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O Prof. Grégore Moreira de Moura, com a argúcia que lhe é peculiar, sai à procura do fundamento constitucional do princípio da co-culpabilidade, bem como aponta sua existência em outros ordenamentos jurídicos, fazendo um estudo comparado do tema. Mais do que um simples debate acadêmico, as lições contidas na presente obra culminam com a demonstração prática da aplicação do princípio, tendo o autor, em capítulo próprio, analisado algumas posições de nossos Tribunais. Enfim, a obra, com toda certeza, passará a fazer parte de nossa prateleira de consulta obrigatória, colocando luzes sobre um tema até hoje não discutido com a profundidade exigida pela sua grandeza.
GRÉGORE MOREIRA DE MOURA
Rogério Greco Doutor em Direitos Humanos e Justiça Penal pela Universidad de Burgos, Espanha(2010) Assessor Especial do Ministerio Público do Estado de Minas Gerais
DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL
Grégore Moreira de Moura O autor é graduado pela Faculdade de Direito da UFJF, Mestre em Ciências Penais pela UFMG e doutorando em Direito Constitucional pela UFMG, Procurador Federal, da Carreira da PGF, Órgão vinculado à AGU, Professor de Direito Penal e Direito Eletrônico, respectivamente, nos cursos do Pro-Labore e no IDDE. Professor convidado na pós-graduação da FINOM-Paracatu-MG e no curso preparatório INTERJUR. Foi Professor de Direito Penal no Instituto Doctum - Campus Leopoldina-MG (2002/2003) e em outros cursos preparatórios para concursos públicos. Membro do conselho editorial da Revista da AGU (Qualis B2). Membro do Conselho Editorial do site www.direitopenalvirtual.com.br. Atualmente é Diretor Regional da Escola da AGU na 1ª Região.
m boa hora surge o presente estudo que parte, inicialmente, da análise dos princípios constitucionais, para, logo em seguida, enfrentar o seu problema principal, vale dizer, o princípio da co-culpabilidade, apontando seu conceito, sua origem histórica, a discussão terminológica, bem como a chamada coculpabilidade às avessas.
O DO PRINCÍPIO DA
CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL Grégore Moreira de Moura
objeto deste trabalho é de difícil delimitação: trata-se do denominado princípio da co-culpabilidade, ao qual ainda não se dispensou um estudo aprofundado no Direito Penal brasileiro, além de ser muito pouco trabalhado na doutrina alienígena, talvez por ir de encontro aos interesses das classes privilegiadas. A co-culpabilidade é uma mea-culpa da sociedade, consubstanciada em um princípio constitucional implícito da nossa Carta Magna, o qual visa promover menor reprovabilidade do sujeito ativo do crime em virtude da sua posição de hipossuficiente e abandonado pelo Estado, que é inadimplente no cumprimento de suas obrigações constitucionais para com o cidadão, principalmente no aspecto econômico-social. Resta clara, assim, a dificuldade de se desenvolver este estudo.
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Copyright © 2014, D’ Plácido Editora Copyright © 2014, Grégore Moreira de Moura Editor Chefe
Plácido Arraes Produtor Editorial
Tales Leon de Marco
Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte - MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-002
Capa
Tales Leon de Marco (sobre imagem de SXC.HU) Diagramação
Bárbara Rodrigues da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.
Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Moura , Grégore Moreira de Do Princípio da Co-Culpabilidade no Direito Penal -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2014. Bibliografia ISBN: 978-85-67020-68-6 1. Direito 2. Direito Penal I. Título II. Princípio da Co-culpabilidade III. Grégore Moreira de Moura CDU343
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A lei é feita para todos, mas só ao pobre obriga. A lei é teia de aranha, Em minha ignorância tentarei explicar, Não a temam os ricos, Nem jamais os que mandam, Pois o bicho grande a destrói E só aos pequeninos aprisiona. A lei é como a chuva, nunca pode ser igual para todos. Quem suporta se queixa, Mas a explicação é simples; A lei é como a faca que não fere quem a impunha. (FIERRO, Martín, apud ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal, p. 42.)
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Aos meus pais, Moura e Nádia, os verdadeiros e principais “livros” que li. Suas lições seguirão comigo para sempre e, com certeza, não as encontrarei em lugar algum.
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Agradecimentos
A memória é sempre traiçoeira, por isso peço escusas a todos aqueles que não mencionei diretamente nestes singelos agradecimentos. Agradeço aos professores Cleverson Raimundo Sbarzi Guedes, João Bosco Cascardo de Gouvêa, Rodrigo Iennaco de Moraes, José Wilson Ferreira Sobrinho (in memoriam), Sheila Jorge Selim de Sales, Carlos Augusto Canêdo, José Cirilo de Vargas, pela colaboração e conhecimento transmitidos. Ao amigo Rogério Greco pelos ensinamentos e pelo incentivo incondicional à publicação desta obra. Aos amigos Gustavo Alexandre Magalhães, Leandro Almeida de Oliveira, Raphael Luiz Corrêa de Melo e Daniel Almeida Rodrigues pelas revisões constantes e discussões temáticas. Aos meus alunos de Direito Penal, que renovam meus conhecimentos. Ao meu irmão Glauco Moreira de Moura e a todos os meus familiares, especialmente minha avó Alba e o meu avô Augusto (in memoriam). Ao Ir:. Flávio Mendonça pelo substancial apoio prestado durante o desenvolvimento deste estudo. Ao Ir:. Saulo Humberto pela cuidadosa revisão e sugestões de atualização da obra. Enfim, agradeço a todos que, de alguma forma, foram protagonistas deste árduo trabalho de pesquisa.
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Sumário Apresentação
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1. Introdução
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2. Princípios Constitucionais 2.1 Princípios 2.2 Localização dos Princípios na Ciência Jurídica 2.3 Princípios Constitucionais 2.4 Do Conflito Entre Princípios 2.5 Princípios Constitucionais Penais 2.5.1 Princípio republicano 2.5.2 Princípio federativo 2.5.3 Princípio da legalidade 2.5.4 Princípio da irretroatividade 2.5.5 Princípio da intervenção mínima 2.5.6 Princípio da culpabilidade 2.5.7 Princípio da humanidade 2.5.8 Princípio da individualização da pena
25 25 27 30 32 35 37 40 42 46 47 50 52 54
3. Do Princípio da Co-Culpabilidade 3.1 Considerações Iniciais 3.2 Conceito
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3.2.1 O problema terminológico 3.2.2 Origem histórica 3.3 A Co-Culpabilidade Às Avessas 3.4 Enrico Ferri e a Co-Culpabilidade: Semelhanças e Diferenças 3.5 A Teoria De Robert Merton
61 65 69 73 77
4. O Princípio da Co-Culpabilidade e a Constituição de 1988 4.1 Nota Introdutória 4.2 Igualdade 4.3 Dignidade Da Pessoa Humana (Art. 1º, III, CF) 4.4 Individualização Da Pena 4.5 Pluralismo Jurídico 4.6 O Garantismo De Ferrajoli
85 85 85 90 93 94 96
5. A Co-Culpabilidade no Direito Comparado 5.1 Nota Introdutória 5.2 O Direito Penal Argentino 5.3 O Direito Penal Mexicano 5.4 O Direito Penal Peruano 5.5 O Direito Penal Na Costa Rica 5.6 O Direito Penal Boliviano 5.7 O Direito Penal Norte-Americano 5.8 O Direito Penal Colombiano 5.9 O Direito Penal Equatoriano 5.10 O Direito Penal Salvadorenho 5.11 O Direito Penal Paraguaio 5.12 O Direito Penal Português
99 99 101 103 104 107 109 110 113 114 115 115 116
6. O Princípio da Co-Culpabilidade no Direito Penal Brasileiro 6.1 Considerações Iniciais
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6.2 Na Doutrina 6.3 Na Jurisprudência 6.4 No Processo 6.5 Possibilidades de Inserção no Código Penal 6.6 Co-Culpabilidade Às Avessas no Brasil 6.6.1. Os arts. 59 e 60 da Lei de Contravenções Penais 6.6.2 A reparação do dano: “crimes bons” x “crimes ruins” 6.7. A co-culpabilidade na Lei de Drogas
121 123 124 127 130 131 136 138
7. Princípio da Co-Culpabilidade e Política Criminal 143 7.1 Introdução 143 7.2 A Co-Culpabilidade Como Critério Corretor Da Seletividade Do Direito Penal 144 7.3 A Co-Culpabilidade Como Busca Do Direito Penal Mínimo 149 8. Conclusão
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Referências Anexos
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Apresentação
Desde que se começou a discutir o tema da co-culpabilidade no Brasil, o mercado jurídico sentiu a ausência de um trabalho específico sobre a matéria. Muitas dúvidas foram surgindo, ao longo dos anos, a respeito de sua aplicação prática, principalmente levando-se em consideração as disposições constantes em nossa legislação penal. Seria possível, através do seu raciocínio, eliminar um dos elementos integrantes do conceito analítico de crime, ou tão-somente diminuir a eventual pena aplicada àquele que praticou uma infração penal, premido por determinadas circunstâncias? A teoria da co-culpabilidade deverá ser aplicada somente com base em dispositivos expressamente constantes de nossa legislação penal, ou poderá ser entendida como causa supralegal? O tema, como se percebe, é de extrema importância, pois que o direito de liberdade de alguém encontra-se em risco. Assim, em boa hora surge o presente estudo, de autoria do brilhante amigo e professor de Direito Penal, Grégore Moreira de Moura, que parte, inicialmente, da análise dos princípios constitucionais, para, logo em seguida, enfrentar o seu problema principal, vale dizer, o princípio da co-culpabilidade, apontando seu conceito, sua origem histórica, a discussão terminológica, bem como a chamada co-culpabilidade às avessas. O Prof. Grégore Moreira de Moura, com a argúcia que lhe é peculiar, sai à procura do fundamento constitucional do princípio da co-culpabilidade, bem como aponta sua existência em outros ordenamentos jurídicos, fazendo um estudo comparado do tema. Mais do que um simples debate acadêmico, as lições contidas na presente obra culminam com a demonstração prática da aplicação do princípio, tendo o autor, em capítulo próprio, analisado algumas posições de nossos Tribunais. 15 MIOLO_CoCupabilidade_220414_Tales.indd 15
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Enfim, a obra, com toda certeza, passará a fazer parte de nossa prateleira de consulta obrigatória, colocando luzes sobre um tema até hoje não discutido com a profundidade exigida pela sua grandeza. Nesse momento, nossa única atitude para com o Prof. Grégore Moreira de Moura deve ser a de agradecimento por ter tido a coragem de enfrentar um tema polêmico, que não havia recebido, por parte da doutrina brasileira, a necessária atenção. Todos nós temos a ganhar com isso. Rogério Greco Procurador de Justiça; Doutor pela Universidade de Burgos (Espanha); Mestre em Ciências Penais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Membro fundador do Instituto de Ciências Penais (ICP) e da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais; Professor de Direito Penal do Curso de Pós-Graduação da PUC/BH; Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal da Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais; especialista em Direito Penal (Teoria do Delito) pela Universidad de Salamanca (Espanha); especialista em Direito Penal Econômico pela Universidad Castilla La Mancha (Espanha); Membro Titular da Banca Examinadora de Direito Penal do XLVIII Concurso para Ingresso no Ministério Público de Minas Gerais; palestrante em congressos e universidades em todo o País.
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Introdução
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O objeto deste trabalho é de difícil delimitação: trata-se do denominado princípio da co-culpabilidade, ao qual ainda não se dispensou um estudo aprofundado no Direito Penal brasileiro, além de ser muito pouco trabalhado na doutrina alienígena, talvez por ir de encontro aos interesses das classes privilegiadas. Sobre a epígrafe outros conceitos de culpabilidade dizem Zaffaroni e Pierangeli o que seria o princípio da co-culpabilidade, in verbis: [...] há sujeitos que têm menor âmbito de autodeterminação, condicionado por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no momento da reprovação da culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘co-culpabilidade’, com a qual a sociedade deve arcar.1
Portanto, a co-culpabilidade é uma mea-culpa da sociedade, consubstanciada em um princípio constitucional implícito da nossa Carta Magna, o qual visa promover menor reprovabilidade do sujeito ativo do crime em virtude da sua posição de hipossuficiente e abandonado pelo Estado, que é inadimplente no cumprimento de suas obrigações constitucionais para com o cidadão, principalmente no aspecto econômico-social. Resta clara, assim, a dificuldade de se desenvolver este estudo. Confirmando a assertiva, diz Manoel Antônio Teixeira Filho: O que escreveremos a seguir constitui, portanto, uma profunda ruptura com a doutrina tradicional. Trata-se, pois, de uma tese, de um ensaio atrevido, cuja motivação decorre da dinâmica dos fatos 1
ZAFFARONI. Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 613.
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da vida, dessas situações extremamente dramáticas, enfim, com que a realidade prática sói tocar a sensibilidade dos juristas e de todos aqueles que se preocupam com as injustiças que as ocasionais imperfeições do nosso sistema processual possam produzir.2
Evidentemente, como todo tema pouco conhecido no Brasil, há escassez de material bibliográfico e jurisprudencial sobre a matéria. Por isso mesmo, o tema propicia ao estudioso um leque de possibilidades criativas, aguçando o espírito crítico e inovando na ciência jurídica. É o que tentamos fazer aqui. A partir da pesquisa realizada, desenvolvemos não só o espírito crítico em relação ao tão açodado Direito Penal, como também delineamos soluções, principalmente tendo em mira os menos favorecidos e excluídos – denominado homem comum. Já é um começo! Nesta esteira, temos que a pesquisa jurídica é, portanto, não apenas um ato de reprodução – como se tem entendido –, mas de criação e de constituição crítica de novas formas de pensar o ordenamento jurídico, as relações de cidadania, os princípios ético-jurídicos, quer gerais ou especiais, tudo isso sob o manto revisto e revisitado da Justiça, que atribui significado ao fenômeno jurídico e lhe confere legitimidade e efetividade. No campo das Ciências Sociais Aplicadas, no qual se aconchega a Ciência do Direito, a pesquisa deve ter sempre o objetivo final de ‘retorno’ de sua produção ao homem comum, àquele que participa das sociedades locais e globais e que merece em troca de seu trabalho árduo os frutos e produtos da investigação científica. Estes não devem se restringir à satisfação dos interesses de poucos ou às produções inócuas e repetitivas de saberes já postos. Uma pesquisa social-aplicada que emancipa esse homem comum em seu agir habitual e de sua própria vida deve ser a meta do pesquisador jurídico.3
Desta feita, podemos dizer que o nosso estudo é jurídico-propositivo,4 isto é, tenta minorar as consequências da exclusão social gerada pelo Direito TEIXEIRA FILHO, Manoel Antônio apud SOARES, Leandro Nascimento. O pedido contraposto no processo do trabalho. Revista LTr, São Paulo, v. 67, n. 8, ago. 2003. 3 GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 156. 4 Malgrado as objeções sobre esse tipo de investigação, citemos as professoras Miracy e Maria Tereza, apenas a título de esclarecimento, embora discordando de seu pensamento: “Por último, o tipo jurídico-propositivo, que, segundo Witker (1985), destina-se ao questionamento de uma norma, de um conceito ou de uma instituição jurídica com o objetivo de propor mudanças ou reformas legislativas concretas. Ocorre que, sendo as pesquisas jurídicas um campo especial das Ciências Sociais Aplicadas, toda e qualquer investigação 2
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Penal, mediante uma proposta de alteração no Código Penal vigente. Com isso, extraímos os problemas a serem solucionados ou, quem sabe, minorados – a seletividade, a marginalização e a exclusão geradas pelo Direito Penal na atualidade. Por isso, este estudo é interdisciplinar, visto que ligaremos o Direito Penal aos estudos sociológicos (e, quem sabe, filosóficos) em virtude da influência recíproca entre a Sociologia e o Direito.5 Todavia, não pregamos uma redução sociológica6 do Direito Penal, pois as duas ciências possuem objetos distintos. Ocorre que essa é uma tarefa muito árdua e que, para alcançar algum sucesso, não basta uma simples alteração no Código Penal vigente. Pretendemos também, neste trabalho, uma mudança de procedimento e atitude dos operadores do Direito e dos legisladores, ainda que nosso estudo seja predominantemente dogmático.7 Com efeito, busca-se uma verdadeira mudança de paradigma8 – alcançar um Direito Penal Mínimo, não seletivo, não
5
6
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8
deverá ter a finalidade propositiva, por sua própria natureza de ciência aplicada. Assim, entendemos que todos os demais tipos são, também, propositivos, o que invalida a existência de um tipo especial com essa finalidade precípua”. (GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 50.) O que queremos com isso é uma visão multidisciplinar do jurídico, bem como dos fenômenos sociais para que a teoria possa explicar e se adequar ao mundo fático. Nessa esteira, a co-culpabilidade como conseqüência desse fenômeno – aproximação do Direito com a realidade fática – dá maior efetividade ao Direito Penal direcionado pelo pluralismo. Utilizamos a expressão redução sociológica para demonstrar que o Direito não pode e não deve ser absorvido totalmente pela Sociologia, pois perderia o seu caráter de ciência autônoma. Reconhecer esse reducionismo seria um retrocesso científico. Isso, porém, não impede que se utilize a Sociologia para auxiliar o estudioso do Direito e, mais especificamente, do Direito Penal. Malgrado acharmos que a simples mudança na legislação não possa alterar a maneira de ser e pensar dos operadores do Direito e dos legisladores, entendemos ser um bom começo no que tange às normas jurídico-penais, tendo em vista, principalmente, o princípio da legalidade estrita que norteia este ramo do Direito. Utilizamos a palavra paradigma no sentido preconizado por Thomas S. Kunh, quando ele diz que os paradigmas são determinados modelos teóricos e métodos advindos de uma forma de compartilhar objetivos, formas de pensar, marcos teóricos, ou seja, a mesma visão de mundo. Todavia, esses paradigmas sofrem anomalias (contestações), as quais surgem quando eles não conseguem responder às várias perguntas que surgem no decorrer do tempo, o que pode ensejar a revolução. Daí advém um novo paradigma como ruptura com o paradigma anterior; todavia esse rompimento é apenas parcial, visto que ainda preserva idéias do paradigma anterior – esta é a noção de ciência comum. Portanto, todo paradigma é uma simplificação da realidade, ou seja, um quadro ou modelo teórico não consegue atingir toda a complexidade da realidade. O paradigma, assim, é uma forma de tornar as coisas inteligíveis, para atingir um entendimento mínimo da realidade – ter acesso a ela através dos modelos teóricos.É o que tentamos fazer ao longo deste trabalho. Ter uma visão mais ampla do Direito Penal e, com isso, romper com o paradigma do Direito Penal seletivo, marginalizador e excludente, calcado no Direito Penal Máximo, o qual predomina
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excludente e não marginalizador, com um Estado que não seja inadimplente no aspecto social e econômico ou, quem sabe, o simples abandono do paradigma atualmente dominante – Direito Penal Máximo, como solução para todos os problemas sociais, porém, na realidade, excludente, seletivo e marginalizador –, para proporcionar maior liberdade de investigação ao cientista do Direito Penal. Para atingir tal desiderato, é necessário que façamos um estudo aprofundado do sistema penal,9 bem como recorrermos ao estudo da Filosofia e da Sociologia, como dito alhures. nos dias atuais, mormente no que tange à visão preconizada pelos legisladores, em franca demagogia na busca incessante por votos. Por fim, concluir que este paradigma atual está imbuído de anomalias, já que não consegue solucionar os problemas e responder as perguntas a ele feitas, ou seja, estamos diante de um verdadeiro estado de crise do Direito Penal. Desta feita, faz-se mister a adoção de um novo paradigma que responda melhor às perguntas feitas para que se obtenham melhores resultados na resolução dos problemas postos. Este novo paradigma é a adoção de um Direito Penal Mínimo, não excludente, não marginalizador e menos seletivo que vise, principalmente, à ótica social no qual ele será aplicado, levando em consideração a inadimplência do Estado no cumprimento de suas obrigações frente ao cidadão. Na esteira desse novo paradigma é que temos o princípio da co-culpabilidade como início de toda a mudança, ou seja, trata-se de uma nova visão do Direito Penal. Apenas para confirmar o que dissemos acima, vejamos de forma sucinta como o autor supracitado denomina paradigma: “Percebe-se rapidamente que na maior parte do livro o termo “paradigma” é usado em dois sentidos diferentes. De um lado indica toda a constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade determinada. De outro, denota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência normal”. (KUNH, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 220.) 9 O conceito de sistema penal é controvertido.Vejamos o que diz Nilo Batista: “Vimos a sucessiva intervenção, em três estágios, de três instituições: a instituição policial, a instituição judiciária e a instituição penitenciária. A esse grupo de instituições que, segundo regras jurídicas pertinentes, se incumbe de realizar o direito penal, chamamos sistema penal. Zaffanoni entende por sistema penal o ‘controle social punitivo institucionalizado’, atribuindo à voz ‘institucionalizado’ a acepção de concernente a procedimentos estabelecidos, ainda que não legais. Isso lhe permite incluir no conceito de sistema penal casos de ilegalidades estabelecidas como práticas rotineiras, mais ou menos conhecidas ou toleradas (‘esquadrões da morte’ – por ele referidos como ‘ejecuciones sin proceso’, tortura para obtenção de confissões na polícia, espancamentos ‘disciplinares’ em estabelecimentos penais, ou uso ilegal de celas ‘surdas’, etc.). O sistema penal a ser conhecido e estudado é uma realidade, e não aquela abstração dedutível das normas jurídicas que o delineiam”. (BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. p. 25.) Em excelente obra lançada no Brasil, Zaffaroni et al. dão um conceito de sistema penal que, pela sua amplitude, se aproxima do sentido por nós utilizado.Vejamos. “Por sistema penal entendemos o conjunto das agências que operam a criminalização (primária e secundária) ou que convergem na sua produção. Dentro deste entendimento, referimo-nos a sistema no sentido elementar de conjunto de entes, de suas relações recíprocas e de suas relações com o exterior (o ambiente) e nunca no
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O crime, como fenômeno social por excelência, recebe da sociedade uma carga valorativa e absorve os influxos da sua visão ideológica, o que reflete diretamente nas políticas adotadas pelo Estado, bem como na feitura, interpretação e aplicação da legislação jurídico-penal. O Direito, por sua vez, revela-se produto da classe econômica, principalmente nos países ditos capitalistas, onde a desigualdade social e econômica escancara a proteção da classe favorecida ao longo dos anos.10 Todavia, essa tendência parece diminuir um pouco nos dias atuais, em decorrência da adoção do Estado Social e Democrático de Direito, bem como da tutela e proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.11 Embora haja a tendência mencionada, o Direito Penal ainda reflete diretamente o pensamento e a ideologia da classe dominante, selecionando, marginalizando e excluindo socialmente os menos abastados financeiramente, sendo estes o alvo primordial das normas jurídico-penais, o que gera maior exclusão social. símil biológico de órgãos do mesmo tecido que realizam uma função, de vez que estas agências não operam coordenadamente, mas sim por compartimentos estanques, ou seja, cada uma de acordo com seu próprio poder, com seus próprios interesses setoriais e respectivos controles de qualidade”. (ZAFFARONI, Eugênio Raul et al. Direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003. v. I. p. 60-61.) Mais adiante, os autores dizem quais as agências que devem ser analisadas em cada sistema penal. São elas: políticas, judiciais, policiais, penitenciárias, de comunicação social, de reprodução ideológica e internacionais. 10 “Assim, o Estado e seu correspondente sistema legal reflete e serve às necessidades da classe dominante. [...] O direito criminal como meio coercitivo no estabelecimento da ordem doméstica para a classe dominante torna-se, assim, uma postura básica em uma crítica radical do crime”. (QUINNEY, Richard. O controle do crime na sociedade capitalista: uma filosofia crítica da ordem legal. In:YOUNG, Jock et al. Criminologia crítica. Tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo. Organização de Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young. Rio de Janeiro: Graal, 1980. p. 237.) 11 Para evitar a polêmica surgida em torno da classificação dos direitos coletivos lato sensu, utilizamos aqui a adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90) em seu art. 81, in verbis:” A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos assim entendidos os decorrentes de origem comum.” Para um aprofundamento do tema cf. OLIVEIRA, Francisco Antônio. Ação civil pública: enfoques trabalhistas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998; CAMPOS, Ronaldo Cunha. Ação civil pública. Rio de Janeiro: Aide, 1995; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública. São Paulo: Atlas, 1999; MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005
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Desta feita, surge a necessidade de criar “mecanismos” para tentar diminuir os efeitos antes elencados, sendo que um desses “mecanismos” seria o reconhecimento do princípio da co-culpabilidade. Aliado a todos esses aspectos e tendo em vista a inequívoca utilização do Direito Penal como fator de exclusão social (como está sendo feito, interpretado e aplicado atualmente), faz-se mister estudar os impactos de sua visão ideológica e seletiva para tentar diminuir esses fatores e propiciar uma visão mais equânime do sistema penal, por meio da positivação da co-culpabilidade. Diz Richard Quinney: Sem o pensamento crítico nós estamos limitados à única forma de vida social que conhecemos – a que existe presentemente. Nós não somos, então, livres para escolher uma vida melhor; nossa atividade única é o prolongamento do apoio ao sistema em que somos escravizados. Nossa organização cultural e social presente, apoiada como ela está por um sistema de produção e distribuição burocrático-tecnológico, é uma ameaça à liberdade de saber que este sistema é opressivo e pode ser alterado. Um tal sistema tende a precluir a possibilidade de uma oposição emergente dentro dele. Aspirando as recompensas que o sistema nos oferece, nós somos incapazes de considerar uma existência alternativa. Tal é a mensagem de Marcuse (1964, p. 9) sem sua discussão do caráter ‘unidimensional’ de nossa realidade presente. Somente em uma negação do presente podemos nós experimentar qualquer coisa.12
Entretanto, tal objetivo só será alcançado se estudarmos o princípio da co-culpabilidade sob a ótica principiológica, bem como sob os auspícios do Direito Comparado, do Direito Constitucional e do Processo Constitucional, e, por fim, propor alterações e mudanças no nosso Direito Penal brasileiro, solucionando o problema trazido neste trabalho. Ressalva-se que não se pretende esgotar a matéria e nuanças que a questão da co-culpabilidade envolve; mas, sim, iniciar um debate aberto a críticas. Por fim, trazemos as palavras de Charles Darwin, que bem ilustram nosso sentimento: Embora esteja plenamente convencido da verdade das concepções apresentadas neste volume [...], não espero, de forma alguma, convencer naturalistas experimentados cujas mentes estão ocu QUINNEY, Richard. O controle do crime na sociedade capitalista: uma filosofia crítica da ordem legal. In: YOUNG, Jock et al. Criminologia crítica. Tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo. Organização de Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young. Rio de Janeiro: Graal, 1980. p. 232.
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padas por uma multidão de fatos, concebidos através dos anos, de um ponto de vista diametralmente oposto ao meu [...] (Mas) encaro com confiança o futuro – os naturalistas jovens que estão surgindo, que serão capazes de examinar ambos os lados da questão com imparcialidade.13
Apud KUNH, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 193.
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O Prof. Grégore Moreira de Moura, com a argúcia que lhe é peculiar, sai à procura do fundamento constitucional do princípio da co-culpabilidade, bem como aponta sua existência em outros ordenamentos jurídicos, fazendo um estudo comparado do tema. Mais do que um simples debate acadêmico, as lições contidas na presente obra culminam com a demonstração prática da aplicação do princípio, tendo o autor, em capítulo próprio, analisado algumas posições de nossos Tribunais. Enfim, a obra, com toda certeza, passará a fazer parte de nossa prateleira de consulta obrigatória, colocando luzes sobre um tema até hoje não discutido com a profundidade exigida pela sua grandeza.
GRÉGORE MOREIRA DE MOURA
Rogério Greco Doutor em Direitos Humanos e Justiça Penal pela Universidad de Burgos, Espanha(2010) Assessor Especial do Ministerio Público do Estado de Minas Gerais
DO PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL
Grégore Moreira de Moura O autor é graduado pela Faculdade de Direito da UFJF, Mestre em Ciências Penais pela UFMG e doutorando em Direito Constitucional pela UFMG, Procurador Federal, da Carreira da PGF, Órgão vinculado à AGU, Professor de Direito Penal e Direito Eletrônico, respectivamente, nos cursos do Pro-Labore e no IDDE. Professor convidado na pós-graduação da FINOM-Paracatu-MG e no curso preparatório INTERJUR. Foi Professor de Direito Penal no Instituto Doctum - Campus Leopoldina-MG (2002/2003) e em outros cursos preparatórios para concursos públicos. Membro do conselho editorial da Revista da AGU (Qualis B2). Membro do Conselho Editorial do site www.direitopenalvirtual.com.br. Atualmente é Diretor Regional da Escola da AGU na 1ª Região.
m boa hora surge o presente estudo que parte, inicialmente, da análise dos princípios constitucionais, para, logo em seguida, enfrentar o seu problema principal, vale dizer, o princípio da co-culpabilidade, apontando seu conceito, sua origem histórica, a discussão terminológica, bem como a chamada coculpabilidade às avessas.
O DO PRINCÍPIO DA
CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL Grégore Moreira de Moura
objeto deste trabalho é de difícil delimitação: trata-se do denominado princípio da co-culpabilidade, ao qual ainda não se dispensou um estudo aprofundado no Direito Penal brasileiro, além de ser muito pouco trabalhado na doutrina alienígena, talvez por ir de encontro aos interesses das classes privilegiadas. A co-culpabilidade é uma mea-culpa da sociedade, consubstanciada em um princípio constitucional implícito da nossa Carta Magna, o qual visa promover menor reprovabilidade do sujeito ativo do crime em virtude da sua posição de hipossuficiente e abandonado pelo Estado, que é inadimplente no cumprimento de suas obrigações constitucionais para com o cidadão, principalmente no aspecto econômico-social. Resta clara, assim, a dificuldade de se desenvolver este estudo.
ISBN 978-85-67020-68-6
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