesa a terceiros”. No mesmo evento, patrocinado pela Frente Parlamentar de Defesa Nacional (FPDN), da Câmara dos Deputados, e pela Abimde, o deputado Carlos Zarattini, que preside a FPDN, sinalizou para uma importante mudança de mentalidade: “A soberania não é questão das Forças Armadas, é questão do país, que temos que discutir como um todo”. E ressaltou ainda:
“Nosso objetivo é ampliar ao máximo a autonomia de nosso parque industrial e de reverter a atual dependência de fornecedores estrangeiros”. A base para o processo de modernização da defesa nacional foi o tema do primeiro painel do Seminário, aberto pelo chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general José Carlos de Nardi. Os chefes de Estado-Maior da Marinha, almirante João Afonso Prado Maia de Faria, do Exército, general Joaquim Silva e Luna, e da Aeronáutica, brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo, foram encarregados de apresentar “um panorama amplo do Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (Paed)”, segundo o general De Nardi. DEFESA LATINA
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Helibras / Divulgação
caminhos da indústria de defesa
Fabricar especialistas Insuficiência de profissionais especializados no mercado é gargalo no desenvolvimento do segmento de defesa
Helibras/divulgação
Linha de montagem da Helibras em Itajubá (MG)
No âmbito mundial, os países estão acelerando os esforços de inovação e aumento da competitividade para o desenvolvimento econômico e social. Nesse aspecto, a busca de capital humano especializado tornouse primordial e vem se intensificando. No Brasil, dada a baixa qualidade do ensino médio e o perfil inadequado da formação técnica e universitária, a escassez de mão de obra especializada constitui um dos entraves que ainda impedem o crescimento industrial. Segundo pes-
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quisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em abril de 2011, mais de dois terços das empresas consultadas revelaram dificuldades para contratar profissionais qualificados. Este cenário pode ser mais ou menos preocupante, dependendo do setor produtivo. No caso da indústria de defesa, décadas de baixos investimentos levaram ao desmonte de diversas carreiras, por desvalorização de segmentos profissionais e de competências especializadas. A defesa deixou de ser um campo de trabalho atrativo. Com as novas expectativas de crescimento desse mercado no Brasil, profissionais com formação para lidar com tecnologias de ponta têm tido oportunidades de emprego nos grandes programas em curso, o Sisfron, o Prosuper, o Prosub, a construção do protótipo de reator nuclear e o desenvolvimento do ciclo de combustível nuclear. Espera-se ainda grande demanda de engenheiros com formação nas áreas naval, aeronáutica, aeroespacial, elétrica, eletrônica, mecânica e de computação. Além disso, serão requisitados conhecimentos em janeiro-março 2012
Marcos Santos/USP
tecnologia da informação, em sistemas de defesa e engenharia de sistemas. A fluência em outros idiomas está entre as exigências feitas à nova leva de profissionais do setor. Empresas como Embraer e Helibras, envolvidas em programas complexos de desenvolvimento de aeronaves e sistemas de defesa, perceberam a importância e a necessidade de investir em formação e especialização do capital humano. A Embraer, por exemplo, criou em 2001, em parceria com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Programa de Especialização em Engenharia na área aeronáutica. Em 2010, esse programa formou centenas de profissionais ao custo de R$ 2,8 milhões, que subiu para R$ 6,7 milhões em 2011. Com a expansão de sua fábrica em Itajubá (MG) e a ampliação do quadro de funcionários para produzir os 50 helicópteros EC725 contratados pelas Forças Armadas, a Helibras adotou uma série de ações de qualificação de sua mão de obra. Além do intercâmbio de engenheiros para treinamento na sede da janeiro-março 2012
Eurocopter, na França, a empresa assinou com a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) um convênio de intercâmbio científico e tecnológico voltado para a cooperação em projetos de pesquisa e desenvolvimento, formação, treinamento e especialização, entre outros objetivos. Seguindo idêntico procedimento, a empresa Omnisys e o Centro Universitário da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), ambos sediados em São Bernardo do Campo (SP), firmaram, no ano passado, um compromisso de oportunidades de parcerias nas áreas de produção de conhecimentos, desenvolvimento de profissionais qualificados, pesquisa e projetos. Porém, a qualificação de funcionários na própria empresa não é medida ao alcance das pequenas e médias indústrias de defesa, pois, além de custosa, apresenta outro desafio. Quando uma dessas empresas consegue, à custa de muito investimento, compor um quadro de especialistas e desenvolvedores, deve manter o efetivo trabalhando haja projetos e encomendas ou não. Ou seja, o risco e o custo de constituição e manutenção de um quadro permanente de técnicos especializados são altos na defesa, devido às oscilações do mercado e aos ciclos de investimentos. Além disso, o permanente aperfeiçoamento do profissional é impositivo, em razão da
própria dinâmica de evolução tecnológica. Qualificação urgente Dessa forma, diante do desafio de capacitar seus funcionários e contratar técnicos de esmerada especialização, é fundamental valorizar o papel de centros de excelência como o ITA e o Instituto Militar de Engenharia (IME), das Faculdades de Tecnologias (Fatec) e dos programas de formação técnica do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), para atender a suas necessidades de produção. O ITA, por exemplo, está sendo requisitado por empresas e instituições de excelência, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), para ampliar a oferta de cursos. Do programa de metas do ITA, constam pós-graduação em engenharia aeroespacial (graduação inaugurada em 2010) e doutorado em infraestrutura aeronáutica (em 2012). Mas a instituição também planeja expandir sua oferta ao longo dos próximos cinco anos. Já em 2014, o ITA deverá receber o dobro de estudantes, ou seja, 240 por ano. Segundo o reitor, Carlos Américo Pacheco, dos mais de 9 mil candidatos que prestaram vestibular para a instituição, em 2012, cerca de 500 alcançaram nota mínima para entrar – ou seja, pelos números atuais, seria possível dobrar a nova capacidade prevista. DEFESA LATINA
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Philip Greenspun/MIT
DILMA NOS EUA
O polêmico Stata Center, do arquiteto Frank Gehry, edifício que reúne laboratórios de ciências da computação e da informação, inteligência artificial e sistemas decisórios, além do departamento de linguística e filosofia no MIT em Boston
“Os Estados Unidos foram o segundo principal parceiro comercial brasileiro em 2011, após a China. Entre 2007 e 2011, o intercâmbio comercial brasileiro com o país cresceu 37%, passando de US$ 44 bilhões para US$ 60 bilhões. A participação dos Estados Unidos no comércio exterior brasileiro foi de 12,4%, em 2011. Em janeiro e fevereiro de 2012, o intercâmbio comercial com o Brasil aumentou em 20% em relação ao mesmo período de 2011, evoluindo de US$ 7,9 bilhões para US$ 9,5 bilhões. As exportações brasileiras cresceram em 38% e as importações, em 6%, no mesmo período.” Com tais números, o Ministério das Relações Exteriores pretende fundamentar a viagem oficial da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, prevista para os dias 9 e 10 de abril, com o objetivo de aprofundar a parceria Brasil-EUA em campos como comércio, investimentos, ciência e tecnologia, inovação, cooperação educacional e energia, além de assuntos da agenda regional e global. Contudo, pelo tamanho do empenho do governo brasileiro na formação urgente de profissionais e na atração de talentos para o país – conforme se evidencia no programa Ciência sem Fronteiras –, os analistas acreditam que o principal efeito da viagem será registrado nos campos da educação e da ciência e tecnologia. Indício disso é que, com apenas dois dias de viagem, a presidente dedicará um deles inteiramente a visitas programadas às melhores universidades do planeta: Harvard e Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Boston. Durante os encontros no MIT, está prevista a assinatura de convênio com o ITA, cujo reitor, Carlos Américo Pacheco, integrará a comitiva da presidente. O convênio prevê a instalação de um centro de inovação do setor aeroespacial em São José dos Campos e intercâmbio entre alunos de ambas as universidades. O programa Ciência sem Fronteiras vai oferecer, até 2014, 100 mil bolsas para que estudantes e pesquisadores possam aprimorar seus conhecimentos nas melhores universidades do mundo. A iniciativa privada comprometeu-se a apoiar 25 mil estudantes. Ao assinar o decreto de regulamentação do programa, em 13 de dezembro de 2011, a presidente declarou: “Nós somos de fato um país muito rico. Mas temos certeza de que vamos precisar nos próximos anos de homens e mulheres muito bem preparados e capacitados e que tenham condições de permitir que o nosso país adentre a economia do conhecimento, de produzir ciência, inovar e absorver tecnologia”.
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Saito+Pacheco
Para a expansão, até 2017, o ITA precisará contratar 150 professores e cobrir cerca de 50 aposentadorias. Ou seja, a faixa etária dos profissionais hoje envolvidos nas instituições de pesquisa e a raridade dos concursos para preenchimento de vagas é outra face do problema. Em dezembro de 2011, presidindo pela primeira vez uma formatura na instituição que passou a dirigir, o reitor garantiu: “Tenho certeza de que o aumento do número de vagas não vai afetar a qualidade dos nossos alunos. Aqui, nós formamos a elite. São profissionais disputados por empresas do mundo inteiro. Logo que saem daqui, janeiro-março 2012
muitos vão direto fazer doutorado nas melhores universidades estrangeiras. São alunos absolutamente brilhantes”. Mas não são apenas técnicos especializados que faltam à indústria de defesa. Profissionais com experiência na área, que conheçam o mercado de defesa e disponham de visão estratégica de negócios também são procurados pelas empresas. Tampouco basta apenas aumentar a oferta de oportunidades; é também fundamental difundir no mercado a ideia de que a indústria de defesa é um bom negócio em termos profissionais e importante para o desenvolvimento econômico e
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, e o reitor do ITA, Carlos Américo Pacheco, presidindo a formatura de 114 engenheiros da turma de 2011
tecnológico do país. Outro desafio é aproximar as universidades e os centros de pesquisa do tema defesa e aprofundar a integração entre o meio acadêmico e as empresas do setor. A criação do Núcleo de Estudos Estratégicos, do mestrado em Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança na Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Curso Expedito de Engenharia de Defesa, da mesma instituição em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), marcaram o início dessa aproximação, que tende a se fortalecer à medida que o Estado brasileiro priorize a defesa. Outra ação importante é o Pró-Defesa, do Ministério da Defesa (MD), que trabalha desde 2005 para expandir a formação de recursos humanos pós-graduados na matéria. Isso permite que pesquisadores e professores, junto com militares e pessoal do MD, aprimorem as políticas de defesa. Governo, universidade e empresa desempenham papel valioso na melhoria da capacitação técnica do setor produtivo: à universidade cabe produzir conhecimentos e formação de capital humano que tenham relação direta com o desenvolviDEFESA LATINA
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Dados da Secretaria da Educação Superior (Sesu/MEC) revelam que as engenharias não estão entre os cinco cursos mais procurados no Brasil, que são Administração, Direito, Ciência Contábeis, Enfermagem e Pedagogia. Ainda de acordo com a secretaria, o Brasil tem, em 2012, 2,8 engenheiros para cada mil habitantes. Até 2030, para cobrir a demanda da indústria brasileira e a própria economia do país, serão necessários oito engenheiros para cada grupo de mil brasileiros. Apreensivo com tais dados, o Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo) reuniu no final de 2011 autoridades do Ministério da Educação (MEC), gestores de universidades e mantenedores de instituições de ensino superior para análise de um estudo inédito do MEC sobre a demanda dos cursos das diversas engenharias nos próximos vinte anos. Realizado em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), o levantamento mostra que existem 247 mil vagas para os cursos, mas apenas 40 mil concluintes por ano. “Precisamos avançar para garantir um número maior de formandos se realmente quisermos ter um salto tecnológico e nos tornar a quinta potência econômica mundial”, disse Luiz Cláudio Costa, que respondia pela Secretaria de Educação Superior (Sesu) na ocasião e é o atual diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No encontro, foi demonstrado que a taxa bruta de escolarização superior brasileira (32%) fica à frente da apresentada pela China (25%) e pela Índia (11%), mas está longe das marcas da Rússia (75%) e dos Estados Unidos (86%). O Brasil tem 6,4 milhões de alunos no ensino superior, mas sua produção de engenheiros é inferior a 1/6 das vagas oferecidas. Para Humberto Ribeiro, secretário de Comércio e Serviços do MDIC, o Plano Brasil Maior, a nova política industrial lançada em agosto de 2011, impõe um nível de inovação industrial que exige grande melhora nesse cenário. “Considero o curso de engenharia o pilar essencial para nosso desenvolvimento tecnológico, tanto no âmbito do mercado interno quanto para concorrermos no mercado externo”, pontuou. Para suprir a demanda rapidamente, o ministro Aloizio Mercadante sugeriu a formação de tecnólogos – como faz a China –, mais curta que o bacharelado, mas o presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), Marcos Túlio de Melo, manifestou a discordância da categoria. Para ele, saída melhor seria oferecer mestrado para atualização dos cerca de 158 mil engenheiros formados no Brasil que não trabalham na área, aproveitando-os em todos os projetos com demanda urgente de profissionais. Além disso, Melo quer que haja políticas públicas para diminuir a evasão dos cursos de engenharia e mais controle do Ministério da Educação sobre a qualidade do ensino. Há ainda quem lembre a necessidade de estimular o interesse pela matemática e pela física nos anos de formação da meninada.
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A presidente Dilma Rousseff, em dezembro de 2011, ao lançar os editais de seleção para as primeiras 12,5 mil bolsas de graduação do programa Ciência sem Fronteiras
mento do país; à indústria cabe, por meio da formação e da qualificação profissional, traduzir tais conhecimentos em tecnologias e produtos que atendam às demandas do país; ao governo, por fim, cabe implementar políticas de desenvolvimento profissional, tanto na educação básica como na técnica e na superior, que atendam plenamente às demandas contemporâneas. A expansão de meios de fomento à pesquisa, extensão e pós-graduação por agências como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho janeiro-março 2012
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre outras, é essencial para a formação de quadros especializados em ciência, tecnologia e inovação voltados exclusivamente para o desenvolvimento de produtos de defesa. A indústria de defesa enfrenta a concorrência dos demais setores produtivos do país, que também carecem de profissionais especializados. Além disso, as grandes obras de infraestrutura, destinadas a viabilizar os eventos esportivos que virão, exigem pessoal igualmente qualificado. O parque nacional de defesa deve, portanto, se preparar, sem deixar de apoiar a educação de
qualidade, a grande reforma de longo prazo. Que, aliás, já está em andamento. Em setembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff lançou o que talvez seja o seu mais ambicioso e decisivo programa para o futuro do Brasil e sua inserção no quadro dos plenamente desenvolvidos: o Ciência sem Fronteiras, que, com orçamento de R$ 3,2 bilhões, dividido entre governo (75%) e parceiros, incluindo alguns da iniciativa privada (25%), deverá permitir um salto na formação de pesquisadores e de inteligência estratégica. O objetivo é interferir no gargalo de mão de obra ultraespecializada em caráter de urgência, levando para as melhores universidades do mundo os melhores alunos brasileiros nas áreas de Engenharia, Tecnologia e Ciências (Química, Física, Biologia e Matemática). Por ocasião do lançamento do programa, o ministro Aloizio Mercadante, então na pasta de Ciência e Tecnologia e hoje na Educação, justificou: “Essa formação de inteligência nacional vai ajudar o Brasil a se preparar para a economia do conhecimento e para uma economia sustentável, que é a economia do futuro”. DEFESA LATINA
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caminhos da indústria de defesa
Oportunidades para a indústria brasileira nos projetos de fortalecimento da soberania nacional
território, assim como o uso de tecnologias – preferentemente produzidas no Brasil – são essenciais ao sucesso das ações planejadas. Para tanto, o governo criou o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). A previsão é o Sisfron estar operacionalizado em prazo de 10 anos, com investimentos de US$ 6 bilhões originários de crédito externo, de recursos do BNDES e de parcerias público-privadas. A ideia é gerar benefícios socioeconômicos, novas competências de defesa, conhecimentos de ponta nos centros tecnológicos e nas universidades e maior integração regional e cooperação militar com as naExército Brasileiro
Fronteiras Com mais de 16 mil quilômetros de fronteiras beirando dez países, onze estados e uma faixa de 150 quilômetros Brasil adentro, abarcando 588 municípios, é compreensível a vulnerabilidade desse trecho de território à ocorrência de ilícitos de todos os tipos – contrabando de armas, tráfico de drogas, roubos de cargas e veículos, crimes ambientais e contra a pessoa. Um trecho que, recordese, corresponde a 27% do país. Como não podia deixar de ser, a Estratégia Nacional de Defesa, aprovada em dezembro de 2008, estabeleceu diretrizes de monitoramento e proteção da linha de fronteira. A presença do Estado nessa porção de
Concepção da cobertura de satélites do projeto Sisfron
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ções vizinhas. Na vigilância ds fronteiras, o Sisfron ajudará a melhorar as competências de apoio às operações de garantia da lei e da ordem (GLO) e ações subsidiárias. Na área socioambiental, deverá prestarse à preservação ambiental e à proteção da biodiversidade, possibilitando melhores condições de vida para as comunidades brasileiras ao longo e nos arredores das fronteiras. Para operacionalizar o Sisfron, o Exército Brasileiro usará radares sofisticados de curto e longo alcance, sistemas de visão noturna, torres de observação e transmissão de sinais, câmeras ópticas e termais, imageamento por satélites, sistemas de treinamento e simulação, veículos aéreos não tripulados (vants), blindados, veículos de apoio e embarcações especiais, entre outros recursos, que deverão ser obtidos prioritariamente da indústria brasileira. No caso de tecnologias não dominadas pelo Brasil, as demandas do Sisfron serão supridas por empresas estrangeiras, que deverão atender às exigências do programa e firmar parcerias com empresas e instituições brasileiras. Vários fabricantes do exterior já manifestaram interesse de trabalhar com a indústria brasileira nesse atendimento. Como parte de um plano maior, o Sisjaneiro-março 2012
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nuclear, recurso com poder dissuasório muito maior que o do submarino convencional, por sua capacidade de operar quase indefinidamente sem depender da atmosfera. Nos anos 1980, a Marinha envolveu-se com a construção de submarinos, valendose da ajuda de parceiros internacionais. Não conseguiu dominar integralmente o conhecimento para atingir seu objetivo, sobretudo a tecnologia de casco das belonaves, mas conquistar essa competência permanece como uma das finalidades do Prosub. Desde 1987, o contingenciamento de recursos orçamentários causou dificuldades de condução dos programas de defesa e espaciais. O PNM so-
“Le Terrible”: submarino da classe Le Triomphant, que é base dos Scorpène contratados pelo Brasil com a França
DCNS / Divulgação
fron pretende possibilitar que a indústria nacional de defesa se prepare para atender a demandas tecnológicas mais complexas no futuro. Mas o Sisfron já ganhou reforço. Em julho de 2011, os ministérios da Justiça e da Defesa lançaram o Plano Estratégico de Fronteiras, destinando R$ 150 milhões às onze unidades da Federação que fazem fronteira terrestre com países da América do Sul, a saber: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A esses estados já foram repassados R$ 37 milhões, enquanto a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF) receberam mais de R$ 17 milhões, segundo informações do Ministério da Justiça. O Plano Estratégico de Fronteiras está baseado em dois programas. A Operação Sentinela, do Ministério da Justiça, que tem caráter permanente e implica ação conjunta das polícias Federal, Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança com apoio logístico das Forças Armadas. A Operação Ágata é coordenada pelo Ministério da Defesa e realizada de forma pontual, com duração determinada em locais definidos, com apoio do efetivo do Ministério da Justiça.
Submarinos Um segundo programa estratégico – o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) –, também de alto conteúdo tecnológico, visa dar ao Brasil capacitação plena para projetar e construir submarinos de propulsão nuclear. Já em desenvolvimento, seu maior desafio é formar capital humano à altura das complexas tarefas que a engenharia naval brasileira terá pela frente. Essa parte, bastante complexa, está sendo equacionada. O Prosub é tão antigo quanto o Programa Nuclear da Marinha (PNM), que data de 1979, quando a arma abraçou o propósito de dominar a tecnologia necessária para projetar e construir um submarino com propulsão
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freu com isso. Para preservar as expertises conquistadas e manter o cronograma, a Marinha direcionou recursos do seu próprio orçamento para o programa. Os trabalhos ganharam maior velocidade, mas não a ideal. Em 2004, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) aportaram mais recursos. Por fim, em 2007, ao visitar o Centro Experimental de Aramar, em Iperó, a 120 quilômetros da capital paulista, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do presidente da Fiesp e de autoridades navais, entusiasmou-se com o que viu e o PNM pas-
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sou a receber recursos adicionais de R$80 milhões anuais. No ano seguinte, o Prosub adquiriu status de prioridade e foi assinado com a França um acordo incluindo construção de quatro submarinos convencionais da Classe Scorpène, cooperação no projeto do submarino nuclear brasileiro, além da construção de um estaleiro e de uma nova base de submarinos. De acordo com os termos da parceria franco-brasileira, o Brasil fará a aquisição de tecnologias de casco, periscópios, sistemas de combate e de comunicações e testes de hélices em laboratórios.Tudo isso custará muito dinheiro.
A competência de soldagem de casco será desenvolvida pela engenharia nacional. Na parte nuclear, a Usina de Hexafluoreto de Urânio – inaugurada em 16 de fevereiro no Centro Experimental Aramar, da Marinha do Brasil em Iperó (SP) – dará aos técnicos locais as condições de obtenção de autonomia de combustível e desenvolvimento do reator nuclear dos submersíveis. Os submarinos da classe Scorpène originaram-se da construção do SSBN Le Triomphant francês. Esse modelo será referência no Prosub. Com ele, a Marinha ganhará capacitação técnica para atender inclusive às necessidades de modernização e manutenção dos futu-
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cht Engenharia (50%), pelo estaleiro francês DCNS S/A (49%) e pelo governo brasileiro (1%). A primeira unidade do submarino convencional deverá ser lançada ao mar em 2017. Os similares da atual Força de Submarinos da Marinha (Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó e Tikuna) serão gradualmente substituídos pelos novos submersíveis. Com o Prosub, o Brasil dará um salto tecnológico de qualidade em construção naval e de competência estendida para proteger a Amazônia Azul, permitindo ao país ingressar no seleto grupo de nações com capacidade e independência para construir e operar submarinos nucleares.
Marcello Casal Jr./ABr
ros submarinos que pretende desenvolver, de ambos os tipos. Segundo expectativas oficiais, superadas as fases críticas, o Brasil terá enfim como exibir personalidade nesse campo. A previsão é que isso ocorra na próxima década. A construção do estaleiro em Itaguaí (RJ), da qual se encarregará a Construtora Norberto Odebrecht, deverá gerar no pico da obra mais de 11 mil empregos diretos e 33,5 mil indiretos. Segundo fontes oficiais, já gerou mais de 4 mil empregos diretos e outros 12 mil indiretos. O Prosub prevê investimentos de R$ 15,5 bilhões, a serem gerenciados pelo chamado Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela Norberto Odebre-
O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general José Elito Carvalho Siqueira, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que comandam as operações do Plano Estratégico de Fronteiras
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PASSO ATÔMICO De acordo com uma antiga apresentação do Programa Nuclear da Marinha, datada de 2007, o Brasil desde então já era capaz de fabricar o próprio combustível nuclear, sem nenhuma dependência externa, e detinha o conhecimento necessário para projetar e construir plantas nucleares de potência. No que diz respeito ao ciclo de combustível, “à exceção da conversão, cuja tecnologia está dominada e depende, para a produção em escala industrial, da prontificação (sic) da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), que se encontra em fase final de construção, as demais etapas (reconversão, fabricação de pastilhas, fabricação de elementos combustíveis e capacidade para desenvolver o próprio combustível) também já estão dominadas e em operação”, afirmava o documento. Pois a Usexa, planta para conversão do minério beneficiado de urânio (yellow cake) em hexafluoreto de urânio (UF6) gasoso, que deveria ter sido concluída em dezembro de 2001, mais de uma década de cortes orçamentários no PNM e dificuldades para obtenção e importação de materiais, acaba de ser inaugurada. O dia do evento histórico foi 16 de fevereiro de 2012. A Marinha do Brasil inaugurou simultaneamente a Unidade Produtora de Hexafluoreto de Urânio (Usexa) e o Centro de Instrução e Adestramento Nuclear Aramar (Ciana) – destinado à formação de futuras tripulações do submarino nuclear brasileiro (SN-BR) e demais usuários de combustível nuclear – no Centro Experimental Aramar (Cea). O evento contou com as presenças do ministro de Ciência e Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, do comandante da Marinha, almirante Júlio Soares Moura Neto, e do diretor de Material da Marinha, almirante Arthur Pires Ramos, e coloca o país bem mais perto do almejado submarino nuclear, representando um marco no processo de enriquecimento de urânio, que possibilitará a produção de combustível nuclear para usinas de geração de energia – objetivo do projeto Laboratório de Geração Núcleo-Elétrica (Labgene), que deverá estar operacional em 2014. Enquanto não se podia fazer no Brasil a conversão de yellow cake em hexafluoreto de urânio, o país era abastecido pela canadense Cameco, maior extratora mundial do minério – cerca de 350 t/ano, cujo enriquecimento era realizado no consórcio europeu Urenco, ao custo de cerca de US$ 40 milhões/ano, segundo o mencionado documento de 2007, intitulado “Conheça o Programa Nuclear da Marinha”. www.mar.mil.br/pnm/pnm.htm
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Gigante voador O terceiro programa tecnológico está sendo conduzido pela Embraer, empresa resultante de uma bem-sucedida estratégia governamental de ensino, pesquisa básica e aplicada e produção de aeronaves, iniciada nos anos 1940. Com a Embraer, o Brasil, país das commodities, conquistou posição de destaque internacional como terceiro maior fabricante de aviões civis do mundo. Tal conquista resultou de um detalhe que passa despercebido da maioria dos brasileiros: a Embraer cresceu e se consolidou a partir dos programas militares que desenvolveu para a Força Aérea Brasileira, cujos requisitos operacionais básicos primam por qualidade, segurança, eficiência e inovação tecnológica. O novo programa tem como objetivo desenvolver um avião de transporte tático batizado de KC-390, que representa o mais recente exemplo dessa interação governo-indústria. Trata-se de um projeto de grande envergadura tecnológica, com previsão de estar pronto em 2014. Inédito na história da engenharia aeronáutica brasileira, sua consolidação permitirá ao Brasil avançar ainda mais em capacitação técnico-industrial nesse campo. Em desenvolvimento pela Embraer Defesa e Segurança, seus desafios são enormes, incluindo a formação de capital humano especializado. Hoje, 820 empregados trabalham no programa militar. Na fase de detalhamento do projeto, prevista para 2013, a previsão é que a empresa conte com 1.300 funjaneiro-março 2012
cionários, seguindo-se a fase de manufatura com um efetivo de 2 mil profissionais. O KC-390 cumprirá missões de transporte e de reabastecimento, entre outras. É o maior avião jamais projetado no Brasil, com um universo extraordinário de aquisição de competências, como em técnica de manufatura, em razão do seu porte gigantesco. O sistema de manuseio e lançamento de carga é igualmente complexo e desafiador. A Embraer conhece bem a técnica de reabastecimento em voo, mas nunca fabricou uma aeronave reabastecedora. Seus engenheiros, porém, estão confiantes na superação dos desafios. “Afinal, é para isso que a engenharia existe”, diz empolgada uma fonte do mercado. Nesse aspecto, outra importante solução já dominada é o software de comando elétrico de voo do KC390, inteiramente desenvolvido pela engenharia da empresa. Em outubro do ano passado, durante seminário realizado em São José dos Campos (SP), foram apresentados às empresas participantes os itens necessários à construção do cargueiro – blindagem, equipamentos de apoio e estrutura da linha de montagem. Na ocasião, a Embraer e a Aeronáutica divulgaram as oportunidades abertas à indústria pelo projeto. Representantes do BNDES, da Finep, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi) janeiro-março 2012
Desenho de Gino Marcomini, da Oxygino Aviation Art, mostrando o KC-390 e o blindado (VBTP-MR) Guarani
falaram sobre linhas de financiamento e outras formas de apoio que podem ser oferecidas às empresas. “A mobilização e o fortalecimento de toda a cadeia produtiva nacional, em consonância com as medidas governamentais refletidas na Estratégia Nacional de Defesa e no Plano Brasil Maior, têm sido foco da FAB e da Embraer desde o início do programa”, declarou Luiz Carlos Aguiar, presidente da Embraer Defesa e Segurança, aos empresários. Os parceiros da Embraer envolvidos no programa do KC-390, como fornecedores de partes, componentes e sistemas, somam quase 100 empresas, com 130 pacotes distribuídos. A indústria brasileira atuará sobretudo no setor de aeroestruturas. Os equipamentos e sistemas que não são fabricados no Brasil serão fornecidos por empresas do
exterior. Em muitos desses casos, estão sendo assinados acordos de compensações econômicas por meio de parcerias da indústria estrangeira com empresas brasileiras, inclusive com a transferência de tecnologias. O governo, por meio da FAB, está investindo aproximadamente R$ 4,5 bilhões no desenvolvimento do cargueiro. O primeiro voo do KC-390 está previsto para 2014. Menos de dois anos depois, começarão as primeiras entregas. Hoje, são 60 cartas de intenções: 28 aeronaves para a FAB e 32 para os parceiros de risco internacionais – Argentina, Chile, Colômbia, Portugal e República Tcheca. Estudos de mercado feitos pela Embraer (procedimento habitual para novos produtos) indicam que o KC-390 se encaixa bem nas projeções de demanda para esse tipo de aeronave. DEFESA LATINA
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caminhos da indústria de defesa Plenário da Câmara dos Deputados na aprovação do regime tributário especial para a indústria de defesa
Regras de incentivo para a área estratégica de defesa irão fomentar avanços em ciência, tecnologia e inovação
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Um dos impedimentos para o melhor desempenho da indústria brasileira de defesa no Brasil e no exterior diz respeito à alta incidência tributária sobre os itens produzidos. Isso compromete pesadamente sua competitividade, com uma agravante característica do mercado de defesa: seus produtos se dirigem quase exclusivamente a um único cliente, o Estado. Tal peculiaridade é reconhecida até pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que aceita o estabelecimento de regimes especiais para o setor. O Brasil nunca praticou essa distinção. Muitas vezes, é levado a comprar materiais de defesa fabricados lá fora, aproveitando preços finais favoráveis, em detrimento de similares de produção nacional, mais caros em relação ao produto estrangeiro exatamente devido à sobrecarga tributária. Nunca no Brasil houve um claro reconhecimento das relações es-
treitas entre o desenvolvimento científico-tecnológico brasileiro e a indústria de defesa. Mas, como se sabe, grande parte dos produtos eletrônicos disponíveis no mercado geral incorpora insumos originários de pesquisas militares. São os chamados equipamentos e sistemas de uso dual, isto é, tanto militar como civil. Esses produtos são encontrados em diversos campos profissionais, como na medicina e nos esportes, por exemplo. A indústria de defesa, portanto, é um relevante vetor de desenvolvimento. Essa grata contribuição começou a se mostrar de modo mais acentuado para o público por ocasião da chegada do homem à Lua nos anos 1960. Com as sucessivas viagens exploratórias ao satélite natural da Terra, que possibilitaram um fantástico salto de conhecimento para a humanidade, os responsáveis pelos programas espaciais chegaram à conclusão de que não bastava apenas trazer da Lua pacotes de pedras; era preciso que os conhecimentos adquiridos em torno desse programa fossem transformados em soluções comerciais. Poucos sabem que o programa espacial norte-americano gerou 1.750 spinoffs – isto é, criações do Programa de Utilização de Tecnologia liberadas para o desenvolvimento de produtos e serviços pelas empresas privadas. Hoje, computadores, celulares, comunicações via satélite –, facilitam a vida da humanidade. janeiro-março 2012
E muitos outros campos exibem resultados da ciência de ponta aplicada ao cotidiano, como os tecidos térmicos, as panelas revestidas com polímeros, os fornos de micro-ondas, a medicina nuclear etc. Nova mentalidade No Brasil, que chegou a ser o oitavo exportador mundial no final da década de 1980, como consequência da política e dos investimentos dos governos militares na área, a atitude social nunca foi favorável aos gastos com defesa após a redemocratização. Por um lado, as contribuições geradas por esse estratégico setor não se tornaram de conhecimento da sociedade em geral; por outro, o retorno aos governos civis coincidiu com uma conjuntura marcada por crises econômicas, desmantelamento do sistema soviético – que lançou no mercado a preços irrisórios seus antigos arsenais da Guerra Fria –, globalização e outros eventos. Tudo isso contribuiu para o quase aniquilamento da base industrial de defesa do país e para a queda da atividade de P&D nas instituições nacionais. Hoje, o pensamento político mudou, e a indústria brasileira de defesa tem seu importante papel reconhecido como parte do processo de desenvolvimento. Um dos sinais de que uma nova mentalidade está em pleno florescimento é a assimetria tributária em produtos de dejaneiro-março 2012
fesa, que foi finalmente reconhecida. Tal reconhecimento ficou patenteado pelos plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que aprovaram a Medida Provisória (MP) 544/2011, criando um regime tributário especial para o setor industrial de defesa (Retid) e normas específicas para a licitação de seus produtos e sistemas. Saindo da votação do Senado com recomendação de urgência e relevância, a matéria recebeu sanção presidencial e foi publicada no Diário Oficial da União de 23 de março, transformando-se na Lei 12.598/2012. Pelo Retid, peças, componentes, equipamentos, sistemas, insumos, matérias-primas e serviços usados pelas empresas estratégicas de defesa credenciadas pelo Ministério da Defesa ficam isentos do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do PIS/Pasep e da Cofins Para terem essa isenção, os fornecedores de bens e serviços terão de provar que ao menos 70% de suas receitas são provenientes de vendas para as empresas estratégicas; para exportação; para o Ministério da Defesa ou para outras empresas definidas em decreto do Poder Executivo. O mesmo diploma legal também estende ao setor aeroespacial os benefícios tributários antes restritos à indústria aeronáutica, criados pela Lei 12.249/2010, que passa a ser chamado de Regime Especial para a Indústria Aeroespacial Brasileira (Retaero). Preparada em conjunto pelos ministérios da Defesa; da Ciência, Tecnologia e Inovação; do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; do Planejamento e da Fazenda, a MP, agora transformada em lei, é um desdobramento do Plano Brasil Maior, lançado em agosto de 2011, para aumentar a competitividade da indústria nacional a partir do incentivo à inovação tecnológica e à agregação de valor. A medida adotada constitui passo importante para viabilizar a Estratégia Nacional de Defesa, que tem na reestruturação da indústria brasileira de material de defesa um de seus eixos. As isenções tributárias serão concedidas por cinco anos a projetos aprovados pelo Ministério da Defesa pelas empresas que preencherem os requisitos previstos na norma. Além de terem sua sede ou unidade industrial no Brasil, as companhias precisam comprovar que dispõem do conhecimento científico ou tecnológico necessário ou complementá-lo por meio de parceria com instituição brasileira desse segmento. Atualmente, segundo a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), órgão subordinado ao Comando do Exército Brasileiro, 186 empresas estão capacitadas a se beneficiar do novo regime, entre companhias de menor porte e também grandes fornecedores das Forças Armadas, como Avibras, Embraer, Helibras, Inbra, Odebrecht Defesa e outras. DEFESA LATINA
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caminhos da indústria de defesa O Plano de Ações 2012 do Conselho de Defesa da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) prevê atividades em políticas de defesa, cooperação militar, ações humanitárias, operações de paz, indústria, tecnologia e capacitação em defesa. Em reunião em 11 de novembro último, o fórum discutiu o comprometimento da indústria regional de defesa com tecnologias próprias para o subcontinente. Outros temas analisados foram: criação da Agência Espacial Sul-Americana, formação e capacitação de técnicos civis para a defesa por meio do Centro de Estudos Estratégicos em Defesa (CEED) e definição de dois grupos de trabalho para estudar a possibilidade de projetar, desenvolver e produzir em conjunto um avião de treinamento básico e um veículo aéreo não tripulado (vant) para vigilância de fronteiras. A política de cooperação entre os países sul-americanos no setor de defesa apresenta boas perspectivas para a indústria regional. A América do Sul é um mercado pequeno se comparado aos mercados norte-americano, europeu e asiático. Mas não deixa de apresentar
Integração sul-americana
Antônio Cruz/ABr
A estabilidade política, as perspectivas de desenvolvimento econômico e o incremento das relações comerciais darão à América do Sul uma ampla vantagem para integração industrial
Brasília 23/05/2008 Reunião da Unasul em que foi assinado o tratado de constituição da organização
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demandas significativas de equipamentos de defesa. No decênio 2000-2010, a região absorveu 56% das exportações brasileiras nessa área, contra 25% no período 1980-1989 e 11% entre 1990-1999, segundo dados de 2011 do Arms Transfers Database, do Instituto Internacional de Pesquisas sobre a Paz de Estocolmo (Sipri na sigla em inglês). Empresas como Avibras, Atech, Mectron, Orbisat, Helibras, Embraer e Inbrafiltro, entre outras, fabricam sistemas e produtos que não têm similares na América Latina e são competitivos em outros mercados. Adicionalmente, as oportunidades projetadas por programas como o Prosub, o Sisfron, o SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul), além de possibilitar salto tecnológico de qualidade para a indústria de defesa, se vistos no contexto de aparelhamento e modernização das Forças Armadas brasileiras, trarão ainda possibilidades de expansão de vendas na região. Aliás, os projetos Sivam/Sipam, Sisfron e o Plano Estratégico de Fronteiras já chamam a atenção de países sul-americanos interessados na vigilância de seus territórios para amplas finalidades, inclusive combater o crime transnacional. O Chile, por exemplo, pretende montar um plano de fronteira similar ao sistema brasileiro. A Bolívia tem intenção de instalar radares de vigilância de fronteira para combater o narcotráfico. A Colômbia também, para reprimir o crime organizado. O Peru recebeu assistência técnica do Brasil para implantar um centro de janeiro-março 2012
coleta de informações em tempo real via satélite para facilitar a vigilância da fronteira comum. E o panorama evidencia que iniciativas isoladas não podem dar melhores resultados quando o próprio crime é transnacional e afeta com violência todos os países sul-americanos. Suas redes estão cada vez mais conectadas, os criminosos usam tecnologias de ponta e, em muitos casos, chegam a superar a capacidade operativa das autoridades nacionais. Notícias recentes registraram indícios de presença de cartéis mexicanos de narcotráfico em países da região amazônica e informaram sobre a criação do maior centro de contrabando da América do Sul na região da tríplice fronteira. Para combater o tráfico de drogas, o contrabando de armas e outras atividades ilícitas ao longo das linhas de fronteira, o governo brasileiro lançou em junho de 2010 o Plano Estratégico de Fronteiras, que, nos seis primeiros meses de atuação, apreendeu quantidade de drogas 15 vezes maior do que a das operações desenvolvidas entre janeiro e maio daquele ano. A política de proteção das áreas fronteiriças deve se tornar ainda mais efetiva com a implementação de projetos como o Sisfron, que pretende aumentar a capacidade de monitoramento e vigilância das fronteiras. Além dos avanços já registrados, nota-se também a intensificação da coordenação e cooperação entre os governos sul-americanos quanto a políticas de fronteira, requisitos sine qua non janeiro-março 2012
para solucionar o grave panorama do crime transnacional na região. Portanto, as parcerias existentes, públicas e privadas, já podem ser vistos como embriões para uma futura integração das cadeias produtivas na indústria de defesa na região. Cooperação para a defesa regional Alguns resultados já são visíveis. O programa de desenvolvimento do KC-130, da Embraer, envolve participação de indústrias argentinas, colombianas e chilenas. Essas parcerias estão firmadas com base na encomenda de 24 unidades do novo avião de transporte tático brasileiro para Argentina, Colômbia e Chile (seis, doze e seis, respectivamente). A Embraer assinou contrato de modernização de 14 aeronaves Emb312 Tucano da Força Aérea da Colômbia, negócio que resultou em obrigações de offset contraídas quando da venda dos 25 Emb-314 Super Tucano para aquele país, em 2005. A indústria brasileira vai transferir tecnologia e know-how nessa área para a Companhia Aeronáutica Estatal da Colômbia (Ciac), a fim de capacitar a empresa colombiana na modernização dos seus Tucanos, em conjunto com a Embraer. Esse esforço de integração industrial é resultado de intenso trabalho do Ministério da Defesa do Brasil. Com a Colômbia, a indústria brasileira poderá também construir um navio fluvial e vants. Há ainda com o Chile a intenção de aproveitar as capacidades existentes nos dois países para incrementar a cooperação industrial nas áreas naval e de manutenção de blindados. Com a indústria argentina, o Brasil pretende desenvolver um lançador de satélites. A retomada dos investimentos em defesa mostra que os países sulamericanos começam a se preocupar mais com os meios para garantir sua soberania. Mostra ainda a tendência de fomentar e revigorar suas indústrias nesse campo. Os projetos de cooperação são oportunos, pois contribuem para a divisão de custos em pesquisa e desenvolvimento e despertam aumento do volume de produção em função das demandas, com melhores preços e materiais mais acessíveis aos orçamentos militares de cada nação. No processo de integração e fortalecimento da base industrial de defesa regional, é fundamental avançar com as políticas já planejadas e aceitas no Plano de Ação 2010/2011 da Unasul, como consolidar o diagnóstico industrial e de tecnologia, conceber um sistema integrado de informação que meça os gastos em defesa, para mostrar quanto realmente cada país investe no setor – pois a América Latina ainda carece de fonte oficial sobre o tema – e criar um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Cooperação Industrial. O diálogo efetivo, franco e transparente em nível regional para abordar situações complexas – como os conflitos ainda existentes na região andina, por exemplo –, é estimulado pela Unasul. Enquanto o Mercosul está mais perto da formação de um regime de segurança, a região andina beira a formação de conflitos, tanto DEFESA LATINA
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UNASUL | UNASUR A Unasul é um projeto político de cooperação e integração regional que abarca desde o econômico e comercial até a defesa e segurança. Inspira-se no modelo da União Europeia. É o principal resultado de um processo de integração regional iniciado na I Reunião de Cúpula de Presidentes da América do Sul, em 2000, com a criação da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa). A Unasul foi instituída com base nos avanços da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa, 2004), que institucionalizou a aproximação entre Mercosul e Comunidade Andina, por ocasião da I Cúpula Energética da América do Sul, em 2007. O Tratado Constitutivo da Unasul foi assinado em maio de 2008 em Brasília, durante a terceira cúpula de presidentes da região e entrou em vigor em março de 2010, um mês após obter as nove ratificações necessárias. O Brasil promulgou o Tratado Constitutivo da Unasul em 11 de janeiro de 2012 (Decreto Nº 7.667). De acordo com o Tratado, seus organismos já estão com localização definida: sede em Quito, Equador; Parlamento Sul-Americano em Cochabamba, Bolívia; Banco do Sul em Caracas, Venezuela, com filiais em Buenos Aires, Argentina, e La Paz, Bolívia. O grupo tem quatro idiomas oficiais – português, espanhol, holandês (flamengo) e inglês – e 12 países membros: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela.
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pelo transbordamento dos problemas internos colombianos rumo ao Equador e à Venezuela, quanto devido a questões territoriais não solucionadas. Venezuela e Colômbia, por exemplo, disputam o Golfo da Venezuela/Golfo da Colômbia; a Venezuela reivindica cerca de dois terços do território da Guiana; Chile e Peru ainda não resolveram problemas fronteiriços pendentes. Brasil em destaque São grandes os desafios a serem enfrentados no âmbito do Conselho de Segurança da Unasul. Mas também são amplas as oportunidades decorrentes da construção de uma comunidade de segurança no subcontinente. O mercado de defesa sul-americano apresenta o Brasil como figura central, cabendo-lhe a liderança no processo de desenvolvimento de uma base industrial conjunta de defesa que garanta autonomia e independência tecnológica à região.
Em outras partes do planeta, medidas como essas já são rea lidade. A Europa começou a buscar maior autonomia em questões de segurança e defesa através de uma política nativa subordinada à União Europeia, e não mais à Otan. Na Ásia, as duas últimas décadas registraram a formação de diversas instituições que tratam de temas similares, como o Fórum Regional da Ásia (1994), a Cúpula do Leste Asiático (1995), os Cinco de Xangai (1996), transformada em 2001 em Organização para a Cooperação de Xangai (SCO), e a Ásia + 3 (Ásia + China, Japão e Coreia do Sul, em 1997). Na África, também prosperam temas de defesa e segurança, que ganharam destaque no mesmo período por intermédio da Comunidade Econômica da África Ocidental (Ecowas na sigla em inglês) e com a criação, em 1996, do Órgão de Política, Defesa e Segurança no âmbito da Comunidade para o Desenjaneiro-março 2012
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volvimento da África Austral (SADC, sigla pronunciada como “Sadec”). Em 2004, fundou-se um grande fórum no continente africano – o Conselho de Paz e Segurança da União Africana. O ministro Celso Amorim, colocando toda sua experiência diplomática a serviço da pasta da Defesa, assumida em agosto de 2011, vem mantendo reuniões e encontros com autoridades de quase todos os países sulamericanos, visando reforçar o compromisso da integração e apresentar as oportunidades de cooperação regional, enfatizando também a cooperação industrial.
Na Casa Rosada, as presidentes brasileira e argentina assinaram acordo bilateral sobre cooperação para construir reatores nucleares para uso médico
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Integração Brasil-Argentina Até princípios dos anos 2000, a cooperação entre Brasil e Argentina em matéria de defesa permaneceu restrita a iniciativas isoladas de suas respectivas Forças Armadas, a exemplo do projeto de criação da viatura militar aerotransportável Gaucho, primeira parceria das nações na área de tecnologia militar. Isso representou uma transformação importante, depois de décadas de convicção entre os militares dos dois lados da fronteira de que um confronto armado entre Brasil e Argentina era inevitável e apenas questão de tempo. Somente em 2005, com a assinatura do Acordo Quadro de Cooperação em Matéria de Defesa, brasileiros e argentinos começaram a discutir uma possível aproximação que fosse além do âmbito comercial – a dimensão que predominou nas relações bilaterais durante os anos 1990. Criou-se o Grupo de Trabalho Conjunto de Defesa e discutiramse formas de facilitar a relação entre as bases industriais de defesa. Em 2007, foi constituído o Mecanismo de Cooperação e Coordenação Bilateral Brasil-Argentina, no qual se incluiu a área de defesa como um dos temas estratégicos. Por ocasião da visita da presidente Dilma Rousseff à Argentina, em janeiro de 2011, iniciaram-se as tratativas bilaterais envolvendo diversos projetos relativos à indústria de defesa. O fortalecimento do eixo Brasil-Argentina permitiu maior capacidade de liderança do Brasil na formação da Unasul e, no âmbito desta, do Conselho de Defesa Sul-Americano. As atividades militares entre Brasil e Argentina ampliaram o poder militar de ambos os países. Do ponto de vista argentino, por exemplo, o país só podia manter sua aviação naval em condições operacionais se realizasse exercícios combinados com nações que dispusessem de porta-aviões, uma necessidade que o Brasil tem suprido. A Argentina também cooperou com a Marinha do Brasil nos anos 1990, quando esta criou a aviação naval de asa fixa, sobretudo no campo da capacitação de pilotos e técnicos. Agora, as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner consideram as relações entre Argentina e Brasil fundamentais para fazer do século XXI “o século da América Latina”. Na primeira visita internacional de seu governo, Dilma Rousseff assinou com Cristina Kirchner 15 importantes acordos bilaterais, inclusive o da troca de experiências para a construção, nos dois países, de reatores nucleares para uso médico. Cada país construirá seu próprio reator no prazo de cinco anos. Segundo disse à BBC Brasil o subsecretário-geral da América do Sul, Central e Caribe, embaixador Antônio José Ferreira Simões, o objetivo brasileiro é “aproveitar a experiência da Argentina, que já vendeu reatores de pesquisa ao Peru e à Austrália”.
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caminhos da indústria de defesa
Pública
Uma pequena lata metálica, arranhada e atirada ao chão, gerou constrangimento diplomático ao Brasil no início de 2012. Recolhida por ativistas pró-liberdade no Bahrein, no Golfo Pérsico, era uma lata de gás lacrimogênio que estampava na lateral, em azul, a bandeira brasileira e os dizeres “made in Brazil”. Há um ano e meio, o Bahrein tem sido palco de protestos pró-democracia da maioria xiita contra a monarquia sunita, comandada pelo rei Hamad Bin Issa al-Khalifa. Os manifestantes têm
sido reprimidos pelo exército do Bahrein e de países vizinhos, que procuram resistir localmente à expansão da onda de revoltas denominada Primavera Árabe em processo em países do Oriente Médio e do Norte da África. Pelo menos 35 pessoas morreram e centenas foram feridas . O gás brasileiro estaria sendo usado para reprimir os manifestantes no Bahrein e teria até causado a morte de bebês. “Há 56
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algum tipo de ingrediente que, em alguns casos, leva as pessoas a espumar pela boca e [provoca] outros sintomas”, disse a ativista de direitos humanos Zainab al-Khawaja ao jornal O Globo. Usando o twitter online, sob o nome AngryArabia (Arábia Irada), ela é a principal fonte de informação internacional sobre a insurreição no país, tendo assumido essa função desde a prisão de seu pai, Abdulhadi al-Khawaja, presidente do Centro de Direitos Humanos do Bahrein, em abril de 2011. Quase um mês depois da denúncia, ao terminar o mês de janeiro, pouco se sabia sobre como o gás, fabricado pela empresa Condor Tecnologias Não Letais, foi parar nas mãos dos defensores do rei Hamad, cuja renúncia é exigida pelos insurretos. A empresa, sediada em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, afirma que não exporta para o Bahrein, mas diz que vende para outros países da região, sem identificá-los. Toda exportação de armas, mesmo não letais, é aprovada pelo Itamaraty e pelo Ministério da Defesa. Mas, uma vez aprovada, o governo não pode fazer muito. O próprio Itamaraty reconhece que não tem poder de investigar: depois do escândalo do Barhein, a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores informou que está ape-
nas “observando com interesse” o desenrolar da história. “É um contrato entre partes privadas”, diz a assessora do Itamaraty. “Pode até envolver um governo estrangeiro, mas a responsabilidade pelo produto é da empresa”. E esclareceu: “Os contratos geralmente proíbem a revenda. A Condor está tentando rastrear o seu produto; estamos num diálogo permanente”. Comércio sem controle A situação é complicada, porque não existe legislação internacional para o comércio de armas leves. “No caso de armas não convencionais, a atuação do Itamaraty é mais direta, mas, no caso de armas convencionais, não existe um regime internacional para que a gente possa aconselhar em algum sentido”, reconhece a porta-voz. Nesse contexto, é bem provável que casos como esse aconteçam cada vez mais. Enquanto o comércio de armamentos pesados, como os Super Tucanos, costuma chamar a atenção da imprensa nacional, é no ramo de armas leves que o Brasil tem atuação firme e crescente no mercado internacional. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o valor das exportações de armas leves brasileiras triplicou nos últimos cinco anos: era de US$ janeiro-março 2012
109,6 milhões em 2005 e saltou para US$ 321,6 milhões em 2010 (em 2011, houve um recuo para US$ 293 milhões). Contando apenas as armas de fogo –, revólveres, pistolas e carabinas –, a quantidade impressiona. Foram 4.482.874 unidades exportadas entre 2005 e 2010, segundo levantamento inédito do Exército feito a pedido da agência Pública. Ou seja: 2.456 armas por dia. No entanto, o Exército não aceitou detalhar as vendas ano a ano, as empresas exportadoras ou os países destinatários. Assim, cabe às instituições internacionais tentar desvendar os detalhes da exportação brasileira. Todos os anos, o Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, sediado em Genebra, na Suíça, realiza o Small Arms Trade Survey, o mais respeitado estudo sobre essa indústria. Em 2011, os levantamentos do instituto indicaram que o Brasil foi o 4º maior exportador mundial de armas leves, atrás apenas de Estados Unidos, Itália e Alemanha. Contando somente armamentos pesados, o país é o 14º, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo (Sipri). Nos dois casos, a liderança é dos Estados Unidos, com larga vantagem. fonte: http://apublica.org/2012/01/ brasil-produtor-exportador-de-armas/
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Human Rights First
A partir da esquerda, as ativistas de direitos humanos Sawsan Jawad, Asma Darwish e Zainab Al-Khawaja em junho de 2011, ao serem detidas na representação das Nações Unidas em Manama, onde estiveram para entregar carta endereçada ao secretário-geral da ONU
João Lins de Albuquerque, especial para DL
BAHREIN: NO FOGO CRUZADO DOS VIZINHOS O Bahrein é uma pequena monarquia formada por 35 ilhas e ilhotas no Golfo Pérsico, que faz fronteira marítima com o Irã, berço do fundamentalismo xiita, e com a Arábia Saudita, monarquia tradicional e maior potência regional sunita, para a qual religião e interesses geopolíticos caminham juntos. As manifestações que estão tirando a tranquilidade das ruas da capital, Manama, foram qualificadas pelo monarca local, Hamad Bin Issa al-Khalifa, de “conspiração xiita” – o que, no quadro específico, é referência à classe média privilegiado do país, constituída majoritariamente por muçulmanos xiitas. Em resposta, o rei do Bahrein pediu ajuda militar ao Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), do qual faz parte juntamente com Emirados Árabes Unidos, Omã, Catar, Kuwait e Arábia Saudita. Tropas sauditas foram enviadas ao Bahrein, o que levou o governo do Irã a acusar a poderosa monarquia vizinha de “brincar com fogo”. O governo saudita e seus aliados do CCG, por sua vez, acusaram a república islâmica de “inflamar tensões sectárias”. Aparentemente, o que acontece é que, com a queda de Hosni Mubarak no Egito – em fevereiro de 2011, após 30 anos no poder –, os sauditas constataram que nem mesmo um sistema protegido pelos EUA está seguro diante de populações revoltadas. O despertar dos protestos antigovernamentais no Bahrein soou, portanto, como um alarme. As reivindicações por reformas políticas começaram com passeatas pacíficas em 13 e 14 de fevereiro do ano passado, quando as forças de segurança lançaram bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha para dispersar os manifestantes. Não demorou para recorrerem a tanques e tiros reais, provocando mortes e mais revolta. Se a monarquia for abalada nesse Estado, isso poderia abrir caminho para crise nos regimes dos companheiros de CCG. Por isso, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, os “pesos pesados” da região, não pretendem vacilar no combate aos protestos. Assim, a guerra fria entre o Irã e o Conselho de Cooperação do Golfo, entre este e a Síria e as crises locais continuam a afetar toda a região, empurrando governos que se pensavam inabaláveis para a beira do abismo. DEFESA LATINA
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programa antártico
SALVADOS DO INCÊNDIO Módulos emergenciais servirão a atividades de remoção de escombros, continuação de pesquisas e ações operacionais na Estação Comandante Ferraz
Ministério da Defesa/ABr
As pesquisas científicas feitas pelo Brasil na Antártica poderão sofrer redução, mas não serão interrompidas. “Parar não existe”, afirmou ao repórter Gilberto Costa, da Agência Brasil, o titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marco Antonio Raupp. Lançando mão de orçamentos conjugados para as atividades na Antártica, o MCTI e o Ministério da Defesa não só irão reconstruir a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), que foi parcialmente destruída por incêndio no dia 25 de fevereiro, mas prometem soluções arquitetônicas e tecnológicas mais modernas para o centro de pesquisas, cujas operações têm manutenção logística do Comando da Marinha. Segundo o ministro Raupp, uma possibilidade inicial para dar continuidade aos trabalhos seria fazer as pesquisas fora da estação, como acontece na execução do Módulo Criosfera 1, de estudos sobre o clima na região, operado por
tecnologia. Outra alternativa são os navios Ary Rangel, conhecido como “Gigante Vermelho”, e Almirante Maximiano – este último já está na Antártica e poderá funcionar como base provisória para as pesquisas brasileiras. Esta segunda solução não servirá para o grupo da Universidade Federal do Paraná, cujo reitor, Zaki Akel Sobrinho, reforçou junto ao ministro Raupp a reivindicação da equipe do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da universidade para que o governo ouça a comunidade científica antes de construir a nova base brasileira. Isso porque, no dizer da coordenadora do programa, Lucélia Donatti, “há pesquisas que não podem ser feitas em navios, dependem de uma base fixa”. O pedido de participação dos cientistas na reconstrução da estação foi levado às autoridades pelo geólogo Jefferson Simões, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que representa os pesquisadores na discussão sobre a recuperação da estação na Antártica. Os navios representariam limitação também para a equipe do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), sediado no Rio de Janeiro, caso continuasse a desenvolver tra28/02/2012: Chegada ao Galeão dos corpos dos dois militares mortos no incêndio
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balhos sobre as comunidades terrestres e marinhas da Antártica, como fazia na última fase da Operação 30, iniciada em 2011, que se estenderia até 24 de março de 2012. Como cada ano de pesquisa recebe um número, isso quer dizer que o INCT-APA está atuando na Antártica há 30 anos – desde 1982, quando foi lançado o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), sendo 28 deles na Estação Comandante Ferraz, estabelecida em 6 de fevereiro de 1984. As pesquisas iniciais do programa foram feitas no navio oceanográfico Professor W. Besnard, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). Perdas irremediáveis Novo começo O incêndio ganhou foros de tragédia com a morte de dois militares, o suboficial Carlos Alberto Vieira Figueiredo e o sargento Roberto Lopes dos Santos, que ouviram uma explosão na madrugada e correram para a Praça das Máquinas da estação para tentar debelar as chamas. “Todos os pesquisadores se concentraram na sala principal. Fizemos uma chamada, e alguns pesquisadores estavam ausentes. Corremos para os camarotes e acordamos os que faltavam. Refizemos a chamada e constatamos que todos estavam lá. Aos poucos, fomos saindo para a área externa da estação para acompanhar o combate ao incêndio. Como ele janeiro-março 2012
Maria Rosa Pedreiro (UFPR)/ABr
25/02/2012: O fogo começou na madrugada e, de manhã, continuava a devorar o prédio principal da Estação Antártica Comandante Ferraz
não estava sendo controlado, fomos nos direcionando a um módulo que fica a uns 200 metros do prédio principal e ficamos lá aguardando”, descreveu Juliano de Carvalho Cury, professor da Universidade Federal de São João Del Rei, que havia chegado à base no início de fevereiro. “Aos poucos, [o fogo] foi atingindo módulo por módulo ao longo da madrugada”, contou Maria Rosa Pedreiro, mestranda de biologia celular e molecular da UFPR, que completou: “Pela memória dos dois militares, quero voltar àquele lugar, até para mostrar que eles não lutaram em vão”. Ambos foram promovidos a segundo-tenente e condecorados com a Ordem do Mérito da Defesa, a Medalha Naval de Serviços Distintos e a Honra ao Mérito, no grau de comendador. Já as perdas físicas foram calculadas em 70% do prédio principal, que abrigava alojamentos e alguns laboratórios, salvando-se as unidades isoladas, como os laboratórios de meteorologia, química, alta atmosfera e contêineres do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Quanto aos janeiro-março 2012
trabalhos, disse a coordenadora do INCT-APA, Yocie Yoneshigue Valentin, “a esperança é que os pesquisadores tenham feito uma cópia do material produzido lá nos próprios computadores pessoais”, pois segundo a professora, todos os equipamentos científicos que estavam na estação foram perdidos. O professor Juliano confirmou que os experimentos de todos os pesquisadores da Operação 30 foram afetados no incêndio. “Além de perdermos todo o material do trabalho realizado nesta expedição, foram perdidos também muitos equipamentos e a própria estrutura da estação; os trabalhos futuros também estão prejudicados, acredito que pelo menos nos próximos quatro ou cinco anos”. O esforço de reconstrução está previsto para durar dois anos, mas o comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, tem pressa: “Vamos agora encontrar soluções para prosseguir com os projetos de pesquisa, de modo que, no próximo verão antártico, possamos retomar os trabalhos”. De fato, a Marinha do Brasil já convidou 29 empresas especiali-
zadas para que apresentem propostas orçamentárias relativas a fornecimento e instalação de módulos antárticos emergenciais (MAE). O prazo é 9 de julho. Os módulos servirão para apoiar as pesquisas, a retirada dos escombros e demais atividades operacionais e logísticas e precisam durar pelo período mínimo de cinco anos. Também devem apresentar possibilidade de desmontagem e realocação. As condições, quantidades e exigências foram estabelecidas pela Secretaria da Comissão Interministerial para o Recursos do Mar (Secirm). Embora ainda seja prematuro tentar definir o momento da normalização dos trabalhos científicos na Antártica, estes deverão se dar desde logo nas edificações remanescentes da Estação Comandante Ferraz, em navios da Marinha e da USP e nos módulos emergenciais, quando instalados. Enquanto isso, em paralelo, será desenhada uma nova estrutura para substituir a da estação destruída. Uma inspiração é a estação da Espanha, que foi desenhado no formato de “Y”, para prevenir e reduzir os efeitos DEFESA LATINA
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cultura.livros
Eduardo Gomes: um servidor Nova biografia devolve o Brigadeiro às atenções
Fotos Cecomsaer
Mirian Paglia Costa
O autor concede autógrafos durante o lançamento em Brasília
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“Ele só pensava no Brasil; tudo para ele era o Brasil”, ouviu de uma sobrinha do brigadeiro Eduardo Gomes o escritor Cosme Degenar Drumond, que, tendo lançado uma biografia do patrono da Força Aérea Brasileira no dia 20 de janeiro de 2011, no Clube de Aeronáutica, em Brasília (DF), iniciou em seguida a turnê nacional de promoção do trabalho (Rio de Janeiro, Manaus, São Paulo, Florianópolis e Recife), que continuará no segundo semestre com eventos em Salvador, Natal, Fortaleza, Petrópolis e será encerrada com nova noite de autógrafos em São Paulo. Uma confirmação plena das informações captadas pelo autor sobre o grande militar tanto em fontes primárias como secundárias ao longo de três anos de intensas pesquisas e também de suas próprias impressões nos encontros que teve com ele, por rápidos que tenham sido. Rigoroso, formal, imbuído da nobreza da profissão militar, tão convicto da necessidade de preservar os valores democráticos quanto de defender a soberania nacional, Eduardo Gomes atravessou alguns capítulos trepidantes da história republicana do país – em quase todos, não hesitou em arriscar
a vida por seus ideais. É o que o autor narra nas 352 páginas do livro, publicado pela Editora de Cultura, que recupera também uma rica iconografia dos quase 85 anos de vida do Brigadeiro (1896-1981), como ele gostava de ser chamado, apesar de ter conquistado a patente máxima de marechal. Eduardo Gomes era um “revoltoso impertinente”, segundo os juízes que o condenaram pela participação no Levante do Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 1922, do qual apenas dois tenentes sobreviveram: ele e seu colega Antônio de Siqueira Campos. Na base do movimento que se denominaria Tenentismo, esse episódio de bravura estendeu-se na vida do Brigadeiro para São Paulo, onde participou da Revolução de 1924; custou-lhe o degredo na Ilha de Trindade, repetiu-se na defesa de seu quartel, atacado durante a Intentona Comunista, em 1935; e repre sentou seu sacrifício pessoal em duas candidaturas à Presidência da República, em 1946 e em 1951 – não desejadas, mas impostas pelas circunstâncias da redemocratização após a Era Getulista. Inarredável como era quando se tratava de princípios, é fácil imaginar o peso dessas incursões janeiro-março 2012
do Brasil pela política só recordando que, candidato da União Democrática Nacional (UDN), o Brigadeiro teve de aparecer lado a lado com um prócer udenista mineiro, o ex-presidente Arthur Bernardes, o mesmo que o mandara para o degredo e criara campos de concentração na Amazônia para encarcerar inimigos – a maioria jovens militares. O “revoltoso impertinente”, porque sempre tomava para si as responsabilidades e se apresentava de peito aberto para receber as punições, era também profundamente imbuído do espírito cristão, reservando parte significativa de seus soldos para a caridade. No Correio Aéreo Nacional, cuja criação comandou na década de 1930, implantou o espírito humanitário, que distinguiu e ainda distingue o CAN como um dos grandes serviços prestados pelos militares à nação brasileira. Tão sério era que é curioso ter inspirado a criação do docinho chamado “brigadeiro” – feito e vendido pelas correligionárias para patrocinar suas campanhas políticas – e o refrão “Vote no Brigadeiro, é bonito e é solteiro”. Mas essas graças não são as únicas a temperar a narrativa de O Brigadeiro – Eduardo Gomes, trajetória de um herói. Exímio contador de histórias, Cosme De-
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genar Drumond construiu uma obra à altura do homem e do militar, que, inexplicavelmente, permanecia quase meio século esquecido dos biógrafos e dos historiadores. A produção do livro recebeu apoio cultural do Comando da Aeronáutica e das empresas Embraer, Helibras, Infraero, Atech e Jairo Cândido e Advogados Associados.
A partir da esquerda, oficial do Corpo Feminino da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, o autor e o brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica
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Fotos EDA/divulgação
efemérides
Em maio, mais exatamente no dia 14, a Esquadrilha da Fumaça da Força Aérea Brasileira completará 60 anos de sua primeira apresentação, ocorrida no Rio de Janeiro. Em 1952, quando a capital carioca era também Distrito Federal e capital do país, o esquadrão, iniciado informalmente, fez seu primeiro voo de demonstração para visitantes estrangeiros que eram recebidos na Escola de Aeronáutica. As aeronaves utilizadas eram os North American T-6 Texan, fabricados sob licença no Brasil. A fumaça, porém, que permite ao público a visualização perfeita das acrobacias, foi introduzida apenas no ano seguinte, com as aeronaves sendo dotadas de um tanque de óleo especialmente para essa finalidade. Operando aviões T-27 Tucano da Embraer desde 1983, o Esquadrão de Demonstração Aérea (EDA), hoje composto por 13 pilotos e uma equipe de mecânicos da FAB, está sediado no Ninho das Águias, isto é, a Academia da Força Aérea, em Pirassununga, interior de São Paulo. A comemoração do Jubileu de Diamante dos “Fumaceiros”, marcada para 12 e 13 de maio em Pirassununga, está sendo organizada com o maior show aéreo do país e terá a presença de esquadrilhas civis e militares de vários países, aviões de combate, helicópteros e espetáculos musicais para mais de 100 mil pessoas. Entre as muitas funções do EDA, estão a de representar o país e a FAB no exterior, como instrumento diplomático, sua atuação no Brasil objetiva difundir a excelência técnica da arma e estimular vocações aeronáuticas.
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