História Discurso e Memória - Crimes da Ditadura Militar na Perspectiva Internacional

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Recuperar o passado é uma primeira garantia de um sentido para o presente. Ao recorrermos a memória dos relatos e testemunhos das épocas passadas, estamos transformando essas narrativas em história, fazendo com que um amontoado de fatos ganhe sentido. O narrador histórico é aquele que procura o sentido das ações humanas e encontra nelas uma conexão com os acontecimentos que se precipitam no presente. Sua importância não está em apresentar uma imagem do passado, tirando sua autenticidade, mas em transformá-lo em uma experiência política única que possa renovar o futuro com seu reconhecimento no presente. Um sentido histórico só pode ser apreendido se o acontecimento passado for interrogado. A reflexão a que almeja o conceito de história proposto por Hannah Arendt consiste em um duplo movimento de resgate: por um lado, recupera os acontecimentos e fatos históricos em suas particularidades e de acordo com sua importância para o presente; e, por outro lado, a partir desse sentido recuperado da história, elabora os conceitos e valores políticos que utilizamos no manejo dos eventos cotidianos.

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Crimes da Ditadura Militar na Perspectiva Internacional

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A partir da análise da Lei de Anistia brasileira, de agosto de 1979, o livro procura mostrar como a construção da história em nosso país tem sido empreendida pelo discurso oficial. O esquecimento dos momentos de maiores conflitos ou violência, momentos nos quais o Estado impôs o terror e aniquilou a ação política. Para compreendermos os conceitos de história, memória e esquecimento, articulados o discurso da política, recorremos ao pensamento da filósofa judaico-alemã Hannah Arendt, para quem uma perda só pode ser reparada quando dela se contar uma história. A ação política só é livre nos momentos em que os homens podem narrar seus feitos e compartilhar um mundo. Procuramos dialogar com as ideias de intelectuais brasileiros que pensam a herança política de sociedades autoritárias. O objetivo do livro é aprofundar o debate em torno da questão da memória política, a história, e sua importância para a ação política no presente.

História. Discurso e Memória:

Advogada Criminalista. Instrutora de Polícia da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Vice-presidente da Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil. Milita em especial no Tribunal do Júri e na Justiça Militar da Comarca de Belo Horizonte. Especialista em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar, Direito Penal Internacional, Crime de Genocídio e Direitos Humanos. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito Militar e Processual Militar, Direitos Fundamentais e Segurança Pública. Membro do IBCCRIM- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG e da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil. Coordenadora Adjunta de Curso de Direito. Professora Universitária de Direito Penal e Direito Penal Militar, Direito Processual Penal e Direito Processual Penal Militar, Advocacia Criminal - Prática Penal, Direitos Humanos e Criminologia. Professora especializada em Preparatórios para Concursos Públicos e Carreiras Jurídicas. Bacharel em Direito pela Universidade Salgado Oliveira - Universo, Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Pós-Graduada em Direito Público, Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Newton Paiva em parceria com o Aprobatum/ Anamages - Associação dos Magistrados Estaduais, Pós-Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pelo Centro Universitário de Belo Horizonte- uni-bh, Pós-Graduada em Comunicação e Marketing pelo Centro Universitário de Belo Horizonte - uni -BH. Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Puc Minas. Doutora em Direito Público com ênfase em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Doutora em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Pós-Doutoranda em Ciências Jurídicas - Direito Penal Internacional Humanitário pela Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina.

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Monto a n i l Caro

Mergulhando em mundos internos tão díspares a presente obra submete ao leitor a uma reflexão implacável dos erros e desacertos de uma era não tão distante. O silêncio que remanescia nos porões da ditadura militar brasileira rompe-se com a recuperação das vozes que clamam por uma libertação...responsabilidades e irresponsabilidades perante uma realidade que se reside na sólida crença de que o Brasil não é um país sem memória e que a solidariedade e a dignidade humana são valores morais ainda capazes de impedir o triunfo do niilismo em um período de experiências catastróficas. Mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação e que esta iluminação possa aclarecar olhos tão habituados às sombras como os nossos. “...Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança por meio dos vastos domínios do passado; esse fio, porém foi também a cadeia que aguilhoou cada geração sucessiva a um aspecto pré-determinado do passado. Poderia ocorrer que somente o passado se abrisse a nós com inesperada novidade e nos disesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir...” Hannah Arendt – Homens em Tempos Sombrios. Redescobrir as possibilidades de um pensamento crítico que se propõe a repensar o passado e construir até mesmo o impensado. Desta feita, permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo e, este começo é a promessa, a única mensagem que o fim pode produzir. Começo, antes de tornar-se evento histórico, é a suprema capacidade dos homens e mulheres, nas suas vidas e obras de se tornarem extraordinários pelo tempo que lhes foi dado na Terra.

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Hist贸ria. Discurso e Mem贸ria: Crimes da Ditadura Militar na Perspectiva Internacional Carolina Montolli

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Copyright © 2013, D’ Plácido Editora Copyright © 2013, Wilson Mendonça Júnior Editor Chefe

Plácido Arraes Produtor Editorial

Tales Leon de Marco

Editora D’Plácido Av. Brasil, 1843 , Savassi Belo Horizonte - MG Tel.: 3261 2801 CEP 30140-002

Capa

Tales Leon de Marco Diagramação

Danilo Jorge da Silva Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia da D`Plácido Editora.

Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Montolli, Carolina História. Discurso e Memória: Crimes da Ditadura Militar na Perspectiva Internacional -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2013. Bibliografia ISBN: 978-85-67020-15-0 1. Direito 2. Direito Internacional 3. Direito Penal I. Carolina Montolli II. Direito Penal III. Crimes da Ditadura CDU343

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Para meus heróis...com amor... Honra, disciplina e força. Agir com justiça e imparcialidade, mais que uma virtude, é uma questão de consciência, de princípio.

Ao passado, Hoje comecei a entender o que o passado deve ser....quando ele existe e faz separar o presente do futuro, sentimos faltar metade de nós mesmos.... Estamos incompletos...como um livro em dois volumes do qual se perdeu o primeiro. Isso é o que eu imagino que seja a ausência...estar incompleto, na ausência do outro Carolina Montolli

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Siglas e Abreviaturas Acnur Alto Comissionado da ONU para os Refugiados AD Ação Democrática AIDP Associação Internacional de Direito Penal AJD Juízes para a Democracia ALN Ação Libertadora Nacional ARENA Aliança Renovadora Nacional CADH Convenção Americana de Direitos Humanos CAEM Centro de Altos Estudos Militares CBA/RS Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos do Comitê Brasileiro pela Anistia CEMDP Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos CIA Agência Central de Inteligência CIEx Centro de Informações do Exterior CISA Centro de Informações da Aeronáutica CJP-SP Comissão de Justiça de São Paulo e Paz da Arquidiocese de São Paulo CNRS Centre national de la recherche scientifique CODI Centro de Operações de Defesa Interna COPEI Comitê de Organização Política Eleitoral Independente CPT Comissão Pastoral da Terra COSENA Conselho de Segurança Nacional CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CVR Comissão de Reconciliação e Verdade DE Departamento de Estado DIA Defense Intelligence Agency DII Dirección de Información e Inteligência DOPS Departamento da Ordem Política e Social DOPS Departamento de Ordem Política e Social DSN Data Source Name (Nome de Fonte de Dados)

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EPL ESEDENA GTNM-SP ICE M-19 MDB MEC MIR MNDH MNR Morena MPC MPF MR-26 MRT MST OAB OBAN OEA OLAS ONU PC do B PCB PDC PIR PL PRA PRIN PSD PVP RENAP SIPDH SNI STF STM SUPRA TDE TIAR TPI UFCO URSS

Exército Popular de Libertação Escola de Segurança e Defesa Nacional Grupo Tortura Nunca Mais Instituto de Criminalística do Estado Movimento 19 de Abril Movimento Democrático Brasileiro Ministério da Educação Movimiento de Isquierda Revolucionaria Movimento Nacional de Direitos Humanos Movimento Nacional Revolucionário Movimento de Renovação Nacional Movimento Popular Cristiano Ministério Público Federal Movimento Revolucionário 26 de Março Movimento Revolucionário Tiradentes Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra Ordem dos Advogados do Brasil Operação Bandeirante Organização dos Estados Americanos Organização Latino-americana de Solidariedade Organização das Nações Unidas Partido Comunista do Brasil Partido Comunista Brasileiro Partido Democrata Cristão Partido de Izquierda Revolucionaria Partido Liberal Partido Revolucionário Autêntico Partido Revolucionário da Esquerda Nacionalista Partido Social Democrata Vitória del Pueblo Rede Nacional de Advogados Populares Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos Serviço Nacional de Informações Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal Militar Superintendência de Reforma Agrária Terror De Estado Tratado Interamericano de Assistência Recíproca Tribunal Penal Internacional United Fruit Company União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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Sumário

Capítulo 1 Introdução

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Capítulo 2 Comissão nacional da verdade: é finalmente uma luz no fim do 21 túnel? 2.1 O problema da memória 36 2.2 Os problemas históricos 41 2.3 O problema da memória e do esquecimento 48 2.4 O desejo expansionista e as ditaduras na América Latina 58 2.5 A ditadura na América Latina, na América do Sul e no Brasil 62 2.5.1 O militarismo como regime 65 2.5.2 Preâmbulo de uma ditadura no Brasil 69 2.5.3 Os militares tomam o poder 72 2.5.4 O Crime das Mãos Amarradas 79 2.5.5 A Guerrilha do Araguaia 83 2.5.6 Os revolucionários Marighella e Lamarca 88 2.5.6.1 Carlos Marighella: “A obrigação de todo revolucionário é 89 fazer a revolução” 2.5.6.2 Carlos Lamarca: “Ousar lutar, ousar vencer” 92 2.5.6.3 Desaparecidos políticos 94 2.5.7 A Ditadura no Cone Sul e a Operação Condor 96 2.6 A proteção internacional dos direitos humanos 98 2.6.1 Crime de Tortura no Direito Penal Internacional e a Justiça de 106 Transição no Brasil 2.7 O Brasil em transformação: anistia e segurança 120 2.7.1 Grupo Tortura Nunca Mais 129 9 MIOLO_Historia discurso e memoria_260813_Tales.indd 9

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2.7.2 Comissão Nacional da Memória e da Verdade

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Capítulo 3 137 A casa da justiça: a justiça como finalidade do direito 3.1 Sobre a humanidade em tempos sombrios 143 3.2 O direito na justiça: os meios do direito 145 3.3 A influência positivista sobre o Direito Internacional: a condição hu148 mana e sua tutela pelo Direito Penal Internacional 3.4 Liberalismo e democracia: capacidade destrutiva e burocratização da 159 vida pública Capítulo 4 171 Crimes da ditadura militar na perspectiva internacional 4.1 Dos crimes contra a humanidade à ditadura militar no continente 173 americano e no Brasil 4.2 As fontes do Direito Internacional e a Intervenção Humanitária: a questão do poder e da legitimidade. Quando o poder pode se impor? 175 Qual é a sua dimensão simbólica? 4.3 A soberania e os elementos institucionais do Tribunal Penal Internacio177 nal e sua influência no Brasil 4.4 A importância do Tribunal Penal Internacional de Nüremberg e 183 de Tóquio 4.5 A importância do Tribunal Penal Internacional para a antiga Iugoslávia como base para a aplicação de medidas coercitivas de 188 crimes de guerra 4.5.1 Observações sobre a Conferência de Roma 190 4.5.2 Aspectos e características do Tribunal Penal Internacional 192 4.5.3 O princípio da complementaridade no Tribunal Penal 195 Internacional 4.5.4 Princípios gerais que norteiam o Direito Penal em relação ao 198 Tribunal Penal Internacional 4.6 A Corte Interamericana de Direitos Humanos e os casos brasileiros de 201 infração à legislação 4.6.1 A resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre 202 o caso Gomes Lund e a Guerrilha do Araguaia 4.6.2 A Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre 213 o caso Escher 4.6.3 A Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos 220 sobre o caso Garibaldi 4.6.4 Apontamentos sobre o Caso Garibaldi 223 10 MIOLO_Historia discurso e memoria_260813_Tales.indd 10

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4.7 Apontamentos teóricos sobre o problema dos Direitos Humanos 226 Cosiderações finais

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Referências

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Introdução

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O objetivo principal deste trabalho foi analisar o modo pelo qual o Direito tem sido utilizado em prol dos avanços sociais no Brasil. Para tanto, sob a perspectiva dos direitos humanos, considerados em todos os seus aspectos universais e indivisíveis, partimos do princípio e das amostras da litigância para a defesa do interesse público e, principalmente, do lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, ocorrido em 21 de dezembro de 2009, que, entre suas metas, estabeleceu de forma inédita a criação de uma Comissão Nacional da Verdade, com o objetivo de resgatar informações relativas ao período da repressão militar. Com base nos parâmetros da lei de anistia e do direito à verdade e à justiça na ação afirmativa dos direitos humanos, buscou-se a compreensão da história, do discurso e da memória, por meio da objetividade, da historicidade e da relatividade da realidade jurídica brasileira e do Estado de Direito da justiça de transição, tendo em vista os interesses militares e o alcance da proteção normativa dos direitos humanos no Brasil. Em vista disso, analisou-se neste trabalho de que forma o Direito tem sido utilizado como instrumento de defesa dos interesses públicos, e qual tem sido o impacto dessas informações sobre a sociedade, uma vez que não há incorporação da jurisprudência da Corte Interamericana e dos parâmetros protetivos internacionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desse modo, em prol da memória, da verdade e da justiça, pretendeu-se mostrar a tensão que há dentro do governo em relação à política de Estado, e de que forma é possível derrubar o muro invisível existente em nossa sociedade quando se busca respostas que estão naquele passado autoritário. Sabe-se que não são poucas as tentativas de investigação das origens daquelas formas autoritárias e opressivas que ainda se encontram no presente. Mas, frequentemente, encontra-se um impasse teórico-analítico, afinal, ainda convivemos com o que comumente denominamos de legado autoritário, ou 13 MIOLO_Historia discurso e memoria_260813_Tales.indd 13

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seja, com as formas herdadas de um passado marcado por sucessivas demonstrações de desrespeito aos direitos humanos e aos preceitos democráticos. Dessa forma, buscou-se, aqui, expandir o conhecimento sobre a história, a memória e o esquecimento, ressaltando seus limites a fim de investigar os debates sobre a preservação e a divulgação dos arquivos guardados a sete chaves sobre o que ocorreu em meio aos conflitos, às guerras e ao período de repressão política. Assim, foram explicados quais são os fatores que determinam ou condicionam a adoção de algumas soluções em detrimento de outras, e qual é o papel do Direito Internacional e da Filosofia do Direito na compreensão da Democracia Inesperada e na ação afirmativa dos Direitos Humanos. A pesquisa utilizada nesta tese foi a descritiva. A pesquisa descritiva observa, registra, correlaciona e descreve fatos ou fenômenos de uma determinada realidade sem manipulá-los. Procura conhecer e entender as diversas situações e relações que ocorrem na vida social, política, econômica e demais aspectos que ocorrem na sociedade. Caracteriza-se pela seleção de amostras aleatórias de grandes ou pequenas populações sujeitas à pesquisa, visando à obtenção de conhecimentos empíricos atuais. O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo. Se o conhecimento é insuficiente para explicar um fenômeno, surge o problema; para expressar as dificuldades do problema, são formuladas hipóteses; das hipóteses, deduzem-se consequências a serem testadas ou falseadas (tornar falsas as consequências deduzidas das hipóteses). Enquanto o método dedutivo procura confirmar a hipótese, o hipotético-dedutivo procura evidências empíricas para derrubá-las. Desta feita, a hipótese apresentada para a presente pesquisa foi demonstrar que a punição dos militares para os crimes cometidos na época da ditadura militar, ou seja, durante o regime de exceção, são, pela sua natureza, inaptos de serem perdoados mediante o acordo político feito à época, pela gravidade do ato cometido. É assim que pensam as cortes internacionais e outros países, como a Argentina e o Chile. Isso vale, por exemplo, para os crimes que violavam mesmo as leis e regras da própria ditadura, como sequestro de pessoas e ocultação de cadáver. Faz-se peremptório, assim, demonstrar que é nesse sentido que a Lei da Anistia deveria ser revista, possibilitando a abertura de processos para investigar os crimes cometidos na ditadura. Essa percepção fóssil da Lei da Anistia não condiz com a visão internacional. A maior parte dos países que fizeram, como nós, a transição do regime ditatorial para o regime democrático puniram os crimes cometidos no período de exceção. Em síntese, a tese da anistia aos agentes públicos que praticaram graves violações aos direitos humanos durante a ditadura militar, não resiste: (a) à interpretação técnica do próprio conteúdo da lei; (b) ao crivo da constitucionalidade material, seja em relação à Constituição de 1946, à 14 MIOLO_Historia discurso e memoria_260813_Tales.indd 14

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Emenda Constitucional de 1969 ou à Constituição de 1988; e (c) ao regime constitucional de aplicação do direito internacional dos direitos humanos, especialmente às normas imperativas relativas aos crimes contra a humanidade e à vedação de autoanistia. É importante ressaltar que não se trata de revogar uma anistia que já teria operado seus efeitos, mas sim, de reconhecer que ela nunca teve o condão de produzir o benefício alardeado. Seja porque seu texto jamais contemplou a anistia bilateral, seja em decorrência da incompatibilidade dessa interpretação com preceitos fundamentais das constituições brasileiras e do direito internacional incorporado ao sistema jurídico pátrio. Antes mesmo da instauração da ditadura militar, em 1964, vigoravam causas jurídicas que impediam o Estado de deixar impunes e esquecidos os bárbaros atentados que seus agentes aplicaram à dignidade humana. A justiça de transição é um processo peculiar de países que passaram por um regime autoritário e de violação a direitos humanos. No Brasil, passados trinta anos do início do processo da justiça de transição (contados da edição da Lei de Anistia em 1979), os desafios e as perspectivas no alcance de resultados mais adequados aos valores democráticos exigem um maior envolvimento da sociedade e dos juristas, dos profissionais e dos acadêmicos que atuam na defesa dos direitos humanos. A convivência do Estado Democrático brasileiro com o legado autoritário sem passar pelas etapas da justiça de transição não conduz o tema ao esquecimento, mas à ignorância. E essa é a contribuição principal desta tese: apresentar a doutrina jurídica para reflexões sobre a justiça de transição brasileira sob a ótica da ditadura militar no Brasil e sob a ótica dos crimes praticados pelos militares no poder após o Golpe de 1964. A tese está dividida em quatro capítulos: O primeiro Capítulo aborda o problema da memória e do esquecimento, da memória e da verdade na justiça democrática. Neste capítulo, apresenta-se a questão da memória, história e esquecimento sob a ótica da Filosofia Política, da Filosofia do Direito e da História do Direito. Os deslocamentos do passado sobre o futuro explicam, muitas vezes, os problemas ligados à transmissão da memória.Visando a um tempo futuro, a memória se conserva no tempo contra o próprio tempo (o esquecimento e o apagamento). Cabe, pois, à história, pela sua dimensão crítica, guardar os rastros da “dívida”, dívida esta que diz respeito às vítimas da História. Nessa perspectiva, a história crítica tem por papel se opor, não só aos preconceitos da memória coletiva, mas também aos preconceitos da história oficial, cuja função consiste na própria transmissão dessa memória. Marcados pelo silêncio e pelos “não ditos” sobre a face obscura da História Nacional os crimes da Ditadura Militar se apresentam como esquecimento coletivo e, sob essa ótica, ressalte-se o seguinte questionamento: A Comissão Nacional da Verdade é finalmente uma luz no fim do túnel? A 15 MIOLO_Historia discurso e memoria_260813_Tales.indd 15

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Recuperar o passado é uma primeira garantia de um sentido para o presente. Ao recorrermos a memória dos relatos e testemunhos das épocas passadas, estamos transformando essas narrativas em história, fazendo com que um amontoado de fatos ganhe sentido. O narrador histórico é aquele que procura o sentido das ações humanas e encontra nelas uma conexão com os acontecimentos que se precipitam no presente. Sua importância não está em apresentar uma imagem do passado, tirando sua autenticidade, mas em transformá-lo em uma experiência política única que possa renovar o futuro com seu reconhecimento no presente. Um sentido histórico só pode ser apreendido se o acontecimento passado for interrogado. A reflexão a que almeja o conceito de história proposto por Hannah Arendt consiste em um duplo movimento de resgate: por um lado, recupera os acontecimentos e fatos históricos em suas particularidades e de acordo com sua importância para o presente; e, por outro lado, a partir desse sentido recuperado da história, elabora os conceitos e valores políticos que utilizamos no manejo dos eventos cotidianos.

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A partir da análise da Lei de Anistia brasileira, de agosto de 1979, o livro procura mostrar como a construção da história em nosso país tem sido empreendida pelo discurso oficial. O esquecimento dos momentos de maiores conflitos ou violência, momentos nos quais o Estado impôs o terror e aniquilou a ação política. Para compreendermos os conceitos de história, memória e esquecimento, articulados o discurso da política, recorremos ao pensamento da filósofa judaico-alemã Hannah Arendt, para quem uma perda só pode ser reparada quando dela se contar uma história. A ação política só é livre nos momentos em que os homens podem narrar seus feitos e compartilhar um mundo. Procuramos dialogar com as ideias de intelectuais brasileiros que pensam a herança política de sociedades autoritárias. O objetivo do livro é aprofundar o debate em torno da questão da memória política, a história, e sua importância para a ação política no presente.

História. Discurso e Memória:

Advogada Criminalista. Instrutora de Polícia da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais. Vice-presidente da Comissão de Direito Militar da Ordem dos Advogados do Brasil. Milita em especial no Tribunal do Júri e na Justiça Militar da Comarca de Belo Horizonte. Especialista em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar, Direito Penal Internacional, Crime de Genocídio e Direitos Humanos. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Direito Militar e Processual Militar, Direitos Fundamentais e Segurança Pública. Membro do IBCCRIM- Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG e da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil. Coordenadora Adjunta de Curso de Direito. Professora Universitária de Direito Penal e Direito Penal Militar, Direito Processual Penal e Direito Processual Penal Militar, Advocacia Criminal - Prática Penal, Direitos Humanos e Criminologia. Professora especializada em Preparatórios para Concursos Públicos e Carreiras Jurídicas. Bacharel em Direito pela Universidade Salgado Oliveira - Universo, Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Pós-Graduada em Direito Público, Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Newton Paiva em parceria com o Aprobatum/ Anamages - Associação dos Magistrados Estaduais, Pós-Graduada em Gestão Estratégica de Recursos Humanos pelo Centro Universitário de Belo Horizonte- uni-bh, Pós-Graduada em Comunicação e Marketing pelo Centro Universitário de Belo Horizonte - uni -BH. Mestre em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Puc Minas. Doutora em Direito Público com ênfase em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-Doutora em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Pós-Doutoranda em Ciências Jurídicas - Direito Penal Internacional Humanitário pela Universidad del Museo Social Argentino, Buenos Aires, Argentina.

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Mergulhando em mundos internos tão díspares a presente obra submete ao leitor a uma reflexão implacável dos erros e desacertos de uma era não tão distante. O silêncio que remanescia nos porões da ditadura militar brasileira rompe-se com a recuperação das vozes que clamam por uma libertação...responsabilidades e irresponsabilidades perante uma realidade que se reside na sólida crença de que o Brasil não é um país sem memória e que a solidariedade e a dignidade humana são valores morais ainda capazes de impedir o triunfo do niilismo em um período de experiências catastróficas. Mesmo no tempo mais sombrio temos o direito de esperar alguma iluminação e que esta iluminação possa aclarecar olhos tão habituados às sombras como os nossos. “...Com a perda da tradição, perdemos o fio que nos guiou com segurança por meio dos vastos domínios do passado; esse fio, porém foi também a cadeia que aguilhoou cada geração sucessiva a um aspecto pré-determinado do passado. Poderia ocorrer que somente o passado se abrisse a nós com inesperada novidade e nos disesse coisas que ninguém teve ainda ouvidos para ouvir...” Hannah Arendt – Homens em Tempos Sombrios. Redescobrir as possibilidades de um pensamento crítico que se propõe a repensar o passado e construir até mesmo o impensado. Desta feita, permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo e, este começo é a promessa, a única mensagem que o fim pode produzir. Começo, antes de tornar-se evento histórico, é a suprema capacidade dos homens e mulheres, nas suas vidas e obras de se tornarem extraordinários pelo tempo que lhes foi dado na Terra.

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