O Direito foi criado para regular as relações humanas. Mas, muito antes de se normatizar é uma Idéia de Justiça, que evolui ao longo da história, conforme a variação do conceito de liberdade. Rafael Tallarico é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É mestre em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado militante na área empresarial e criminal. É professor de Direito Internacional Público, Direito Econômico, Filosofia do Direito, Hermenêutica e Sociologia Jurídica das Faculdades Asa de Brumadinho/MG e de Sabará/MG. Orienta monografias e trabalhos científicos jurídicos e possui artigos publicados na revista Asa- Palavra. É autor do livro “Estado e Soberania: Perspectivas no Direito Internacional Contemporâneo”, pela D`Plácido Editora.
Com o aparecimento do Estado, principalmente no período clássico – romano, a vida dos homens deveria estar inserida em um sistema político que permitisse a todos terem um mínimo de dignidade. Para este fim, essencial era a representação política dos interesses da sociedade. A demonstração clara na Antiguidade Clássica era o senado romano, apesar do poder imperial. É na Idade Contemporânea, que é inaugurada com a Revolução Francesa de 1789, que a manifestação livre do pensamento encontra abrigo constitucional. Torna-se um direito fundamental o cidadão, outrora súdito, poder se manifestar isolada ou conjuntamente, sobre todo e qualquer assunto ligado à existência humana, principalmente sobre o questionamento da atuação do poder político. Esta é uma obra que busca resgatar filosoficamente a natureza humana através da liberdade de opinião, entrelaçando conceitos como Estado, Razão, História, Hermenêutica e Linguagem para atingir a prática virtuosa do Direito.
Vera Lúcia de Sousa Golini é graduada em Direito pela Faculdade Asa de Brumadinho .É contadora e empresária. Possui artigos publicados na revista Asa - Palavra. É coautora do livro “Estado e Soberania: Perspectivas no Direito Internacional Contemporâneo”, pela D`Plácido Editora.
ISBN 978-85-8425-649-5
editora
rafael tallarico • • • vera lúcia de sousa golini
EIXOS TEMÁTICOS: Liberdade: Alguns Conceitos // A Liberdade de Expressão // História, Ocidente e Constituição // A Liberdade, o Direito e a História Mundial // A Liberdade de Imprensa e a Opinião Pública // O Caminhar da Opinião Pública // A Opinião Pública e a Hermenêutica Jurídica // O Século XXI e a Tolerância
rafael tallarico vera lúcia de sousa golini
a liberdade de expressão da opinião pública
O principal dom humano é a linguagem, no dizer aristotélico. Desde o início da história, o homem tem buscado o aprimoramento de suas relações através da comunicação. O surgimento da escrita é a prova maior do interesse individual e coletivo de se estabelecer relações através da grafia, que antes era idéia.
a liberdade de expressão da opinião pública 2ª edição
Na história o homem busca alcançar a sua liberdade através do reconhecimento do outro. Ninguém é livre se os demais também não o forem. A linguagem, dádiva divina, é o meio através do qual a manifestação do espírito se concretiza em transmissão e comunicação dos pensamentos. Na Antiguidade Oriental já existiam manuscritos e leis que expressavam o evoluir das ciências matemáticas, físicas, astronômicas, biológicas e humanas. Na Idade Média o pensamento religioso dominava as manifestações humanas com o fim de domínio político, apesar de que os homens nunca deixaram de pensar, debater e criticar. O desenvolvimento dialético – interpretativo, cujas raízes se encontra na maiêutica socrática, acabou redundando na hermenêutica jurídica, ou seja, a ciência da interpretação da lei. A partir da constitucionalização do poder, principalmente em 1688, com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a lei passa a ser o instrumento para o beneficio continuo da condição humana. A Revolução Francesa de 1789 trouxe para dentro do Estado o imperativo do debate. A hermenêutica jurídica se tornou uma ciência indispensável para a garantia axiológica da ordem constitucional, baseada na igualdade, liberdade, fraternidade e no trabalho. A cultura européia – cristã é fundamentada na igualdade formal. Somente um país que permita ao seus cidadãos se manifestarem livremente, do ponto de vista político, pode se arrogar ao direito de se considerar democrático. A opinião predominante deve ser a das elites intelectuais, uma vez que buscam elas a inclusão, favorecendo a pluralidade humana, dentro de uma ordem estatal que deve se assentar no Direito, tomado como fato, valor e norma, ou seja, Idéia de Justiça.
a liberdade de expressão da opinião pública
rafael tallarico vera lúcia de sousa golini
a liberdade de expressão da opinião pública 2ª edição
Copyright © 2013, D’Plácido Editora. Copyright © 2013, Rafael Tallarico. Copyright © 2013, Vera Lúcia de Sousa Golini. Editor Chefe
Plácido Arraes
Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843, Savassi Belo Horizonte – MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007 W W W. E D I TO R A D P L A C I D O. C O M . B R
Produtor Editorial
Tales Leon de Marco
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.
Capa, projeto gráfico
Letícia Robini
Diagramação
Enzo Zaqueu Prates
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica TALLARICO, Rafael; GOLINI,Vera Lúcia de Sousa
A liberdade de expressão da opinião pública. -- 2a Edição -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017. Bibliografia. ISBN: 978-85-8425-649-5 1. Direito 2. Direito Constitucional 3. Liberdade de Expressão I. Título II. Rafael Talarico III. Vera Lúcia de Sousa Golini.
CDU342 CDD341.27
Esta obra é dedica ao Uno Deus, o Alfa e o Ômega. Dedicamos também aos queridos pais e familiares. Faço uma homenagem à Dra. Maria Helena Damasceno e Silva Megale, professora da Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, pela transmissão do saber erudito. Homenageio, também o Dr. Arthur José de Almeida Diniz, professor da Pós-Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, pela amizade incondicional.
“Le dix- huitième siècle dois être mis au Pantheón”. Saint - Just.
sumário
1. Introdução
11
2. Liberdade: Alguns Conceitos
25
3. A Liberdade de Expressão
29
4. História, Ocidente e Constituição
37
5. A Liberdade, o Direito e a História Mundial
61
5.1. A Liberdade como momento
Espiritual da Ética
5.2. Ética e Estado
65 68
5.3. A Livre Expressão e a
Ordem Constitucional
71
6. A Liberdade de Imprensa e a Opinião Pública
77
7. O Caminhar da Opinião Pública
85
8. A Opinião Pública e a Hermenêutica Jurídica
97
9. O Século XXI e a Tolerância
105
Conclusão
111
Referências
115
capítulo1
introdução
A filosofia é a ciência que trata dos problemas da vida, do universo e da alma. No século V a.C., os sofistas decidiram enfrentar os problemas do espírito humano, o problema do conhecimento e o problema ético. A bravura dialética encontra lugar nesse período, com crítica ao princípio da autoridade. O individualismo e o subjetivismo tomam conta dessa escola. Célebre é o dito de Protágoras:“O homem é a medida de todas as coisas”; cada indivíduo possui uma visão própria da realidade. O método filosófico idealístico dirige-se para o bem, com o respeito à lei por todos os homens. Sócrates via no respeito às leis um dever. Para tornar essas leis obrigatórias, indispensável se faz a ação do Estado. Platão foi o filósofo que apresentou a concepção ideal de Estado, no qual a justiça se mostra claramente. O fim do Estado é universal, com a finalidade de conceder a felicidade a todos, mediante a virtude de todos. Platão idealizou uma sociedade que abrigasse toda a multiplicidade humana, com o objetivo de favorecer a felicidade de todos através das virtudes. 11
Um cidadão da pólis somente poderia contribuir para a vida na cidade através de seus atributos pessoais, principalmente a sabedoria. A condição humana, na antiguidade, já despertava no homem o indagar do papel das decisões políticas para o bem da cidade, ou seja, da pólis. As decisões no período da democracia grega eram tomadas em praça pública, para o bem de todos e da cidade. Todavia, até a chegada a esse modo de agir político, o pensamento político-filosófico atravessou várias etapas, a começar do seu próprio reconhecimento como ciência. Todo o mundo helênico foi dominado pela concepção platônica. O Estado assume o papel de educador do indivíduo. As preocupações éticas e políticas movem a filosofia de Platão, nunca a economia. o Estado, como se percebe em Platão (principalmente em As leis e A república) e em Aristóteles (Ética a Nicômaco) tem uma finalidade ética stricto sensu: formar ou educar eticamente o cidadão para ser útil à comunidade. (SALGADO, Joaquim Carlos. A ideia de justiça no mundo contemporâneo. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, pg.64).
A base de cultura greco-cristã, que se encontra no ocidente, teve seu desenvolvimento a partir das virtudes morais e da ética postas por Sócrates, Platão e Aristóteles. Nasce o direito ou justiça, que é o processo real ético. Os homens vivem em comunidade, na qual os vários indivíduos necessitam de se relacionar uns com os outros para a garantia da sobrevivência. As leis, fruto da vontade do chefe, garantirão a ordem entre os membros dessa coletividade. 12
Durante milênios, essa foi a forma de organização básica, na qual os membros da comunidade tinham apenas deveres e obrigações face ao chefe, outrora denominado “rei”. Nesse período da antiguidade, apenas um era livre, a autoridade superior . Com o cristianismo, acentua-se a necessidade de as ordens jurídicas reconhecerem direitos públicos dos membros da comunidade, uma vez que a experiência do período clássico deixara claro que a igualdade seria um fundamento último para só atingir a liberdade. A partir do momento no qual os homens se organizaram em sociedade, nasceu a necessidade da construção de regras que fossem determinantes para a vida em comum, face à constante busca por recursos que garantissem o dia a dia individual e coletivo. O homem, ser social que é, busca, ao longo da história, através da interação com os demais agentes da sociedade, progredir, seja materialmente, seja intelectual ou espiritualmente. É claro que, em cada época, as atitudes são dirigidas conforme as orientações científicas e até mesmo jurídicas do período. A direção à qual o indivíduo e a sociedade se subordinam tem princípios fundamentais que devem levar em conta o ser humano. Ao longo da história, tal posição esteve em constante evolução. O direito, desde tempos remotos, nos quais os homens se agruparam em comunidades, norteou o caminho para a perfeição, que é o bem comum, seja através dos costumes ou até mesmo da lei escrita. A evolução histórica levou à plena utilização da razão, através de um elo existente entre o direito e a moral, que é a própria justiça. Paralelamente a essa evolução, as leis eram aperfeiçoadas, por motivos éticos, para benefício do ser humano e da sociedade. Trata-se de uma caminhada de milênios. 13
A sociedade grega, ou clássica, tal qual a conhecemos, surgiu como fruto de uma civilização que saía da barbárie e buscava outras formas de estabelecer o convívio social e político. Todavia, essa sociedade sabia da necessidade de normas e regras fundamentais para a paz contínua. Nos primeiros tempos da antiguidade, os filósofos pensavam no fogo, no ar, na terra, ou seja, nos elementos básicos da constituição da crosta terrestre, tentando, a partir dos elementos naturais, entender a si mesmos e aos fenômenos naturais. O ser humano vive em um mundo que tem sua composição e que dele exige trabalho e sacrifícios para a sobrevivência. Além disso, há também a consciência, que impera nas tomadas de decisão e exige o constante aperfeiçoamento das relações humanas. A sociedade grega sabia que era necessário o aperfeiçoamento do intelecto e da política para a participação de todos. Nasce a democracia, com a exigência da ética em seus assuntos. O “ser” livre era uma condição fundamental para abrigar essa ética. A liberdade, como condição de ethos, é assegurada pela razão, no espírito humano. A única capacidade do espírito humano que não precisa do eu nem dos outros nem do mundo para funcionar sem medo de errar, e que independe tanto da experiência, como do pensamento, é a capacidade do raciocínio lógico, cuja premissa é aquilo que é evidente por si mesmo. (ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Editora Schwarz, 1989, pg.529).
Vários séculos e milênios se passaram até hoje, e a exigência da liberdade resultante do agir ético sempre foi uma constante. Para ser livre, necessária é a liberdade 14
de expressão, forma de interação, dom primordial do ser humano, como disse Aristóteles. A discussão ética, que permite ao ser humano expressar sua opinião, individual e coletivamente, exigia uma maior participação de todos para alcançar a felicidade geral. Essa felicidade sem dúvida alguma está ligada intimamente à liberdade. A liberdade de expressão tem como pressuposto mínimo a liberdade política, o que, com o passar dos tempos, irá se amadurecer dentro da concepção de justiça. A essência de cada ser humano passa a ser percebida, devendo ser levada em conta por toda a estrutura social e jurídica. Há um passo importante no conceito de liberdade. A essência implica a liberdade de se expressar, não apenas no que concerne ao dizer, mas principalmente ao agir. A sociedade é resultado do espírito, sendo o homem elemento mínimo seu, politicamente falando, na concepção aristotélica. Nessa linha de fatos, já se pode indagar se haveria a necessidade de guerra de valores vitais à conservação do próprio homem. Como é claro, o expressar da vontade se torna elementar para a determinação dos rumos do ordenamento jurídico. O conceito de liberdade é universal, e o direito deve respeitar essa assertiva. Entretanto, essa liberdade não pode desprezar os regionalismos que caracterizam as relações individuais no dia a dia. Surge a necessidade de codificação, para garantia da estabilidade dos negócios jurídicos, de uma forma geral, evitando, assim, o elemento surpresa. O caminho da verdade acena para a necessidade de igualdade de todos, para a realização da justiça. Aristóteles vê a justiça como a conhecida régua de lesbos, instrumento antigo utilizado na ilha que usa esse nome. Ela se amoldava a cada peça á qual servia para medir. 15
A verdadeira justiça deveria se amoldar a cada situação particular, para garantir, através do uso da lei, a paz social. Mas a utilização dessa justiça fica ligada intimamente à própria interpretação da lei, da diminuição ou do seu alcance para cada situação. A hermenêutica, teoria da interpretação da Lei, tal qual a conhecemos hoje, abre caminho para essa atividade, qual seja, a do descobrimento da verdade através da análise crítica interpretativa de cada situação que exige a aplicação da referida lei. A interpretação da lei e de sua aplicação exige a igualdade e a liberdade formal. Os conceitos de igualdade e liberdade, na antiguidade, ainda não haviam atingido a universalidade hoje conhecida que se deu com a Revolução Francesa de 1789. Ainda havia barreiras históricas a serem superadas. O objetivo naqueles tempos era o domínio, através da disseminação cultural e jurídica. Essa ideia atravessou o tempo e foi um dos legados deixados por Roma para todo o ocidente. A partir do momento no qual as luzes da razão encontram lugar seguro no ordenamento jurídico, a interpretação da lei surge como instrumento para a garantia da paz e do convívio humano. Essa liberdade se encontra alojada dentro de cada pessoa individualmente. Direito fundamental da pessoa é a liberdade de expressão. A discussão maior em tela é se a opinião pública, entendida como o “espírito cultural da elite intelectual de um pais”, como o quer Karl Jasper, encontra plena e total limitação dentro da lei, ou se a Ética do Direito, tomado este como Ciência, estende a cada indivíduo, subjetivamente, a escolha do que pretende manifestar. Toda essa atividade sempre deve ter em mira a ideia de justiça, independentemente de se estar falando de Aristóteles ou Kant. 16
Para atingir a liberdade, a realidade deveria ser entendida como o momento no qual o ser se faz, projetando-se para o futuro, sem desprezar o passado, em seus aprendizados e experiências. Santo Agostinho, em definição muito feliz, disse que “a realidade é o que é” (AGOSTINHO, Solilóquios). A fé e a razão passam a andar juntas, não existindo distinção de localização, quando da utilização das leis, quando da feitura de tais leis, cujo sujeito único é o próprio homem. Nesse momento surge a necessidade de interpretar as leis, existindo um momento de afloramento, qual seja, a Revolução Francesa, que pregava a liberdade, a igualdade e a liberdade. Todos são livres, sujeitos de direitos e obrigações, devendo as amarras cair em prol de um convívio harmônico . Contudo, a liberdade deveria ser localizada. Lugar melhor para encontrá-la, de forma evolutiva, é na própria história, caminhando sempre para a liberdade de todos. As leis deveriam garantir a liberdade, principalmente em face do poder político. A reflexão jurídica – que é científica e delineia eticamente o agir político – precisava ganhar contornos transcendentais, ou espirituais. As ciências, até o século XIX, eram todas tidas como naturais, baseadas na dedução e na indução. Entretanto, o homem livre não é feito apenas de matéria e do mundo que o rodeia fisicamente. É também espírito, dentro de um contexto universal. As ciências passam a ser, então, entendidas não apenas como um conhecimento natural, mas também do espírito. Husserl percebia essa existência e discute a espiritualidade do conhecimento e da própria moral, não desprezando o fundamento cartesiano da ciência. Era preciso acrescentar elementos à ciência, para o atendimento das necessidades humanas. 17
Dar vida à ciência passa a ser atividade fundamental em qualquer procedimento com fins de conhecimento. A dialética é o meio utilizado para atingir a verdade, partindo da síntese, como forma de não se destruir nada, valorizando o papel do ser humano em todos os momentos da história. É nesse instante que o direito, espírito ético, garante não apenas a validade normativa, mas também insere o homem como fim último de todos os procedimentos científicos, para seu próprio bem. Dilthey, através do historicismo, entendeu ser o homem portador de uma consciência psicológica. Heidegger viu no “Dasein”, apresentando milênios antes por Heráclito, o respeito e a valorização do ser humano, dentro de uma teoria ontológica, lembrando Parmênides. Isso tudo, é claro, com a moldura da modernidade, envolta em aspectos sociais, políticos, econômicos e jurídicos. O Direito, ciência por excelência, traz a eficácia das leis, quando da sua aplicação. Ora, ele, em seu caráter científico, é ideia do espírito; por esse motivo, é dinâmico, não fica estático em um momento apenas, sob pena de engessar toda a estrutura social e se tornar uma peça da antiguidade. Tarefa preciosa resta à hermenêutica, principalmente depois de Husserl, ou seja, do raiar da fenomenologia, a partir de quando o atendimento legal não deve apenas levar em conta a gramática ou a intenção individual do legislador, constitucional ou ordinário, pois o direito é espírito ético, que deve se adequar aos tempos, para o bem do ser humano. No despertar do século XX, já era claro que o direito deveria guiar a sociedade para a compreensão de que somente seria possível indagar com liberdade se todos fossem iguais e livres, sem discriminação alguma, posição esta a ser sustentada pelo Estado. 18
O caminhar do conceito de liberdade ganha foros importantes. O salto na perfeição da estrutura social dependerá do equilíbrio do poder constituído, com a realidade da maioria da população. A hermenêutica jurídica é a mola mestra para se saber qual a melhor decisão a seguir, de modo a atender a cada um dentro da sua realidade. É uma forma de conservação de existência. Essa existência encontra seu lugar ordenado jurídico, desde que a Ética, item fundamental, premie o atuar não penas do legislador, mas principalmente dos aplicadores da lei. A consciência segundo a qual, independente de onde esteja, o ser humano é sujeito de direito tem fundamento ético, que o atinge não apenas individualmente, mas também de maneira coletiva. O Direito tem função preponderante nesse momento, pois deve evitar que qualquer estrutura se sobreponha aos interesses do individuo, respeitando, pois, a dignidade deste último. Convém ressaltar que o Direito, como ciência, é um conhecimento do espírito, e não apenas natural. Isso se pode afirmar, uma vez que o conceito de liberdade permeia toda a história na busca de atingir a todos, entrementes sempre sendo uma constante para aferir não apenas a validade normativa, mas principalmente para situar o ser humano dentro de um contexto científico, político, social e jurídico. A garantia de renovação do conhecimento jurídico é o resultado da dinâmica do Direito, que busca se adequar à realidade da sociedade. Esse avançar, todavia, depende da interação e da interpretação de outras áreas do conhecimento. A produção do conhecimento jurídico renovado não pode sobreviver como uma área pura e isolada dos avanços científicos de todas as áreas
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do conhecimento humano. (GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. 2006).
Esta é a tarefa da hermenêutica desde o início, qual seja, não apenas favorecer o acúmulo de conhecimento, mas, principalmente, interagir com outras áreas do conhecimento. A partir da fenomenologia, com a espiritualização científica, essa tomada passa a ser mais preponderante sempre dentro dos limites éticos do Direito, que conduzem sempre à liberdade. O conceito de liberdade é universal e o Direito deve respeitar essa assertiva. O caminho da verdade acena para a necessidade de igualdade de todos, para a realização da Justiça. É nesse momento, do controle da Justiça, que Hannah Arendt persegue os paradigmas de uma ordem jurídica internacional para a garantia da manifestação da consciência individual e coletiva. A partir do instante no qual as luzes da razão encontraram lugar seguro no ordenamento jurídico, a liberdade faz com que os homens passem a conviver não mais diante da vontade de um ou de apenas um grupo, podendo pronunciar o pensamento, fruto da liberdade que se encontra alojada no interior de cada ser. Essa liberdade, que jaz dentro de cada ser, não pode ser superada por uma ordem superior, mesmo que legitimada legalmente. Como diz Hannah Arendt, cada época está ligada à sua condição humana própria. A luta é, pois, essencialmente luta – -luta do senhor e do escravo, luta de classes –, e por isso mesmo uma necessidade da condição humana e em razão desse paradoxo fundamental de que o homem é indivisivelmente consciência e corpo
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infinito e finito. Dentro dos sistemas das consciências encarnadas, cada uma pode afirmar-se somente reduzindo as outra a objeto. (PONTY, Merleau. Humanismo e Terror. Rio de Janeiro: Editora, Tempo Brasileiro, 1968, pg. 166).
A liberdade, em seu conceito, no entanto, não foi a mesma ao longo dos tempos, partindo de uma compreensão histórico-filosófica. Claro que, com o surgimento do Estado, a garantia da liberdade se encontrava nos precedentes legais de cada época. O espírito, que é a atualidade em constante atualização, exige a evolução do conceito de liberdade. Os orientais ainda não sabem que o espírito, ou o homem como tal, é livre em si mesmo, e porque não sabem, eles não são. Eles sabem apenas que um só ser humano é livre, mas por isso mesmo tal liberdade é arbitrariedade, barbárie e embrutecimento reprimidos, ou suavidade da paixão, mansidão dessa mesma paixão que é apenas contingência da natureza ou capricho. Esse único é, consequentemente, um déspota, e não um homem livre. Só entre os gregos é que surgiu a consciência da liberdade, e por isso eles foram livres; mas eles, bem como os romanos, sabiam somente que alguns eram livres, e não o homem como tal. Nem mesmo Platão ou Aristóteles o sabiam. Destarte, os gregos não apenas tiveram escravos, como suas vidas e a existência de sua agradável liberdade estavam ligadas a isso. Além disso, sua liberdade em parte não era senão uma flor ocasional, passageira limitada, e em parte cruel servidão do homem, do ser humano. Só as nações germânicas, no cristianismo, tomaram consciência de que o homem é livre como homem, que a liberdade do espírito constitui a sua natureza mais intrínseca. Essa consciência desenvolveu-se, inicialmente, na religião, na mais
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íntima religião do espírito. (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Filosofia da História. 2. ed. Brasília: Editora UNB, 1995, pg. 24).
A discussão maior em tela é aquela que indaga se a opinião pública, entendida como o “espírito cultural da elite intelectual de um país”, como – consoante afirmamos alhures – pretende Karl Jaspers, pode ser submetida a paradigmas vindos do ordenamento jurídico. Cabe analisar os fatos, em busca da verdade, para se atingir a solução desejada. O ser humano deve ser colocado sempre como o centro das relações e o destino final de todo objeto político traçado na história. A verdade do espírito é aquela que transcende qualquer padronização de comportamento e faz o homem ser o que é. A liberdade, antes de atingir a sociedade – ou seja, atuar exteriormente –, deve ser interior, envolvendo a capacidade de decidir e colocar em prática a própria vontade. Sem a ação da vontade, o ser humano transforma-se em número, isto é, faz o que o outro quer. Para ser livre, deve-se saber o que se quer e deve-se conhecer e saber acerca da liberdade. No pensamento ocidental, o movimento negativo da liberdade envolve primeiramente o conhecimento da liberdade; em outras palavras: sou livre porque conheço e sei da minha liberdade. A liberdade que é conhecida é aquela que não depende de nada, pois ela é própria do ser, de sua essência. A discussão da ética, que permite ao ser humano expressar sua opinião, em âmbito individual e coletivo, exigia uma maior participação de todos para alcançar a felicidade geral. Essa felicidade, indubitavelmente, estava ligada intimamente à liberdade. A liberdade de expressão 22
tem como pressuposto mínimo a liberdade política, o que, com o passar dos tempos, amadurecerá, dentro da concepção de Justiça. Esta obra tem como objetivo apresentar a liberdade de expressão da opinião publica como o instrumento indicativo da política em favor da condição humana, através da contribuição que o Direito, como ciência, dá à aceitação das mais diferentes correntes sociais. Para atingir esse entendimento, necessário se faz indagar qual o papel da ética nas decisões dos tribunais, utilizando-se da hermenêutica para o entendimento dessa complexidade humana, sem, contudo, invalidar a singularidade do individuo, como pessoas sujeitos de direitos e obrigações. À filosofia do Direito cabe criticar as estruturas políticas, econômicas e sociais existentes, visando sempre ao bem-estar humano, o bem comum. Esta obra, ao buscar o enlace entre a Ordem Constitucional e a Ética e o Direito, tende a encontrar a resposta para a garantia da existência de uma opinião pública, que expresse não apenas o posicionamento formal da maioria da população a respeito de um determinado tema notório, mas também a solução de seus problemas e anseios, através da atividade Judicial e da humanização hermenêutica das decisões. É o constante aperfeiçoamento do conceito de liberdade.
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capítulo 2
liberdade:
alguns conceitos
A Grécia, berço dos filósofos eruditos, despontou como centro irradiador de ideias que reforçavam a necessidade de a felicidade – através da liberdade e da igualdade – pertencer a todos, pois não seria ético que alguns, em detrimento de uma imensa maioria, gozassem de privilégios nada proveitosos para a nação. Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, dentro da linha filosófica de pensamento, atingiu o entendimento político da época, baseando-se em conclusões tiradas não apenas da contemplação dos fenômenos naturais, mas principalmente da discussão da questão do valor, o que o acaba levando a uma análise histórica dos fatos e à critica do sistema político e jurídico vigente. Segundo esse filósofo,“A justiça é a base da sociedade” (ARISTÓTELES. A Política. São Paulo, 2005, pg.14). Dentro da concepção aristotélica, pode-se vislumbrar a Justiça em dois níveis, quais sejam: o da Justiça Distributiva, que é dar a cada um conforme a sua necessidade, buscando, para isso, a utilização dos recursos humanos cabíveis a cada individuo; e o da Justiça Equitativa, que tem como ponto fundamental tratar desigualmente os desiguais, para que possam se 25
igualar. Vê-se que nessa última já começa a florescer o entendimento da Justiça Social. A essência de cada ser humano passa a ser percebida, devendo ser levada em conta por toda a estrutura social e jurídica. Há um passo importante no conceito de liberdade. A essência implica a liberdade de expressar, mas não somente do fazer, e principalmente do agir. No período do Império Romano, o trabalho era escravo, sendo que o entendimento de liberdade se estendia para apenas um grupo que gozava de imensos privilégios e tinha seu fator determinante na origem. Na escala evolutiva da liberdade, o direito acenava para a necessidade de ruptura com a estrutura social. Veja-se que, nesse período, o ordenamento político se encontra atrelado ao conceito de norma, que, não obstante a ansiedade social, impera sobre todos e deve ser fielmente obedecida.A personalidade tem ênfase notória, com resguardo legal, lembrando que, em Roma, havia o Jus Civile e o Jus Gentium. Porém, as decisões estavam concentradas nas mãos de poucos, que obedeciam ao Imperador e à sua exclusiva vontade. A influência do poder para o progresso político, social e jurídico está profundamente atrelada à necessidade de desconcentrar as decisões de vontade de um apenas. O valor de justiça (diké) passa a ser elemento imperativo para a implantação de regras jurídicas genéricas, base mínima de um edifício normativo que se torna instrumento fundamental para essa conquista. A sociedade é resultado do espírito, sendo o homem elemento mínimo seu, politicamente falando, na concepção aristotélica. Nessa linha de fatos, já se pode indagar se haveria a necessidade da guerra dos valores vitais à conservação do próprio homem. Como é claro, o expressar da vontade se torna elementar para a determinação dos rumos do ordenamento jurídico. 26
O conceito de liberdade é universal e o direito deve respeitar essa assertiva. O caminho da verdade acena para a necessidade de igualdade de todos, para a realização da justiça. A liberdade de expressar a posição da maioria, não detentora do poder, não poderia escapar da vontade daqueles que detinham a poder e controlavam a justiça. Após o passar de todos esses anos, período em que as atitudes dos indivíduos deveriam corresponder apenas à vontade de um ou de um grupo, representante de uma minoria, surge um novo fator, relativamente ao qual se pode questionar até que altura passou a modificar a questão dos valores e da própria moral. Esse fator é a concepção Cristã do Direito. A concepção de liberdade já implica uma liberdade de todos, com o reconhecimento do próprio Direito e a sustentação do Estado. Percebe-se claramente que a unidade ética da vida política grega e sua cisão no mundo Romano afirma a individualidade, que é preservada na sociedade política e que começa a especular a ideia de Estado, face ao subjetivismo da liberdade. Já existe aqui a necessidade de formação de um ordenamento jurídico que esteja positivado na vontade não apenas de um, mas da maioria, representada por seus eleitores. Daí se falar que o legislativo, já nessa época, era independente. Seguindo o entendimento predominante no Ocidente, o Estado é a efetividade da liberdade concreta. Sua face abstrata é algo que ainda merece ser definido, enquanto o concreto já o é. A liberdade concreta e a subjetiva merecem andar de mãos dadas para ambas prosperarem. O conceito de justiça será a garantia dessas liberdades.
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O Direito foi criado para regular as relações humanas. Mas, muito antes de se normatizar é uma Idéia de Justiça, que evolui ao longo da história, conforme a variação do conceito de liberdade. Rafael Tallarico é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. É mestre em Direito e Justiça pela Universidade Federal de Minas Gerais. Advogado militante na área empresarial e criminal. É professor de Direito Internacional Público, Direito Econômico, Filosofia do Direito, Hermenêutica e Sociologia Jurídica das Faculdades Asa de Brumadinho/MG e de Sabará/MG. Orienta monografias e trabalhos científicos jurídicos e possui artigos publicados na revista Asa- Palavra. É autor do livro “Estado e Soberania: Perspectivas no Direito Internacional Contemporâneo”, pela D`Plácido Editora.
Com o aparecimento do Estado, principalmente no período clássico – romano, a vida dos homens deveria estar inserida em um sistema político que permitisse a todos terem um mínimo de dignidade. Para este fim, essencial era a representação política dos interesses da sociedade. A demonstração clara na Antiguidade Clássica era o senado romano, apesar do poder imperial. É na Idade Contemporânea, que é inaugurada com a Revolução Francesa de 1789, que a manifestação livre do pensamento encontra abrigo constitucional. Torna-se um direito fundamental o cidadão, outrora súdito, poder se manifestar isolada ou conjuntamente, sobre todo e qualquer assunto ligado à existência humana, principalmente sobre o questionamento da atuação do poder político. Esta é uma obra que busca resgatar filosoficamente a natureza humana através da liberdade de opinião, entrelaçando conceitos como Estado, Razão, História, Hermenêutica e Linguagem para atingir a prática virtuosa do Direito.
Vera Lúcia de Sousa Golini é graduada em Direito pela Faculdade Asa de Brumadinho .É contadora e empresária. Possui artigos publicados na revista Asa - Palavra. É coautora do livro “Estado e Soberania: Perspectivas no Direito Internacional Contemporâneo”, pela D`Plácido Editora.
ISBN 978-85-8425-649-5
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EIXOS TEMÁTICOS: Liberdade: Alguns Conceitos // A Liberdade de Expressão // História, Ocidente e Constituição // A Liberdade, o Direito e a História Mundial // A Liberdade de Imprensa e a Opinião Pública // O Caminhar da Opinião Pública // A Opinião Pública e a Hermenêutica Jurídica // O Século XXI e a Tolerância
rafael tallarico vera lúcia de sousa golini
a liberdade de expressão da opinião pública
O principal dom humano é a linguagem, no dizer aristotélico. Desde o início da história, o homem tem buscado o aprimoramento de suas relações através da comunicação. O surgimento da escrita é a prova maior do interesse individual e coletivo de se estabelecer relações através da grafia, que antes era idéia.
a liberdade de expressão da opinião pública 2ª edição
Na história o homem busca alcançar a sua liberdade através do reconhecimento do outro. Ninguém é livre se os demais também não o forem. A linguagem, dádiva divina, é o meio através do qual a manifestação do espírito se concretiza em transmissão e comunicação dos pensamentos. Na Antiguidade Oriental já existiam manuscritos e leis que expressavam o evoluir das ciências matemáticas, físicas, astronômicas, biológicas e humanas. Na Idade Média o pensamento religioso dominava as manifestações humanas com o fim de domínio político, apesar de que os homens nunca deixaram de pensar, debater e criticar. O desenvolvimento dialético – interpretativo, cujas raízes se encontra na maiêutica socrática, acabou redundando na hermenêutica jurídica, ou seja, a ciência da interpretação da lei. A partir da constitucionalização do poder, principalmente em 1688, com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, a lei passa a ser o instrumento para o beneficio continuo da condição humana. A Revolução Francesa de 1789 trouxe para dentro do Estado o imperativo do debate. A hermenêutica jurídica se tornou uma ciência indispensável para a garantia axiológica da ordem constitucional, baseada na igualdade, liberdade, fraternidade e no trabalho. A cultura européia – cristã é fundamentada na igualdade formal. Somente um país que permita ao seus cidadãos se manifestarem livremente, do ponto de vista político, pode se arrogar ao direito de se considerar democrático. A opinião predominante deve ser a das elites intelectuais, uma vez que buscam elas a inclusão, favorecendo a pluralidade humana, dentro de uma ordem estatal que deve se assentar no Direito, tomado como fato, valor e norma, ou seja, Idéia de Justiça.