130 Anos de (des)ilusão: A farsa abolicionista em perspectiva desde olhares marginalizados

Page 1

12. A obra inacabada da escravidão: a política imigrantista e a divisão social do trabalho negro no Brasil Lorena Paula José Duarte

13. A branquitude acadêmica, a invisibilização da produção científica negra e o objetivo-fim Lourenço Cardoso

14. Entre a abolição e o abolicionismo penal: insurgência marginal crítica por uma sociologia do sistema de controle racial brasileiro Luciano Góes

15. “Sonoridades, batidas e levadas”: r(e) xistências negras através do samba e do choro na Grande Florianópolis Marcelo da Silva

Luciano Góes

Suas vozes enunciar am resistência, insurgência, confronto e desafio ao sistema racista brasileiro ao preconizar o (re)for talecimento, empoderamento e emancipação liber tária de nosso povo, pautando o genocídio ontológico e estr uturante. Brados que, mesmo silenciados, sempre poderão ser ouvidos, pois mais vívidos e presentes do que nunca.

1. Diálogos interseccionais: ancestralidade e poesia na resistência de mulheres negras Angela Maria de Souza

2. 130 anos de abolição: tortura e maus tratos, o código jurídico da dor tem cor!! Deise Benedito

3. “Quando passar naquela encruza não se esqueça de olhar para trás!”: epistemologia de Exu na construção de uma psicologia Ubuntu Edelu Kawahala

a far sa abolicionista e m p e r s p e c t i va d e s d e a far sa abo licio n ist a e m pe r spe ct iva de sde o lh ar e s mar gin alizado s

16. “Meu cabelo é black e cresce forte, pra cima!”: educação infantil e relações raciais

Prólogo

Núbia de Oliveira Santos; Patrícia Sodré

17. Do sujeito desidentificado à maioria minorizada: uma abordagem histórica da antinegritude na mídia brasileira Richard Santos

18. O racismo e as políticas públicas na área da saúde Silvana Veríssimo

19. Memórias milicianas: o racismo estrutural à brasileira Susan de Oliveira

Tiago Vinícius André dos Santos

21. 130 anos de Lei Áurea e 30 anos da Constituição de 1988: constitucionalismo e decolonialidade em perspectiva diaspórica

editora

Thula Pires

22. Bioética e Luta Antirracista: caminhos cruzados

ISBN 978-85-8425-957-1

LU CIA N O G Ó E S [O R G. ]

20. Corpo negro jaleco branco: um processo judicial e de branqueamento

olhares marginalizados

LU C I A N O G ÓE S [ OR G . ]

4. Considerações sobre o caso Simone A. Diniz: falta de acesso à justiça, de direitos iguais e de isologia para a(o)s negra(o)s Fábio Feliciano Barbosa

5. As crianças negras também são sujeitos de direitos: um estudo a partir dos relatórios do sistema ONU sobre a implementação de políticas públicas no Brasil André Luis Goulart Dias; Fernanda da Silva Lima

6. O golpe de 2016 e a questão racial no Brasil Gabriel de Carvalho Sampaio

7. 130 anos de abolição: hip hop e resistência da juventude negra Geíse Pinheiro Pinto; Larissa Amorim Borges; Suely Virgínia dos Santos; Vanessa Cristina de Jesus

8. O relho enquanto metáfora civilizatória: a desumanização escravagista como gênese e herança do direito brasileiro Guilherme Andrade dos Santos

9. A Constituição Cidadã de 1988 e a titulação dos quilombos no Brasil: avanços e desafios Givânia Maria da Silva

10. “Até onde a memória alcança”: lembranças de narrativas da escravidão, da abolição e do pós-abolição no Brasil

Wanderson Flor do Nascimento

José Bento Rosa da Silva

23. Poesias Pretas

11. A filosofia africana e as relações raciais

Lucas Rodrigues Menezes; Natan Rodrigues Menezes

Katiúscia Ribeiro



130 Anos de (des)ilusĂŁo: A far sa abolicionista em per spectiva desde olhares marginalizados



130 Anos de (des)ilusĂŁo: A far sa abolicionista em per spectiva desde olhares marginalizados

Luciano GĂłes [Organizador]


Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843, Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007

Copyright © 2018, D’Plácido Editora. Copyright © 2018, Os autores. Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

Tales Leon de Marco

W W W. E D I TO R A D P L A C I D O. C O M . B R

Capa, projeto gráfico

Letícia Robini

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

Diagramação

Christiane Morais de Oliveira

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica 130 Anos de (des)ilusão: A farsa abolicionista em perspectiva desde olhares marginalizados -- GÓES, Luciano [Org.] - Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018. Bibliografia. ISBN: 978-85-8425-xxx-x 1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Criminologia. I. Título. CDU343.9 CDD341.59




Foto: Ewerton Pereira da Silva / Fotógrafo da G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti E-mail: ewerton_psilva@hotmail.com

“Não sou escravo de nenhum senhor Meu Paraíso é meu bastião Meu Tuiuti, o quilombo da favela É sentinela na libertação Irmão de olho claro ou da Guiné Qual será o seu valor? Pobre artigo de mercado Senhor, eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor Tenho sangue avermelhado O mesmo que escorre da ferida Mostra que a vida se lamenta por nós dois Mas falta em seu peito um coração Ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz Eu fui mandiga, cambinda, haussá Fui um Rei Egbá preso na corrente Sofri nos braços de um capataz Morri nos canaviais onde se plantava gente Ê, Calunga, ê! Ê, Calunga! Preto Velho me contou, Preto Velho me contou

Onde mora a Senhora Liberdade Não tem ferro nem feitor Amparo do Rosário ao negro Benedito Um grito feito pele do tambor Deu no noticiário, com lágrimas escrito Um rito, uma luta, um homem de cor E assim, quando a lei foi assinada Uma lua atordoada assistiu fogos no céu Áurea feito o ouro da bandeira Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel Meu Deus! Meu Deus! Se eu chorar, não leve a mal Pela luz do candeeiro Liberte o cativeiro social Meu Deus! Meu Deus! Se eu chorar, não leve a mal Pela luz do candeeiro Liberte o cativeiro social.” G.R.E.S Paraíso do Tuiuti (2018) Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?



Sumário

Prólogo

13

Luciano Góes

1. Diálogos Interseccionais: ancestralidade e poesia na 19 resistência de mulheres negras Angela Maria de Souza

2. 130 Anos de Abolição: tortura e maus tratos, o código jurídico da dor tem cor!! 35 Deise Benedito

3. “Quando Passar Naquela Encruza não se Esqueça de Olhar Para Trás!”: epistemologia de Exu na construção de uma psicologia Ubuntu 59 Edelu Kawahala

4. Considerações Sobre o Caso Simone A. Diniz: falta de acesso à justiça, de direitos iguais e de isologia para a(o)s negra(o)s 73 Fábio Feliciano Barbosa


5. As Crianças Negras Também São Sujeitos de Direitos: um estudo a partir dos relatórios do sistema ONU sobre a implementação de políticas públicas no Brasil

101

André Luis Goulart Dias Fernanda da Silva Lima

6. O Golpe de 2016 e a Questão Racial no Brasil

129

Gabriel de Carvalho Sampaio

7. 130 Anos de Abolição: Hip Hop e resistência da juventude negra.

155

Geíse Pinheiro Pinto Larissa Amorim Borges Suely Virgínia dos Santos Vanessa Cristina de Jesus

8. O Relho Enquanto Metáfora Civilizatória: a desumanização escravagista como gênese e herança do 185 direito brasileiro Guilherme Andrade dos Santos

9. A Constituição Cidadã de 1988 e a Titulação dos Quilombos no Brasil: avanços e desafios

205

Givânia Maria da Silva

10. “Até Onde a Memória Alcança”: lembranças de narrativas da escravidão, da abolição e do pós-abolição no Brasil.

229

José Bento Rosa da Silva

11. A Filosofia Africana e as Relações Raciais Katiúscia Ribeiro

253


12. A Obra Inacabada da Escravidão: a política imigrantista e a divisão social do trabalho negro no Brasil

273

Lorena Paula José Duarte

13. A Branquitude Acadêmica, a Invisibilização da Produção Científica Negra e o Objetivo-Fim

295

Lourenço Cardoso

14. Entre a Abolição e o Abolicionismo Penal: insurgência marginal crítica por uma sociologia do sistema de controle racial brasileiro 313 Luciano Góes

15. “Sonoridades, Batidas e Levadas”: r(e)xistências negras através do samba e do choro na Grande Florianópolis

341

Marcelo da Silva

16. “Meu Cabelo é Black e Cresce Forte, Pra Cima!”: educação infantil e relações raciais 369 Núbia de Oliveira Santos Patrícia Sodré

17. Do sujeito Desidentificado à Maioria Minorizada: uma abordagem histórica da antinegritude na mídia brasileira 389 Richard Santos

18. O Racismo e as Políticas Públicas na Área da Saúde

405

Silvana Veríssimo

19. Memórias Milicianas: o racismo estrutural à brasileira Susan de Oliveira

415


20. Corpo Negro Jaleco Branco: um processo judicial e de branqueamento 435 Tiago Vinícius André dos Santos

21. 130 Anos de Lei Áurea e 30 Anos da Constituição de 1988: constitucionalismo e decolonialidade em perspectiva diaspórica 463 Thula Pires

22. Bioética e Luta Antirracista: caminhos cruzados

487

Wanderson Flor do Nascimento

23. Poesias Pretas

507

Lucas Rodrigues Menezes Natan Rodrigues Menezes

AUTORES

513


Prólogo

“Será ... Que já raiou a liberdade, Ou se foi tudo ilusão. Será ... Que a Lei Áurea tão sonhada, Há tanto tempo assinada, Não foi o fim da escravidão. Hoje, dentro da realidade, Onde está a liberdade, Onde está que ninguém viu. Moço... Não se esqueça que o negro também construiu As riquezas de nosso Brasil. Pergunte ao Criador, Quem pintou esta aquarela, Livre do açoite da senzala, Preso na miséria da favela [...].” G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (1988) “100 Anos de Liberdade: Realidade ou Ilusão.”

As datas que marcam ciclos desde a Lei Áurea, que para olhares “menos atentos” representam progresso e desenvolvimento do país, sempre inspiraram o mundo sambista. Compositores não se deixaram embalar por suaves levadas carnavalizadas cujos acordes navegam à feição de cantigas de ninar, pois a quarta-feira desencanta qualquer quimera, tal qual leve brisa sobre cinzas. O dono do corpo negro, como leciona Muniz Sodré, “é meio e o lugar de uma troca social, de expressão de opiniões, fantasias e frustrações, de continuidade 13


de uma fala (negra) que resiste à sua expropriação cultural1, trazendo consigo a dolorosa realidade harmoniosamente denunciada nas rodas, herdeiras da dor diaspórica, origem comum da qual emergem histórias (re)negadas e desumanidade (re)legitimada, resultados do racismo enquanto política que (des) ordenou o mundo. Como lócus de (re)construção, resistência e insurgência da negritude brasileira perante a profusão das violências alçadas à políticas públicas, perpetuando um quadro estável de bestialidades naturalizadas, o coro ritmado por mãos “livres de grilhões” nos fundos de quintais, fez-se bloco, quadra e um breque tornou-se enredo, ditando o pulsar de baterias nas avenidas, com imprescindível “incentivo” do capitalismo que transformou a manifestação cultural e existencial de um povo, no maior espetáculo do mundo. O samba, então, virou produto tipo exportação/exploração. Entretanto, a lucratividade não obstaculizou os tons que vêm dos morros e denunciam as violações raciais históricas, e a passarela, constantemente, vira palco de sambas enredos que se transformam em clássicos periféricos. Assim foi o desfile do Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, que, no ano de consolidação do golpe político-jurídico-midiático de 2016, derrubou um governo legítimo, não ignorou a política (neo)liberal do desgoverno vampiresco e suas inúmeras reformas conservadoras. Mas, esse fato (apesar de encher os olhos da nossa “elite crítica”, a ponto de atravessar o samba e inverter a evolução, dando pouca (ou quase nenhuma) atenção a todo sofrimento manifestado pela comissão de frente), não passa de mero detalhe episódico face ao tema enredado na radicalidade que o racismo representa em nosso solo. Um complexo e completo sistema solidificado, aprimorado século após século, onde a falsa abolição, véu transparente de natureza meramente jurídica com a qual se tentou encobrir aquela estrutura, contundentemente, foi representada, na Marquês de Sapucaí, pela agremiação como estratégia branca do último país do mundo a por termo no sistema escravagista que, abrigado pela república, acorrentou enquanto “libertava”. O proposital, e certeiro, incomodo provocado por um desfile que, em lágrimas incontidas, transbordou dor, revolta e orgulho ao reverberar brados vindos de Palmares, os quais ainda somos forçados a repetir: “Não sou escravo de nenhum senhor!”, foi, certamente, fundamental para a ideia da presente obra, logo manifestada em convite para organizá-la pelo querido parceiro de longa data, Prof. Dr. Gustavo Noronha de Ávila, responsável por me transformar, ainda na graduação, em pesquisador crítico, para com quem tenho eternos laços de amizade, gratidão, carinho e respeito. A importância do livro, mensurada em cotejo à data histórica (não por ser comemorável, mas pelas profundas reflexões atreladas), e ao maravilhoso 1

SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998, p. 59.

14


desfile, vem demonstrada pela(o)s pesquisadora(e)s que o integram, diante dos quais, o orgulho e honra são incomensuráveis, eis que trata-se de malunga(o)s e griot’s de olhares marginais que formam um coletivo quase totalmente negro, exclusivamente não branco, que, desde áreas, epistemologias e temáticas diversas, forjam elos de uma mesma corrente que nos ancora à ancestralidade, sem a qual somos meros fantoches, manipulados para “validar” a falácia meritocrática. Existências que brotaram de um Baobá fertilizado no além mar, na pungência da violência racial anti-negra que estrutura nosso país antes mesmo de seu encobrimento, sedimentando seu passado e marca do presente que se projeta ao futuro incerto. Entrelaçados no enredo da luta anti-racista, instrumentalizando o dom da tenacidade que consolida um movimento subversivo monolítico, heterogêneo, mas calcado em objetivos comuns (mesmo que limitados a discursos que exaltam a “nobreza da causa”), irrompem críticas à estrutura racista em sua multifacetada dimensão, textos que se aproximam e se complementam no confronto ao racismo nosso de cada dia, em sua cosmologia, e exposição do panorama complexo ao qual a população negra é imposta. E nessa busca, contextos, histórias e cenas (muito familiares) são rememoradas, não rara vezes, se embasando em (contra) teorias, conceitos e autora(e)s comuns, sem que isso signifique, jamais, recorrência enfadonha. Narrativas que se encontram, entrecruzam e caminham comungando identidades, reconstruídas nos fragmentos restantes das vicissitudes originárias da diáspora preta, dores e esperanças, desde matizes africanas de onde emerge um imprescindível instrumental epistêmico, alinhavado à pele, resultando em percepções e interpretações distintas da(o)s citada(o)s autora(e)s e sua lições, cujas contribuições à construção de campos teóricos projetados pela (e para a) brasilidade negra são aqui dispensadas, tendo em vista suas importâncias incontestáveis. A força na luta pela liberdade, legado da re-existência de raízes ancestrais presentes em todas as demandas, evidencia que a essência e propósito vital de quem refez o trajeto sambístico ao descer o morro e ultrapassou as muralhas acadêmicas, é denunciar, de um lugar “privilegiado”, todas as manifestações racistas, reverberando gritos ignorados. Porém, ao mudar o tom e a cor desses lugares, nossos corpos podem, facilmente, virar alvos da política de silenciamento, lição básica da qual o sistema racista se beneficia desde os navios tumbeiros. O ato de levantar nossas vozes, marcadas pela cadência de batidas firmadas entre a primeira e terceira pessoa para anunciar violências e violações diárias que se entrecruzam e emergem em todos os espaços que ocupamos, demonstram, não raras vezes, que a Casa Grande, até certo ponto, nos tolera, mas não perdoa incitações revolucionárias que objetivam a estruturação e 15


emergência de Quilombos, como as objetificações e menosprezos de Anastácia e Marielle Franco ilustram. Suas vozes enunciaram resistência, insurgência, confronto e desafio ao sistema racista brasileiro ao preconizar o (re)fortalecimento, empoderamento e emancipação libertária de nosso povo, pautando o genocídio ontológico e estruturante. Brados que, mesmo silenciados, sempre poderão ser ouvidos, pois mais vívidos e presentes do que nunca. A utilização política de nossos corpos não é escolha, mas obrigação, em respeito a quem nos antecedeu, afinal, somos resultados dessas ações e o futuro da negritude depende, invariavelmente, desta postura de demolição da arquitetônica racista brasileira! Retomamos, revivemos e reacendemos, diariamente, as pegadas na luta abolicionista que congrega muitos nomes, dentre os quais destacamos neste manifesto, pela representação significativa, não comportável apenas no sentido material, José do Patrocínio e Luiz Gonzaga Pinto da Gama, filho de Kehinde, da tribo Mahi, da nação africana Nagô, escravizada e trazida ao Brasil, onde, depois de forçada a usar o nome de batismo (Luiza Mahin), se tornou importante liderança da Revolta dos Malês (1835) e Sabinada (1837).2 Luiz Gama, que muito antes de Martin Luther King, declarou seu “sonho sublime”3, armado com a bravura que herdou da mãe, criticou, sem temer jamais, o sistema escravagista e o Judiciário racista que o legitimou, postura (re)lembrada no contexto de escrita dessas despretensiosas linhas ao recordar Rafael Braga, Janaína Aparecida Aquino4, e situada, mais uma vez, no liame da dor e revolta ante o assassinato de Marcos Vinícius, 14 anos, atingindo pelas costas, quando ia para a escola, por um tiro vindo de um helicóptero blindado da Polícia Civil, em uma operação na Maré/RJ, demonstrando, apenas mais uma vez, como a “mãe gentil” de poucos trata como bastarda a maioria de sua população, nos matando de sede... sede de vida! 2

A história de Kehinde, nome dado por sua mãe e avó, reconhecido pelos Voduns, Nana, Xangô, Oxum, Ibêjis e Taiwo, e como ela mesma se apresentava ao sagrado e ao secreto, tendo em vista que, fora desses pequenos círculos sociais, para sua própria segurança, era necessário utilizar seu nome de batismo, acrescido pelo sobrenome de seu dono: Luisa Gama, foi registrada por suas próprias mãos, em primeira pessoa, cujos manuscritos foram encontrados por Ana Maria Gonçalves, na mais pura manifestação de serendipidade, e publicados em livro chamado “Um defeito de cor”. 3 “Surgiu-[me] na mente inapagável um sonho sublime, que o preocupa: o Brasil americano e as terras do Cruzeiro, sem reis e sem escravos!” (1868). 4 Negra, mãe de oito crianças, em situação de rua e dependente química, cuja condenação à esterilização foi requerida pelo promotor de justiça da cidade do Mococa/SP, e deferida, em sede de liminar, pelo juiz daquela comarca, com seu “direito” a ser silenciada garantido (não houve sequer audiência, muito menos defesa!). O caso foi noticiado pelo professor de Direito da FGV-SP, Oscar Vilhena Vieira, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, em 09 de junho de 2018, sob o título: “Justiça, ainda que tardia”. Disponível em: https://www1.folha.uol.

com.br/colunas/oscarvilhenavieira/2018/06/justica-ainda-que-tardia.shtml

16


Nesta Kizomba5 em forma de livro, nossa Constituição exige muito mais do que meros atos jurídicos, exige desconstrução, sob a qual damos continuidade à infindável luta pelo fim da objetificação que se remodela sistematicamente, mantida intacta sob o lume da falsa igualdade que nos manteve à sombra da cidadania prometida, cujo cumprimento cobramos desde 13 de maio de 1.888, e retomamos, agora, com a belicosidade quilombista que se fortalece, rompendo a invisibilidade, fazendo-se ouvir e projetando nosso futuro na conjunção perfeita de luta, dança e canto... “Eu, por ordem de Mãe, com sua chancela, a mesma com que autorizou Mandela, assino o indulto aos que mantiveram a herança dos meus, no breu, em estado oculto. É chegada a hora. Meu povo canta, ri, reza e chora às vésperas de uma nova aurora e, acampado no negro céu do Cruzeiro do Sul, deuses de África adornam os altares e acendem a lua de Palmares pra iluminar a marcha à santa Liberdade…”.6

Luciano Góes... apenas mais um sobrevivente! Florianópolis/SC, Inverno de 2018.

5

De origem da língua Kimbundu, falada no antigo reino de Ngola (atual Angola), uma das ramificações linguísticas do tronco Bantu, significa “festa”. Em 1988, o G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel (RJ), conquistou seu primeiro título, sagrando-se campeão do carnaval carioca no centenário da “abolição da escravidão”, com o samba antológico Kizomba, Festa da Raça, de autoria de Rodolpho, Jonas e Luiz Carlos da Vila. Com a vitória, veio a eternização do canto que se transformou em brado do(s) Movimento(s) Negro(s) brasileiro(s): “Valeu, Zumbi!”. 6 “O Quilombo do Futuro” - Sinopse para o carnaval de 2019, da Escola de Samba Vai-Vai (SP). Disponível em: https://www.vaivai.com.br/carnaval/sinopse2019

17


12. A obra inacabada da escravidão: a política imigrantista e a divisão social do trabalho negro no Brasil Lorena Paula José Duarte

13. A branquitude acadêmica, a invisibilização da produção científica negra e o objetivo-fim Lourenço Cardoso

14. Entre a abolição e o abolicionismo penal: insurgência marginal crítica por uma sociologia do sistema de controle racial brasileiro Luciano Góes

15. “Sonoridades, batidas e levadas”: r(e) xistências negras através do samba e do choro na Grande Florianópolis Marcelo da Silva

Luciano Góes

Suas vozes enunciar am resistência, insurgência, confronto e desafio ao sistema racista brasileiro ao preconizar o (re)for talecimento, empoderamento e emancipação liber tária de nosso povo, pautando o genocídio ontológico e estr uturante. Brados que, mesmo silenciados, sempre poderão ser ouvidos, pois mais vívidos e presentes do que nunca.

1. Diálogos interseccionais: ancestralidade e poesia na resistência de mulheres negras Angela Maria de Souza

2. 130 anos de abolição: tortura e maus tratos, o código jurídico da dor tem cor!! Deise Benedito

3. “Quando passar naquela encruza não se esqueça de olhar para trás!”: epistemologia de Exu na construção de uma psicologia Ubuntu Edelu Kawahala

a far sa abolicionista e m p e r s p e c t i va d e s d e a far sa abo licio n ist a e m pe r spe ct iva de sde o lh ar e s mar gin alizado s

16. “Meu cabelo é black e cresce forte, pra cima!”: educação infantil e relações raciais

Prólogo

Núbia de Oliveira Santos; Patrícia Sodré

17. Do sujeito desidentificado à maioria minorizada: uma abordagem histórica da antinegritude na mídia brasileira Richard Santos

18. O racismo e as políticas públicas na área da saúde Silvana Veríssimo

19. Memórias milicianas: o racismo estrutural à brasileira Susan de Oliveira

Tiago Vinícius André dos Santos

21. 130 anos de Lei Áurea e 30 anos da Constituição de 1988: constitucionalismo e decolonialidade em perspectiva diaspórica

editora

Thula Pires

22. Bioética e Luta Antirracista: caminhos cruzados

ISBN 978-85-8425-957-1

LU CIA N O G Ó E S [O R G. ]

20. Corpo negro jaleco branco: um processo judicial e de branqueamento

olhares marginalizados

LU C I A N O G ÓE S [ OR G . ]

4. Considerações sobre o caso Simone A. Diniz: falta de acesso à justiça, de direitos iguais e de isologia para a(o)s negra(o)s Fábio Feliciano Barbosa

5. As crianças negras também são sujeitos de direitos: um estudo a partir dos relatórios do sistema ONU sobre a implementação de políticas públicas no Brasil André Luis Goulart Dias; Fernanda da Silva Lima

6. O golpe de 2016 e a questão racial no Brasil Gabriel de Carvalho Sampaio

7. 130 anos de abolição: hip hop e resistência da juventude negra Geíse Pinheiro Pinto; Larissa Amorim Borges; Suely Virgínia dos Santos; Vanessa Cristina de Jesus

8. O relho enquanto metáfora civilizatória: a desumanização escravagista como gênese e herança do direito brasileiro Guilherme Andrade dos Santos

9. A Constituição Cidadã de 1988 e a titulação dos quilombos no Brasil: avanços e desafios Givânia Maria da Silva

10. “Até onde a memória alcança”: lembranças de narrativas da escravidão, da abolição e do pós-abolição no Brasil

Wanderson Flor do Nascimento

José Bento Rosa da Silva

23. Poesias Pretas

11. A filosofia africana e as relações raciais

Lucas Rodrigues Menezes; Natan Rodrigues Menezes

Katiúscia Ribeiro


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.