Número 8 - Ano I

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R$ 14,90

ENTREVISTA JAIRO CÂNDIDO Diretor-titular do Comdefesa “O que interessa ao Brasil não é de interesse apenas do governo, mas também da indústria.”

SISTEMA ASTROS

Acordo bilateral

Glonass, sistema russo de navegação por satélite, acompanha venda de armamentos

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Marinha do Brasil

Abaixo os vícios históricos da indústria Nos anos 1970, a indústria de defesa do Brasil ganhou destaque no comércio internacional. Abriu-se um período de excelentes receitas, apogeu da tecnologia brasileira e, segundo executivos que atuaram na promoção do produto nacional, convívio pouco profissional entre as empresas que disputavam mercados. Principalmente as de maior expressão. Era cada uma por si e a falta de ética predominava. Até que veio a crise mundial pós-Guerra Fria e quase todas se desmantelaram. Naquela ocasião, não havia política de Estado para o setor. Hoje, quando o governo trata o segmento como indispensável ao desenvolvimento do país, o cabo de guerra, que parecia extinto, surpreende e desagrada. Se uma entre dez concorrências não for arrebatada pelos grupos dominantes, logo são impetrados processos judiciais questionando a vencedora e pondo em dúvida a competência do governo na elaboração de requisitos em licitações. Há casos que levaram ao cancelamento da concorrência, com equipamento similar adquirido no exterior. Eis um desafio que compete ao governo superar, adotando medidas rigorosas e requisitos que não deixem brechas a dúvidas nos resultados licitatórios, sob pena de enfrentar dificuldades recorrentes para disciplinar o segmento estratégico. Exemplos podem ser seguidos: basta observar o processo nos países desenvolvidos, onde indústrias maduras se afinam com o interesse nacional. Uma autoridade de alta patente militar, cujo nome é preservado a pedido, elencou para DEFESA LATINA uma série de vícios e restrições que envolvem a indústria de defesa. Ao final, sugeriu à revista dar o recado: a indústria precisa olhar com objetividade os interesses do Brasil, e não apenas os seus próprios, e “contribuir efetivamente no processo de modernização das Forças Armadas e de reorganização do setor produtivo”. As entidades que trabalham na formulação do novo parque de defesa brasileiro têm colaborado, oferecendo sugestões de alto conteúdo e valor estratégico. É fundamental, portanto, a união das empresas, pois o que está na mira é o bem do país. Recado dado

Mirian Paglia Costa Editora

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DEFESA LATINA Ano 3 Nº 8 Editora Mirian Paglia Costa MTB Nº 12.637 mirianpaglia@gmail.com Diretor de Redação Cosme Degenar Drumond degenar@terra.com.br Diretora de Marketing e Publicidade Helena Maria Alves helena@editoradecultura.com.br Diretor de Arte Yves Ribeiro Filho Conselho Editorial João Lins de Albuquerque, Maura Sylvia Pasculli de Curci, Tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla Impressão Assahi Distribuição Fernando Chinaglia Distribuidora Ltda.

DEFESA LATINA é uma publicação da Editora de Cultura Ltda. Endereço para correspondência Avenida Sapopemba, 2.722, 1º andar CEP 03345-000 – São Paulo, SP – Brasil Telefone: 55 11 2894-5100 e-mail: sac@editoradecultura.com.br Empresa associada à

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EDITORIAL RADAR COMÉRCIO BILATERAL Os russos estão chegando! Com armamentos e sistema de de navegação por satélite (Glonass), que compete com o GPS norte-americano, os russos se apresentam como parceiros em defesa e outros campos EXÉRCITO A força da nossa força O Exército Brasileiro se apronta para estar à altura do novo papel do país no mundo Capa Projeto Astros 2020 o novo sistema de apoio de fogo do Exército será elevado do nível tático para o nível estratégico, e a empresa Avibras poderá voltar às glórias passadas. OPERAÇÕES DE PAZ Unifil: novas etapas da diplomacia solidária Pela terceira vez consecutiva, a Marinha do Brasil assume a liderança das forças navais da ONU na missão de paz do Líbano. INDÚSTRIA DE DEFESA O panorama agora é outro Jairo Cândido, diretor-titular do Comdefesa, Departamento da Indústria de Defesa da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), situa o novo momento de destaque do Brasil no mundo AERONÁUTICA A voz e a visão da experiência Uma ampla análise da Arma pelo tenente-brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo, que afirma: “Não faz guerra quem depende do outro”. HOMENAGEM Um homem chamado Neiva Brasil perde José Carlos de Barros Neiva, líder de uma das mais antigas fábricas de aeronaves da América do Sul, hoje pertencente ao Grupo Embraer. PROGRAMA ANTÁRTICO Canteiro de obras no gelo Operantar 31 animou verão ao sul do planeta com desmontagem de estruturas da Estação Comandante Ferraz, montagem de módulos e pesquisas, enquanto a nova base começa a ser desenhada ARTIGO O incompreendido legado tecnológico militar brasileiro O risco de cometer antigos erros no momento de retomada da indústria de defesa brasileira. EFEMÉRIDES Aiab 20 anos, rumo à maioridade


Avibras

Sistema Astros: Tiro de foguete AV-SS-60

Fragata Constituição, atual navio capitânia da Força-Tarefa Marítima da Missão de Paz da ONU no Líbano

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Trajetória de um herói

Ficou muito bom [o número 7]. Texto correto e diagramação leve. Parabéns. Paulo Cruz Campo Grande (MS)

Obrigado pela revista. As matérias são ótimas. Adenir Viana Florianópolis (SC)

Ao agradecer pela especial consideração de enviar-me um exemplar da conceituada revista DEFESA LATINA, parabenizo os integrantes da equipe pela qualidade gráfica e, sobretudo, pelos temas interessantes e atuais abordados. Maj Brig Ar Luis Antônio Pinto Machado Comandante do II Comar Recife (PE)

Fazia meio século que faltava ao Brasil uma biografia moderna e bem pesquisada do Patrono da Força Aérea Brasileira e criador do Correio Aéreo Nacional, o Brigadeiro Eduardo Gomes. Nesta obra, o herói dos 18 do Forte aparece de corpo e alma, com sua capacidade de líder civil e militar e sua personalidade de benfeitor dos necessitados. Um homem admirável, que arriscou tudo, inclusive a vida e a carreira, a serviço da Pátria.

Editora de cultura Livros que duram

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Arevista DEFESA LATINA publica informações variadas e interessantes a respeito da aviação brasileira, destacando neste número [7] a nossa Base Aérea. Grato e vida longa para a nossa revista. Heitor Freire Campo Grande (MS)

Parabéns pelas revistas DEFESA LATINA nº 6 e 7. Alto padrão. BRAVO ZULU! Um grande abraço. Vice-almirante Savio Almeida Nogueira Diretor, Diretoria do Pessoal Militar da Marinha

Para enviar mensagens à revista, e-mail: sac@editoradecultura.com.br. Por razões de espaço ou clareza, poderão ser publicadas resumidamente.


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EB: Separando Logística de Administração

Brasil terá banco de DNA do crime

No dia 5 de fevereiro, o comandante militar do Oeste, general João Francisco Ferreira, participou da solenidade de implantação do núcleo do 9º Grupamento Logístico (Nu 9º Gpt Log), realizada no 18º Batalhão Logístico (18º B Log), primeiro Grupamento Logístico implantado em um Comando Militar de Área. Na ocasião, foi oficializada também a assunção do comando do núcleo pelo coronel Aloísio Lamim, que foi subcomandante do Batalhão de Infantaria da Força de Paz (Brabatt) do Brasil no Haiti. O Nu 9º Gpt Log é originário do Escalão Logístico da 9ª Região Militar (9ª RM), que enquadra as organizações militares logísticas dessa região: o 9º Batalhão de Suprimento, o Parque Regional de Manutenção/9 e o 18º Batalhão Logístico. Inicialmente, o núcleo ficará subordinado à 9ª RM, ocupando as instalações do 18º B Log. Depois, em 2015, terá instalações próprias a serem construídas na área do complexo logístico do 18º B Log e do Parque Regional de Manutenção/9. De acordo com o noticiário divulgado pelo Exército, essa novidade atende à Portaria 212/12 do Estado-Maior do Exército, que aprova a diretriz para implantação do projeto piloto de separação dos ramos administrativo e logístico da força terrestre. De acordo com informações do jornal Correio Braziliense, está pronta a estrutura do banco nacional de DNA de criminosos, fundamental para modernizar as investigações no Brasil. Para que entre em funcionamento, falta apenas a assinatura da presidente Dilma Rousseff. Considerada uma aliada poderosa da polícia e amplamente usada no exterior, até mesmo para elucidação de casos arquivados, a ferramenta já poderia ter apontado os autores de diversos delitos, segundo o jornal, pois o decreto que regulamenta a lei de criação do cadastro nacional de DNA, se encontra na Casa Civil desde dezembro de 2012. Pela legislação em vigor, é obrigatória a identificação genética de condenados por crimes hediondos ou crimes violentos contra a pessoa, como homicí-

dio, extorsão mediante sequestro e estupro. Suspeitos também poderão ter o material biológico recolhido por determinação judicial. No entanto, isso tudo só se tornará operacional após a publicação das regras contidas no decreto. Depois de assinada a regulamentação, a Polícia Federal passará a gerenciar o banco genético nacional, encarregando-se de cruzar dados de DNA colhidos nos estados – 15 deles já têm estrutura pronta para isso – com os contidos no sistema. Se houver coincidência, a PF se comunicará com os encarregados da investigação local. Bancos genéticos desse tipo estão em uso em 30 países, e a ferramenta é considerada urgente para o Brasil não apenas pelos altos índices de violência, mas também pela questão da impunidade. Segundo o Conse-

Arquitetura do Codis nos EUA: Agência nacional (NDIS) centraliza as agências dos estados (SDIS) e dos municípios (LDIS), um modelo de sistema federativo aplicável ao Brasil 8

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ACS Aviation ACS Aviation

Pioneirismo em veículos elétricos O ACS 100 Sora a combustão logo será elétrico

General João Francisco Ferreira

lho Nacional do Ministério Público, menos de 20% dos crimes de homicídio terminam com alguém denunciado. Ou seja, mais de 80% dos inquéritos acabam arquivados no Brasil. O Sistema Combinado de Índices de DNA (Codis, em inglês), base de dados criada pela polícia federal dos Estados Unidos, o FBI, foi doado pelos norte-americanos às agências brasileiras que tenham interessse em adotá-lo como software operacional, a exemplo do que já ocorreu em outros países. Como o Brasil tem estrutura federativa, as unidades forenses dos municípios e dos estados brasileiros se multiplicariam até cobrir todo o país, todas elas se ligando ao órgão central. Nos EUA, o sistema Codis está presente em 45 estados, abrangendo mais de 90% da população norte-americana.

Quando fez seu primeiro voo com o ACS 100 Sora, em junho de 2008, a ACS Aviation, de São José dos Campos, marcou 2013 como o ano em que estaria fabricando pelo menos 10 aviões do tipo, destinados sobretudo ao mercado norte-americano. Pois esta é a mesma data em que o pequeno, leve e moderno modelo esportivo deverá se transformar no primeiro avião elétrico brasileiro, no quadro do Projeto Veículo Elétrico (VE) da Itaipu Binacional e parceiros. Para isso, a Itaipu, uma das maiores geradoras de energia limpa e renovável do mundo, fechou acordo com a ACS em novembro do ano passado, interessada em agregar conhecimento sobre materiais compostos e resistentes para redução do peso dos protótipos, pois know-how em motores elétricos ela já detém. De acordo com o engenheiro Celso Novais, coordenador do Projeto VE, o Brasil quer sair na frente na produção de aviões elétricos no mundo com tecnologia aeronáutica própria, assim como já faz com automóveis, caminhões leves, ônibus e pretende fazer com o veículo leve sobre trilhos (VLT) – todos com tração elétrica e, por isso, chamados de “veículos verdes”. Depois que técnicos do Projeto VE acompanharam testes com o Sora em São José dos Campos e levantaram informações sobre a potência necessária para o avião decolar e taxiar na pista, começou, já em Itaipu, a construção em bancada da estrutura elétrica a ser incorporada ao protótipo. Se tudo der certo, o primeiro avião elétrico brasileiro – e, segundo Novais, da América Latina – vai decolar da pista de Itaipu, na margem paraguaia da usina, em agosto de 2013. “O nosso avião terá as mesmas características dos mais avançados produtos que estão sendo feitos no mundo. Porque, neste segmento, todos estão começando e não tem ninguém que esteja muito à frente. Portando, nós poderemos também ser uma das referências”, destacou Novais. “No mundo, apenas a Nasa possui um projeto similar. E posso garantir que estamos em pé de igualdade com eles”. Além do avião, o Projeto VE também já iniciou estudos para desenvolver o primeiro VLT elétrico do Brasil. Hoje, o único VLT produzido no país, pela cearense Bom Sinal, tem motor a diesel e biodiesel. DEFESA LATINA

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Gomes Machado, Paulo Bruna arquitetos

ONU constrói sede em Brasília

Primeiro prédio da sede da Organização das Nações Unidas em Brasília

Antonio Cruz/Agência Brasil

O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, e o coordenador residente do Sistema ONU no Brasil, Jorge Chediek, inauguraram em 9 de dezembro do ano passado a Casa das Nações Unidas - Complexo Sérgio Vieira de Mello.

O ministro Antonio Patriota e o coordenador do Sistema ONU no Brasil, Jorge Chediek, inauguram placa que homenageia Sérgio Vieira de Mello

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Trata-se da primeira edificação da projetada sede da Organização das Nações Unidas no Brasil, na qual deverão operar o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, conhecido pela sigla do inglês IPC-IG, o Protocolo de Montreal e o Departamento de Segurança da ONU (UNDSS). No futuro, após a construção dos outros prédios, ficarão lá todas as agências e programas da ONU presentes na capital federal. Com área de 3.135 metros quadrados, a construção do primeiro módulo foi estimada em pouco mais de 5 milhões de dólares, sendo 2/3 provenientes de dívida paga pelo governo brasileiro à entidade e o restante pela própria ONU, que já mantém outras 60 sedes como essa espalhadas pelo mundo.

Com isso, toma corpo um projeto que teve início há quatro décadas, quando o governo do Distrito Federal cedeu o terreno de 150m x 150m para a implantação do complexo da ONU, que ressalta a relevância do país no cenário mundial de cooperação internacional, segundo Chediek. Nos primeiros anos da década de 2000, o Pnud lançou concurso de arquitetura para selecionar o projeto da sede local da ONU, a ser implantada no Setor de Embaixadas Norte. A proposta vencedora, dos escritórios liderados por Lúcio Gomes Machado (FAU/ Mackenzie, 1969) e Paulo Bruna (FAU/ USP, 1964), chegou a ter sua construção iniciada na época, mas, pouco tempo depois, dificuldades financeiras levaram à suspensão do projeto. Agora readequado, o programa construtivo dá ênfase ao desempenho ambiental, favorecendo iluminação e ventilação naturais. “A Casa da ONU vai ser uma espécie de âncora e vai atrair outras embaixadas a construir escritórios aqui. É uma região privilegiada pela proximidade com as estruturas governamentais”, defende o administrador regional de Brasília, Messias de Souza, entusiasmado com a ideia de Chediek de criar um Parque das Nações Unidas, abrangendo outras agências da ONU, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), cujas sedes estão implantadas em áreas contíguas à da nova sede da entidade no Brasil.


Grandes eventos: equipamentos e equipes No dia 25 de janeiro, foram iniciados os trabalhos de audiência pública do Ministério da Justiça no auditório da Agência Espacial Brasileira, em Brasília, para as tratativas de aquisição de sistemas de alta tecnologia para os grandes eventos esportivos que ocorrerão no Brasil – Jornada Mundial da Juventude (que deverá ter a presença do novo papa) e Copa das Confederações, em 2013, Copa do Mundo de Futebol de 2014 e Olimpíadas de 2016. Foram seis dias de audiência, com intensa participação de um significativo elenco de empresas interessadas, encerrados já no primeiro dia de fevereiro. Na ocasião, a Secretaria Especial de Grandes Eventos Esportivos apresentou o processo de compras e foi divulgado o projeto da Polícia Federal, que pretende adquirir um centro de sistema de comando e controle. O orçamento federal para segurança em grandes eventos é R$1,8 bilhão, sendo que R$1,1 bilhão é apenas do Ministério da Justiça. A integração entre os órgãos de segurança do governo federal e dos estados é um dos principais objetivos da secretaria. Responsável pela integração das polícias dos estados cujas capitais sediarão os jogos da Copa com as Polícias Federal e Rodoviária Federal e com a Força Nacional de Segurança Pública, a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos tem ainda por missão promover a interação com as polícias estrangeiras, como a Interpol. O

processo de articulação envolve ainda outros órgãos, como Anvisa, Corpo de Bombeiros, Defesa Civil e concessionárias de energia. Para tanto, serão criados dois centros de comando nacionais, em Brasília e em Belo Horizonte, que serão interligados aos centros de controle das demais cidades-sedes. Foi anunciado no dia 27, dessa vez pelo Ministério do Esporte, o início da fase virtual de treinamento dos voluntários inscritos para trabalhar nos grandes eventos, marcado para março. Os 7 mil jovens do Programa Brasil Voluntário serão treinados por meio de um software que é um

Encerrada a fase de treinamento virtual, os participantes serão avaliados e os selecionados participarão de treinamentos específicos nas seis cidades: Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Mais adiante, serão treinadas e selecionadas outras 4,9 mil pessoas, que poderão participar do evento de abertura, em Brasília, e de encerramento do torneio, no Rio de Janeiro. Antes disso, ao longo de 2012, cerca de 500 policiais federais, civis e militares dos estados-sedes foram treinados na capital federal por policiais norte-americanos, graças a

jogo com conteúdos sobre história do Brasil e das Copas, cultura local e informações turísticas das cidades-sedes, como localização de marcos importantes, data de fundação, personagens de destaque, noções básicas de inglês e de espanhol, técnicas de recepção e orientação aos turistas, além de iniciativas públicas de esporte e ações de voluntariado.

par­ceria entre o Ministério da Justiça e o governo dos Estados Unidos, em 13 cursos abrangendo gestão de segurança em grandes eventos, sistema de comando de incidentes, gestão em controle de fronteiras, segurança de autoridades, riscos químicos, biológicos, radiológicos e nucleares entre outras disciplinas. DEFESA LATINA

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Irã lança macaco ao espaço

Visto na TV: o foguete Kavoshgar, que teria levado um macaco ao espaço.

“A República Islâmica do Irã enviou um macaco ao espaço a bordo de uma biocápsula de fabricação própria. Trata-se do prelúdio para o envio de humanos ao espaço”, anunciou no dia 28 de janeiro em seu website a Agência Noticiosa da República do Irã (Irna, na sigla inglesa). A notícia, com imagens levadas ao ar pela televisão estatal do país, detonou uma corrida entre agências e veículos da imprensa internacional para verificar a verdade do fato. Muitos, entre eles algumas fontes dos EUA, garantiram que se tratava de mentira, o que não evitou que fontes do governo aventassem a possibilidade de o foguete iraniano servir a mísseis de longo alcance. Outros divulgaram que o Irã havia mostrado um macaco escuro primeiro e depois um cinza com uma mancha vermelha no supercílio, alegando que bastaria isso para duvidar do anúncio. O Irã veio a público para confirmar o êxito da operação. Segundo a Agência Reuters, a cápsula atingiu 120 quilômetros de altura e voltou com sua carga intacta. O lançamento não foi o primeiro. De acordo com a Agência France Presse, o Irã colocou seu primeiro satélite em órbita em 2009. No ano seguinte, um lançamento suborbital conduziu um roedor, duas tartarugas e alguns invertebrados. Em setembro de 2011, o pretendido lançamento de um macaco fracassou. O governo iraniano continua afirmando que seu programa nuclear é pacífico. O mesmo não afirma a Coreia do Norte, que lançou um foguete de longo alcance em dezembro de 2012 e realizou seu terceiro teste nuclear em fevereiro passado. Os EUA,em resposta, determinaram mais arrocho econômico ao país, ao passo que o governo de Pyongyang declarou que não recuará de sua política nuclear em troca de concessões econômicas. 12

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Brasil desponta em

modelagem climática A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), organizou um workshop na capital paulista para anunciar uma importante conquista: o Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM, sigla de Brazilian Earth System Model), com o qual contribui para as discussões mundiais sobre o futuro climático do planeta. Foi no dia 19 de fevereiro, quando, diante de um convidado muito especial, o professor Guy Brasseur, diretor do Centro de Serviços Climáticos (CSC) da Alemanha e ex-diretor do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (NCAR) dos Estados Unidos, pesquisadores dos programas da área de mudanças climáticas, biodiversidade e bioenergia, apoiados pela agência de fomento, participaram da apresentação do modelo, que vinha sendo desenvolvido desde 2008 por cientistas do Centro de Ciências do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e pelo Programa Fapesp de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). Participam também dos trabalhos a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC). Por seu ineditismo, as informações produzidas pelo modelo climático brasileiro devem ser incorporadas ao AR5 – quinta edição do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com lançamento previsto para o segundo semestre –, dando ao Brasil o título de primeiro país da América Latina e único do Hemisfério Sul, depois que a Austrália adotou a modelagem britânica, a contribuir para os modelos de mudanças climáticas globais produzidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). O projeto produzirá informações sobre fenômenos climáticos tropicais do continente sul-americano e do Brasil em especial, ainda insuficientemente conhecidos na comunidade internacional. Entre eles, contam-se a variação de temperatura das águas do Atlântico Sul e o desmatamento da Amazônia, do Cerrado e de outros biomas brasileiros, que podem trazer consequências climáticas continentais e até globais. No âmbito interno, o BESM permitirá aprimorar a capacidade de previsão do tempo e da ocorrência de eventos climáticos extremos, além de contribuir para a formação de uma nova e mais numerosa geração de pesquisadores capaz de produzir ciência de qualidade na área. Toda a matemática relativa às previsões é processada no supercomputador Tupã, máquina de R$ 50 milhões adquirida com verbas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Fapesp.

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Francisco Leão / Jornal Atual

“Indústria da defesa é sobretudo a indústria do conhecimento”, afirmou Dilma ao inaugurar a Unidade Ufem, em Itaguaí (RJ)

Inaugurado o ninho dos submarinos brasileiros (Ufem), em Itaguaí (RJ), no dia 1º de março. Participaram também da solenidade o ministro da Defesa, Celso Amorim, o embaixador da França no Brasil, Bruno Delaye, os comandantes da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto, da Aeronáutica, Juniti Saito, brigadeiro do Exército, general Enzo Peri e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Blog da Presidência

A presidente da República, Dilma Rousseff, que já havia prestigiado o corte simbólico da primeira chapa de aço para construção do casco do submarino brasileiro, o S-BR1, da classe Scorpène, participou de um novo marco no Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub): a inauguração da Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas

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Cabral, além de autoridades civis e militares do Brasil e da França, já que o empreendimento resulta do Consórcio Baía de Sepetiba, formado pela empresa francesa Direction des Constructions Navales et Services (DCNS) e a construtora brasileira Odebrecht. A Ufem é uma obra com 55 mil metros quadrados de área construída, composta de prédio principal, almoxarifado, paiol de Inflamáveis, central de utilidades e área de administração, além de 29 mil metros quadrados de área pavimentada. Mais de 5 mil pessoas trabalharam no canteiro de obras da unidade, considerada um marco na execução do Prosub, que constitui o mais importante projeto em desenvolvimento pela Marinha. O complexo levou três anos para ser aprontado. De acordo com as autoridades da Marinha, o processo de constru-


ção dos submarinos se inicia na Nuclebras Equipamentos Pesados (Nuclep), que domina a tecnologia de fabricação de cascos resistentes para produção em série de submarinos. Com processos próprios de soldagem e fabricação, a empresa inaugurou em 1993 o Tamoio, primeiro submersível produzido no país, e fabricou mais três: Tapajó, Timbira e Tikuna. Em seguida, as seções são transferidas para a Ufem agora inaugurada, onde recebem estruturas, equipamentos e componentes internos. Assim equipadas, as seções são deslocadas para o estaleiro, onde é executado o acabamento final e feita a união das seções. Depois de pronto, o submarino é submetido às provas de cais e de mar. Nesse andamento, caberá à Itaguaí Construções Navais (ICN), constituída pelas mesmas empresas, ocupar o estaleiro com exclusividade para fabricar os cinco submarinos previstos pelo contrato França-Brasil. O conjunto Ufem-base navalestaleiro está orçado em R$ 7,8 bilhões, com desembolsos até 2017, ano em que deverá entrar em operação o primeiro dos submarinos convencionais, ao passo que o cronograma do nuclear indica apronto para 2023, com mais dois anos de testes antes da entrada em operação. Em paralelo, no Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), desenvolve-se a parte nuclear do projeto, que não envolve tecnologia francesa. O Prosub foi orçado em R$ 15 bilhões, R$ 4 bilhões a mais do que o orçamento destinado à aquisição dos 36 caças para a Força Aérea Brasileira do Projeto FX-2.

Projeto Vant da PF em crise Depois de 20 meses paradas, as aeronaves do Projeto Vant do Departamento de Polícia Federal (PF) voltaram a funcionar em dezembro 2012 e janeiro 2013, mas voaram um total que não chegou a 100 horas – menos de uma hora diária na média – e basicamente para treinamentos dos pilotos, denunciou em 20 de fevereiro a Agência Fenapef, isto é, da Federação Nacional dos Policiais Federais. Segundo apurado pelos repórteres da agência, a decolagem das aeronaves somente foi possível devido a um acordo entre o Ministério da Justiça e o fabricante, Israel Aerospace Industries (IAI), para que a prestação de serviços de manutenção das aeronaves não tripuladas fossem realizadas sem ônus para o DPF. O problema começou em 2011, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) iniciou investigações sobre alegadas irregularidades no andamento do Projeto Vant da Polícia Federal e anunciou que contratos e atividades correlacionadas seriam auditados pela corte. Em maio de 2012, a direção-geral do DPF determinou o sobrestamento de todo o projeto, incluindo novas aquisições de aeronaves e equipamentos, formação de tripulações, compra de softwares específicos de imageamento e outras ações essenciais ao programa. “De lá para cá, o Vant da PF morre à míngua”, diz a matéria, que também registra: “Agora, com a proximidade das eleições de 2014, o governo iniciou a pressão para que, de qualquer maneira, o Vant do DPF volte a voar, mesmo que precariamente e sem produzir nada”. No período de paralisação, as aeronaves permaneceram mais dentro dos hangares de São Miguel do Iguaçu (PR) do que no ar. A revista IstoÉ, em sua edição de 28 de setembro do ano passado, já havia denunciado a situação, relatando que haveria conflito de interesses envolvendo a direção da PF e o Comando da Aeronáutica em relação ao projeto. O problema, segundo uma fonte da Agência Fenapef, é que, em curto e médio prazos, não há condições mínimas para os drones da PF, os Heron I, se tornarem plenamente operacionais, porque faltariam instalações físicas, pilotos, autorização de uso de frequências, links de satélites e autorizações de sobrevoos. “O pior é que, pelo que tudo indica, o que seria mais uma ferramenta a ser utilizada pelo DPF para patrulhar as fronteiras e garantir a segurança dos jogos nas cidades da Copa do Mundo de 2014 pode se transformar em um grande fiasco”, conclui a reportagem. DEFESA LATINA

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Treinadores da Marinha dos EUA em reforma

Um Nobel asiático

Empresa internacional especializada em defesa eletrônica e sistemas eletro-ópticos, a israelense Elbit Systems comemorou, no início de março, a contratação de sua subsidiária norte-americana M7 Aerospace como provedora de suporte logístico (CLS) para as aeronaves de treinamento T-34C, T-44A e T-44C, T-6A e T-6B da Marinha dos Estados Unidos. Os trabalhos, que terão duração de cinco anos, estão avaliados em cerca de US$ 50 milhões. O negócio é, na verdade, uma subcontratação feita pela BAE Systems, que conquistou o projeto licitado pelo Naval Air Systems Command (Navair). Além da parte a ser executada pela M7 Aerospace, o programa envolve inspeção, reparação e modificações em mais de 300 aeronaves do Navair e poderá chegar a US$ 400 milhões. As equipes trabalharão em três bases aéreas da Marinha: Corpus Christi, no Texas; Pensacola, na Flórida; e Whiting Field, também na Flórida.

WWAM

O amarelinho T-34 da Marinha dos Estados Unidos, voando em companhia de um avião da Força Aérea norte-americana

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Samuel Yen-liang Yin, dono do Grupo Ruentex de investimentos e uma das maiores fortunas de Taiwan, lançou no final de janeiro o Prêmio Tang, logo apelidado de “Prêmio Nobel da Ásia”. Enquanto o Nobel sueco entrega anualmente US$ 1,2 milhão aos premiados nas áreas de física, química, fisiologia ou medicina, literatura e paz, o Tang dará bienalmente US$ 1,7 milhão a personalidades ou instituições de qualquer nacionalidade com destaque em desenvolvimento sustentável, ciências biofarmacêuticas, sinologia (exceto literatura chinesa) e direito, áreas consideradas fundamentais para o desenvolvimento social da humanidade. O futuro do prêmio, denominado a partir da brilhante Dinastia Tang (628-907 E.c.), será garantido com um fundo de US$ 101 milhões, doação à Tang Prize Foundation, instituída pelo bilionário, que pretende dar visibilidade a Taiwan na comunidade científica mundial. A Academia Sínica, a mais eminente instituição de pesquisa do país, indicará os candidatos e anunciará a premiação inaugural em 18 de junho de 2014. Quem sabe agora o Brasil, que jamais emplacou um Nobel, melhore suas chances de reconhecimento científico?


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comércio bilateral

Muay Thai

João Lins de Albuquerque

A bandeira do comando supremo das Forças Armadas da Federação Russa e o símbolo do país, o urso, em versão militar

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Depois de décadas de afastamento, a dinâmica da cooperação Rússia-Brasil se amplia na área da defesa


centenas de filmes de guerra e espionagem demonizando a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), seu regime comunista e seu poder nuclear. Hoje, embora alguns ainda continuem alimentando certa desconfiança dos russos, a situação real mudou extraordinariamente. Por

tratar-se de uma invasão russa, e por pouco o incidente não desemboca na Terceira Guerra Mundial. Assim eram, nas décadas de 1960 e 1970, o preconceito e o temor ocidental diante da ameaça militar soviética. Tão grandes que até argumentos surreais como esse geraram, em Hollywood,

um lado, a própria Rússia deixou de ser a todo-poderosa União Soviética, que dividia a liderança do mundo com os EUA. Por outro, no contexto da nova ordem mundial – leia-se globalização –, mesmo os países da antiga Cortina de Ferro disputam participação no mercado, assim como a

China, que, com seu “capitalismo de Estado”, se tornou parceira de destaque do Brasil. No país, são exemplos disso também o desenvolvimento das relações com a Federação Russa e com a Ucrânia após o colapso do comunismo. Vale lembrar que são de 2003 o primeiro pacto de transferência tecnológica e militar do Brasil com a Rússa e de 2005 a assinatura da Aliança Estratégica Brasil-Rússia, firmada pelos presidentes Vladimir Putin e Luiz Inácio Lula da Silva, quando da visita do brasileiro a Moscou. Em 2006, Brasil e Ucrânia juntaram-se com o objetivo de reativar o Centro Espacial de Alcântara e ganhar dinheiro com lançamentos de foguetes. A passagem pelo Brasil do primeiro-ministro da Rússia,

Vitaly V. Kuzmin / WikiC

Na comédia de guerra Os russos estão chegando! (EUA, 1966), um comandante soviético, desejando visitar os Estados Unidos, encalha de propósito seu submarino próximo à costa norte-americana, mas não consegue ajuda para fazer seu passeio: apavorados, os habitantes da região acreditam

Bateria S-300 DEFESA LATINA

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Carne, soja e mísseis Qualificados por Moscou e Brasília como “relações amistosas e mutuamente benéficas”, esses laços renderam quase US$ 7 bilhões somente em 2012, embora a exportações brasileiras de carne e soja para os russos estejam prejudicadas. Não constitui surpresa, porém, que a percepção russa, no momento, seja de que essa cooperação bilateral poderá ser ainda mais intensa e profícua. Sobretudo, segundo analistas, na área tecno-militar, como sinaliza o contrato para fornecimento ao Brasil de sistemas de defesa antiaérea, totalizando cerca de US$ 1 bilhão. Cada vez mais próximos em termos políticos – vide a recusa de uma solução militar para a crise da Síria, a defesa de maior participação dos países emergentes em órgãos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e até o projeto de criação de um Banco de Desenvolvimento dos BRICs –, os dois governos querem agora promover investimentos conjuntos e ampliar, de facto, o valor agregado do comércio bilateral, hoje ainda concentrado mais em produtos básicos e commodities, sobretudo no caso brasileiro. Não é por acaso que os observadores do comércio exterior não hesitam em dizer que o Brasil está comprando tecnologia de defesa para tentar vender produtos 20

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primários, isto é, convencer os russos levantar as restrições fitossanitárias impostas à carne nacional. Assim foi entendido o alcance das negociações bilaterais de 20 de fevereiro de 2013, mantidas no Distrito Federal entre a presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro Dmitri Medvedev e por eles próprios definidos como algo que deverá favorecer de forma equilibrada as duas nações. Nos debates da Comissão de Alto Nível Brasil-Rússia, reunião comandada pelo primeiro-ministro russo e pelo vice-presidente Michel Temer, o futuro da cooperação no campo energético, inclusive nuclear, foi um dos temas de maior repercussão. O Brasil convidou a Rússia a participar como fornecedora de equipamentos ou de assessoria técni-

ca no processo de construção do futuro reator nuclear brasileiro multipropósito, cujo projeto vem sendo desenvolvido pela Marinha. Referindo-se às novas possibilidades de intercâmbio, Andrei Beloussov, ministro russo do Desenvolvimento Econômico, aposta na possibilidade de os dois países iniciarem em futuro próximo a cooperação em áreas tecnologicamente sofisticadas. Nesse sentido, os investidores russos têm planos para implementar no Brasil projetos cujo valor varia de € 200 milhões a € 1 bilhão. Pretendem cooperar em construção de usinas hidrelétricas e fotovoltaicas, produção de hidrocarbonetos, assim como investir nas áreas de informática, biotecnologia e produtos farmacêuticos. Apesar do cenário encorajador, Vitaly V. Kuzmin / WikiC

Dmitri Medvedev, em fevereiro, inaugurou uma fase que pretende ser ainda mais significativa na dinâmica dessas relações.

Brasil deve adquirir três sistemas de mísseis de defesa aérea Pantsir S-1


ocorrer 18 meses após a assinatura do contrato, cuja elaboração demora de três a quatro meses – ou seja, algo em torno de dezembro de 2014. O Brasil exige que empresas nacionais participem do fornecimento de componentes – como blindados lançadores – e sejam também beneficiárias da transferência tecnológica, principalmente no que se refere aos sistemas de inteligência, detecção e disparos contra alvos aéreos. Também será formada uma joint venture para produção dos misseis Igla-S. Estão ligadas ao negócio as empresas Odebrecht Defesa e Tecnologia, Embraer Defesa e Segurança, Avibras Aeroespacial, Mectron e Logitech. Mas haverá offset mesmo? Ao responder se a Rússia estaria pronta a admitir que os industriais brasileiros tenham

acesso a tecnologias da sua indústria militar e aos respectivos métodos de treinamento, Medvedev sugeriu a criação de joint-ventures, justificando: “No mercado de armamentos, a Rússia é um dos atores básicos. Se desenvolvermos a cooperação em qualquer área, incluindo a esfera técnico-militar, estaremos prontos a compartilhar as tecnologias; mas este processo deve ser mutuamente vantajoso. Não vale a pena entregar a tecnologia e perder o dinheiro”. Para evitar entregar o outro e perder o cliente, o russo sugeriu a criação de joint ventures, “empresas conjuntas que podem ser úteis para ambos os países”. E completou: “Se os nossos parceiros brasileiros tiverem algumas ideias a esse respeito, estamos prontos a analisá-las”. Vitaly V. Kuzmin / WikiC

é no campo da defesa que residem as maiores expectativas. Os equipamentos de defesa a serem comprados pelo Brasil, calculados em muitos milhões de dólares, envolvem aquisições de três baterias de alta tecnologia e médio alcance do sistema de mísseis de defesa aérea Pantsir S-1, com capacidade para atingir de 3 a 15, e duas baterias do sistema de curto alcance dos mísseis portáteis Igla, capazes de destruir aviões de combate em pleno voo, a partir de qualquer direção. De acordo com o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMFA), general José Carlos de Nardi, que iniciou as negociações com os russos um mês antes do encontro dos mandatários em Brasília, a entrega dos equipamentos deve

Alex Beltyukov / WikiC

Sukhoi Su-35S, que os russos acreditam poder voltar ao programa de aquisição de caças FX-2 para a Força Aérea Brasileira

O sistema de defesa aérea Pantsir-S1 montado sobre tanque, Buk-M1-2 e Tor-M2E-1 DEFESA LATINA

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O BOM FUTURO DA COOPERAÇÃO RUSSO-BRASILEIRA Para o Centro de Análise de Comércio Internacional de Material de Guerra (Cacimg), instituição russa que estuda o volume de produção, exportação e importação de produtos bélicos no mundo, o Brasil poderia transformar-se oportunamente num dos grandes parceiros dos russos no âmbito da defesa. Sinal disso é que ele comprou nos últimos oito anos armas de guerra procedentes de 14 países, gastando mais de US$ 2,7 bilhões. Entre 2003 e 2010, indica o Cacimg, o Brasil importou US$ 14,63 bilhões em armamentos, principalmente no âmbito de programas de cooperação de longo prazo com dois países europeus: França e Itália. No mesmo período, entretanto, o maior exportador para o Brasil continuou sendo os EUA, com vendas correspondentes a 24% do mercado e portfólio de encomendas avaliado em mais de US$ 1 bilhão. Em seguida vem a França, com vendas de US$ 459 milhões ou 17% de participação no mercado. Dividem o restante do espaço Alemanha, Espanha e Israel, com cerca de 15,6% de participação e vendas que chegam a US$ 430 milhões. A Rússia, que tem grandes aspirações ao sul da linha do Equador, vendeu apenas US$ 145 milhões ao mercado brasileiro e sua carteira de pedidos é de US$ 270 milhões. Mesmo assim, considera que, “se tudo der certo”, vai multiplicar várias vezes suas cifras de exportação. “Rússia e Brasil têm pela frente um futuro brilhante”, disse Medvedev durante sua visita. “O comércio com o Brasil, nosso parceiro estratégico, é de cerca de US$ 6 bilhões e gostaríamos de chegar aos 10 bilhões.” Mesmo faturando quatro vezes menos que os EUA, a Rússia continua como o segundo maior exportador de armas do mundo. Em 2012, conseguiu vender mais de US$ 15 bilhões em armamentos para os quatro cantos do planeta. Embora Moscou tenha sofrido alguns reveses nas exportações, como a perda de contratos com Líbia e Síria, as autoridades russas sustentam que a indústria bélica do país continua próspera. Recentemente, dois países emergentes, China e Índia, ampliaram suas verbas para a compra de armas russas, enquanto antigos parceiros, como Argélia, Venezuela, Vietnã e Indonésia, continuaram mantendo sua fidelidade. No ano passado, a indústria armamentista russa foi fortalecida por clientes como Azerbaijão, Iraque e até EUA, interessados em comprar helicópteros (a bons preços) para o Afeganistão. As armas russas mais vendidas entre 2008 e 2012, de acordo com a revista Forbes, foram os sistemas de mísseis antiaéreos, os blindados e os caças. Em 2012, a empresa russa Rosoboronexport, única estatal autorizada a negociar produtos de defesa e de tecnologia dual, assinou contrato de US$ 600 milhões com a China para entrega de 52 helicópteros do tipo MI-171 E. Tudo isso, sem contar a venda de navios e equipamentos navais de guerra.

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Troca com troco Escrevendo sobre os novos horizontes da cooperação russo-brasileira, o jornal Pravda apontou um “futuro luminoso” para os negócios entabulados entre Brasília e Moscou. Não se trata apenas de um exercício de rearmamento, assinalou o diário, mas da criação de um novo cronograma de defesa aeroespacial do Brasil com participação russa. Uma exposição sobre tal possibilidade foi feita para o Brasil por um instituto de pesquisa científica do conglomerado de empresas de defesa antiaérea Almaz-Antey. O projeto propõe, em resumo, que o território brasileiro seja dividido em cinco distritos de defesa aérea usando apenas armas russas em três níveis: de alto, médio e curto alcance – representando, respectivamente, os sistemas S-300; várias modificações dos sistemas Buk, de médio alcance; e Tor-M2, que rastreia simultaneamente até 48 alvos e pode disparar mísseis simultaneamente contra quatro deles. Este último é considerado o mais sofisticado dos sistemas de defesa antiaérea de curto e médio alcance da Rússia. A questão, indagou o Pravda, é saber se o Brasil disporá dos recursos necessários para levar o projeto adiante. O diário lembrou que, antes de visitar Moscou, em dezembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff passou por Paris, onde anunciou o congelamento de US$ 5 bilhões destinados à compra de 36 caças de superioridade aérea, o chamado Projeto FX-2, em que concorrem a francesa Dassault, com o Rafale; a norte-americana Boeing, com o F/A-18 Super Hornet; e a sueca Saab, com o JAS


Azerbaycan Military Development

Vitaly V. Kuzmin / WikiC

O Igla-S, lançador portátil de mísseis

Tor-M2E, nova geração de sistema de mísseis terra-ar da Rússia

39 Grippen. O russo SU-35M, da Sukhoi, não ficou entre os candidatos potenciais. Mas, com as novas negociações bilaterais, pelo fato de a Rússia concordar em transferir tecnologia militar para o Brasil, as autoridades de Moscou acreditam na abertura de novas oportunidades para a participação de seu caça na licitação. A esperança russa foi acesa sobretudo porque, durante sua visita a Moscou, a presidente brasileira teria assegurado não haver nada decidido sobre o Projeto FX-2. Também o Brasil volta olhos para caminhos fechados em outros tempos. No caso, a venda de jatos brasileiros à Rússia. A esse respeito, aliás, a Embraer já teria conseguido o certificado para negociar o jato regional E-190 com o mercado russo, A intenção da empresa brasileira é colocar cerca de 150 aeronaves lá até 2020. Na tentativa anteDEFESA LATINA

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Agência Brasil

A presidente Dilma Rousseff com o primeiroministro russo Dmitri Medvedev em Brasília

rior, o Brasil teria sugerido que, se a Sukhoi vencesse o concurso, Moscou se comprometeria a comprar aeronaves regionais produzidas pela Embraer. A Rússia, no entanto, não aceitou a proposta, pois pretendia lançar uma aeronave do gênero, o Sukhoi Super Jet. Agora, o quadro teria mudado: Moscou anunciou que a Rússia está disposta a comprar aeronaves médias no exterior, o que voltou a habilitar a brasileira Embraer e sua concorrente canadense, Bombardier. A visita de Medvedev ao Brasil rendeu ainda a assinatura de um contrato para instalação de uma central quântico-óptica e a inauguração de uma estação de rastreamento do Glonass (sigla para Global Navigation Satellite Systems ou, em russo transliterado, Globalnaya Navigatsionnaya Sputnikovaya Sistema), o sistema russo de navegação global por satélite, concorrente do conhecido GPS norte-americano e do Galileo europeu. O Glonass, com 24

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uma constelação de 24 satélites, cobre todo o território do planeta desde 2011 e é o mais caro programa da Agência Espacial da Federação Russa. Em comparação com os outros sistemas, a vantagem do Glonass é ser gratuito na resolução máxima, em decímetros. No caso do sistema norte-americano, há notícias de que os EUA vão adotar a cobrança de uma tarifa de precisão, que seria introduzida ainda em 2013. A instalação da base do Glonass na Universidade de Brasília (UnB) e a transferência da tecnologia russa colocariam o Brasil, segundo os técnicos russos, num importante patamar de conhecimento nesse setor, beneficiando grandemente a pesquisa aeroespacial. Seria também útil na prevenção de catástrofes aéreas. O outro lado da moeda Mais útil para o Brasil seria, no momento, resolver a catástrofe do embargo da carne pela Federação Russa, que era o maior importador mundial de carne bovina do Brasil, e o segundo de carne suína. Aliás, há quem diga que a venda de armamento antiaéreo ao Brasil teria sido uma troca oferecida pela Rússia para reabrir o mercado da carne brasileira naquele país. Segundo o vice-presidente Michel Temer, as tratativas para isso entre o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e as autoridades russas foram “extremamente favoráveis”. No final de 2012, a vigilância veterinária russa fechou seu mercado à carne

de animais que receberam adição de ractopamina, aditivo que melhora a conversão alimentar e o ganho de peso do gado de corte. Os russos garantem que a liberação das importações da soja brasileira, que também sofreram restrições, depende apenas de questões burocráticas a serem resolvidas em curto prazo. Já a liberação das carnes dependerá ainda de análise das missões técnicas que farão inspeções no Brasil. Antes disso, caberá ao país demonstrar seu interesse pelo assunto, fazendo as fiscalizações indispensáveis. Afinal, ninguém quer que aconteça agora o que aconteceu na última missão da Defesa Sanitária russa, quando, de 20 frigoríficos inspecionados, apenas dois foram aprovados. Além de defesa e agricultura, a pauta russo-brasileira alcançou vários temas. Na área de energia, foram definidas intenções em torno de exploração de petróleo e gás natural na Bacia do Solimões; construção de usinas hidrelétricas em Sinop, São Manoel e Sobradinho; intercâmbio de experiências em projetos de transmissão de energia; e cooperação técnica em projetos de eficiência energética, redução do consumo, fontes renováveis e inovação. Esportes e educação também foram contemplados, visando a gestão de grandes eventos a serem celebrados no Brasil e na Rússia, além de aperfeiçoamento e intercâmbio de atletas. Por fim, em educação, foi acertada a adesão da Rússia ao programa Ciência sem Fronteiras.


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exército

A força da nossa Força Valter Campanato/ ABr

Executando um amplo projeto de transformação, o Exército Brasileiro se apronta para estar à altura do novo papel do país no mundo Comando do Exército Exposição de armas do Exército

O Exército Brasileiro (EB) está passando por um processo de transformação, iniciado a partir da percepção da necessidade de ampliação das capacidades de proteção ao Estado brasileiro, coerente com sua missão constitucional e de acordo com a política nacional de defesa e com a estratégia nacional de defesa. No momento em que o País busca ampliar sua influência no cenário internacional, a fim de convergir esforços para ampliar sua capacidade de atuação e atender às demandas do Estado compatíveis com a Era do Conhecimento, o Exército Brasileiro desenvolveu um programa que foi desdobrado em Projetos Estratégicos. Com foco nessa proposição e alinhado com o planejamento estratégico do Exército, foram definidos os principais projetos indutores da transformação da Arma, necessários à consecução dos objetivos estabelecidos: Sisfron, Proteger, Guarani, Defesa Cibernética, Defesa Antiaérea, Astros 2020 e Recop, que serão apresentados a seguir. 26

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O Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) é um projeto integrado de sensoriamento, de apoio à decisão e de emprego operacional, com vistas a fortalecer a presença e a capacidade de ação do Estado na faixa de fronteira, além de reduzir problemas próprios dessas áreas e fortalecer a interoperabilidade, as operações interagências e a cooperação regional. O projeto piloto está sendo implantado no Comando Militar do Oeste, na região de Dourados, Mato Grosso do Sul. O projeto Proteger (Sistema Integrado de Proteção de Estruturas Estratégicas Terrestres) foi concebido para proteção das estruturas estratégicas terrestres do País, como instalações, serviços, bens e sistemas, cuja interrupção ou destruição podem impactar o Estado e a sociedade nos campos social, ambiental, econômico e político, com repercussão nacional ou internacional. O projeto Guarani consiste no desenvolvimento e na produção de

uma nova família de blindados sobre rodas, a fim de transformar as unidades de Infantaria motorizada em mecanizada e de modernizar as unidades de Cavalaria mecanizada. Tal projeto trará novas oportunidades de desenvolvimento tecnológico à indústria nacional. A Defesa Cibernética é a área estratégica sob responsabilidade do Exército Brasileiro, segundo a Estratégia Nacional de Defesa. Para tanto, o projeto Defesa Cibernética visa prover o País de capacitação tecnológica, passando pelos recursos humanos, pelo desenvolvimento de doutrina de proteção de ativos e de estruturas do ciberespaço, pela operacionalização de sistemas de segurança da informação e pelo incentivo à produção nacional no setor de defesa cibernética. Ressalta-se que, a partir desse projeto, foi criado o primeiro antivírus nacional, o AvWare Defesa-BR. Integrado ao Proteger, o projeto Defesa Antiaérea busca capacitar a Força Terrestre para defender as estruturas terrestres do País de ameaças provenientes do espaço.


PROJETOS ESTRATÉGICOS DO EXÉRCITO

EB

SISFRON: Projeto-piloto na 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada (Dourados-MS) com meios optrônicos (monóculo de visão terrestre, imageador termal); radar de vigilância terrestre Sentir M-20 e radar de vigilância Saber M-60; Vant – categorias 0, 1 e 2 (similar ao Hermes 90); Software C2 em Combate; material individual e coletivo; material de guerra eletrônica, como radares, sensores e infovia; viaturas especializadas e não especializadas; embarcações fluviais para vigilância; novas organizações militares na faixa de fronteira, como o 9º Batalhão de Comunicações, Pelotão de Comunicações de Brigada, Centro de Monitoramento de Fronteira, Centro Regional de Monitoramento, criação de pelotões e esquadrões de fronteira (antigos destacamentos).

Radar Saber

Para tal, reequipará as organizações militares de Artilharia Antiaérea do Exército, por meio da aquisição de novos armamentos, da modernização dos existentes, do desenvolvimento de itens específicos, realizado pela Indústria Nacional de Defesa, e pela capacitação de pessoal e implantação de um sistema logístico integrado. Com o objetivo de aumentar o alcance das armas estratégicas de Artilharia, dando maior poder de dissuasão em nível global, foi concebido o projeto Astros 2020, que dotará unidades de meios suficientes para proporcionar à Força Terrestre a capacidade de prover apoio de fogo de longo alcance, com grande precisão e letalidade. Finalmente, o Recop (Recuperação da Capacidade Operacional da Força Terrestre) visa dotar as unidades operacionais de material de emprego militar imprescindível ao seu pleno emprego operacional, a fim de atender às exigências constitucionais de defesa da Pátria e de Garantia da Lei e da Ordem e, também, às

PROTEGER: Implantação do Sistema de Comando de Operações Terrestres e Interagências (SisCoti), integrado por centros de C2 (CCoti fixo, em Brasília, e móveis, C Mil A, RM/DE e Bda) para emprego dual; melhoria e ampliação do Sistema C3I, melhorias no Programa Pacificador e integração Hermes; apoio na reestruturação do CC2FTer (Coter); aquisição de produtos de defesa (Prode); aquisição de licenças de software Hermes para os C Mil A; apoio à capacitação de OM de Com; modernização de equipamentos e sistemas de detecção, análise e descontaminação para o sistema de DQBRN (Defesa química, biológica, radiológica e nuclear); modernização de equipamentos operacionais com emprego dual. DEFESA CIBERNÉTICA: Criação do Centro de Defesa Cibernética; capacitação de RH; antivírus Defesa-BR; RDS, Rádio Definido por Software; computador de alto desempenho (IME); laboratórios de TIC (Aman e EsPCEx); simulador de guerra cibernética (CComGEx). GUARANI: Experimentação doutrinária na 15ª Brigada de Infantaria Motorizada (Cascavel-PR) – projeto piloto; plataforma do veículo; sistemas de armas plataforma (torre); sistema de C2; obtenção de munições; adequação das instalações de aquartelamentos, sistema de simulação, sistema de logística integrada (SLI). DEFESA ANTIAÉREA Centro de Operações de Artilharia Antiaérea (COAAe) de seção e de bateria, grupo e brigada (a serem desenvolvidos); míssil terra-ar; radar Saber M-60 e radar de vigilância; aquisição de viaturas operacionais; baterias de míssil de média altura e de baixa altura; sistema de C2 e SLI. ASTROS 2020: Desenvolvimento de míssil AV-TM 300 (alcance 300 km); foguetes guiados com precisão quatro vezes superior aos atuais SS-40.Avibras; modernização do 6º Grupo de Mísseis e Foguetes (GMF); criação de outro grupo GMF, do Centro de Instrução e de um Centro de Logística no “Forte Santa Bárbara” (Formosa-GO). RECOP: Nova linha de fuzis IA2-Imbel (5.56 e 7,62); morteiro 120 mm; arma leve anticarro; míssil MMS 1.2 AC; embarcações; lanchas de patrulha fluvial; viaturas operacionais; material aeroterrestre; equipamentos para a artilharia; equipamentos de visão noturna.

missões atribuídas ao Ministério da Defesa. É, portanto, um projeto orientado para a modernização da Força Terrestre brasileira. Os Projetos Estratégicos do Exército têm por finalidade, também, ampliar a capacidade operativa da Força Terrestre, de modo a torná-la tão eficiente quanto

requer o Brasil em seu processo de crescimento econômico e de reconhecimento e projeção internacional. Além desse objetivo, os Projetos estão voltados para a melhoria dos setores de Ciência, Tecnologia e Inovação, com resultados importantes para o setor industrial brasileiro. DEFESA LATINA

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capa O novo lançador múltiplo de foguetes da Avibras visa dar ao Exército Brasileiro um sistema de defesa moderno, capaz de apoio de fogo de longo alcance, com elevada precisão e letalidade Cosme Degenar Drumond

Em 1979, no ocaso do governo Geisel, uma delegação brasileira aterrissou em Bagdá para negociar. Na comitiva estavam dois industriais da área de defesa: os engenheiros José Luiz Whitaker Ribeiro, presidente da Engesa, e João Verdi Carvalho Leite, presidente da Avibras Aeroespacial. No cômputo geral, o resultado foi animador. João Verdi assinou con-

extração de petróleo da plataforma submarina e conduziu a aproximação com o Iraque, além de iniciar a busca de alternativas energéticas via projeto de usina nuclear negociado com a Alemanha e uso do álcool como combustível. Ainda em 1973, foi inaugurado um escritório da Petrobras International (Braspetro) em Bagdá, após acordo com a estatal Iraq National Oil Company. Egito e Líbia também firmaram acordos para pesquisa de novas jazidas em seus territórios.

trato de US$500 milhões para fornecer um sistema de artilharia de lançamento múltiplo de foguetes, que ainda se achava nas pranchetas de sua empresa. Whitaker Ribeiro, por sua vez, fechou negócio para fornecer o blindado sobre rodas Cascavel, que havia sido lançado na Líbia cinco anos antes. Para tirar o produto do papel, a Avibras investiu em novas instalações industriais e linhas de montagem. Em dois anos, a primeira versão do sistema Astros foi finalizada com a colaboração do Exército Brasileiro. O sistema Astros é usado para saturação de área e apoio de fogo, disparando rajadas múltiplas de foguetes sobre o alvo, a distâncias de 30 e 60 quilômetros. Testado em combate na guerra Irã-Iraque (1980-1988), seu desempenho foi extraordinário. Na Guerra do Golfo, em 1991, repetiu o sucesso anterior, agora nas mãos do exército da Arábia

EB

Na década de 1970, quando os brasileiros eram o terceiro maior comprador mundial de petróleo do Iraque, a balança comercial pendia totalmente para o lado dos iraquianos, que nada compravam do Brasil. A subida estratosférica dos preços do barril em 1973, como protesto dos produtores árabes contra o apoio norte-americano a Israel na Guerra do Yom Kippur, o governo brasileiro propôs reciprocidade comercial ao Iraque. Afinal, o barril havia saltado de US$ 2,50 para inviáveis US$ 10,50. Em cinco meses, de outubro de 1973 a março de 1974, o aumento chegou a 400%, o que geraria longa recessão nos países ocidentais, desestabilizando a economia mundial. Comandava a Petrobras naquele período o futuro presidente, general Ernesto Geisel, que apostou na

8/05/2012: Reunião de coordenação do projeto estratégico Astros 2020 no 6º Grupo de Lançadores Múltiplos de Foguetes e Campo de Instrução de Formosa, em Goiás 28

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Foguetes ar-terra

Saudita, que se associou às forças ocidentais, compostas por 29 países sob a liderança dos Estados Unidos, reagindo à invasão do Kuwait pelo Iraque do ex-aliado Saddam Hussein (1937-2006). A alta qualidade tecnológica e o excelente desempenho do Astros beneficiaram a Avibras com novos clientes no Oriente Médio. Por anos a fio, ela foi a única indústria do país convidada a participar dos encontros anuais da Association United States Army (AUSA), ao qual só compareciam potenciais fornecedores do exército dos EUA. Assediada por empresas estrangeiras para desenvolvimentos conjuntos e até para estabelecimento de jointventures, a Avibras manteve-se como indústria genuinamente de capital brasileiro. Hoje, seu principal produto é operado no Brasil, em países do Golfo e no Sudeste Asiático, carreando para a empresa prestígio internacional.

Passados mais de trinta anos daquela venda pioneira em Bagdá, a Avibras volta a se destacar com o sistema Astros. Para tanto, a presidente Dilma Rousseff autorizou, no final de janeiro de 2011, um crédito de R$ 45 milhões, objetivando dar início ao programa de aquisição do sistema Astros 2020. Na composição do projeto estratégico, o Exército pretende implantar uma infraestrutura operacional formada por duas unidades de mísseis e foguetes, um centro de instrução de Artilharia, logística, bateria de busca de alvos, depósitos de munições e base de administração. Tudo assentado no Campo de Instrução de Formosa, em Goiás, para as operações com mísseis e foguetes. O 6º Grupo de Lançadores Múltiplos de Foguetes, unidade de primeira linha do Exército naquele estado, será transformado em 6º Grupo de Mísseis e Foguetes. Dois armamentos serão desenvolvidos: um foguete guiado, com base na concepção do SS-40 do Astros, e um míssil tático de cruzeiro com alcance de 300 quilômetros. Nessa configuração, o projeto já chamou a atenção em nível global, de acordo com o blogue norte-americano Defense Industry Daily, que comentou: “Com tal alcance (...) ele irá rivalizar com a combinação MLRS/ATACMS dos Estados Unidos”, isto é, por extenso, Multiple Launch Rocket System/Army Tactil Missile System. As duas unidades de mísseis e foguetes serão estruturadas com comando e estado-maior, uma bateria comando e três baterias de mísseis e foguetes equipadas com viaturas e materiais ainda em desenvolvimento. De acordo com o novo conceito, o projeto Astros 2020 poderá disparar foguetes e mísseis táticos de cruzeiro a partir da plataforma de um novo veículo lançador múltiplo, versão MK-6. A estrutura funcionará integrada à preparação do tiro, recebimento e análise da missão, comando e controle, trajetória de voo e controle de danos. A Avibras está desenvolvendo o DEFESA LATINA

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Avibras

míssil tático de cruzeiro de 300 quilômetros de alcance, o AV-TM, o foguete guiado, com ogiva para transportar e derrubar dezenas de granadas sobre o alvo, e as novas viaturas lançadoras, remuniciadoras, de comando e controle, de meteorologia e de apoio ao solo. No caso do AV-TM300, a cabeça de guerra carregará dois mísseis para cumprir seu objetivo ideal, que é uma instalação estratégica: refinarias, usinas geradoras de energia, centrais de telecomunicações, concentrações de tropa, depósitos, portos, bases militares, complexos industriais. O projeto de engenharia, os protótipos, os testes e a definição dos insumos agregados estão sendo conduzidos pela empresa, com apoio e acompanhamento do Exército. A nova configuração da arma brasileira entrará num mercado lotado de concorrentes, mas com um às na manga: os países que já usam o Astros. Nas previsões da Avibras e do Exército, o Astros 2020 deverá gerar novos empregos na região paulista de funcionamento da empresa, em Formosa e em Brasília. A formação de profissionais com capacitação em tecnologias de ponta é outro destaque do projeto. A estrutura físico militar do projeto ficará concentrada na área norte do Campo de Formosa, denominada Forte de Santa Bárbara, em homenagem à padroeira dos artilheiros. Suas etapas de desenvolvimento tiveram início em 2012, devendo ser concluídas em 2018. Com o Astros 2020, o atual sistema de apoio de fogo do Exército será elevado do nível tático para o nível estratégico. Sua funcionalidade se dará de forma coordenada com a Marinha e a Força Aérea, tanto na defesa do litoral quanto do espaço aéreo brasileiro. Com o diferencial de ser todo digital, o sistema oferece ainda a possibilidade de integrar o veículo aéreo não-tripulado (Vant) Falcão, que a Avibras está desenvolvendo e poderá servir para ampliar o reconhecimento da arma.

Ansat-10, primeira antena profissional brasileira de 10 metros de diâmetro desenvolvida para atender ao Sistema de Telecomunicações pelo Satélite Brasileiro e para ampliações do Intelsat 30

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Sami Youssef Hassuani


Avibras

Inovar e produzir Os livros de culinária ensinam receitas para fazer bons pratos. Enfatizam que a prática é essencial na arte dos chefs. O mesmo é válido também para os setores da economia que lidam com tecnologia de ponta. A Avibras Aeroespacial sabe o que isso quer dizer. Empresa do setor de defesa inteiramente brasileira, ela foi criada em abril de 1961 e, voltada para a inovação no setor aeronáutico, lançou a primeira aeronave de treinamento militar construída com material composto no Brasil, o Projeto Falcão, que foi adquirido pela Força Aérea Brasileira. Depois, diversificou sua linha de produtos, trabalhando em conjunto com o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) no desenvolvimento de diversos foguetes de sondagem e alcançou sucesso internacional de vendas já nos anos 1980, impulsionada pela guerra Irã-Iraque (1980-1988). Na ocasião, lançou o sistema de artilharia de saturação de área Astros II, adquirido pelo Iraque. O produto, que se tornou um de seus maiores êxitos, apresentou uma particularidade única, desenvolvida junto com engenheiros do Exército: podia operar três calibres diferentes sobre a mesma plataforma. A Avibras foi fundada em São José dos Campos pelo saudoso engenheiro aeronáutico João Verdi Carvalho Leite. A trajetória de sucesso da empresa, hoje com mais uma planta na cidade natal e instalações também em Jacareí e Lorena, é bem conhecida. Entretanto, ela enfrentou dificuldades financeiras e crises agudas. Entrou na década de 1990, por exemplo, carregando uma concordata. Depois, a recessão internacional e os recorrentes planos anti-inflacionários do Brasil repercutiram negativamente na sua produção. Outro conflito internacional, a Guerra do Golfo (1990-1991), ajudou-a a recuperar a saúde e a ampliar suas estratégias de mercado. Em 2008, já sem seu principal executivo – João Verdi faleceu em 24 de janeiro em acidente aeronáutico –, a Avibras voltou a se destacar nos cenários brasileiro e mundial, apresentando um portfólio de produtos de alta qualidade entre sistemas de defesa ar-terra e terra-terra, veículos aéreos não tripulados e mísseis com software e hardware desenvolvidos, projetados e integrados na própria empresa. Dominando diversos campos tecnológicos, como telecomunicações, química, eletrônica, transporte, pesquisa espacial e sistemas para defesa, ela tem uma divisão que produz veículos especiais para uso militar e civil, além de prestar serviços no setor de qualidade. Para conhecer a fase moderna da Avibras, DEFESA LATINA entrevistou o presidente da empresa, engenheiro eletrônico Sami Youssef Hassuani, no dia 2 de fevereiro. Dois dias antes, ele havia assumido a presidência da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde).

O senhor poderia fazer um resumo do modelo de gestão adotado pela Avibras após o desaparecimento de seu fundador e principal acionista? Após o acidente, o mercado dizia que a empresa, umbilicalmente vinculada à pessoa do engenheiro João Verdi, teria seu futuro comprometido. Por ser uma empresa familiar, de um único dono, houve o comentário. Porém, a Avibras sempre foi totalmente profissional. Nossos métodos e processos são absolutamente de governança. O Verdi era, de fato, o melhor engenheiro da companhia, seu melhor vendedor e um visionário de coragem. Era de um talento único. Um grande desafio se originou e uma pergunta ficou no ar: como substituí-lo se ele era insubstituível? O desafio seria fazer a transição na companhia. Afinal, durante 46 anos, ele havia sido o único presidente da empresa e seu melhor projetista e vendedor. Na impossibilidade de encontrar no Brasil alguém igual a ele, os executivos mais antigos e experientes reuniram-se e decidiram que, tendo cada um herdado uma parte do talento dele, em conjunto, poderíamos administrar a empresa. Alguém teria que ser o presidente. Eu era o vice e assumi interinamente a função. Assim, criamos um grupo de cerca de 25 pessoas e cada qual assumiu sua responsabilidade de cumprir da melhor maneira possível as funções do Verdi, cada um imprimindo seu estilo pessoal. Eliminada DEFESA LATINA

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Com a globalização, a empresa tem que interagir com o mundo sem se afastar das premissas fundamentais, única forma de ela se manter independente e competitiva.

a comparação, um novo modelo de gestão surgiu e deu certo. A figura de João Verdi na empresa está preservada. Ninguém ocupou a cadeira, a mesa ou mesmo a vaga dele no estacionamento. A transição na empresa teve um efeito multiplicador extraordinário. Cada um se sentiu como uma parte do Verdi. O mercado, clientes e fornecedores sentiram a empresa ressurgir à moda do seu criador. Em cada um de nós há um pouco da ousadia do Verdi. Quando vejo as obras de expansão que estamos realizando... A ousadia não é do atual presidente da empresa, mas do vice-presidente Operacional, Flávio Cunha, que herdou do Verdi essa visão de investir em plantas industriais para aumentar a produtividade, produzir mais, vender mais e aumentar o faturamento da empresa. À frente do setor Comercial, posso dizer que tenho a mesma ousadia. Quando lançamos o desenvolvimento de um míssil novo, como o TM de 300 quilômetros de alcance, a ousadia é do diretor de Engenharia de Sistemas. Esse é o modelo atual da Avibras. Tudo está preservado, e estamos investindo em tecnologias, novos produtos, expansão do parque industrial e, obviamente, em vendas. Como era a Avibras quando o senhor chegou à empresa, em 1984, e como foi sua atuação na companhia? Na década de 1980, a Avibras estava em crescimento. Ela partiu de 32

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150 funcionários e chegou a ter 7 mil empregados. Hoje, temos 1.100. Quando entrei, eram 3.500 e havia muitos contratos e programas em andamento. O Verdi era um empreendedor nato e teve a visão de que a empresa precisaria de novos talentos para continuar crescendo. O ITA formava engenheiros, quase todos contratados pelos bancos para trabalhat no sistema financeiro – um verdadeiro desastre para a engenharia brasileira. O Verdi cobriu a proposta dos bancos, quebrou esse ciclo e contratou 53 engenheiros da minha turma de 100 formandos, que foram alocados em diferentes áreas da empresa. Eu entrei para a Qualidade, setor interessante e crítico na empresa, mas para o qual eu não tinha vocação. Em seis meses, passei para Ensaios de Engenharia em Campo. Nessa atividade, fiz os primeiros contatos com clientes e vi que tinha vocação para o Comercial. Mas fiquei na área puramente técnica por mais cinco anos, quando então passei para a área responsável por treinamentos e assistência técnica no exterior, atuando mais com radares, já que sou engenheiro eletrônico, interfaceando com o cliente em operações de campo. Nessa época, aprendi muito sobre doutrina militar em contato com militares no Brasil e no exterior, uma vez que não existiam cursos formais nessa área para civis. Na sequência, entrei para Apoio Técnico a Vendas, passei para

Vendas, gerência de vendas e gerente do escritório da Avibras no Oriente Médio. Depois, fui para a Diretoria Comercial adjunta, de onde passei a vice-presidente Comercial estatutário. Com a ausência do Verdi, fui conduzido pelos acionistas à presidência da empresa, após 25 anos de Avibras. Em janeiro de 2014, completarei trinta anos de Avibras. Em 1987, a Avibras conquistou US$ 1 bilhão em vendas. Então, o seu trabalho contribuiu para esse desempenho financeiro. Eu era parte do grupo. Estava ainda na execução, e não na ponta das vendas. A Avibras exportou naquele ano US$ 350 milhões, US$ 1 bilhão em valores atuais, superando Volkswagen, Embraer, Petrobras e outras empresas brasileiras. Esse número, hoje, é relativamente grande. Naquela época, com as condições macroeconômicas brasileiras, era um número extraordinário. O senhor conheceu o tempo crítico de demandas. Que comparação faz daquele período com o de hoje, considerando-se os desafios tecnológicos? Hoje, o mundo está diferente de trinta anos atrás. Mesmo assim, a gente não pode negar o passado, tem que aprender com ele. O aprendizado do passado é fundamental na atuação de hoje. O que vem do passado é a busca do conhecimento integrado, a gestão do conheci-


Disparo de foguete ar-terra

Recentemente, grupos internacionais compraram pequenas empresas brasileiras de base tecnológica, trouxeram para o Brasuas sil e dominaram o mercado. A empresa adquirida acabou desaparecendo... É. Toda vez que uma empresa de base tecnológica é comprada por empresa estrangeira com a declarada intenção de transferência de know how para o Brasil, se inicia, apesar de parecer contraditório, um ciclo terminal para a que foi adquirida. Nesse momento, a

empresa passa a receber capital e técnicas sofisticadas de produção, deixando de inovar e gerar conhecimento no Brasil. Poderá ter sucesso comercial, porém, não terá mais conhecimento para andar sozinha e competir globalmente. É preciso cautela com essas opções de falso conforto. O que causou a queda de desempenho da Avibras no passado? Foi a mudança da política mundial ou foram razões brasileiras? O que causou as crises agudas da Avibras é simples de explicar. Vamos comparar com um exemplo atual. A indústria automotiva se desaqueceu, e o governo interveio para regular o setor e aumentar a demanda com redução de impostos. Quando há uma desregulação da economia em determinado setor, o gover-

no deve fazer uma intervenção positiva para ajudar o setor a caminhar. Na década de 1990, a Avibras enfrentou planos econômicos que causaram dificuldades tremendas às nossas receitas de exportação. Depois, veio o fim da Guerra Fria. Uma quantidade tremenda de material excedente foi despejada no mercado internacional a baixo custo, diminuindo a demanda por material novo durante vários anos. Não vou entrar em detalhes, mas tivemos conjunturas econômicas nacionais e internacionais muito adversas, e nenhum auxílio foi dado à indústria de defesa. Hoje, felizmente, o cenário poderá ser outro. Nos EUA e na Europa, os governos ajudaram suas indústrias estratégicas e conduziram o setor para a normalidaAvibras

mento, e não apenas a gestão de programas. Gestão de programas é seguir regrinhas na execução de programas – melhores práticas. A gestão do conhecimento é você registrar tudo o que deu certo em procedimentos internos e continuar inovando. Lá atrás, a gente aprendeu que é essencial investir em tecnologia nacional com independência. Parece simples, mas é difícil de ser cumprido. O que mudou no mundo? Hoje, você tem que ter parceiros, não dá para viver sozinho nem se dar ao luxo de verticalizar tudo. Com a globalização, a empresa tem que interagir com o mundo sem se afastar das premissas fundamentais, única forma de ela se manter independente e competitiva. É preciso fazer escolhas certas para manter tecnologias críticas dentro de casa, evitando o falso conforto de subcontratálas de empresas estrangeiras.

O Sistema Astros na linha de produção

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de, mesmo com as demandas abaixo das praticadas em anos anteriores... Não há milagres para conjunturas adversas. Os governos dos EUA e da Europa sempre priorizaram a saúde financeira de suas empresas de defesa, uma vez que elas representam o que de melhor existe no país em inovação e desenvolvimento tecnológico autônomo. Este setor pode iniciar um novo ciclo de desenvolvimento industrial no país após uma recessão. A indiferença do governo brasileiro pelo setor de defesa é histórica. Isso ocasionou um enfraquecimento da indústria e das Forças Armadas que deixou a soberania nacional vulnerável... Este é um assunto em que não posso opinar. A área industrial está pronta a somar com o governo e pode ser uma grande alavanca para iniciarmos um novo ciclo industrial, baseado em inovação e conhecimento. Sofremos muito com o passado, porém, o Brasil vive outro cenário, completamente diferente. O complicado cenário brasileiro obrigou as maiores empresas do setor a hibernar. Que solução a Avibras adotou enquanto esperava por tempos melhores? Quase todas as empresas do setor, infelizmente, foram levadas à falência, tendo desaparecido. Nós fizemos um pouco diferente. Crise aguda implica conduta de guerra. O que isso quer dizer? A empresa precisa reduzir custos, porém preservando as pessoas-chaves, sua tecnologia e suas plantas industriais. Dessa maneira, reduzindo o nível de funcionamento a um ponto suportá34

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vel, sem perder a capacitação, a empresa poderá voltar ao mercado quando a tempestade passar. Assim conseguimos cruzar as crises e voltamos a inovar, produzir e vender. Nos últimos dez anos, a Avibras investiu forte em eletrônica digital, comando e controle, link por satélites, GPS, softwares, guiagem de vant e de mísseis. O portfólio ficou mais robusto, e as bases foram conservadas. Na fase atual, qual evento deu à Avibras condições de retomar a produção? Foi uma combinação de dois eventos. Primeiro, os contratos de exportação, pois não se pode apenas fazer projeto e inovar. É preciso produzir. Uma empresa do tamanho da Avibras precisa produzir. Quem vive de projeto é birô de design. O segundo evento envolveu o governo e as Forças Armadas, que compraram novos desenvolvimentos e pequenos lotes para possibilitar o lançamento de novos produtos. Quando esses dois eventos caminham juntos, temos a combinação de eficiência máxima e a garantia de perpetuidade da empresa. O Brasil amadureceu no campo político – refiro-me especificamente ao setor de defesa. Isso procede? Estamos no caminho certo. Não temos ainda uma rotina de trabalho estável, pois o país está criando os mecanismos legais para isso. Há um esforço na busca de soluções, que não se desenvolvem da noite para o dia. Mas não podemos tardar para resolver essas questões. O Brasil pensa grande. Porém, hoje, o mundo vê o Brasil como grande, e aí é preciso responder e desempe-

nhar à altura. O setor de defesa é peça importante nesta nova postura internacional do Brasil e poderia ser mais bem explorado. O setor está pronto para participar. Qual foi o faturamento da Avibras em 2012? Foi de R$ 200 milhões. Os contratos assinados formam uma carteira em torno de R$ 2 bilhões. Só isso nos garante dobrar o faturamento de 2012, independentemente do mais que possamos ter. Nosso planejamento é chegar a R$ 600 milhões de receita anual em poucos anos. A Avibras é uma empresa reconhecidamente estratégica? Tenho certeza de que o governo reconhece a Avibras como empresa estratégica, com capacidade de atuar numa mobilização nacional. A indústria é parte da capacidade de mobilização de um país, mas faltam os mecanismos formais de reconhecimento dessa condição. As Forças Armadas e o Ministério da Defesa trabalham para que o setor industrial receba mais apoio. A meta é transformar tudo isso num processo nacional, com os mecanismos legais de apoio de que a indústria necessita, como acesso a crédito e continuidade de orçamentos. Chegaremos lá. Para isso, estamos todos trabalhando junto com o governo. Pode-se deduzir que o horizonte é promissor para a indústria de defesa? Sem dúvida. Para a Avibras, em particular, vejo um futuro brilhante. A indústria privada é como bicicleta; se você não pedalar, cai. Hoje, temos um ambiente melhor, porém, ainda temos muito trabalho pela frente.


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Operações de paz

Unifil: novas etapas da diplomacia solidária

Marinha do Brasil

Há mais de um quarto de século, o Brasil vem mostrando interesse em assumir uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, órgão supremo da Organização das Nações Unidas (ONU). Além das incansáveis gestões políticas diplomáticas e nessa direção, o governo brasileiro, com corajosa persistência, engajou de forma expressiva suas Forças Armadas na agenda da ONU. Objetivo: converter-se num membrochave do programa de operações de paz das Nações Unidas. Após participações desde 1948 até a década de 1980 – modestas, mas nem por isso inglórias –, o

Brasil pôde assumir com relativo sucesso, no início dos anos 1990, o comando militar das operações da ONU em Moçambique (Onumoz) e Angola (Unavem). Em 1995, o Exército brasileiro enviou mais de 1.000 homens ao territó36

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rio angolano. Em seguida, entre 1999 e 2006, passou a coordenar as operações militares das missões Untaet / Umiset no Timor-Leste, cujo governo, via Administração Transitória Civil, esteve a cargo do brasileiro Sérgio Vieira de Mello, tragicamente morto em atentado no Iraque em de 2003. No Haiti desde 2004, o Brasil ampliou seu status de mero contribuinte de tropas e assumiu o comando do conjunto da Minustah, a Missão Militar Multinacional da ONU para a estabilização do país caribenho, encabeçando um efetivo de mais de 6.800 militares provenientes de 17 nações. No total, desde 1948, o Brasil, participou de aproximadamente 30 operações de paz das Nações Unidas, tendo contribuído com mais de 32 mil capacetes azuis em quase oito décadas. E essa histórica trajetória continua crescendo. Agora, no Líbano, o Brasil assume posição de grande destaque nos esforços internacionais pela preservação da paz e da segurança no Oriente Médio e, pela terceira vez consecutiva, um almirante brasileiro assumiu, em 19 de fevereiro de 2013, a Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (Unifil), uma das mais importantes operações da ONU no pós-Guerra Fria. A solenidade de transferência de cargo foi realizada no cais do porto de Beirute, ao lado da fra-

João Lins de Albuquerque

gata Constituição (F-42), a nova capitânia da Maritime Task-Force da Unifil. O contra-almirante Wagner Lopes de Moraes Zamith, comandante da Operação Líbano II, que mobilizou a fragata Liberal, passou o comando ao contra-almirante José de Andrade Bandeira Leandro, que se emocionou ao assumir. “É um orgulho imenso poder contribuir com nosso país, o Brasil, e ser um braço avançado de nosso poder naval no Líbano”, disse. Caçando armas no mar Comparada com outras missões, a do Líbano é bastante especial e simbólica, porque, pela primeira vez na história, existe um componente naval em uma Missão de Paz da ONU. O recurso foi solicitado pelas próprias autoridades libanesas, visando evitar o abastecimento de rebeldes com armas transportadas por mar. E o Brasil, também pela primeira vez, ocupa a posição de comando, que vinha sendo exercida exclusivamente por países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan. Este fato é marcante para a Marinha e seus integrantes, pois contribui de forma significativa para elevar o nome do Brasil no cenário dos esforços internacionais para a paz e a segurança no Oriente Médio. Criada pela Resolução 425 do Conselho de Segurança e adotada


Marinha do Brasil

em 19 de março de 1978, a Unifil foi estabelecida inicialmente para confirmar a retirada das forças israelenses do sul do Líbano, que havia sido invadido cinco dias antes, devolver a paz à região, manter a segurança internacional e, ainda, assistir o governo libanês na retomada de sua soberania e autoridade nacional. Ao ser criada, contava com 6 mil militares, tendo alcançado 7 mil em 1982. Em 2006, após a Segunda Guerra do Líbano, a missão teve seu mandato ampliado e foi reforçada por novos contingentes. Além de impedir a entrada de armas ilegais na região, outra ação – que não tem participação brasileira – é evitar confrontos arma-

dos entre israelenses e membros do Hezbollah, organização paramilitar islâmica com bastante força na política libanesa. A participação do Brasil nessa missão foi aprovada pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2010. Em setembro de 2011, o Congresso Nacional autorizou a Marinha a enviar sua primeira força-tarefa, assegurando o rodízio dos navios de guerra brasileiros no litoral libanês. Em 17 de outubro de 2012, a Comissão Mista de Orçamento da Câmara dos Deputados aprovou R$ 93 milhões para a Arma continuar sua missão no Líbano. Desde 2012 – a pedido do Conselho de Segurança da ONU –, o Brasil

passou a comandar a Força-Tarefa Marítima, que conta ainda com navios da Alemanha, Bangladesh, Grécia, Turquia e Indonésia. Já a operação completa reúne 35 países, mobiliza mais de 13 mil militares e policiais e cerca de 1.000 funcionários civis, nacionais e internacionais. Em clima de guerra Do lado brasileiro, participam da operação cerca de 250 militares, entre oficiais, praças, fuzileiros navais e mergulhadores de combate, além de médicos, enfermeiros e dentistas. Durante seu primeiro ano liderando a FTM, os brasileiros operaram a fragata União (F-45), equipada DEFESA LATINA

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Marinha do Brasil

Os contra-almirantes brasileiros, comandantes da FTM nas Operações Líbano 1, 2 e 3: Caroli e Zamith recebem homenagem da Unifil ao encerrar suas missões, enquanto Leandro dá início à sua

com o helicóptero Super Lynx (AH-11) e a metralhadora FN Herstal M3M calibre, cumprindo 196 dias de patrulhamento no mar, 1.115 contatos interrogados, 939 inspeções navais solicitadas pela Marinha do Líbano e 820 atividades aéreas reportadas. Tendo sido a capitânia da Operação Líbano 1, a União estabeleceu o padrão em termos de equipamento e equipagem para as missões seguintes. Assim, a fragata Liberal (F-43) assumiu a Operação Líbano 2 em abril de 2012 e se despediu em 16 de janeiro de 2013. Atuou com 29 oficiais e 250 praças em quatro departamentos – armamento, operações, máquinas e intendência –, mais um grupo de 9 militares do Destacamento de Mergulhadores de Combate, para prontidão em caso de conflito, e outro de 19 fuzileiros navais, designado para suporte à segurança da embarcação. Todos foram preparados psicologicamente para enfrentar o ambiente de tensão, dada a real possibilidade de envolvimento em combate. Por isso, a embarcação recebeu também aparato tecnológico de comunicação, explicou o capitão de fragata José Luiz Ferreira Canela, comandante do navio antes do embarque. “Foi solicitado um 38

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esquema de antenas via satélite para que a nossa tripulação tenha acesso à internet e possa conversar com sua família. Isso motiva o grupo e faz com que o trabalho fique menos estressante”. Durante sua permanência no Oriente Médio, a segunda fragata brasileira interceptou 661 navios para interrogação na área de operações marítimas, inspecionou 266 navios mercantes e realizou 120 dias de patrulhamento, sendo 107 no comando das Operações de Interdição Marítima, perfazendo 20.030 milhas náuticas no total. Na região de Naqoura, na costa sul do Líbano, sede da Unifil, os capacetes azuis brasileiros avaliaram 532 atividades aéreas detectadas. Para substituir a Liberal, a Marinha destacou a fragata Constituição (F-42), que continuará sendo o principal meio da esquadra internacional da Unifil, com retorno ao Rio de Janeiro previsto para agosto de 2013. Até lá, a Missão de Paz da ONU no Líbano, que nunca deixou de ser complexa, tende a ficar mais difícil. Com a escalada da crise Síria, as tensões contaminaram toda a região, tendo já registrado mais de 70 mil mortes desde janeiro de 2012. Essa situação pode afetar a percepção do

Brasil e dos outros 34 países integrantes da Unifil. De fato, já em julho do ano passado, o vicealmirante Luiz Henrique Caroli, que foi comandante-geral da FTM na Operação Líbano 1, alertou para o risco de o Líbano “ser tragado pela guerra civil do país vizinho”, pois abriga muitos grupos pró-Assad, com destaque para os radicais do Hezbollah. Se acaso o Líbano entrasse em guerra, a situação geopolítica de toda a região afetaria seriamente o trabalho da ONU. Paz sob novo paradigma Até 2005, cerca 110 países participavam nas operações de paz das Nações Unidas, com mais de 70 mil homens. Nessa época, o Brasil ocupava a 14º lugar na lista dos contribuintes com tropas de paz. Na década de 1957-1967, a contribuição brasileira mais significativa foi o saudoso Batalhão do Suez, que se uniu a outros 6.300 integrantes da Infantaria Internacional enviados para o Sinai e para a Faixa de Gaza no âmbito da Força de Emergência das Nações Unidas (Unef 1), quando o presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, quase provocou uma guerra mundial ao nacionalizar o Ca-


Marinha do Brasil

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nal do Suez, até então pertencente à Grã-Bretanha. Desde aquela época, o Brasil já fazia a diferença: foi o único país sul-americano a manter sua contribuição até o final de toda a operação. Já nos anos 2000, a atuação brasileira nas missões de paz torna-se mais abrangente e robusta, adquirindo caráter multifacetado. O quadro seguinte é marcado pela presença brasileira no comando de operações militares complexas, seguida de maior sofisticação na presença de suas tropas a serviço do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas (DPKO). O Brasil ampliou seu raio de ação, ganhando o respeito do Conselho de Segurança e da comunidade internacional. Mas o que anima o Brasil a encarar todos esses desafios em áreas e condições tão difíceis? Seguramente, não é apenas a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança – da qual é merecedor –, mas um novo paradigma de solução de conflitos intraestatais. A proposta é intervencionista, com foco em desenvolvimento social e direitos humanos e passou a ser chamada de “diplo-

macia solidária”. Isso inclui, de um lado, cuidados com agricultura, saúde, educação e cultura da paz; e, de outro, produção de estruturas inovadoras em áreas como a luta contra a fome e a exploração. O diplomata Celso Amorim, hoje ministro da Defesa, reconheceu há tempos a adesão do Brasil à Diplomacia Solidária ao declarar que o país se comprometeu de forma profunda com o Haiti, política e emocionalmente – e isso, disse ele, no longo prazo. De acordo com os teóricos, a presença brasileira em Porto Príncipe tem todas as características do novo paradigma. O jurista Pedro Ferraracio Charbel enumera: “o Brasil e os países envolvidos na Minustah (I) não possuem vínculos passados

de colonização ou intervenção no país e assumem (II) um comprometimento a longo prazo para além de abordagens estritamente securitárias, o qual (III) não é advindo de interesses materiais e/ou estratégicos, sendo (IV) pautado na solidariedade, (V) na legitimidade conferida pelas Nações Unidas e (VI) em uma identidade latino-americana compartilhada”. Tudo indica que o Brasil “se entregou à paz” à luz de critérios que extrapolam os meros interesses do Estado. E isso – sem exageros – poderia ser aplicado também ao desempenho e aos objetivos do Brasil na Missão de Paz do Líbano, país com o qual os brasileiros têm grande afinidade.

Um batalhão para construir e reconstruir infraestrutura no Haiti: gestos da Diplomacia Solidária DEFESA LATINA

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Jairo Cândido: “É a indústria que transforma conhecimento em economia, emprego e dinheiro”

O panorama agora é outro Historicamente, o Brasil sempre se mostrou dependente do mercado internacional para atender às demandas de suas Forças Armadas. Acomodado anos a fio sobre um mesmo modelo político, o país enfrentou resistências internas quando, recentemente, mudou seu pensamento estratégico. O Ministério da Defesa, por exemplo, criado em 1999, levou anos para se consolidar na estrutura do Estado. Ainda hoje está se montando paulatinamente. Contudo, a defesa nacional já é observada com outros olhos no Brasil. A indústria de defesa brasileira, enfim, integrou-se ao processo de transformação do país nesse campo, resultado de um movimento conjunto desenvolvido por entidades representativas da sociedade. Ainda falta muito para ser completada a tarefa de prover o país de uma indústria de defesa moderna, eficiente e autônoma, mas o importante é que tal processo está se desenvolvendo e afastando cada vez mais o perigo de o Brasil estar com sua soberania em situação vulnerável. O Comdefesa, Departamento da Indústria de Defesa da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), contribuiu ativamente para essa evolução. Criado em 2007 no seio da Fiesp, o órgão é composto por um colegiado de 50 diretores, empresários ativos no ramo, e coordenado pelo diretortitular, o presidente do Grupo Inbra, Jairo Cândido. Ao lado de outras instituições do país, concebe propostas de reorganização do setor e as encaminha ao governo no modo sugestão. No último 28 de fevereiro, DEFESA LATINA procurou o empresário Jairo Cândido para discutir o panorama setorial, e ele concedeu esta entrevista a Cosme Degenar Drumond.

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Everton Amaro/Fiesp

indústria de defesa


Até 2006, não havia comitê da indústria de defesa na estrutura da Fiesp. Que motivação levou à criação do Comdefesa? Muito obrigado pela oportunidade de conversar com você e com sua grande rede de leitores. Há sete anos, o setor de defesa tinha chegado ao ponto menor de sua representação e importância econômica no Brasil. Então, começamos a fazer um trabalho de valorização das Forças Armadas e de reconstrução do segmento de defesa. Nas Forças Armadas está a perspectiva da segurança nacional. A relação do Brasil com o mundo, no Atlântico Sul, na América Latina, África, na inserção com os Brics como sexta economia do mundo, sua estrutura de poder de dissuasão, o comando das forças de paz do Haiti, tudo isso representa a relevância que o país conquistou no cenário internacional. As Forças Armadas passaram a se estruturar de maneira mais visível para os brasileiros. Elas operam também em atividades civis, em obras públicas, no atendimento social às populações carentes e isoladas do país, nas calamidades. Esse tipo de atuação, se comparado com o de seis anos atrás, avançou mais. Hoje, no Brasil, o quadro é diferente. A verdade é que as Forças Armadas sempre receberam avaliações altas e significativas da sociedade; são a segunda instituição mais bem avaliada pelos brasileiros. Portanto, estávamos certos na Fiesp quando entendemos que esse pilar precisava ser reforçado. Por outro lado, a soberania nacional é exercida com conhecimento, suporte tecnoló-

gico e equipamentos produzidos no país. Dentro dessa lógica, a indústria de defesa haveria de crescer. Chegou-se então à máxima: “O Brasil não compra mais; está aberto à transferência de tecnologia”. É apenas uma máxima, mas é algo que desejamos. O que falta para concretizar esse ideal? Falta criar todo o arcabouço de legislação e de organização do setor, inclusive no campo empresarial. O Brasil começou a fazer ações nessa área e foram iniciados alguns movimentos econômicos, como o Prosub e o HXBR, de helicópteros. Outros movimentos estão acontecendo. Isso foi suficiente para despertar um segmento que era formado por pequenas empresas e atraiu também o interesse dos grandes grupos. Esse interesse ainda não está organizado. Em nossa visão, precisa ser vocacionado. Como é essa vocação? O setor industrial precisa se vocacionar para o que vai realmente produzir. Defesa não é uma estrutura que possa virar análise de franchising, que em qualquer lugar trata do mesmo assunto. Não é assim. O poderio econômico não está atrelado ao poderio de conhecimento, e nem tudo que é conhecimento se compra. É preciso trabalhar com a capacidade instalada do Brasil e fazer as coisas se desenvolverem. Existe um período de ajustes entre as empresas mais capitalizadas ou maiores e a grande massa do conhecimento que está depositada nas pequenas e médias empresas. Talvez

seja este, hoje, o grande trabalho, o grande momento que estamos vivendo. Certamente ocorrem problemas... Com determinadas consequências. Por exemplo: os grandes programas obrigatoriamente devem incluir contrapartidas de offset e transferência de tecnologias. É uma imposição legal, não é vontade apenas. Às vezes, o negócio passa ao largo disso. Perguntamos o por quê, e algumas autoridades se aborrecem. Mas o assunto tem que ser tratado, porque é lei. Compras acima de R$ 5 milhões têm que ter offset e alguém precisa explicar como a contrapartida está sendo feita. A lei precisa ser cumprida. De que maneira? De maneira lógica. Mas esse tecido tem que ser organizado. No submarino, no Prosub, há a lógica do offset, que nem agrada nem desagrada a indústria. Quando o contrato foi negociado, aquela era a lógica do momento. A indústria reclama por não ter sido chamada no momento da negociação para dizer o que queria como transferência de tecnologia. Nesses casos, o que interessa ao Brasil não é de interesse apenas do governo; mas também da indústria. Por quê? Porque é a indústria que vai operar o conhecimento e fazer dele economia, emprego e dinheiro. É o que está acontecendo? Muito diferente ocorreu no HXBR, o programa dos helicópteros para as Forças Armadas. Os 22 processos de transferênDEFESA LATINA

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A indústria quer uma lógica orçamentária. cia de tecnologia estão atraindo investimentos e, consequentemente, dando empregos, criando negócios e conhecimentos no Brasil. Não é que o Prosub não esteja dando contribuições. Mas trata-se de uma estrutura bem mais difícil de ser levada avante, de ser conduzida.

e Comércio, o Ministério da Ciência e Tecnologia, nessa linha. Não uma comissão para ficar criando embargos, problemas, mas para discutir substantivamente como é que o processo deve ser feito. Como obter essas facilidades tão importantes? Pelo exercício do trabalho. Andamos muito e logramos pontos extremamente importantes. A lei nº 12.598/2012 criou a indústria de defesa, o produto estratégico e toda uma disciplina, como a participação do capital estrangeiro no Brasil. Deu autonomia às Forças Armadas para escolher a indústria brasileira e com ela FAB

A indústria então ocupa posição fundamental nesses processos? Toda vez que o Brasil quer comprar, que vai em busca de algo, a indústria mostra uma posição muito clara: qual é o nosso papel nesse programa? Assim é a nossa expectativa com o F-X e com os novos programas. Por exemplo,

o programa Proteger, que está para acontecer agora em 15 de março, e o Sisfron, que já fez o projeto-piloto, contemplam atividades nacionais. Existe a tentativa de arrasto tecnológico. Porém, não conseguimos entender a lógica do desenvolvimento industrial no Brasil. Nas áreas em que estamos prontos, o Brasil ainda compra fora. Então, há um desbalanceamento na lógica. Está faltando uma câmara, um comitê de alta sensibilidade e de altos interesses nacionais do Brasil, entre a indústria, as Forças Armadas e os ministérios científicos – o Ministério da Defesa, o Ministério de Desenvolvimento, Indústria

O F-5 da Northrop virou F-5BR: história do caça Tiger II na FAB começou em 1975 com reconstrução totalmente projetada e executada no Brasil 42

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Bengt Nyman

Que venha o desenvolvimento nas três Forças. trabalhar o desenvolvimento dos produtos de interesse nacional. Isso é um avanço de séculos. Estamos com o regulamento da lei na Casa Civil, pronto para ser assinado pela presidente da República. Esperamos que o Senado vote a Retid, o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa, que é a repercussão econômica da lei. Então, avançamos bastante. A reorganização da Emenda 93, do Ministério da Defesa, um ministério novo, que tinha pouca estrutura de meios, de efetivos, de quantidade, de trabalho... Esperamos que se possa organizar o Ministério, porque nele está depositada a guarda da soberania nacional. Com a lei, estará muito mais na mão do Ministério da Defesa a outorga da capacidade da indústria nacional e a maneira como o assunto deve seguir e acontecer no país. Vive-se uma fase de ajustes? Mas é uma fase tão boa, excepcional, como não se via há anos! Porque, se temos que ajustar, é sinal de que as coisas estão acontecendo. Eu reputo tudo isso como um trabalho importante da Federação das Indústrias, um trabalho forte do Comdefesa e da diretoria da Fiesp. Hoje, temos outras federações, a Firjan, Fiemg, Fiergs, envolvidas nesse assunto que está dando frutos. Uma série de atividades está caminhando. O momento é propício. No passado, a indústria disputava um mercado que praticamente não

existia. Agora, ela precisa se organizar, somar, pois o mercado de defesa é pouco competitivo e complementar. Por isso, as empresas têm que passar por certa organização. Fortes grupos empresariais de outras áreas estão interessados no mercado de defesa, atraídos pelas novas demandas das Forças Armadas. Como o senhor vê essa situação? A falta de trabalho nos vários segmentos, nas outras indústrias, resulta em certa competição desorganizada. Setores absolutamente definidos numa área de atuação acabam tendo apetite para trabalhar em setores que não são sua área específica. Isso é ruim, é bom? Acho que é falta de plena utilização da capacidade da indústria de defesa. Na hora em que tudo estiver carregado, estiver trabalhando, não haverá sobra de tempo para incursões e procuras fora do foco principal. Esta é a lógica com que trabalhamos institucionalmente dentro da defesa. O setor de defesa cresceu? Cresceu absurdamente. Vou dar um exemplo de cabeça: no orçamento do ano passado, a verba do Exército era de cerca de R$ 800 milhões. Durante o exercício e dentro dos programas e desenvolvimentos, executou R$ 2,4 bilhões. Isso é maravilhoso. Investiu-se três vezes mais do que o previsto. Mas como aconteceu? O que não faz parte do progra-

ma original chega como programa adicional e nem sempre é pautado ou discutido previamente. O que isso quer dizer? Que o parque fabril de caminhões vendeu lotes de caminhões que não estavam previstos originalmente no orçamento. Isso é bom, porque resultou em desenvolvimento no país, movimentou toda a estrutura de carrocerias, meios, as indústrias de transformação. Entretanto, não era um programa previsto, e as empresas não estavam preparadas para atender. Clamamos por organização. Por que um programa voltado a determinada atividade não estava no orçamento? A indústria quer uma lógica orçamentária. Que venha o desenvolvimento nas três Forças. Mas, naturalmente, tudo deve ser mensurado e conhecido para que a indústria possa ter maior preparo. De um dia para o outro, não temos condição de estar preparados. Só podemos nos preparar se tivermos prévio conhecimento para nos organizar. É preciso compensar os desequilíbrios. É maravilhoso que tenha sido investido o triplo do orçamento previsto. Mas não pudemos conhecer os programas antes da execução. Talvez uma parte pequena do segmento tenha tido conhecimento. Isso mostra falta de discussão ampla. Qual a sua expectativa em relação à regulamentação da lei, que está para ser assinada? Acho que essa lei vai autorizar o Ministério da Defesa, por exemplo, a criar mecanismos. DEFESA LATINA

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Financiar a transferência de tecnologias O Comdefesa é um fórum de alto nível com função institucional. Mensalmente, realiza uma sessão plenária na capital paulista para analisar e discutir temas na sua área, que é da maior relevância para o país. As sugestões que emergem das suas sessões visam agregar importância à indústria de defesa e ao próprio órgão, pois se ajustam perfeitamente ao ideal de reorganização e reestruturação da defesa nacional. Mas muita água ainda vai passar por baixo dessa ponte. O mais importante é que a moldura está ganhando forma e as ações continuam. No momento, por exemplo, o Comdefesa trabalha em conjunto com a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), no preparo da proposta de um Fundo Garantidor de Transferência de Tecnologia, iniciativa de apoio à indústria já existente em muitos países. Segundo Maura Curci, gerente do Comdefesa, em projetos de envergadura, a indústria corre o risco de não ver o objetivo se consolidar, por falta de recursos para a fase final, de desenvolvimento, produção pré-série ou capacitação de pessoal. Isso diz respeito à maioria das integrantes do setor, pois o processo é caro e a empresa precisa pagar royalties ao parceiro estrangeiro. A ideia do fundo em questão é viabilizar a conclusão do processo. A ABDI e o Comdefesa pretendem sugerir ao governo a criação do fundo garantidor, justificando: “A nossa indústria precisa inovar e conquistar mais altos patamares tecnológicos. A medida dará à indústria um grande impulso”. E o assunto já ganhou o apoio da indústria, que entende a necessidade de contar com um instrumento desse porte em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Outro tema da pauta do Comdefesa é o orçamento público. O departamento está pesquisando para embasar uma análise a esse respeito. Pretende propor ao governo investir mais no segmento de defesa. Os orçamentos das Forças Armadas estão mais concentrados em custeio da máquina administrativa. “Sabemos que os recursos orçamentários são escassos, mas esperamos obter resultados de médio prazo em benefício da indústria de defesa”, diz Maura Curci.

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Hoje, temos uma estrutura de produtos controlados com lógica, certa organização e informação de como se pode fazer, de como as coisas devem acontecer. Agora, se tem o produto de defesa. Mas quem vai dizer o que é produto de defesa? A lei diz de maneira genérica. Mas alguém terá de dizer o que é efetivamente um produto de defesa, porque, na hora em que isso for dito, será preciso haver uma regra para comprar, para fazer, para produzir, para o produto existir dentro do território nacional e ser mobilizável. Terá que haver regra de aplicação. O produto de defesa pode ser aplicado inclusive no meio civil, não é só privativo das Forças Armadas... Ainda não há definição do que é produto de defesa? O produto de defesa é muito claro. Por si só, traz a amarração definida no nível estratégico. Mas terá de ser nominado, ter determinada regra, inclusive de conduta. E haverá de ser tratado dentro das empresas de maneira diferenciada, com compromisso de fornecimento constante, para que amanhã não deixe de estar na prateleira ou de existir. Para que não aconteça como no fardamento, que aparece da China, da Índia, de tudo quanto é lugar. A empresa precisa se organizar. Na hora em que surge a grande compra, o Brasil precisa parar de comprar de representante e começar a privilegiar sua indústria. A indústria de trans-


Chegou a hora. O princípio, o arcabouço está aí. formação no Brasil sofre terrivelmente a concorrência do produto externo representado, que chega em contêineres. A campanha em favor do produto de defesa nacional precisará ser incessante para que o Brasil compre de suas fábricas. Como dirigente do Comdefesa, como o senhor vê o caminhar dessas medidas? Tudo é muito difícil, mas terá de se impor. Se alguém me perguntar se alguma autoridade no Brasil tem vontade diferente dos anseios da indústria brasileira, eu respondo que não. Mas o fazer acontecer é realmente difícil. Há os interesses econômicos, os custos, as formas, as produtividades, o preparo da indústria nacional, enfim, todo esse arcabouço e o acreditar nesse fornecimento todos os anos. A gente tem histórico de problemas passados. Graças a Deus, isto está se reduzindo. De quinze anos para cá, os governos estão tomando um caminho mais correto e as coisas estão melhorando. Mas, se alguém me perguntar se existe uma autoridade que encampe o assunto, eu digo que não há ninguém. Se a indústria não encabeçar, como encabeçou em tantas outras tarefas, nada acontece. Não é fácil. A indústria brasileira tem de se organizar, certamente... A partir das federações. Temos que colocá-la como player nesses fornecimentos e não admitir outro. A lei autoriza isso. Basta

Diferentes peles do F-5BR, um exemplo de offset bem-sucedido

o Ministério da Defesa se organizar e criar o arcabouço legal. E não venham dizer que isso é reserva de mercado, porque não é. Todas as nações do mundo fazem assim. Precisamos nos suprir de meios, não só meios de guerra, técnicos, científicos, de alto conteúdo tecnológico, mas de todos, através da indústria brasileira, que tem efetivamente de ser chamada. Isso está na lei, de maneira inteligente, uma lei na qual começamos a trabalhar há seis anos. Altos oficiais dos mais altos postos das três Armas trabalharam conosco no embrião dessas leis. Oficiais brilhantes, que inclusive já deixaram as Forças, mas con-

tinuam trabalhando conosco. Portanto, eu entendo que estamos numa linha de propositura que precisamos continuar seguindo. A lei saiu. Agora, o ato do ministro da Defesa vai complementar tudo. Da mesma forma que o ministro da Fazenda baixa portarias, resoluções, um monte de medidas, o Ministério da Defesa, com base nessa lei, também deverá baixar uma série de instruções e regulamentos. Chegou a hora. O princípio, o arcabouço está aí. Depende da competência da indústria e do governo fazer acontecer. E as compras de oportunidade, como o senhor vê essa questão? Isso é muito ruim. EmDEFESA LATINA

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Se for através de empresa brasileira, tudo bem. bora o Brasil tenha feito negócios que a gente pode até reconhecer como eco­nomicamente bons, do ponto de vista da indústria, eles não deixaram e não deixam nada em tecnologia, mão de obra, oportunidades de negócios, vendas, mercado, conhecimentos. Esse tipo de negócio suga o nosso dinheiro e o leva lá para fora. Por melhor que seja a compra, do ponto de vista da indústria, ela deixa sempre um gosto amargo na boca. A compra via FMS [Foreign Military Sales] ainda temos que entender. Mas de que adianta a aeronave ser ótima se não podemos apertar um parafuso dela? Isso vai continuar? Por melhor que seja o produto, é preciso antes discutir o negócio.

rar de voar neste ano. O F-5 foi retrofitado e voa mais algum tempo; cobre aquela área central crítica. A solução do fighter tem que acontecer ou o Brasil não terá condição de defender o espaço aéreo. O programa foi discutido e colocado para a sociedade. Quanto às perspectivas, elas são boas. O Brasil está num tamanho organizado. Vemos o interesse do mercado mundial pelo Brasil. Mas não é só pelo

Nesse caso, os produtos são pura caixa-preta. Isso tem que ser revisto, precisa ser analisado. Como o senhor disse, o governo está sensível ao setor. É possível estabelecer um prazo para colher resultados concretos? Nós, que estamos ligados ao setor há muitos anos, sempre ouvimos falar que as Forças tinham planos de longo prazo, mas nunca vimos os planos. Hoje, os planos estão aí, de curto, médio e longo prazo. Se são ousados ou não... a gente pelo menos conhece. Por exemplo: o Mirage vai pa46

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atrativo do mercado brasileiro; é também pela pouca demanda no mercado de origem deles. De qualquer maneira, onde existem oportunidades de negócios hoje? No Brasil. É preciso que as oportunidades sejam contempladas pela indústria brasileira. É aquela máxima. Se for feito através de empresa brasileira, tudo bem. Eu recebo muitos profissionais que ainda não acreditam que a regra será imposta.

Para encerrar, o senhor poderia falar sobre a parte do talento humano? O Brasil é uma terra de talentos, de homens e mulheres extremamente competentes, de autodidatas, uma terra realmente muito diferenciada. Talvez não tenhamos gente pronta, mas aprontar essas pessoas é fácil. A formação acelerada de engenheiros, a troca de conhecimentos entre o Brasil e os países mais avançados, a oportunidade e a facilitação para que a gente contrate mão de obra com conhecimento externo, que estava ociosa, tudo isso é absolutamente possível. O maior exemplo do talento brasileiro é a Embraer. Muitos estrangeiros trabalharam nos primeiros grandes programas de desenvolvimento da companhia. A Marinha, com a construção naval, também trouxe profissionais do exterior... Nessa mesma análise, podemos incluir a estrutura do nosso reator nuclear. Os talentos estão na física, química, matemática, enfim, na engenharia de maneira geral. Temos talentos médicos em todas as áreas, talentos no jornalismo, empresários altamente talentosos e capazes. Isso é uma grande verdade. O Brasil é uma terra de oportunidades.


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HISTÓRIA aeronáutica

A voz e a visão da experiência Ao despedir-se da Força Aérea, o brigadeiro Azevedo realiza uma análise da Arma em tempos de transformação

“O sábio é notado sem se exibir; renuncia a si mesmo e nunca é esquecido”, disse Lao-Tse. O tenente-brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo é um desses. Ele passou 46 anos na Força Aérea. Aviador militar, voou mais de 6 mil horas, cerca de um terço delas como piloto de caça. Foi instrutor de voo, oficial de Estado-Maior, presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate e da Comissão Aeronáutica Brasileira nos Estados Unidos, chefiou o IV Comando Aéreo Regional e o gabinete do Comandante da Aeronáutica. Como oficial de quatro estrelas, esteve à frente da Secretaria de Finanças e do Estado-Maior da Aeronáutica, onde completou seu tempo de serviço. Sua despedida ocorre entre homenagens de amigos e companheiros da caserna e do meio civil, pois o brigadeiro Azevedo é dessas pessoas inesquecíveis. Casa cultura admirável com modos de fidalgo, tendo a modéstia entranhada na personalidade. No dia 4 de março, foi homenageado em almoço na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Entusiasta da indústria brasileira, disse na ocasião que, na última década, a Arma contratou R$ 9,5 bilhões somente em investimentos. Sobre o Plano Estratégico Militar da Aeronáutica 2010-2031, assinalou que os focos são “a pesquisa e o desenvolvimento científico e tecnológico, a fim de tornar a indústria de defesa cada vez mais moderna e atualizada”. Dias antes, ele concedera entrevista a DEFESA LATINA, cuja equipe lhe dá os parabéns pela brilhante carreira militar, augurando-lhe felicidades na nova etapa.

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O que o motivou a ingressar na Força Aérea? A vontade de voar. Aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de viver em Natal (RN), admirando o ir e vir das aeronaves sediadas na Base Aérea, o Trampolim da Vitória de tantas tradições, receberam forte influência para o despertar da vocação aeronáutica. Assim foi no meu tempo de adolescente, enquanto cursava a quarta série ginasial no Colégio Marista. Pelas janelas da sala de aula, via encantado o voo dos imponentes B-26 Intruder rumando para as áreas de instrução. Também recebi decisivo incentivo da família, que me levou a prestar concurso para a Escola Preparatória de Cadetes do Ar, onde ingressei na turma de 1967. Éramos 412 pré-cadetes, oriundos de todos os cantos do Brasil, sob o comando do inesquecível brigadeiro João Camarão Telles Ribeiro. A Escola de Barbacena (MG) sempre foi e continuará sendo um dos melhores centros de ensino do país. Ali, aprendemos muito, de Aristóteles a Kant, de Sun Tzu a Clausewitz. Crescemos como seres humanos, conhecemos a caserna e juramos compromisso ao Brasil, se preciso, “com sacrifício da própria vida”. Agradeço todos os dias à Força Aérea Brasileira por terme acolhido, quase menino de calças curtas, proporcionandome ampliação dos horizontes, conformando minha postura em sólidos princípios éticos e valores morais, burilando as lições de vida que trazia de casa, forjando o militar devotado ao serviço.


Como era a Força Aérea no seu tempo de jovem tenente? Vibrante, assim como é hoje! O final da década de 60 e os anos 70 representaram, para o Ministério da Aeronáutica de então, momentos de profundas transformações na esfera administrativa, fruto do Decreto-Lei 200/67, que agregava importantes evoluções à burocracia do Estado, com os naturais reflexos na instituição. Assim ocorria também nas demais áreas de atividades, como Pesquisa e Desenvolvimento – basta lembrar o primeiro voo da aeronave Bandeirante, no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em 1968, que desaguou na criação da Embraer, em 1969, representando o início do processo de consolidação da base industrial aeronáutica no país. Do mesmo modo, configurou-se grande avanço no campo operacional, em face da incorporação de equipamentos modernos, dentre outros, os C-130 Hércules, os C-115 Buffalo, os HS 748 Avro, aprimorando os meios de transporte logístico; os T-37, jatos bimotores usados na instrução dos cadetes. No âmbito da aviação de caça, chegaram três importantes vetores. Os AT-26 Xavante, primeiros jatos de combate fabricados pela Embraer sob licença da italiana Aermacchi (MB-326) para treinamento avançado, servindo de transição para os franceses Mirage III, que vinham consolidar a doutrina de Defesa Aérea, tarefa dos “Dijon Boys”, que realizaram um magnífico trabalho, complementando, com o “braço armado”, a estrutura inicial do

Arquivo da família

Brigadeiro Aprígio Eduardo de Moura Azevedo: “Não faz guerra quem depende do outro, mas sim quem domina a novidade”

Sistema (Integrado) de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo, solução genuinamente brasileira, que naqueles anos dava os primeiros passos. Chegaram ainda os F-5 Tiger, revigorando o espírito dos combatentes – especialmente do Primeiro Grupo da Aviação de Caça e do Esquadrão Pampa –, tão bem inoculado em nossas veias pelos queridos veteranos do “Senta a Pua”, que deixaram marcas indeléveis de coragem, audácia e bravura nos céus da Itália na Segunda Guerra Mundial. Vale recordar ainda as aeronaves P-16, do Primeiro Gru-

po de Aviação Embarcada, para emprego no recém-adquirido porta-aviões Minas Gerais. Renovava-se, desse modo, o poder de combate da Força Aérea. Além dos novos meios, o que havia? Nas outras esferas de competência, desenvolviam-se intensos trabalhos: as escolas de formação e pós-formação promoviam a discussão acadêmica de temas doutrinários, que resultaram na evolução das atividades de preparo para emprego eficaz e efetivo da Força quando necessário. A indústria aeronáuDEFESA LATINA

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AFA

O brigadeiro Azevedo em cerimônia na Academia da Força Aérea de Pirassununga no início do ano letivo de 2013

tica passou a receber incentivos importantes. Além da criação da Embraer, o Programa AM-X, que, ao estabelecer os mecanismos do Programa Industrial Complementar (PIC), buscava fortalecer e consolidar o parque industrial de defesa, hoje claramente definido como prioridade na Estratégia Nacional de Defesa. Eis alguns motivos por que rotulo aquele tempo como vibrante. Cabe um preito de gratidão aos líderes e comandantes de cuja maestria redundou obra de tal magnitude. Como avalia a instituição em termos de desenvolvimento material? Com o mesmo espírito de entusiasmo. Este é mais um momento de transformação. Olhando pelo prisma do desenvolvimento material, verifica-se a absorção de novas tecnologias, embaladas no coração e nas asas dos equipamentos recentemente incorporados ao acervo da Força. Basta examinar alguns destes: o A-29 Super Tucano, que protege nossas fronteiras da Região Amazônica e do Centro-Oeste. 50

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Certamente, seu impecável desempenho em operações de combate real foi fundamental para a recente decisão do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, que depositou na Embraer uma ordem inicial de compra de 20 aeronaves para emprego na zona conflagrada do Afeganistão. Houve a aquisição dos helicópteros EC-725, da Helibras/Eurocopter, que consolida a capacidade de fabricação de aeronaves de asas rotativas no Brasil. E temos os AH-2 Sabre, concebidos para emprego em missões de ataque e já em operação na Base Aérea de Porto Velho (RO); e os H-60 Black Hawk, que fortalecem as unidades de busca, salvamento e resgate. No campo da aviação de transporte, os C-105 Amazonas, ao render os C-115 Buffalo, receberam a incumbência de continuar prestando suporte aos Pelotões de Fronteira do Exército Brasileiro e transportando esperança e lenitivo para as populações menos assistidas, especialmente aquelas dos longínquos rincões amazônicos. Agrego a este cenário o enorme desafio do desenvolvimento da nova aeronave de transporte e reabastecimento em voo, o KC390, a ser produzido pela Embraer. Não menos importante são os trabalhos de modernização das aeronaves F-5M Tiger, A-1M e P-3 Orion, que vêm revigorar a capacidade de emprego e de prontaresposta da Força Aérea Brasileira. E quanto à operacionalidade? Deixamos para trás os saudosos tempos dos cachecóis esvoaçantes e dos ponteiros e

relógios, que emolduraram com glamour a história da aviação. Adentramos o vertiginoso mundo digital, dos armamentos inteligentes, como as bombas guiadas, os mísseis BVR, os de autodefesa de quinta geração, os antirradiação, entre outros, sinalizando que estamos mantendo posição “na ala do século XXI”. Já quanto à operacionalidade, a qualificação neste atributo é incontestável, verificando-se a atuação competente e segura da Força, tanto nos exercícios internacionais, em destaque a Cruzex, quanto em operações internas e conjuntas, como as Ágatas, estas, com uso de aeronaves remotamente pilotadas (ARP), cuja doutrina operacional foi plenamente absorvida pela unidade aérea de emprego. Tais ações têm fortalecido o controle das fronteiras na luta contra o crime transnacional, o flagelo das drogas, o contrabando de armas. Desses eventos, extrai-se a convicção de que a operacionalidade da Força Aérea alcança níveis de excelência, sendo garantia, nos céus, para a defesa dos interesses do Estado brasileiro. O senhor falou em “transportar esperança e lenitivo”... Sim. O tema das contribuições sociais faz parte do DNA da Força Aérea, porquanto, desde os primórdios, destaca-se sua intensa participação nas ações voltadas à integração do país, consubstanciadas nas atividades do Correio Aéreo Nacional (CAN), que é motivo de apreço e admiração do povo brasileiro. Noutra via, me-


rece registro a atuação da Força em situações de calamidades, desastres naturais ou emergências dentro e fora do país, a exemplo dos terremotos no Haiti e no Chile, das enchentes e secas na Amazônia e da recente tragédia em Santa Maria. Neste último caso, a FAB se fez presente incondicionalmente, integrando verdadeira corrente de solidariedade e ajuda humanitária, intentando amenizar o sofrimento das pessoas e famílias atingidas pelo infortúnio. Nesse mesmo sentido, vale enfatizar o trabalho de apoio às comunidades indígenas e ribeirinhas que vivem em locais de difícil acesso, principalmente na Região Amazônica, levando em suas asas medicamentos, alimentos, socorro médico e, sobretudo, dignidade, que se materializa na presença do Estado. A propósito, penso ser oportuno render uma homenagem aos homens e mulheres integrantes da Comissão de Aeroportos da Amazônia (Comara), organização do Comando da Aeronáutica responsável, desde 1956, pelos serviços de engenharia e construção de mais de uma centena de pistas de pouso naquela região, enfrentando impensáveis desafios. Quais as suas expectativas quanto ao futuro da Força Aérea? As melhores possíveis. Certamente, deparando com desafios, como é natural em todas as atividades, mas sempre colhendo conquistas, fruto do incessante trabalho dos que envergam o azul, sob a respeitada e serena liderança do coman-

dante, o tenente-brigadeiro Juniti Saito. Penso ser esta uma visão fácil de verificar, dada a consistência dos Planos Estratégicos, abrangendo um período de vinte anos à frente e apontando rumos seguros para o futuro. Nesse contexto, constata-se um conjunto de ações no campo operacional – a sequência do reaparelhamento, as aquisições e modernizações dos sistemas d’armas (aeronaves e artefatos bélicos), em especial o Projeto FX-2, que trará o almejado e imprescindível aprimoramento tecnológico e de combate para a aviação de caça. No setor logístico, há a racionalização dos processos de provisão e de contratação dos meios de suporte, estudando-se as possibilidades das parcerias público-privadas, privilegiando-se a economia de recursos e a reorganização da estrutura administrativa. No campo de pesquisa e desenvolvimento, estamos focando energia nos projetos estratégicos espaciais, em especial olhando a família de foguetes lançadores de cargas úteis, como os satélites geoestacionários e de órbita baixa. Ressalte-se que essa competência já foi adquirida e materializada nos lançamentos dos VSB-30 em parceria com entidades da Alemanha, Suécia e Noruega. Sem esquecer o campo da defesa e do controle do tráfego aéreo, cada vez mais integrados e fortes, em franca preparação para os eventos da Copa das Confederações 2013, da Copa do Mundo 2014 e da Olimpíada 2016. A relevância

Arquivo da família

Quando 1º tenente a bordo de um jato AT-26 Xavante

da área do pessoal se reflete na constante evolução de ações de apoio a homens e mulheres, militares e civis que dão vida à instituição. A área de economia e finanças assegura eficácia e confiabilidade aos atos e fatos administrativos concernentes à execução orçamentária. E temos no campo do ensino a menina dos olhos da instituição, como de todas as instituições que prezam seu bem mais precioso, as pessoas. São elas o instrumento vital à perpetuidade da Força Aérea, seus valores e princípios de conduta. Nessa área, continuam a evoluir os conteúdos programáticos, em sincronia com os avanços do conhecimento e das tecnologias. Daí nossa tradicional Escola de Engenharia, o ITA, estar ampliando sua capacidade de absorção de estudantes, objetivando dobrar o contingente atual no horizonte de três anos. Considero essas razões bastantes para embasar minha absoluta confiança nos promissores destinos da Força Aérea, sinalização DEFESA LATINA

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Ao assumir, em 2012, a chefia do Estado-Maior da Aeronáutica (Emaer). Ao lado, com o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ao receber a Medalha Militar por serviço prestados à pátria, em janeiro de 2008

de um futuro que é motivo de júbilo para aqueles que têm o privilégio de participar dessa construção com suas ações no presente. Qual o legado da Força Aérea para o senhor? O compromisso incondicional com o Brasil, que se mantém incólume, geração após geração, desde os precursores, abnegados brasileiros que perseguiram com obstinação, desprendimento, paciência, coragem, atitude, amor e sonhos aparentemente inatingíveis. Lembro Alberto Santos-Dumont, o Pai da Aviação, Patrono da Aeronáutica Brasileira, que no auge do sucesso em Paris, em 1901, quando consultado se pretendia naturalizar-se francês, disse: “A França continua52

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rá a ser minha segunda Pátria. (...) mas o Brasil precisa de mim, para difundi-lo entre os povos do mundo. Nasci brasileiro. Lá quero morrer”. Eis um exuberante exemplo de cidadania e amor às origens. Recordo Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, parlamentar nordestino, figura intrépida que, em 1902, ofertou a vida tentando provar suas teses sobre a dirigibilidade dos balões. Penso em Eduardo Gomes, o soldado-cidadão, devotado às causas do seu tempo, um dos criadores do Correio Aéreo Militar [depois Nacional], juntamente com personalidades marcantes como Nelson Freire Lavenère-Wanderley, o historiador, e Casemiro Montenegro Filho, fundador do Centro

Vinícius Santos / Sefa

CB V. Santos / Agência Forças Aérea

depoimento

Técnico de Aeronáutica (CTA) e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Reverencio Nero Moura, herói de guerra, junto com os companheiros do Primeiro Grupo de Aviação de Caça, na campanha da Itália. Em continuidade harmônica de propósitos, agregam-se numerosos outros líderes. Com todos aprendi muito. Deles levo o melhor que uma vida dedicada a servir ao Brasil poderia almejar como recompensa: a sensação de que, segundo traduzia Immanuel Kant, “há duas coisas belas no universo: um céu estrelado sobre nossas cabeças e o sentimento do dever cumprido no coração”. Gostaria de acrescentar algo? Um agradecimento especial à DEFESA LATINA, pela oportunidade de falar da Força Aérea Brasileira, expressando minha reverência à instituição que me acolheu carinhosamente e à profissão que escolhi como projeto de vida. Também renovo minha confiança nas gerações do presente e do futuro. A corrida de bastões continua no inexorável curso da história, permanecendo “as asas que protegem o País” em muito boas mãos.


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homenagem

Um homem chamado

Neiva

A saga de um grande pioneiro da moderna construção aeronáutica brasileira Ana Rita Aranha Ferraciolli

Na história do desenvolvimento da aviação no Brasil, José Carlos de Barros Neiva é um nome de destaque. Durante cerca de 35 anos, liderou uma das mais antigas e conhecidas fábricas de aeronaves da América do Sul. Gerou empregos, desenvolveu mercados, superou limites e promoveu a construção aeronáutica. Piloto, projetista, empreendedor, visionário determinado e realista, concretizou muitos de seus sonhos com sucesso, apesar das dificuldades enfrentadas pela indústria do setor ao longo dos anos. Tanto amava as aeronaves que às vezes o chamavam de “Aeroneiva”. Tive o imenso prazer de conhecer o bravo pioneiro e sua adorável esposa, Eda Ida. Vi o brilho nos seus olhos enquanto ele falava sobre aviões. Pareceume estar diante de um menino cheio de vontade e garra. Aos 89 anos, Neiva projetava uma

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roclube de Manguinhos, no Rio de Janeiro, em um biplano Moth inglês. Queria ser engenheiro aeronáutico, mas estudou física. Aos 24 anos, com o pai e auxiliares, construiu numa garagem alugada junto ao aeroclube, uma aeronave de projeto alemão que ele mesmo desenhara. Era o planador Monitor, feito de madeira e revestido de tela, como as aeronaves leves da época. Logo veio outro, o Neiva B Monitor, apelidado de “Neivão”, que seria adquirido em lote de vinte pelo Ministério da Aeronáutica para distribuição, sem instrumentos, a aeroclubes do país. Alguns remanescentes ainda voam. Passo seguinte, construiu um planador de uso desportivo, o BN-1, destaque no Campeonato Mundial de Voo a Vela, na França, em 1956. Aeroclube de Santa Catarina

Neiva P-56C Paulistinha

aeronave de fácil acesso para pilotos com pouca mobilidade e flexibilidade motora – mais um projeto inovador. Publicitária e produtora audiovisual, gravei imagens e áudio do mestre. Olhar penetrante, observador, rápido no raciocínio, firme e amigo, Neiva me emprestou sua vida e seus sonhos para que eu viabilizasse o meu, de contar a história de um brasileiro para os brasileiros em forma de documentário. Sem titubear, autorizou-me a retratar sua trajetória de construtor aeronáutico, iniciada após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando as poucas indústrias de aviões do Brasil não resistiam à crise e encerravam suas atividades. Neiva nasceu em 1924 numa paróquia do Cambuci, bairro da capital paulista, onde seu tio era vigário. Com 15 anos, fez seu primeiro voo no Ae-

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Ana Rita Aranha Ferraciolli

criou o Universal, monomotor biplace lado a lado de duplo comando, com trem de pouso retrátil, comando elétrico, freio a disco, estrutura e revestimentos metálicos, ainda grandes novidades na ocasião. De excelente desempenho e fácil operação, tinha motor Lycoming de 290 hp. Na FAB, recebeu a designação T-25. Voa ainda hoje na instrução básica dos cadetes da Aeronáutica em Pirassununga (SP). O Universal e o Regente, projeto seguinte da Neiva, foram as primeiras aeronaves metálicas feitas no Brasil. Quatro modelos de aeronaves ocuparam Neiva nos anos 1960: o Universal, duas versões do Regente e o T-23 Uirapuru, da indústria Aerotec, de instrução básica militar e civil. Em 1968, esses aviões foram se exibir numa feira argentina. Em Buenos Aires, pernoitaram numa base militar. No dia seguinte, voariam para o evento, a 3 quilôme-

José Carlos de Barros Neiva em 2013 e, abaixo, junto do planador “Neivão” Armando Pettinelli Neto

Sonhos e realidade Em 1954, ele havia fundado a Sociedade Construção Aeronáutica Neiva Ltda. no Rio de Janeiro para fabricar planadores. Dois anos depois, instalou a empresa em Botucatu (SP), onde, com apoio da Aeronáutica, obteve licença da Companhia Aeronáutica Paulista (CAP), falida em 1949, para fabricar o legendário Paulistinha. Neiva não se limitou a reproduzir o projeto: alterou janelas, portas, capô, tanque de combustível, motor (colocou um Lycoming de 100 hp) e tamanho da aeronave, que batizou de Neiva P-56 Paulistinha. Sucesso total. Foram fabricadas 270 unidades, distribuídas a aeroclubes, à Força Aérea Brasileira e a países vizinhos. Até hoje, a célebre aeronave forma e treina pilotos civis e militares. Em 1961, engenheiros da Aeronáutica fizeram um estudo prospectivo de dez anos para nortear o setor. Publicada a instrução de incentivo industrial, o primeiro requerimento para um avião de treinamento básico para a FAB foi emitido. A vencedora foi a Neiva, com o projeto B-621. A companhia abriu escritório em São José dos Campos. Junto com o projetista húngaro Joseph Kovacs, radicado no Brasil, Neiva

tros de distância, mas, pela manhã, os organizadores decidiram levá-los pelas ruas da cidade, liderados por batedores. E assim foi. Misturados a ônibus e automóveis, motores ligados e hélices girando, eles ajudaram o tremendo buzinaço provocado na capital portenha por causa da inédita manobra de “cobrinha” em via pública. A Neiva produziu 150 unidades do T-25 Universal e 100 do Regente, que garantiram crescimento à indústria e empregos regulares: 680 pessoas trabalharam nas duas instalações da empresa. Em 1974, a Embraer, criada cinco anos antes, obteve licença para fabricação da linha Piper norteamericana. A Neiva trabalhou para a estatal, produzindo componentes estruturais e unidades dos modelos Carioca, Corisco e Tupi. Mais tarde, passou a produzir também o Embraer-200 Ipanema, de aplicação agrícola. Em 1979, a empresa abriu seu capital, transformada em Indústria Aeronáutica Neiva S.A. No ano seguinte, premida pelas dificuldades de mercado, sobretudo a concorrência de aeronaves importadas e a alta carga tributária, a companhia foi absorvida pela Embraer, a mando do Ministério da Aeronáutica. A empresa de José Carlos de Barros Neiva havia produzido mais de 500 aeronaves até aquele momento e seu executivo retirou-se para a região de São Sebastião, no litoral paulista. Lá faleceu no dia 9 de fevereiro, aos 89 anos. Seu nome batiza ainda um setor produtivo da Embraer, que inovou no mercado mundial com o Ipanema movido a etanol. E permanecerá vivo na história da indústria aeronáutica do Brasil. DEFESA LATINA

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programa antártico

Canteiro de obras no gelo

MMA

Sargento da Marinha será processado em sigilo pela destruição da Estação Comandante Ferraz, que começará a ser reconstruída no próximo verão antártico

Marinha do Brasil

A base Comandante Ferraz destruída pelo incêndio: cientistas do Ibama fazem a supervisão da desmontagem para reduzir o impacto ambiental

NApOc Ary Rongel: o “Gigante Vermelho” participa da intensa 31ª Operação Antártica, cujo canteiro de obras recebe curiosos pinguins 56

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Uma péssima notícia sobre o acidente na base brasileira na Antártica veio à tona no último dia 13 de fevereiro, atrapalhando o ambiente positivo da Operação Antártica em curso, a Operantar 31. A Justiça Militar da União aceitou denúncia contra Luciano Gomes Medeiros, primeiro-sargento da Marinha, acusado de provocar o incêndio. Ele responderá por homicídio culposo (sem intenção de matar) dos dois militares falecidos na ocasião e por dano à instalação militar – dois outros marinheiros foram liberados “por falta de indícios de participação no crime”, de acordo com a denúncia do Ministério Público Militar. Pensar que possa ter havido crime nessa situação, ainda que por negligência ou imperícia, era até aqui inimaginável. Conforme apurou a repórter Débora Zampier, da Agência Brasil, a denúncia do Ministério Público Militar alega que o sargento Medeiros, responsável pela transferência de óleo diesel entre os tanques de alimentação dos geradores da base, deixou o posto para participar da festa de despedida de uma pesquisadora sem encerrar a operação. Com isso, concluiu a perícia, houve escape do óleo, que, em contato com o gerador quente, foi a principal causa do incêndio. O saldo da alegada negligência foram duas mortes e a destruição

da base brasileira, com prejuízo orçado em R$ R$ 24,6 milhões. O interrogatório do acusado e a oitiva de seis testemunhas ocorreram no dia 28 de fevereiro, mas nada virá a público, devido ao caráter sigiloso do processo, determinado pela Justiça por estarem envolvidas questões de segurança nacional. Enquanto isso, a nova base antártica brasileira vai tomando forma nas pranchetas dos arquitetos dispostos a participar do concurso internacional aberto no dia 28 de fevereiro último pela Marinha, em conjunto com o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). O dia 14 de março, de acordo com o edital, será o deadline para inscrição dos projetos, que podem ser assinados por profissionais nacionais ou estrangeiros – estes, associados a escritórios de arquitetura brasileiros. Beleza e tecnologia De acordo com o comandante da Marinha, almirante Júlio Soares de Moura Neto, o objetivo do concurso é debater inovações tecnológicas com os arquitetos. “ Queremos trabalhar com os melhores profissionais e com a mais moderna tecnologia. A base do Brasil será referência”, disse. Por sua vez, o presidente do IAB, Sérgio Magalhães, garante que a nova base brasileira será um cruzamento de beleza, conforto e alta tecnologia, muito diferente da obsoleta estrutura de Ferraz, velha de quase três décadas. Além da busca de uma solução sofisticada, tanto do ponto de vista tecnológico quanto do


Da esquerda: o o comandante da Marinha, almirante Julio Soares de Moura Neto; o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa do Ministério de Ciência e Tecnologia, professor Carlos Nobre; e o presidente do IAB, arquiteto Sérgio Magalhães no lançamento do concurso

fissionais presentes. Ela explicou ainda que qualquer impacto gerado na Antártica demanda avaliação do Ibama e também dos países que compõem o Protocolo de Madri sobre preservação ambiental na ocupação da Antártica para fins de pesquisa. De acordo com o cronograma do concurso, o resultado será divulgado no dia 15 de abril e as obras para a nova base militar, orçadas em R$ 100 milhões, deverão ser iniciadas em janeiro de 2014, com inauguração prevista para fevereiro de 2015. Agora em março, com o final do verão antártico 2012-2013, as equipes de pesquisa vão retornar a suas respectivas universidades.

Enquanto trabalhavam na região, fosse nos navios brasileiros deslocados para a Baía do Almirantado, fosse nas bases da Argentina e do Chile, técnicos e militares do Arsenal da Marinha e fuzileiros navais providenciavam a remoção dos escombros da base incendiada – calculados em 800 toneladas – e instalavam os módulos

Heitor Evangelista / INCT Criosfera

construtivo e espacial, o Brasil pretende que a Estação Antártica incorpore os mais avançados requisitos ambientais. Para tanto, os arquitetos interessados – mais de 100 – assistiram a um seminário sobre o concurso realizado na sede do IAB, no qual receberam orientações do Ministério do Meio Ambiente (MMA), apresentadas pela analista ambiental Jaqueline Leal Madruga, sobre as limitações para construir na Antártica. O projeto deverá ter a menor área construída possível para atender a todas as necessidades da estação. “A área é muito restrita, vocês terão que ser quase mágicos”, disse Jaqueline aos pro-

Criosfera 1: grupo do Inpe com o primeiro módulo científico brasileiro no interior do Continente Antártico DEFESA LATINA

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Inpe em novas medições Embora concentrasse grande parte das pesquisas brasileiras na Antártica, a base incendiada não era a única estação de trabalhos científicos do país, que são feitos também em navios de pesquisa e em acampamentos isolados. Um desses locais fica a 2.500 quilômetros da Estação Comandante Ferraz, no rumo sul, e foi inaugurado em janeiro de 2012, pouco antes do incêndio. Trata-se do módulo de pesquisa Criosfera 1. Totalmente automatizado, ele coleta dados meteorológicos, de química atmosférica e também de dióxido de carbono, entre outros estudos, envolvendo sete instituições acadêmicas do país. A 670 quilômetros do Polo Sul, o Criosfera 1 faz parte do programa antártico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que já tem cerca de 30 anos. Atualmente, seus três projetos locais agrupam estudos sobre dinâmica da atmosfera, camada de ozônio, meteorologia, gases de efeito estufa, radiação ultravioleta, transporte de poluição, oceanografia, interação oceano-atmosfera e relação Sol-Terra. O Criosfera 1 usa apenas sol e vento para suprir a energia necessária aos equipamentos e envia dados ao Inpe durante o ano todo O Inpe havia lançado pouco antes, em novembro de 2012, outro equipamento na Antártica: uma boia meteo-oceanográfica. Ela fica na Ilha Deception e coleta dados oceanográficos em águas rasas como parte do projeto Interações Oceano-Atmosfera-Zona Costeira em Microescala (Interception). Com 700 quilos e 2 metros de diâmetro, a boia abriga sensores e uma plataforma (PCD-Argos) que permite receber os dados medidos praticamente em tempo real. De acordo com o diretor do Inpe, Leonel Perondi, o sistema foi totalmente construído e integrado por uma empresa brasileira, a Neuron Eletrônica, que é parceira do instituto em projetos de instrumentação oceanográfica e participou do programa do satélite sino-brasileiro (CBERS 1 e 2), entre outros. A área de estudo da boia é o cume de um vulcão ativo que fica pouco acima do nível do mar em Port Foster, um ambiente geotectônico que impacta a circulação oceânica e a atmosfera adjacente.

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emergenciais adquiridos por R$ 14 milhões da Canada Resources. Houve muita movimentação de máquinas no período, seguindose o plano de desmonte, elaborado por equipes do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e do Ibama por solicitação do MMA, coordenador do Grupo de Avaliação Ambiental (GAAm) do Programa Antártico Brasileiro. A estação provisória, feita com os módulos, fica no local do heliponto de Ferraz. Tudo foi feito sob a supervisão de técnicos do Ibama, que zelam pela higidez ambiental da região ocupada pelo Brasil. Também trabalharam no local técnicos da empresa Oi, responsáveis pela construção e instalação dos equipamentos de telecomunicação da estação. A parceria entre a empresa e a Marinha prevê que um único módulo concentre todos os equipamentos de comunicação, como antenas com sistema anticongelante, modems com chaveamento, roteadores, terminais para gerenciamento da estação e antenas de transmissão e recepção de sinais de telefonia móvel. O investimento poderá chegar a R$ 4 milhões. “A gente doou a estação e também não fará cobrança pelo serviço”, garantiu Francisco Valim, presidente da Oi, que despachou técnicos e equipamentos para a Antártica em janeiro, torcendo para que as condições climáticas permitissem inaugurar o sistema ainda durante a atual Operação Antártica. Como se vê, as atividades da Operantar 31 foram extenuantes, tomando três turnos do dia. “Tratores, guindastes, em-


“Em dois dias, com uso de guindastes, balsas, esquis e tratores, todos os módulos foram posicionados em terra”, registraram. Montados os módulos, fica de pé a estação provisória, prevista para durar muitos anos e servir às necessidades da pesquisa e de abrigo aos 15 militares que permanecem o ano todo no local, garantindo a manutenção das estruturas e preparando os trabalhos de cada verão antártico. Tanto trabalho sustenta o compromisso assumido pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, que afirmou: “Nós estaremos presentes na Antártica todo esse tempo, o Brasil não se afastou da Antártica”. E o motivo é estratégico, afirmou o ministro Marco Antonio

NASA-JPL / Caltech-UCI

pilhadeiras e tesouras-mecânicas circulam pela faixa de terra movimentando contêineres, recolhendo escombros – trânsito por vezes interrompido pela passagem de um curioso pinguim pelo canteiro. Soldadores quebram chapas de aço queimadas pelo fogo, que serão colocadas em contêineres para o embarque no navio Germania, locado pela Marinha para fazer o translado dos entulhos”, descreveram os repórteres Jefferson Botega e Guilherme Mazui, do jornal gaúcho Zero Hora. A azáfama envolveu 200 homens quando somados os contingentes dos navios fundeados na baía. Do argentino Bahia San Blas desceram 39 contêineres com os módulos emergenciais.

Raupp, da Ciência, Tecnologia e Inovação. Estratégico, explicou, “pelas pesquisas das condições da Antártica e pelo conhecimento atmosférico e oceânico, que influenciam a vida aqui na América do Sul e no Brasil, mas também devido ao tratado para ocupação da Antártica por todos os países do mundo. Temos que fazer pesquisas lá para mantermos direito a ter uma posição na Antártica”.

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Imagem da Nasa mostra os rios da antártica

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artigo

O incompreendido legado tecnológico militar brasileiro O Brasil vive agora o terceiro ciclo do sonho de se tornar uma potência militar. O primeiro ciclo ocorreu nos anos 1930, o segundo, data dos 1960, mas continuamos sem compreender o legado do período que deveria ter sido de grande e verdadeiro aprendizado – as décadas de 1970 e 1980, quando nos tornamos exportadores de itens que iam desde peças de fardamento, munições e aviões até veículos blindados sobre rodas, exportados a mais de vinte países. Sobram hoje muitos erros e alguns acertos, visto que somos um país que pensa, em nível governamental, num horizonte de quatro anos e, em nível militar, de dois. O conhecimento que nos permitiu atingir um estágio interessante e promissor surgiu, em grande parte, da área militar, na qual se desenvolveram diversos projetos. Estes culminaram em protótipos, que, repassados à indústria privada, entraram em produção seriada para uso interno e exportação. Seus notórios êxitos de venda tiveram apoio dos governos daqueles anos. Depois, em momento mais delicado, faltou à indústria um apoio crucial para os destinos do setor: o apoio interno. O histórico do desenvolvimento tecnológico nacional poderia ter sido muitíssimo bem aproveita60

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Astros II da Avibrás, o grande sucesso da indústria brasileira...

do, pois não perdemos o principal de nossa capacitação: o fator humano. Mais uma vez, porém, estamos errando por desconhecimento do passado recente, quando, em muitos casos, tínhamos produto nacional superior aos adquiridos de segunda mão de Europa e EUA. E o pior é que, hoje, acreditamos que determinados produtos se tornam nacionais só pelo fato de serem montados no país. Assim, confundimos de novo europeização com modernização, como na década de 1920. Estamos criando conglomerados de defesa que reúnem empresas sem tradição nesse campo, embora excelentes em outros. Tais companhias acabam se associando a

conglomerados estrangeiros especializados na área, que querem vender produtos, e não nos ensinar a fazê-los. O risco é continuarmos na terrível dependência em que estamos nesta área, tão vital para nosso futuro. Nada contra parcerias, que até são bem-vindas. Ocorre que empresas estrangeiras estão adquirindo pequenas empresas brasileiras de importância estratégica, mas seus projetos e produtos acabam absorvidos ou até anulados pelo comprador, que os vê como concorrentes. Isso é preocupante. Vale destacar que o progresso tecnológico de uma nação é o que determina, em grande parte, sua capacidade econômica. Ambas as áreas são determinan-


Fotos: Expedito C.S. Bastos

...e o caminhão militar Terex UAI M1-50, o maior dos fabricados no país

tes para gerar os recursos que sustentam forças competentes, bem armadas e com a dimensão necessária para garantir os interesses do país. Por isso, não se pode medir o poder de uma nação unicamente pelo tamanho ou pela competência de suas forças armadas. Pesa na balança também uma base econômica forte, com capacidade de produzir e sustentar setores industriais ou comerciais necessários ao domínio e à independência tecnológica de ponta, que muita das vezes não pode ser adquirida ou repassada em sua totalidade. Dominamos fragmentos de conhecimentos, que, na maioria das vezes, não se encaixam no conjunto do que está sendo

desenvolvido. Em muitos casos, prestigiamos a indústria estrangeira em detrimento da nacional, adquirindo itens que poderiam muito bem ser desenvolvidos e fabricados localmente. Claro que isso com os investimentos e a garantia de compras mínimas, até porque os empresários vivem de lucros, e não da crença de estar ajudando a nação. Importarmos equipamentos usa­­ dos ou novos a baixo custo, tidos como compras de ocasião, mas com extensos contratos de manutenção, que não agregam em transferência de tecnologia. Pelo contrário, nos tornam meros usuários desses produtos, até que, uma década depois, obsoletos,

eles sejam descartados pura e simplesmente, como vem ocorrendo. Compramos, em muitos casos, para atender ao momento. É o que estamos a ver em relação aos grandes eventos que em breve ocorrerão no país. Os prazos para as aquisições necessárias são curtos e impedem que a indústria nacional e os centros de pesquisas civis e militares deem as respostas de que tanto precisamos na área de defesa. Teria sido possível gerar empregos, conhecimentos e divisas para o país, mas... Daí o sério risco de, daqui a vinte anos, estarmos criando o quarto ciclo. Mais uma vez, sem termos aprendido com os outros três. Até quando? DEFESA LATINA

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Embraer

efemérides

20 anos: Rumo à maioridade Em 1993, a indústria aeroespacial brasileira passava por sérias dificuldades em razão da crise econômica internacional contemporânea do fim da Guerra Fria, robustecida pela Guerra do Golfo. No Brasil, o cenário político era também de turbulência; o vice-presidente da República Itamar Franco assumira o cargo supremo após o impeachment de Fernando Collor por esquema de corrupção e tráfico de influência. Nesse ano, em 18 de março, um grupo de dirigentes do setor reuniu-se em São José dos Campos (SP) e fundou a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) para defender a debilitada atividade junto ao governo. Não é difícil imaginar o tamanho do repto lançado à nova associação. O segmento, que faturava US$ 750 milhões/ano, caiu para menos de US$ 300 milhões. Seus quadros, antes com 14 mil empregados foram enxugados para menos da metade. Maior indústria aeronáutica do Cone Sul, a Embraer estava ameaçada por uma dívida gigantesca. De seus fornecedores brasileiros, muitos haviam deixado de existir. Jamais se vira crise igual aquela. O governo cobrava proibitivos 9% ao ano pelos financiamentos concedidos ao setor, enquanto nos EUA, os juros não passavam de 1% ao ano. Para piorar, aeronaves importadas não pagavam impostos no Brasil, desequilibrando a concorrência. O setor em dificuldade teria que andar com as próprias pernas. A Embraer, que pertencia ao Estado, desenvolvia um novo produto: o jato regional ERJ-145. A AIAB reforçava o lobby em favor da indústria que, para se manter atualizada tecnologicamente, carecia de investimentos constantes. Mas os recursos não apareceram. Somente com a privatização da empresa, realizada em 7 de dezembro de 1994, o setor aeroespacial ganhou sobrevida e veio a se reorganizar. No ano seguinte, o novo jato regional brasileiro foi apresentado ao mercado. Em dezembro de 1996, ocorreram as duas primeiras entregues da produção em série, que cresceria como fermento em bolo. Havia uma nova etapa vitoriosa à vista. A AIAB contribuiu para a retomada do setor com atividades relacionadas a concepção, produção, comercialização e assistência pósvenda de produtos, além de prestar serviços técnicos especializados. Hoje, quando o mercado aeroespacial é o terceiro do mundo, o setor local prospera, apresentando-se como o único segmento de alta tecnologia do Brasil com resultados positivos na balança co62

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mercial, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Tendo iniciado sua trajetória com apenas dez associadas, a associação congrega hoje 52 e mais três sócios honorários: o Departamento de Ciência e Tecnologia do Comando da Aeronáutica, a Agência Espacial Brasileira (AEB) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Representativa, ela integra desde 2001 o International Coordinating Council of Aerospace Industries Association, que congrega associações congêneres de EUA Canadá, Europa, Japão e Rússia, atuando em questões de aeronavegabilidade, controle de tráfego aéreo, segurança, meio-ambiente e uso de veículos civis não tripulados (Vants), junto à Organização da Aviação Civil Internacional. Em 2011, suas associadas faturaram US$ 6,8 bilhões, sendo R$ 5,1 bilhões em exportação. Elas garantem mais de 23 mil empregos diretos e significativa massa de colaboradores terceirizados. Os dados de 2012 ainda não foram anunciados, mas, segundo expectativa do setor, devem atingir o previsto, pouco acima de US$ 7 bilhões. Para 2013, espera crescer 6% sobre o resultado do ano anterior.


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