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EIXOS TEMÁTICOS: Direitos Fundamentais // Direitos Fundamentais Sociais: direitos de igualdade // Direito à Saúde e Saúde Pública // Efetividade do Direito à Saúde: a judicialização como possibilidade de participação e discursividade //
DIREITO À SAÚDE: EFETIVIDADE E PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
Cândice Lisbôa Alves é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa (2004), onde concluiu mestrado em Extensão Rural (2006). É especialista em Direito Público pela Unec (2007), e Doutora em Direito Público pela Puc Minas (2013). Já lecionou em diversas faculdades ministrando disciplinas do Curso de Direito. Atualmente é professora da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, de disciplinas de Tópicos Especiais em Direito Público e Teorias da Justiça e Direitos Humanos. É advogada, Secretaria Geral da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MG. Leciona em Cursos de Especialização em Direito. Foi instrutora da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais em cursos de formação de Sargento.
O direito à saúde decorre do direito à vida. Assim, em princípio, o conceito de saúde não comporta restrições ou delimitações de significado, exceto nos casos em que elas sejam plenamente justificadas diante de um caso concreto, de forma racional e argumentativamente. A concretização da ideia de saúde exige atitudes. Ela não é um direito que se realiza por si só, pois demanda verbas e ações positivas. Todavia, a realidade nacional demonstra insatisfação da população com a forma pela qual a saúde vem sendo prestada pelo Estado, o que pode ser percebido pelo crescente número de demandas que deságuam no Judiciário – situação cunhada por judicialização da saúde. Correlatas a essa realidade são as reflexões atinentes aos desdobramentos que as demandas de saúde provocam no Sistema Jurídico e financeiro do Estado. Diante da inquietação apresentada surgiu a presente pesquisa que objetivou a análise da efetividade do direito à saúde a partir da premissa da participação e da proibição do retrocesso social.
DIREITO À SAÚDE Efetividade e proibição do retrocesso social Cândice Lisbôa Alves
Este livro é o resultado da pesquisa desenvolvida no Doutorado em Direito Público da Puc Minas. Estudou-se a efetividade do direito à saúde, entendido como direito fundamental social e, anteriormente, como direito humano, decorrente da Declaração dos Direitos do Homem da ONU, de 1948, e do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. O estudo calcou-se em revisão bibliográfica. O eixo de análise pendeu entre a análise da efetividade da saúde pública relacionada à premissa da participação, e do princípio da proibição do retrocesso social. A hipótese de trabalho foi pela impossibilidade de afronta ao direito à saúde positivado, ou concretizado. Delimitaram-se conceitos essenciais ao tema, estudando-se elementos conceituais-dogmáticos, aplicabilidade e fundamentação. Analisaram-se objeções trazidas pela doutrina em face das ações judiciais que pleiteiam serviços de saúde. Defendeu-se a necessidade da participação em todos os Poderes para se garantir o desiderato da saúde.
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Direito à Saúde:
Efetividade e Proibição do Retrocesso Social Cândice Lisbôa Alves
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Copyright © 2013, D’ Plácido Editora Copyright © 2013, Cândice Lisbôa Alves Editor Chefe
Plácido Arraes Produtor Editorial
Tales Leon de Marco
Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte - MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-002
Capa
Tales Leon de Marco (Sobre foto de Sxc.hu) Diagramação
Danilo Jorge da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Alves, Cândice Lisbôa. Direito à Saúde: Efetividade e Proibição do Retrocesso Social -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2013. Bibliografia ISBN: 978-85-67020-52-5 1. Direito 2. Direito Constitucional 3. Saúde I. Direito Constitucional II. Direito à Saúde CDU342
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Para JosĂŠ, Um pequeno grande homem. Amor para toda vida. E para alĂŠm dela.
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Agradecimentos
Agradeço à Deus. À minha família. Às minhas amigas Clarinha, Débora, Égina, Chris, Carol e Thereza. À José Adércio Leite Sampaio, meu orientador, que trouxe luzes em momentos duvidosos... Por fim agradeço aos membros da banca de doutoramento, que fizeram do momento mais um ato de reflexão e aprendizagem: Professora Fabiana Barletta, Professora Wilba Bernardes, Professor Edimur e Professor Martônio Montalverne. Muito obrigada a todos vocês!
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JOSÉ E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José?
seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio - e agora?
Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José?
Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José!
E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro,
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Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?
Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde? (Andrade, 2013).
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Lista de abreviaturas AgR – Agravo Regimental AI – Agravo de Instrumento ANS – Agência Nacional de Saúde ANVISA – Agência Nacional de Saúde Pública CMED - Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos CNJ – Conselho Nacional de Justiça CNS – Conselho Nacional de Saúde MBE – Medicina baseada em evidências OMS – Organização Mundial de Saúde ONG – Organização Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas OG – Observações gerais PCDT – Protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas PIDESC – Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Políticos PNAF – Política Nacional de Assistência Farmacêutica RE – Recurso Extraordinário RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais SNS – Sistema Nacional de Saúde Português STA – Suspensão de Tutela Antecipada STF – Supremo Tribunal Federal SUS – Sistema único de Saúde
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Sumário
Prefácio
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1. Introdução
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2. Direitos Fundamentais 2.1 Terminologias: direitos naturais, direitos humanos e direitos fundamentais 2.1.1 Direitos naturais 2.1.2 Direitos humanos 2.1.3 Direitos fundamentais 2.2 Classificações dos direitos fundamentais 2.2.1 Direitos fundamentais formais e materiais 2.2.2 Bidimensionalidade dos direitos fundamentais: caráter subjetivo e objetivo 2.2.2.1 Caráter subjetivo dos direitos fundamentai 2.2.2.2 Caráter objetivo dos direitos fundamentais 2.2.2.2.1 Garantias institucionais e restrições à atividade estatal 2.2.2.2.2 Eficácia externa e dever de proteção: a eficácia irradiante 2.3 Transposição da análise particular para a da comunidade jurídica: comunitarismo e jurisprudência de valores
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2.4 Os direitos fundamentais: rompendo as premissas positivistas e valorativas e adentrando no procedimentalismo discursivo 2.4.1 Os direitos fundamentais e o pluralismo 2.4.1.1 Pluralismo democrático: reais possibilidades de participação 2.5 A discursividade como elemento necessário à efetividade dos direitos fundamentais 2.6 Um problema atual em relação à concretização dos direitos fundamentais: o embate entre o individual e o universal 3. Direitos Fundamentais Sociais: direitos de igualdade 3.1 Discussões conceituais: a difícil determinabilidade conceitual dos direitos sociais 3.2 Positivação dos direitos sociais: análise internacional e constitucional 3.3 Fundamentos ou justificação dos direitos sociais: liberdade e igualdade 3.4 Elementos conceituais dos direitos sociais: uma leitura atinente às cláusulas pétreas 3.5 Elementos de aplicabilidade ou eficácia dos direitos sociais: caráter formal, material, originário e derivado dos direitos sociais 3.5.1 Direitos sociais como direitos subjetivos 3.5.2 Direitos sociais fundamentais e o mínimo existencial 3.6 Óbices à justiciabilidade dos direitos sociais 3.6.1 Argumentos de legitimidade: Legislativo e Executivo como órgãos democráticos 3.6.2 Argumentos dogmáticos: imprecisão conceitual dos direitos sociais e interpositio legislatoris 3.6.3 Argumentos econômicos: o custo dos direitos e o consequencialismo das decisões judiciais 3.6.3.1 A visão econômica do direito: todos os direitos representam custos 3.6.3.2 A reserva do possível
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3.6.4 Argumentos relacionados à reserva de substância ou falta de expertise dos magistrados 3.7 O debate sobre a subsidiariedade em relação aos direitos sociais 4. Direito à Saúde e Saúde Pública 4.1 Saúde e saúde pública 4.2 Incursões sobre o direito à saúde no direito estrangeiro 4.2.1 Argentina 4.2.2 Colômbia 4.2.3 Portugal 4.2.4 África do Sul 4.3 A saúde pública no Brasil 4.4 Caracterização do direito à saúde como direito fundamental 4.4.1 Titularidade 4.4.2 Destinatários 4.4.3 Caráter subjetivo do direito à saúde 4.4.4 Caráter objetivo do direito à saúde
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5 Efetividade do Direito à Saúde: a judicialização como possibilidade de participação e discursividade 141 5.1 A teoria da concretude dos direitos fundamentais, a esfera pública e o direito de participação 142 5.2 A efetividade do direito à saúde: participação e concretização do direito fundamental social por meio da judicialização da saúde 150 5.3 Requisitos para a concessão dos requerimentos de saúde no Brasil 155 5.4 Incursões no Direito estrangeiro 159 5.4.1 Argentina 159 5.4.2 Colômbia 160 5.4.3 Portugal 162 5.4.4 África do Sul 163 13 MIOLO_Direito a saude efetividade_180913_Tales.indd 13
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5.5 As decisões sobre a judicialização da saúde prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal 165 5.6 O problema atual da saúde pública no Brasil: como garantir efetividade à saúde tendo em vista os pressupostos do acesso universal, igualitário e gratuito 173 6 A Proibição do Retrocesso Social aplicada ao Direito à Saúde 177 6.1 Histórico do princípio da proibição do retrocesso social. Breves incursões no direito estrangeiro 178 6.1.1 A experiência Alemã 179 6.1.2 A experiência em Portugal 181 6.2 Terminologias 184 6.3 Natureza jurídica do instituto e sua abrangência material 184 6.4 Conceituação do princípio da proibição do retrocesso social 186 6.5 Efeitos prospectivos em relação ao princípio da proibição do retrocesso social 189 6.6 Destinatário do princípio: o legislador 190 6.7 Limites ao princípio da proibição do retrocesso social: o núcleo fundamental dos direitos fundamentais e a dignidade humana 192 6.8 Objeções ao princípio da proibição do retrocesso social 193 6.8.1 O princípio democrático e a vontade política do Legislativo (e do Executivo) 194 6.8.2 O princípio da realidade e a reserva do possível 196 6.8.3 A constitucionalização do direito legal 198 6.9 Releitura do princípio da proibição do retrocesso social e sua aplicação diante do direito à saúde 201 6.9.1 A proibição do retrocesso social protege todos os direitos fundamentais 202 6.9.2 A proibição do retrocesso social abrange direitos fundamentais implícitos, direitos materialmente fundamentais e também a uma consciência jurídica consensualmente estabelecida sobre esses direitos 203 14 MIOLO_Direito a saude efetividade_180913_Tales.indd 14
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6.9.3 A proibição do retrocesso social dirige-se a todos os Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário 205 6.9.4 Princípio da confiança e segurança jurídica: mecanismos de proteção dos direitos fundamentais 210 6.10 O conceito proposto de proibição do retrocesso social 211 6.11 Uma aplicação da garantia de efetividade ao direito à saúde por meio da proibição do retrocesso social 211 Conclusão
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Referências
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Prefácio O direito à saúde (DAS) tem sido objeto de muitos estudos no Brasil nos últimos tempos. Qualquer repositório de monografias, dissertações e teses revelará a interdisciplinariedade das análises feitas e a variedade de enfoques. Artigos e livros se multiplicam nas estantes físicas e virtuais. Parece até intuitivo, para o nível de desenvolvimento moral em que vivemos, que a saúde seja considerada um dos direitos humanos mais celebrados. Do ponto de vista puramente dogmático, esse reconhecimento traz alguns problemas, no entanto. Trata-se, deonticamente, de um direito? E, portanto, de um direito fundamental? A leitura do texto constitucional do Brasil tende, em primeira vista, a afastar qualquer dúvida. Está escrito, no artigo 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Mas que espécie de direito se trata? Um típico direito subjetivo ou mero direito reflexo do dever estatal de proteção? “Direito de todos” equivale a direito individual e coletivo, ao mesmo tempo, ou apenas um direito de titularidade difusa? Perguntas que, aos olhos do público em geral, têm cheiro de filigranas jurídicas, juridiquês insosso e inútil. Se é um direito, como determina a Constituição, obviamente, deve gerar consequências práticas, a saúde, o bem-estar ou, pelo menos, as condições para tanto. São, porém, perguntas que requerem respostas que estão longe de ser sem gosto ou utilidade. Em se tratando de um direito subjetivo, sua postulação judicial não pode ser negada. Em outros termos, não se 17 MIOLO_Direito a saude efetividade_180913_Tales.indd 17
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trata apenas de uma questão de política, seja ela social ou econômica. O direito à saúde é também um problema jurídico que, sem equacionamento apropriado na via legal e administrativa, pode exigir a intervenção de um juiz. Se, por outro lado, disser respeito a um mero direito reflexo, seu domínio será inteiramente deixado aos atores políticos e à discricionariedade administrativa. A lógica das possibilidades e da eficiência poderá se sobrepor às exigências deontológicas (e, às vezes, utópicas) de um direito. O alvitre pela natureza difusa do direito não abrevia a discussão, pois traz ainda, pela porta da frente, o tema da legitimação extraordinária e, de novo, os limite da intervenção judicial. Por essas linhas, já notamos que o debate transcende a tecnologia estrita do direito. Seja que tipo de direito for, subjetivo ou reflexo, individual ou coletivo, a quem é dado a adoção da política de sua efetividade? Ao Estado, por certo, mas qual (ou quem no) Estado? Em se tratando de um direito predominanetemente de e a prestações, sua execução fica na dependência da disponibilidade de recursos financeiros. No Estado constitucional, a definição de prioridade de gastos, em vista da escassez de receitas e excessos de demandas, bem assim da distribuição de encargos e benefícios sociais, é atribuição dos agentes políticos. Afirmação peremptória que requer justificativa. A correia de legitimação democrática, que gira no ciclo das eleições, confere autoridade aos eleitos para decidir não tanto em que gastar, uma vez que há programações orçamentárias obrigatórias, a exemplo do percentual vinculante do orçamento à saúde, mas o quanto e, até certo ponto, o como gastar. Por outro lado, o esmerio técnico da estrutura administrativa fornece os elementos necessários para um planejamento adequado das finanças públicas que tendem a otimizar a tomada de decisão por aqueles agentes investidos de legitimação das urnas. A interveniência do juiz, a determinar que tal despesa seja feita em acréscimo ou sem a devida previsão, por exemplo, ao impor que um dado medicamento não prescrito na lista de dispensação gratuita pelo SUS seja fornecido a um determinado paciente, pode comprometer a dupla integridade da política adotada. Integridade técnica, a supor que haja um estudo epidemiológico e orçamentário que estabelecera as balizas da política. E a integridade política (transvestida juridicamente na separação dos poderes), ao ser admitida a interferência de um ator não eleito no processo decisório. 18 MIOLO_Direito a saude efetividade_180913_Tales.indd 18
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Nota-se, claramente, que direito, economia e política se entrecruzam na questão. Sem contarem os próprios limites das ciências biomédicas. Como, todavia, deixar sem efeito jurídico (à subjetividade, refiro-me) um direito tão caro, literalmente, à vida humana? Como extrair-lhe a seiva da satisfação imediata ou particular em favor de uma definição utilitarista do maior benefício ao maior número? Será o direito, por vocação, um instrumento de utilidade apenas? Não é essa a compreensão que domina as consciências. Nem a intersubjetividade. Tampouco a política e a democracia se resumem ao processo eleitoral. Não há como, no estado da arte e dos espíritos de nossos desvairados tempos, separar democracia e direitos, eleições e controle judicial de leis, de atos administrativos, das eleições inclusivamente. Democracia é um processo dinâmico de ajustes dos e nos desajustes, de consensos dos e nos dissensos e um aprendizado contínuo, nem sempre notável, da convivência humana. Somos aprendizes dos próprios e nos próprios destemperos da liberdade. A dos antigos, a dos modernos. E ela, a democracia, tem suas formas de reajustar a programação, uma quase objetividade do seu próprio fazer, uma quase autopoiésis diacrônica, de se mostrar, em suas imperfeições, a correção dos acertos a longo prazo, pelo menos. Cândice Lisbôa Alves tinha a exata noção de que estaria escrevendo um texto a mais no repositório de tantos textos. E, como tantos outros, cairia na movediça teia de argumentos e contra-argumentos sobre tão árduo tema. Foi carajosa e se lançou ao exame na miudeza de cada problema, sem ter, contudo, a pretensão de dar soluções prontas. A tese, que, agora, apresenta-se ao leitor, não é uma espécie de prato feito tão próprio à Academia, mas a soma de ingredientes com algumas receitas a serem testadas. Um processo, mas do que produto. E, ainda assim, repleta de temperos e fermento que valem a conferida. A sério. Ela não chove no molhado, embora enverede por assuntos já até encharcados. Tem em um deles o marco da política progressiva do direito à saúde: a vedação do retrocesso social. Não se propõe a coisificar, engessando o direito, mas tampouco o deixa na flexibilidade dos humores das conveniência da maioria. Tem-no, no quadro de efetividade existente, o mínimo existencial ou, para fugir às controvérsias da tese e da interpretação que a ele se possa dar, o conteúdo essencial do direito, não, todavia, para contentar as reivindicações ou a consciência burocrática, mas como ponto de partida para sua concretude. 19 MIOLO_Direito a saude efetividade_180913_Tales.indd 19
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Quem a lê apressadamente pode atribuir-lhe a qualidade comum a alguns juristas: defender o impossível, sendo implacável com a realidade. Uma distopia antes que utópica ruminança da formação. Ao contrário, ela procura respeitar os domínios de conhecimento com retidão, isso sim, inafastável. Um direito, reconhecido como universal e progressivo, ao mesmo tempo, como o DAS, requer uma cláusula de segurança que impeça recuos, uma trave às tergiversações da política, um respeito ao compromisso constitucional. E um dever de progressão, realizável pela dinâmica democrática, no sentido há pouco exposto, das possibilidades. Redefinem-se, interlingando, dois aspectos dogmáticos do direito: seu limite (ou condicionamento) financeiro à disponibilidade financeira (a famosa reserva do possível) e a dimensão objetiva jusfundamental. Diferentemente da versão original alemã, não é esta o aspecto axiológico da ordem constitucional de valores ou a sua natureza transcendental e indisponível, mas o dever de promoção, por meio da participação. Em outros termos, a concepção do direito fundamental à saúde, defendida na tese, acaba tendo um forte viés republicanista que tende a ampliar a sua dimensão subjetiva, para além do conquistado: por meio de uma rede de reivindicações e de lutas, inclusive em sede judicial, que disputam efetividade com interesses concorrentes nos espaços formais e informais da sociedade e na esfera estatal. A discursividade, a que a autora se refere no texto, é dada por esse intento de formar consensos ou, menos exigente, acertos equânimes que repercutam em maior alocação de recursos (alargamento do espectro do possível) e de melhor política de efetividade do direito. Um interpretação polêmica do discurso e da dimensão objetiva jusfundamental? Sem dúvida. Todavia, inovadora e provocante, que merece atenção José Adércio Leite Sampaio
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EIXOS TEMÁTICOS: Direitos Fundamentais // Direitos Fundamentais Sociais: direitos de igualdade // Direito à Saúde e Saúde Pública // Efetividade do Direito à Saúde: a judicialização como possibilidade de participação e discursividade //
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Cândice Lisbôa Alves é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa (2004), onde concluiu mestrado em Extensão Rural (2006). É especialista em Direito Público pela Unec (2007), e Doutora em Direito Público pela Puc Minas (2013). Já lecionou em diversas faculdades ministrando disciplinas do Curso de Direito. Atualmente é professora da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, de disciplinas de Tópicos Especiais em Direito Público e Teorias da Justiça e Direitos Humanos. É advogada, Secretaria Geral da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MG. Leciona em Cursos de Especialização em Direito. Foi instrutora da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais em cursos de formação de Sargento.
O direito à saúde decorre do direito à vida. Assim, em princípio, o conceito de saúde não comporta restrições ou delimitações de significado, exceto nos casos em que elas sejam plenamente justificadas diante de um caso concreto, de forma racional e argumentativamente. A concretização da ideia de saúde exige atitudes. Ela não é um direito que se realiza por si só, pois demanda verbas e ações positivas. Todavia, a realidade nacional demonstra insatisfação da população com a forma pela qual a saúde vem sendo prestada pelo Estado, o que pode ser percebido pelo crescente número de demandas que deságuam no Judiciário – situação cunhada por judicialização da saúde. Correlatas a essa realidade são as reflexões atinentes aos desdobramentos que as demandas de saúde provocam no Sistema Jurídico e financeiro do Estado. Diante da inquietação apresentada surgiu a presente pesquisa que objetivou a análise da efetividade do direito à saúde a partir da premissa da participação e da proibição do retrocesso social.
DIREITO À SAÚDE Efetividade e proibição do retrocesso social Cândice Lisbôa Alves
Este livro é o resultado da pesquisa desenvolvida no Doutorado em Direito Público da Puc Minas. Estudou-se a efetividade do direito à saúde, entendido como direito fundamental social e, anteriormente, como direito humano, decorrente da Declaração dos Direitos do Homem da ONU, de 1948, e do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. O estudo calcou-se em revisão bibliográfica. O eixo de análise pendeu entre a análise da efetividade da saúde pública relacionada à premissa da participação, e do princípio da proibição do retrocesso social. A hipótese de trabalho foi pela impossibilidade de afronta ao direito à saúde positivado, ou concretizado. Delimitaram-se conceitos essenciais ao tema, estudando-se elementos conceituais-dogmáticos, aplicabilidade e fundamentação. Analisaram-se objeções trazidas pela doutrina em face das ações judiciais que pleiteiam serviços de saúde. Defendeu-se a necessidade da participação em todos os Poderes para se garantir o desiderato da saúde.
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