Diego Moraes
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De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Por Paul Gauguin, 1897/98, no Museu de Belas Artes de Boston
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FILOSOFIA Por falar nisso As principais questões que sempre motivaram a reflexão humana podem ser sintetizadas em três inquirições: de onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Durante toda a história de nossa civilização ocidental, procuramos respostas que pudessem confortar nossos anseios. Eis a razão para que, por meio da arte, da religião (em sua expressão mitológica), a filosofia e a ciência buscassem vetores para nossa orientação existencial. Fé, Fruição e Razão sempre estiveram a serviço da cultura na tentativa de desvendar tais questões (e suscitarem outras). Nesta aula, procuraremos apresentar, historicamente, como surgiu a natureza do pensamento filosófico, ora em contraposição, ora em continuidade a outras formas de inquirir o mundo, a realidade e a nós mesmos. Em interface com a história das civilizações clássicas (Grécia e Roma), iremos passear pelas condições socioeconômicas e culturais que propiciaram um dos campos de maior influência sobre nossa sociedade ocidental: a Filosofia. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A01 A02 A03 A04
O nascimento da Filosofia...............................................................8 Do mito ao Logos...........................................................................14 Da Physis à Filosofia Pré-Socrática.................................................20 As teorias essencialistas na emergência da Filosofia Clássica......27
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FILOSOFIA
MÓDULO A01
ASSUNTOS ABORDADOS nn O nascimento da Filosofia
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA Um dos maiores legados que a civilização grega deixou ao mundo ocidental, certamente, foi o advento da Filosofia. Ou, propriamente, o modo de filosofar tipicamente helênico e que caracteriza nossa forma ocidental de compreender o mundo por meio da faculdade da razão. Da crítica das estruturas mitológicas e do pensamento dogmático até a formulação de métodos que possam descrever a natureza a partir de critérios lógicos; da concepção de uma sociedade politicamente organizada em torno de um ideal democrático; de uma arte que se inspira em critérios matemáticos. Tudo se originou a partir de uma viragem de modos de se conceber o pensamento. A Filosofia não se tratou, apenas, de uma forma simples de indagar o mundo, mas, sobretudo, de uma atividade que levou o homem a se perceber no universo e produzir sentidos para além de uma mera intervenção (e destinação) divina. Seguramente não haveria civilização ocidental – aos moldes do que a concebemos – sem a existência da Filosofia. Isso se afirma, pois não poderíamos, sequer, admitir o surgimento de uma ciência experimental se o modelo grego pré-socrático de indagação frente à natureza não houvesse sido resgatado ainda no medievo tardio, inaugurando o pensamento moderno. O mundo cultural, após o século XVI, se caracterizou, dentre outros fatores, pelo desenvolvimento de uma ciência experimental, resultando as principais transformações socioeconômicas, política e culturais dos séculos seguintes. Em suma, pensar em sociedade ocidental moderna é ser tributária da forma perquiridora, interrogativa do povo helênico, materializada no exercício filosófico.
Figura 01 - A castração de Urano Afresco por Giorgio Vasari e Cristofano Gherardi, c. 1560 (Sala di Cosimo I, Palazzo Vecchio).
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A Filosofia surgiu na Grécia. “Embora haja historiadores que afirmem que a filosofia tenha surgido em épocas anteriores ou até mesmo em outros lugares paralelos à Grécia, é nesta que ela se caracteriza da forma como nós conhecemos no mundo ocidental.” Precisamente, é no denominado Período Arcaico (aproximadamente entre os séculos VI e VII a.C.) que teremos seu surgimento.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
De início, os gregos não usaram o termo Philosophia. O termo empregado – como veremos mais à frente – era Physis, que significa “natureza”. Isso se referia ao objeto de investigação dos primeiros filósofos – que destinavam suas observações aos fenômenos da natureza na tentativa de compreendê-los por uma perspectiva inteiramente racional. A palavra significa, literalmente, “amor à sabedoria”. Porém, não se trata de um amor no sentido moderno romântico ou absoluto e incondicional, como expressão do amor divino para a cultura cristã. A propósito, a língua grega atribuía outros dois termos quando se referia a esses tipos de amor: para o passional, o termo era Eros, ao passo que ao amor pleno, nomeavam de Ágape. Dessa forma, o “amor Philos” se refere ao sentimento fraternal que confronta e que não devota paixão ou incondicionalidade; antes, se expressa – na forma da amizade – como algo que se caracteriza pelo diálogo constante e crítico, conquanto dotado de afetividade. Sophia trata-se da sabedoria. O filósofo, portanto, não é aquele que detém a posse ou mesmo a integralidade da sabedoria, mas aquele que dialoga com ela e está sempre a um passo ao lado, interrogando e perquirindo sua razão de ser. O termo foi criado pelo matemático da ilha grega de Samos, o místico Pitágoras. Somente após certo tempo é que os primeiros filósofos – anteriormente identificados como “físicos” - passaram a ser chamados como tais.
SAIBA MAIS Pitágoras foi um filósofo e matemático grego nascido em Samos por vola do ano 570 a.C. Teria sido o fundador do chamado Pitagorismo. Segundo sua doutrina, o cosmo ( do grego antigo κόσμος) – princípio regulador do universo - seria regido por relações matemáticas. Interessavam-se, sobretudo, pelo estudo das propriedades numéricas. Para tais, os números são expressões de harmonias uma vez que são constituídos pela soma de pares e ímpares (relações que permeiam qualquer processo de mutação). A palavra Matemática (Mathematike, em grego Μαθηματικὴ) surgiu com Pitágoras, que foi o primeiro a concebê-la como um sistema de pensamento fundamentado em provas dedutivas.
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Pitágoras, pormenor d’A escola de Atenas de Rafael (1509).
A01 O nascimento da Filosofia
Durante um bom tempo, a historiografia acerca do pensamento helênico defendeu a tese de que o surgimento da Filosofia não poderia ser explicado em termos causais. Antes, teria sido fruto imediato de uma série de eventos que teriam emergido – também espontaneamente – nas regiões costeiras da Grécia Arcaica. A isso denominavam de “Milagre Grego” o conjunto de transformações socioeconômicas e culturais que o povo helênico havia passado, e que elevou o nome da Grécia enquanto grande civilização nos períodos seguintes, sendo referência de política, economia e, sobretudo, cultura. Hoje, sabe-se que a Filosofia – assim como diversos eventos anteriormente tidos por “espontâneos” - foi fruto de um longo processo de maturação, e que na gênese da própria cultura grega (ainda que expressamente mitológica) já se possuía elementos caros ao exercício filosófico, tais como as “quebras de autoridade” e a “propensão crítica”, como veremos mais adiante.
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Filosofia
#Curiosidades Há uma diferença entre “Helênico” e “Helenístico”. O primeiro designa o termo primitivo para se referir ao povo grego. Em outras palavras, a forma como os gregos se chamavam, uma vez que o próprio termo “grego” deriva do nome pelo qual os romanos designavam os helenos, habitantes da Hélade que ficou conhecida como Grécia. Pelo segundo, denomina-se o último período da história grega que marca o seu declínio a partir da unificação e expansão macedônica. Portanto, por “helênico” entende-se como o correlativo de “grego”, e “Helenístico” enquanto um mero período histórico.
Assim sendo, o mais atual é dizer que a Filosofia surge em virtude de um conjunto de eventos que portam, a seu turno, elementos que permitiram o advento do pensar reflexivo e crítico na Grécia Arcaica. Motivo esse que nos permite afirmar a autenticidade do povo helênico em seu fomento, uma vez que não encontramos comportamentos daquela natureza em civilizações paralelas (ou anteriores). Podemos enumerar uma série desses decisivos eventos: As expansões marítimo-comerciais a que os gregos se viram impelidos, por força geográfica e demográfica. Em um período de amplo crescimento populacional, certamente impulsionados pelo arrefecimento das guerras internas, e, sobretudo, pelos limitados recursos naturais propícios a uma agricultura ampla e subsistente, as expansões figuraram na civilização grega como ação necessária para a manutenção de seu povo. Beneficiado pela ampla hidrografia, somada pelo fato de ser banhada por três importantes mares (Egeu, Negro e Mediterrâneo), as expansões marítimo-comerciais trouxeram ao grego bem mais do que escravos e especiarias. Em conjunto, mercadores aportavam diuturnamente nos portos helênicos, em especial, na região da Ásia Menor em seu substrato jônico: a cidade de Mileto. “Lá, mais do que permutas comerciais – e por razões óbvias – ouras tipos de trocas se realizaram. Em outras palavras, além do comércio ultramarinho, o intercâmbio cultural apereceu como consequência imediata desse processo.” Dessa forma, os gregos foram obrigados a, diariamente, confrontar com os mais diferentes tipos de pensamentos, concepções teológicas e perspectivas comportamentais. No mesmo sentido, foram impelidos a se questionarem. Afinal, ou seus modos de vida estavam equivocados, ou o dos outros (ou ambos). A considerar as crises de referências – como veremos mais à frente – que o grego já experimentava, um choque cultural dessa proporção levou seu povo a suspender suas pretensões de verdade. A semente da dúvida frente ao diferente estava por ser semeada com o recrudescimento dos intercâmbios marítimo-comerciais, por consequência, culturais.
A01 O nascimento da Filosofia
O advento da democracia representou outro grande pilar para compreendermos o surgimento (e desenvolvimento) da Filosofia. Embora não fosse um modelo de governo em todas as cidades gregas, a estrutura de organização social e política ateniense colaborou, decisivamente, para o incremento do filosofar. Dois dos principais princípios jurídicos que balizam a democracia ateniense foram justamente os fundamentos de isonomia e isegoria. Igualdade perante a lei e frente ao direito de livre expressão, respectivamente. Como veremos em em aulas seguintes a democracia emerge em regimes não autoritários ou ditatoriais. Razão pela qual a própria Filosofia se mostrou como vítima histórica de modelos resistentes (e recentes) ao exercício livre de ideias e expressões. Contextualmente, cidades como Atenas - ao contrário de regiões como Esparta ou a Macedônia, que não eram regidas pelo sistema democrático – se mostraram como expoentes do pensamento filosófico no período Clássico. As obras de Sócrates, Platão e Aristóteles (embora este último de origem macedônica, contudo radicado em Atenas) testemunham essa correlação entre o exercício filosófico e a expressão política democrática. Em outras palavras, num contexto em que o diálogo opera como ferramenta a fundamentar o exercício político e a esfera pública e social, a Filosofia emerge enquanto atividade por excelência. Justamente porque em sua essência conceitual está o “amor Philos” que busca o confronto dialógico com as próprias pretensões de saberes. A dessacralização da escrita também expressou outra grande contingência. A cultura grega, sobretudo expressa na moralidade teológica dos mitos, era transmitida fundamentalmente pela via da oralidade. A escrita e sua socialização datam de um período posterior à fase homérica – época de maior proliferação do método da oralidade enquanto instrumento de transmissão cultural e moral. Aos poucos, o próprio 10
Ciências Humanas e suas Tecnologias Questão 01. A filosofia surgiu no período arcaico. Dentro da periodização helênica, tal período sucede a época denominada “homérica”. É marcado pelo fim das comunidades gentílicas e aparecimento das primeiras cidades-estado, e modelos de organização política comunitária. É um período de arrefecimento das guerras internas e de expansão demográfica – o que levou os gregos a expansões marítimo-comerciais importantes para o desenvolvimento da economia e ressignificação da cultura helênica.
processo educacional grego – denominado de Paideia – sofre uma reestruturação. A escrita passa a ser democratizada entre os diversos cidadãos gregos e suas descendências. O impacto desse evento foi que a grafia passou a não mais ser propriedade dos deuses (ou de seus emissários: sacerdotes, poetas, magos) – daí seu anterior caráter “sagrado”. Dessa forma, as próprias narrativas mitológicas passaram a ser confrontadas. A história passou a ser registrada sob múltiplos olhares. Aos poucos, figuras de autoridade foram perdendo sua credibilidade frente às mais variadas fontes que emergiam do olhar e da escrita do “cidadão comum” - que agora alfabetizado, registrava sua própria perspectiva acerca dos fatos.
Questão 03. Porque a democracia é orientada por princípios jurídicos que evocam a igualdade e a liberdade, mediada pela fala, expressão (diálogo mútuo) – condições essenciais para o exercício filosófico. Questão 04. As expansões marítimo-comerciais propiciaram um choque cultural importante. Diversas culturas aportavam nas regiões portuárias helênicas, trazendo uma bagagem de conhecimentos, costumes, práticas e comportamentos que levaram o grego a questionar seu modus vivendi, suas crenças e também cultura. A Filosofia aparece como resultado desse intercâmbio. Questão 05. Porque o aparecimento da Filosofia, assim como o florescimento da cultura e civilização helênica nos períodos arcaico e clássico, não se deram de forma abrupta e não causal. Ao contrário, foram resultantes de um longo processo de gestação do pensamento racional – que já encontrava na própria essência dos mitos elementos de filosoficidade.
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Por fim, essas foram as razões/eventos que propiciaram o surgimento e desenvolvimento da Filosofia na Grécia Antiga. Certamente outros de igual importância podem ser somados. No entanto, não fossem tais eventos, o povo helênico não teria dado o salto necessário para reconfigurar seus modos de pensar e conceber a culturaa economia, a sociedade, a religião e o mundo do conhecimento. Não obstante, outros povos em igual período (e até anteriores) já haviam passado por processos semelhantes. A #DicaCine Filosofi pergunta que emerge é: por qual razão a Filosofia não teria ali surgido em igual profusão como nos gregos? A resposta pode vir em duas direções: 1) A Filosofia pode ter surgido, sim, nesses povos (como atesta uma historiografia recente sobre o tema), mas não com a originalidade e especificidade que encontramos no povo grego; 2) Enquanto expressão típica da cultura helênica antiga, a Filosofia só pôde contextualmente surgir ali por conta de um processo de ressignificação operada no interior da sua própria estrutura mitológica. Em outras palavras, não fosse a forma como os próprios mitos gregos eram constituídos e transmitidos, eventos como o advento da democracia, as expansões marítimo-comerciais, ou mesmo a dessacralização da escrita, não teriam impulsionado o povo helênico a desenvolver a atividade filosófica.
Questão 02. Físicos – porque o objeto de investigação era a natureza (Physis).
Sofia Amundsen, às vésperas de completar 15 anos, recebe um conjunto de mensagens anônimas com perguntas intrigantes. A partir dessas mensagens, ela se torna aluna do misterioso Alberto Knox, que a acompanha em uma fascinante jornada pela história da Filosofia. O filme é a adaptação da obra homônima (e best-seller) de Jostein Gaarder. Ficha técnica: Título: Sofies Verden (Original) Autor: Jostein Gaarder Roteirista: Petter Skavlan Ano de produção: 1999 Direção: Erik Gustavson Duração: 180 minutos Gênero: Drama País de origem: Noruega
Exercícios de Fixação
02. Originalmente, Filosofia não foi o termo utilizado pelos primeiros pensadores gregos. Qual era o termo utilizado e a que se referiam?
04. De que forma as expansões marítimo-comerciais favoreceram o surgimento da Filosofia? A01 O nascimento da Filosofia
01. O surgimento da Filosofia data de um importante período na história do povo helênico. Que período foi esse e como na História da civilização grega ele é retratado?
05. Por qual razão a expressão “Milagre Grego” não pode mais ser utilizada para explicar o surgimento espontâneo da atividade filosófica?
03. Por que associamos o surgimento da Filosofia ao aparecimento de regimes democráticos de governo, sobretudo nas regiões de Mileto e Atenas?
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Filosofia
Exercícios Complementares 01. (Ufu MG) A palavra Filosofia é resultado da composição em
c) a filosofia, tal como surgiu na Grécia, deixou-nos como
grego de duas outras: philo e sophia. A partir do sentido des-
legado a recusa de uma fé inabalável na razão humana
ta composição e das características históricas que tornaram
e a crença de que sempre devemos acreditar nos sen-
possível, na Grécia, o uso de tal palavra, pode-se afirmar que:
timentos.
a) Sólon, mesmo sendo legislador, pode ser incluído na lista
d) a recusa em apresentar explicações preestabelecidas
dos filósofos, visto que ele era dotado de um saber prático.
mediante a exigência de que, para cada fato, ação ou dis-
b) a palavra, atribuída primeiramente a Parmênides, indica a posse de um saber divino e pleno, tornando os homens verdadeiros deuses. c) a Filosofia, como quer Aristóteles, é um saber técnico, possibilitando, pela posse ou não de uma habilidade, tornar alguns homens os melhores. d) a Filosofia, na definição de Pitágoras, indica que o homem não possui um saber, mas o deseja, procurando a verdade por meio da observação. 02. (UEG GO) A cultura grega marca a origem da civilização ocidental e ainda hoje podemos observar sua influência nas ciências, nas artes, na política e na ética. Dentre os legados da cultura grega para o Ocidente, destaca-se a ideia de que a) a natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais que podem ser plenamente conhecidos pelo nosso pensamento. b) nosso pensamento também opera obedecendo a emoções e sentimentos alheios à razão, mas que nos ajudam a distinguir o verdadeiro do falso. c) as práticas humanas, a ação moral, política, as técnicas e as artes dependem do destino, o que negaria a existência de uma vontade livre.
curso, seja encontrado um fundamento racional. 04. (Unesp SP) Aedo e adivinho têm em comum um mesmo dom de “vidência”, privilégio que tiveram de pagar pelo preço dos seus olhos. Cegos para a luz, eles veem o invisível. O deus que os inspira mostra-lhes, em uma espécie de revelação, as realidades que escapam ao olhar humano. Sua visão particular age sobre as partes do tempo inacessíveis às criaturas mortais: o que aconteceu outrora, o que ainda não é. (Jean-Pierre Vernant. Mito e pensamento entre os gregos, 1990. Adaptado.)
O texto refere-se à cultura grega antiga e menciona, entre outros aspectos, a) o papel exercido pelos poetas, responsáveis pela transmissão oral das tradições, dos mitos e da memória. b) a prática da feitiçaria, estimulada especialmente nos períodos de seca ou de infertilidade da terra. c) o caráter monoteísta da sociedade, que impedia a difusão dos cultos aos deuses da tradição clássica. d) a forma como a história era escrita e lida entre os povos da península balcânica. e) o esforço de diferenciar as cidades-estados e reforçar o isolamento e a autonomia em que viviam.
d) as ações humanas escapam ao controle da razão, uma
05. Segundo Marilena Chauí, “a filosofia surge quando alguns
vez que agimos obedecendo aos instintos como mostra
gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfei-
hoje a psicanálise.
tos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram
03. (UEG GO) O surgimento da filosofia entre os gregos (Séc.
a fazer perguntas e buscar respostas para elas”. (Convite à Filosofia. 4. ed., Ática, 1995, p. 23).
VII a.C.) é marcado por um crescente processo de racionalização da vida na cidade, em que o ser humano abandona a verdade revelada pela codificação mítica e passa a exigir uma explicação racional para a compreensão do mundo huA01 O nascimento da Filosofia
mano e do mundo natural. Dentre os legados da filosofia grega para o Ocidente, destaca-se: a) a concepção política expressa em A República, de Platão, segundo a qual os mais fortes devem governar sob um regime político oligárquico. b) a criação de instituições universitárias como a Academia, de Platão, e o Liceu, de Aristóteles.
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É legado da Filosofia grega para o Ocidente europeu: a) A aspiração ao conhecimento verdadeiro, `a felicidade e `a justiça, indicando que a humanidade não age caoticamente. b) A preocupação com a continuidade entre a vida e a morte, através da pratica de embalsamamento e outros cuidados funerários. c) A criação da dialética, fundamentada na luta de classes, como forma de explicação sociológica da realidade humana. d) O nascimento das ciências humanas, implicando em conhecimentos autônomos e compartimentados.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
e) A produção de uma concepção de historia linear, que tra-
08. Religião e filosofia são duas formas antagônicas de inter-
tava dos fins últimos do homem e da realização de um
pretação da realidade; a filosofia, unicamente com o racio-
projeto divino.
cínio lógico-formal, busca entender apenas o mundo natu-
ções substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.
ral e o humano; a religião ocupa-se apenas da razão. 16. O conhecimento filosófico caracteriza-se como um saber elucidativo, crítico e especulativo; como elucidativo, visa a esclarecer e a delimitar conceitos e problemas; como crítico, nada aceita sem exame prévio e reflexão; como especulativo, assume a atitude teórica e globalizadora, que envolve os problemas em uma visão total.
(OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.)
08. A filosofia surgiu nas colônias gregas da Magna Grécia, entre o
Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que
históricas propiciaram o surgimento dessa forma de conheci-
o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos.
mento que iria influenciar decididamente o Ocidente.
a) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. b) A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. c) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. d) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. e) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si. 07. (Uem PR) O homem tem necessidade de conhecer e de explorar o meio em que vive. O senso comum, o bom senso, a arte, a religião, a filosofia e a ciência são formas de saber que auxiliam
final do século VII e o início do século VI a.C. Várias condições
Entre outras causas do surgimento da filosofia, é CORRETO apontar: a) a invenção da arte náutica, da matemática e da astrologia. b) a introdução de pesos e medidas nos territórios da Grécia por parte dos orientais. c) a invenção da lógica por Aristóteles, que definiu as regras do silogismo, tornando possível o tratamento científico da opinião pública e abatendo a pretensão dos sofistas de manipulá-la. d) a Guerra do Peloponeso que aperfeiçoou as técnicas de combate naval e dos hoplitas, os primeiros infantes, cujo status de corpo armado democrático favoreceu a busca da isonomia e enterrou de vez a pretensão dos partidos aristocráticos. e) a invenção da política, com o surgimento da lei como “ins-
o homem a entender o mundo e a orientar suas ações.
trumento regulador” das ações humanas em conjunto, e a
Assinale o que for CORRETO.
descoberta do espaço público onde o discurso mítico e enig-
01-02-04-16
01. O senso comum é o conhecimento adquirido por exigên-
mático é substituído por aquele persuasivo, acessível a todo
cias da vida cotidiana; fornece condições para o agir, toda-
cidadão, que pôde, então, argumentar racionalmente, sus-
via é um conjunto de concepções fragmentadas, recebidas
tentando sua tese contra os demais.
sem crítica e, muitas vezes, incoerentes, tornando-se, assim, fonte de preconceitos. 02. O bom senso, ao contrário do senso comum, apresenta-se como uma elaboração refletida e coerente do saber; em vez da aceitação cega de determinações alheias, pelo bom senso o sujeito livre e crítico questiona os valores estabelecidos e decide pelo que se revela mais sensato ou plausível. 04. A ciência caracteriza-se como um sistema de conhecimentos, expressos em proposições gerais e objetivas sobre a realidade empírica; é um conhecimento construído por um processo de raciocínio rigoroso e metodicamente conduzi-
09. Quanto ao pensamento filosófico ou simplesmente o filosofar, nasce do desejo de perguntar, de conhecer, de investigar, de encontrar soluções que o incentivem o homem a evoluir, sendo assim podemos afirmar que a filosofia: a) Interessa-se pela própria inteligência e pela realidade de uma forma geral. b) Não se satisfaz apenas com os resultados apresentados pelas ciências e sempre procura ir além, mas sem discutir com seus propósitos políticos e sociais. c) Usa-se de argumentos por vezes inválidos para justificar seus conhecimentos.
do, baseado na experiência, permitindo explicar, prever e
d) Tem como método também utilizado, as opiniões pessoais.
atuar sobre os fenômenos.
e) Todas as alternativas anteriores estão incorretas.
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A01 O nascimento da Filosofia
06. (Uel PR) Mais que saber identificar a natureza das contribui-
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FILOSOFIA
MÓDULO A02
ASSUNTOS ABORDADOS nn Do mito ao Logos
DO MITO AO LOGOS Não é possível compreender o surgimento da Filosofia na Grécia antiga sem antes examinar o processo de ressignificação intelectual que o povo helênico passou, sobretudo, na transição para o Período Arcaico. Durante as épocas anteriores, a cultura grega foi profundamente marcada por uma estrutura explicativa da realidade fundamentada no Mito. O que não significa, a seu turno, que nos períodos subsequentes o mito desaparecerá cedendo lugar absoluto à razão. Ao contrário, o Logos (λόγος, razão) e o Mythós (μυθος, mito) permanecem enquanto estruturas explicativas paralelas, conquanto obedecendo cada vez mais um caráter religioso.
#Curiosidades Será que os gregos acreditavam realmente em seus mitos? Essa é a indagação que permeia a obra de dois grandes influentes pensadores do mundo antigo: Paul-Marie Veyne e Bruno Snell. O entendimento é que hoje se sabe que boa parte dos gregos tomavam os mitos apenas em seu caráter pedagógico, isto é, portador de moralidades caras à formação do espírito helênico. Embora houvesse a atividade sacerdotal e muitos mitos se configurassem como expressões de narrativas religiosas, não era todo o grego que assumia o seu caráter pretensamente explicativo. Essa razão, seguramente, contribuiu para a constituição de uma mentalidade crítica entre os helênicos, e, que, certamente ajudou a moldar o pensamento filosófico que colocava em xeque a autoridade das
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Figura 01 - A Fúria de Aquiles, de Tiepolo (1757, afresco, Villa Valmarana, Vicenza)
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A palavra Mito deriva de dois termos gregos: Mythoi e Mytheo. Ambos indicam o conceito de “narrativa”. Trata-se, portanto, de uma forma de explicar um dado evento por meio de uma estrutura de narração. No entanto, não pode ser confundido com outras formas de “contar uma história”, como a fábula, a parábola, etc. Tais se orientam no sentido explícito de serem recursos textuais que, por analogia ou expressões fantasiosas e lúdicas, buscam introduzir um tipo de moralidade no receptor. Não possuem compromisso tácito com a literalidade de suas narrativas. Em outras palavras, não são traduções da verdade e do real, em seu sentido descritivo. Antes, meramente metafórico. Já o Mito, a seu turno, tem a pretensão de ser uma narrativa – ainda que contendo elementos sobrenaturais (ou justamente por isso) – que transcreve e explica o real. Literalmente. É, portanto, uma expressão da verdade. Os elementos que configuram o Mito podem ser descritas em três características fundamentais. A atemporalidade, isto é, uma não cronologia rigorosa. Em diversos mitos, como exemplo na teogonia de Hércules, o tempo (passado, presente e futuro) é confundido em uma narrativa assimétrica. O recurso à autoridade - uma vez que o processo de transmissão (predominantemente oral) se dava por aqueles que supostamente serviam de intermediário entre os deuses e os homens, isto é, os poetas, magos, adivinhos e toda uma classe sacerdotal – se colocava como segunda característica. Dessa forma, o critério de verdade não estava posto no conteúdo da narrativa, mas na autoridade institucional de quem a proferia. Dessa forma, o critério de veracidade da narrativa era conferido não por sua estrutura explicativa, em si, mas pela “condição de ser” do canal transmissor. Por fim, a impossibilidade de aferição empírica, isto é, os mitos não eram passíveis de ser provados cientificamente. De outra maneira, perderiam a sua condição de mito, conferindo a si a conceituação de “fatos” ou “eventos” comprováveis. Eis a razão pela qual o mito faz parte de um
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Além dessas características, os mitos em geral comportam duas naturezas de narrativas: as cosmogonias e teogonias. A primeira diz respeito a explicações sobre a origem do mundo a partir de um agente criador (cosmo = ordem; universo + gonia = criação). A segunda visa também explicar a criação (em geral, o nascimento, a morte e o nascimento) dos deuses e semideuses. Em geral, são estruturas que se confluem em uma só narrativa. Novamente, o exemplo do nascimento do semideus Hércules - e uma das diversas cosmogonias sobre a criação da terra – é pontual.
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Hércules é o semideus fruto do relacionamento entre Zeus e uma mortal. De acordo com inúmeras narrativas que compõem sua teogonia, a Terra teria sido criada a partir do leite materno de Hera – a deusa grega esposa de Zeus. Ao saber da traição de seu marido e de que estava a amamentar sua cria bastarda, e não de um lacaio como Zeus teria a feito acreditar, Hera projeta Hércules no espaço durante a própria amamentação. Daí que o leite sagrado de Hera – que conferia ao receptor a seiva da imortalidade – goticulou no espaço cósmico, gerando os corpos celestes, dentre eles a Terra. Curiosamente – e isto aponta a atemporalidade – a Terra já existia por força criadora dos Titãs, denotando uma contradição temporal na narrativa.
De acordo com Mircea Elíade, na obra O sagrado e o Profano: a essência das religiões (1970, p.107), o mito: (…) conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do tempo, ab initio (‘desde o início’). Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, porque as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou heróis civilizadores, e por esta razão sua gesta (‘ações memoráveis’) constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se lhos revelassem. O mito é, pois, a história do que se passou in ilo tempore (‘naquele tempo’), a narração daquilo que os deuses ou os seres divinos fizeram no começo do tempo. ‘Dizer’ um mito é proclamar o que se passou ab origine (‘desde a origem’). Uma vez ‘dito’, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta.
Entretanto, a que pese esse caráter fabuloso do Mito, uma questão sensível que aparece é acerca da especificidade das mitologias helênicas. Questionada de outra forma, o que nelas continham que pudesse ter sido decisivo para uma passagem ou ao menos aparecimento de outra forma explicativa no seio da sociedade grega, a filosofia? Por qual motivo a explicação filosófica ganha terreno em um lugar em que milenarmente os mitos serviram não somente como respostas para as questões da natureza, como também foram utilizados enquanto instrumentos pedagógicos por eras? A resposta pode vir em duas direções. A primeira é que as narrativas mitológicas aos poucos foram encontrando resistência de assimilação. A não unificação política e administrativa das cidades levava a um isolacionismo de consequências, também, culturais. Não era incomum cada lugar cultuar seus próprios deuses e admitirem apenas narrativas particulares. Dessa forma, nos múltiplos intercâmbios comerciais realizados entre as cidades gregas, o choque de interpretações – cada uma delas advogando para a si a posse da “verdade” - tornam-se cada vez mais comuns e acirrados. A partir do momento em que se dá início um amplo processo de intercâmbios marítimo-comerciais, as narrativas de outros povos também passam a se chocar (e de modo muito mais severo) com aquelas que já encontravam em seu interior problemas sensíveis. A pluralidade de ideias, visões e interpretações de mundo e natureza (física e “sobrenatural”) apareceram com força suficiente para que os helenos colocassem em xeque suas crenças e tradições como modos únicos e absolutos de explicações.
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A02 Do mito ao Logos
conjunto de narrativas presentes em estruturas religiosas – que se valem do elemento do “sobrenatural” para validar e conferir força ao seu conteúdo. De modo preciso, o filósofo cristão Tertuliano é assertivo ao dizer: “credo quia absurdum” (creio porque é absurdo). De outra forma, o objeto do creio seria fato – e para esse, não há a necessidade de crença, basta a observação.
Filosofia
A segunda é que na própria estrutura da mitologia grega já havia elementos de filosoficidade. A crítica, a contestação Aquiles (Ἀχιλλεύς) é um a regimes de governo, ao sentido da vida dos mais icônicos heróis da e das guerras, a motivação dos deuses, mitologia grega. Pontuando que o conceito de herói na etc., compunham a essência de diverliteratura grega não se reporta sas narrativas. O exemplo mais singular àquele que vence uma batalha, é justamente no poema épico Ilíada, de mas, sim, aquele que tem uma Homero. De início já temos uma expresvida (em feitos e palavras de são literária que visa descrever os motiefeito) gloriosa. Segundo sua vos/sentidos para uma guerra a partir de teogonia, sua mãe, Tétis, na plurivisões. Há uma multisubjetividade tentativa de fazê-lo imortal, teaparente nas versões de diversos persoria o mergulhado no rio Estige. nagens, a se destacar o herói Aquiles. A No entanto, deixou-o vulneráobra, mais do que buscar uma descrição vel a parte do corpo pelo qual A Educação de Aquiles, James Barry, 1772 dos supostos acontecimentos acerca da ela o segurava, se calcanhar – Guerra de Troia, nos oferta um entenrazão essa que levou, ao fim da guerra de Troia, a ter sido alvejado na região, levando a sua morte. Embora essa seja a narrativa mais popularizada, a importância de Aquiles dimento acerca do modus vivendi do no contexto da épica de Troia está mais relacionada ao arquétipo que ele representa, grego antigo, sobretudo em sua relação assim como sua visão subjetiva dos acontecimentos: sempre crítica e mordaz frente aos existencial com a guerra, com a noção destinos e motivações da guerra. de infinitude e (i)mortalidade, etc. Ainda posto, o aludido personagem Aquiles demonstra o arquétipo do homem grego que contrasta os interesses de lideranças políticas e militares, bem como a autoridade dos deuses, enfrentando a sua ira com destemor e bravura. Fonte: Wikimedia Commons
SAIBA MAIS
Gabarito exercícios de fixação Questão 01: O mito é uma forma explicativa da realidade, do mundo e universo, e das motivações humanas (e supostamente divinas). Durante muito tempo, serviu como base exclusiva da cultura grega. Aos poucos, o grego desenvolve outras formas explicativas calcadas na razão. O mito, via de regra, sobrevive a partir de um “argumento de autoridade” - algo há muito questionado até mesmo no próprio interior do conteúdo narrativo dos mitos gregos Questão 02: Teogonia: narrativa mitológica que busca explicar o nascimento dos deuses Cosmogonia: narrativa mítica que busca explicar o surgimento do universo a partir de uma perspectiva de criação (intervenção dos deuses, como exemplo) Questão 03: O mito é uma narrativa fabulada, pautada na autoridade de quem transmite, numa lógica estrutural atemporal e na impossibilidade de aferição empírica. A Filosofia trata-se de uma forma de indagar e sugerir hipóteses de respostas fundadas na razão, e que podem ser validadas cientificamente.
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Questão 04: 1) Argumento de autoridade 2) Impossibilidade de aferição empírica 3) Argumento de autoridade expressa. Exemplo: narrativa bíblica Questão 05: porque na essência da mitologia grega já se operava elementos de filosoficidade. Não obstante, há uma ruptura sensível, uma vez que a Filosofia se desenvolve a partir de características predominantes, distintas do mito, como a racionalidade e a não evocação de autoridade pessoal.
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De acordo com a filósofa brasileira Marilena Chauí (2008, p.31-2): (...) o mito narra a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações sexuais entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias (…) A pergunta dos estudiosos é a seguinte: ao surgir, a filosofia não é uma cosmogonia, e sim uma cosmologia, uma explicação racional sobre a origem do mundo e sobre as causas das transformações e repetições das coisas; mas a cosmologia nasce de uma transformação gradual dos mitos ou de uma ruptura radical dos mitos? A filosofia continua ou rompe com a cosmogonia e a teogonia? Os estudiosos chegaram a conclusão de que as contradições e limitações dos mitos para explicar a realidade natural e humana levaram a filosofia a retomá-los, porém reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa explicação nova e diferente.
Sintetizando, o Mito é uma narração fabulosa, de origem popular e não refletida, dotada de forte sentido simbólico e pedagógico, que tem por finalidade a explicação do mundo (cosmogonia), da realidade que nos circunscreve. Inventada pelos gregos, a Filosofia, enquanto pensamento lógico-racional, paulatinamente, substitui o modelo (absoluto) explicativo do mito, oferecendo uma explicação racional e crítica do mundo (cosmologia). Em certa medida, é correto afirmar que a Filosofia é uma continuidade natural das tentativas helênicas de circunscreverem a realidade através de uma cadeia discursiva, primariamente através do Mito. No entanto, Filosofia e Mito são formas humanas que visam responder – cada um a seu modo particular – os questionamentos levantados sobre questões de ordem natural (surgimento do universo) ou antropológica (sentido da vida, a existência em comunidade). Há, em ambos, um esforço humano em tentar compreender o que denomina por real, reorganizando sua cultura e seus modos de interagir em sociedade. Cada sociedade, a depender de seu contexto sócio-histórico e cultural, se orientam em primazia por um ou outro modo explicativo.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
#DicaCine #DicaCine Filosofi#DicaCine Filosofi #DicaCine Filosofi#DicaCine #DicaCine Filosofi Filosofi Filosofi O filme Troia (do inglês Troy) é uma obra estadunidense produzida em 2004, pelo diretor Wolfgang Petersen, roterizada por David Benioff. A película épica busca reproduzir a guerra narrada na obra Ilíada, célebre poeta grego, Homero. Mais do que uma pretensa narrativa do que foi a mítica guerra entre gregos e troianos, importa nessa obra a forma como a mesma é narrada pela visão subjetiva de Aquiles – o lendário herói grego. Importa ressaltar o conjunto de valores que a todo o momento são evocados no filme/livro e que leva-nos sempre à reflexão acerca do sentido da guerra, da vida e morte, do papel das divindades no transcurso das histórias humanas, etc. Trata-se de um interessante exercício para compreendermos as razões que nos permite afirmar, com propriedade, que as narrativas míticas helênicas já portavam, em si, elementos de filosoficidade. Ficha técnica: Título: Troy (Original) Ano de produção: 2004 Direção: Wolfgang Petersen Duração: 162 minutos Gênero: Aventura e Drama País de Origem: Estados Unidos, Malta, Reino Unido e Irlanda do Norte
Exercícios de Fixação 01. O que é o mito? Que razões supostas levaram os gregos a questionarem sua autoridade? Gabarito na página anterior 02. Defina os conceitos de Teogonia e Cosmogonia 03. Quais as principais diferenças entre Mito e Filosofia
04. Quais são as três principais características nas narrativas mitológicas? Dê exemplos a partir de outros conteúdos que podem ser qualificadas como mitológicas. 05. Em que sentido a Filosofia aparece como continuidade e ruptura do Mito?
Exercícios Complementares 01. (Uel PR)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação en-
Há, porém, algo de fundamentalmente novo na maneira
tre mito e filosofia na Grécia, é correto afirmar:
como os Gregos puseram a serviço do seu problema último
a) Em que pese ser considerada como criação dos gregos, a
– da origem e essência das coisas – as observações empíri-
filosofia se origina no Oriente sob o influxo da religião e apenas posteriormente chega à Grécia.
próprias, bem como no modo de submeter ao pensamento
b) A filosofia representa uma ruptura radical em relação aos
teórico e casual o reino dos mitos, fundado na observação
mitos, representando uma nova forma de pensamento
das realidades aparentes do mundo sensível: os mitos sobre
plenamente racional desde as suas origens.
o nascimento do mundo. (JAEGER, W. Paideia. Tradução de Artur M. Parreira. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 197)
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cas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas
c) Apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual.
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Filosofia
d) Filosofia e mito sempre mantiveram uma relação de interde-
III.
pendência, uma vez que o pensamento filosófico necessita
tende movidos por sentimentos similares aos dos ho-
do mito para se expressar.
mens, contribuiu para o processo de racionalização da
e) O mito já era filosofia, uma vez que buscava respostas para pro-
cultura grega, auxiliando o desenvolvimento do pensa-
blemas que até hoje são objeto da pesquisa filosófica. 02. (Uel PR) Ainda sobre o mesmo tema, é correto afirmar que
mento filosófico e científico. IV.
bedoria dos povos orientais, sabedoria esta desvinculada
a) Surgiu como um discurso teórico, sem embasamento na realidade sensível, e em oposição aos mitos gregos. b) Retomou os temas da mitologia grega, mas de forma racional, formulando hipóteses lógico-argumentativas. c) Reafirmou a aspiração ateísta dos gregos, vetando qualquer prova da existência de alguma força divina. d) Desprezou os conhecimentos produzidos por outros povos, graças à supremacia cultural dos gregos. e) Estabeleceu-se como um discurso acrítico e teve suas teses endossadas pela força da tradição. 03. As lendas sempre foram alicerces para os povos antigos. Os gregos, por exemplo, tributavam suas origens aos heróis que protagonizam a poesia de Homero, e os romanos, aos irmãos Rômulo e Remo, filhos do deus Marte, eternizados no relato do historiador Tito Lívio.
de qualquer base religiosa. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) II e IV. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, III e IV. 05. (Uel PR) Os poemas de Homero serviram de alimento espiritual aos gregos, contribuindo de forma essencial para aquilo que mais tarde se desenvolveria como filosofia. Em seus poemas, a harmonia, a proporção, o limite e a medida, assim como a presença de questionamentos acerca das causas, dos princípios e do porquê das coisas se faziam presentes, revelando depois uma constante na elaboração dos princípios metafísicos da filosofia grega.
Essas explicações lendárias:
(Adaptado de: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. v. I. Trad. Henrique C. Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994. p. 19. )
a) Alteram ou reinventaram fatos históricos, justificando alguma condição ou ação posterior dos homens. b) Sempre se basearam em acontecimentos reais, com o único propósito de explicar o passado. c) Confirmaram que as civilizações, em sua origem, não possuem vínculos com seu passado lendário, denominado ida-
Com base no texto e nos conhecimentos acerca das características que marcaram o nascimento da filosofia na Grécia, considere as afirmativas a seguir. I.
tem por fundamento o ideal religioso, desligado de qualquer
buscavam a verdade pela força da argumentação. II.
interesses políticos, por serem estéticas. 04. (Uel PR) Sobre a passagem do mito à filosofia, na Grécia Antiga, considere as afirmativas a seguir. Os poemas homéricos, em razão de muitos de seus com-
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ponentes, já contêm características essenciais da com-
II.
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O palácio real, que centralizava os poderes militar e religioso, foi substituído pela Ágora, espaço público onde os
interesse político. e) São apenas formas artísticas ou literárias independentes dos
A política, enquanto forma de disputa oratória, contribuiu para formar um grupo de iguais, os cidadãos, que
de das trevas. d) Afirmam uma reação inconsciente de todos os povos, que
O mito foi superado, cedendo lugar ao pensamento filosófico, devido à assimilação que os gregos fizeram da sa-
a filosofia:
I.
A humanização dos deuses na religião grega, que os en-
problemas da pólis eram debatidos. III.
A palavra, utilizada na prática religiosa e nos ditos do rei, perdeu a função ritualista de fórmula justa, passando a ser veículo do debate e da discussão.
IV.
A expressão filosófica é tributária do caráter pragmático dos gregos, que substituíram a contemplação desinteressada dos mitos pela técnica utilitária do pensar racional.
preensão de mundo grega que, posteriormente, se reve-
Estão corretas apenas as afirmativas:
laram importantes para o surgimento da filosofia.
a) I e III.
O naturalismo, que se manifesta nas origens da filosofia,
b) II e IV.
já se evidencia na própria religiosidade grega, na medida
c) III e IV.
em que nem homens nem deuses são compreendidos
d) I, II e III.
como perfeitos.
e) I, II e IV.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
(OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.)
Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos. a) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. b) A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. c) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. d) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. e) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si.
dade mítica (porquanto o mito ainda lhe serve), mas filosófica; e isso quer dizer uma atividade regrada a partir de um comportamento epistêmico de tipo próprio: empírico e racional”. SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-socráticos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 32.
Sobre a passagem da atividade mítica para a filosófica, na Grécia, assinale a alternativa correta. a) A mentalidade pré-filosófica grega é expressão típica de um intelecto primitivo, próprio de sociedades selvagens. b) A filosofia racionalizou o mito, mantendo-o como base da sua especulação teórica e adotando a sua metodologia. c) A narrativa mítico-religiosa representa um meio importante de difusão e manutenção de um saber prático fundamental para a vida cotidiana. d) A Ilíada e a Odisseia de Homero são expressões culturais típicas de uma mentalidade filosófica elaborada, crítica e radical, baseada no logos. 09. (UnB DF) No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a
07. (Uem PR) A tragédia grega teve seu auge entre os séculos VI e IV a.C. É a expressão de profundas mudanças ocorridas na ordem sociopolítica e cultural dessa época. A mitologia já não é a única forma de representação do mundo, mas rivaliza com a concepção filosófica fundamentada na razão (logos), e as leis de origem divina confrontam-se com as leis escritas. A tragédia expressa os conflitos e os impasses em que se encontram não apenas a pólis, mas também a alma (psyché) do homem grego.
descontinuidade entre ambos. A continuidade entre mito e
Assinale o que for CORRETO. 04-08-16 02. A tragédia grega criticava o povo, era uma arte elitista à qual só a aristocracia podia assistir. 04. Ésquilo, ao escrever Prometeu Acorrentado, defende que todos os homens, inclusive os escravos, fossem libertados da obrigatoriedade do trabalho, de forma que pudessem gozar a vida no benefício do ócio e do prazer. 06. Aristóteles, na Poética, afirma que a tragédia nasceu de formas líricas como o ditirambo, isto é, um canto coral em louvor a Dionísio, o deus do vinho. 08. Sófocles escreveu uma tragédia intitulada Édipo Rei, que trata do patricídio e da prática do incesto, essa tragédia é utilizada por Sigmund Freud para elaborar a teoria do complexo de Édipo na psicanálise. 16. É uma das características da tragédia grega representar a vontade e as ações humanas tentando, em vão, escapar ao destino que impera sobre a vida do homem.
losofia, criticou seus predecessores, ao rejeitar a ideia de que
08. (Ufu MG) A atividade intelectual que se instalou na Grécia a partir do séc. VI a.C. está substancialmente ancorada num exercício especulativo-racional. De fato, “[...] não é mais uma ativi-
filosofia, no entanto, não foi entendida univocamente. Alguns estudiosos, como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos. Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e fia filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada. Considerando o breve histórico acima, concernente à relação entre o mito e a filosofia nascente, assinale a opção que expressa, de forma mais adequada, essa relação na Grécia Antiga. a) O mito é a expressão mais acabada da religiosidade arcaica, e a filosofia corresponde ao advento da razão liberada da religiosidade. b) O mito é uma narrativa em que a origem do mundo é apresentada imaginativamente, e a filosofia caracteriza-se como explicação racional que retoma questões presentes no mito. c) O mito fundamenta-se no rito, é infantil, pré-lógico e irracional, e a filosofia, também fundamentada no rito, corresponde ao surgimento da razão na Grécia Antiga. d) O mito descreve nascimentos sucessivos, incluída a origem do ser, e a filosofia descreve a origem do ser a partir do dilema insuperável entre caos e medida.
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A02 Do mito ao Logos
06. (Uel PR) Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A03
ASSUNTOS ABORDADOS nn Da Physis à Filosofia pré-socrática
DA PHYSIS À FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA A história da Filosofia antiga pode ser dividida em três fases, relacionadas a cada período histórico que as comportam. Como a historiografia padrão do mundo helênico nos reporta, a Grécia antiga é divida em cinco grandes períodos. A Filosofia, a seu turno, surge no terceiro deles (o arcaico) e atingindo seu apogeu nos subsequentes (clássico e helenístico). Dessa forma, sistematicamente, não podemos afirmar a existência da Filosofia em períodos antecedentes, como o pré-homérico e o homérico – nos quais predominavam a perspectiva mitológica. Como visto anteriormente, os mitos comportavam elementos de filosoficidade. Não obstante, a atividade propriamente filosófica surge, caracteriza-se e afirma-se apenas nos períodos posteriores. O período arcaico data de aproximadamente os anos de 750 a 500 a.C. Sucessivo a uma época de intensas guerras internas e pouca estabilidade política, a idade arcaica da Grécia foi marcada pelo florescimento de uma perspectiva de cultura, sociedade e economia bem distintas. Com a crescente diluição das comunidades gentílicas e com o arrefecimento das guerras, a civilização encontrou um momento de aumento demográfico. Isso naturalmente acarretou numa necessidade de revisão dos paradigmas de organização social e de produção e circulação econômica. Das expansões marítimo-comerciais às formações citadinas (vulgarmente conhecidas como pólis), o período arcaico foi marcado por vários eventos que propiciaram uma transformação da sua cultura e sociedade. A Filosofia emergiu justamente nesse propício contexto.
Fonte: Wikimedia Commons
Figura 01 - O Triunfo da Civilização, Pintura por Jacques Réattu, 1793.
Os primeiros filósofos - surgidos, portanto, no período arcaico - ficaram conhecidos como “Físicos da Jônia”. Destacam-se Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto. Jônia (Ιωνία) foi uma região da costa do sudoeste da Anatólia, hoje conhecida como Turquia. Ao contrário do que se pensa, não era banhada pelo mar jônico, e, sim, pelo Egeu. Doze cidades se formaram no círculo da grande região da Ásia Menor - compondo a circunscrição da Jônia - se destacando Mileto, Samos, Éfeso e Colofon. O suposto sobrenome dos primeiros filósofos faziam alusão à cidade que provinham, e não uma relação de parentesco, como se supõe. Eis a razão de nomes como Pitágoras de Samos, Heráclito de Éfeso, Xenófones de Colofan, etc., que também ganham destaque nesses séculos iniciais da Filosofia Grega.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
Importa considerar, entretanto, que a natureza enquanto objeto não havia sido exclusividade dos primeiros filósofos. O mito, a seu modo – e em momentos iniciais – já buscava ofertar narrativas para compreender a suposta ordem/motivação do mundo. Como vimos anteriormente, as Cosmogonias eram tentativas de se explicar a gênese, formação e regulação da natureza e do universo. Ocorre que o inusitado aparece no período arcaico como uma forma própria dos “Físicos da Jônia” em tentar compreender a natureza, em si (e por si) mesma, se valendo da observação (como mecanismo de investigação) e da razão (como instrumento de validação). Em outras palavras, mito e razão buscam explicar a natureza, embora a segunda – que caracteriza o exercício filosófico – se vale da observação e da atestação. A primeira se apoia no elemento da autoridade de quem narra e, supostamente, na experiência subjetiva de quem valia e toma para si a explicação mitológica. Nesse sentido, há uma ruptura significativa e não mais uma mera continuidade, como afirma Maria Lúcia de Arruda Aranha & Maria Helena Pires Martins (2009, p.41): (…) existe uma ruptura entre mito e filosofia. Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à discussão. No mito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência dos agentes divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge, portanto, como pensamento abstrato.
Ainda, os “Físicos da Jônia” assim foram chamados até o aparecimento e consolidação do termo Filosofia, criado por Pitágoras de Samos, como vimos anteriormente. A cidade de Mileto apareceu como o ponto de convergência para os primeiros pensadores helênicos. A causa é estritamente geoeconômica e está adstrita ao contexto das expansões marítimo-comerciais. Mileto era a principal cidade portuária helênica a época do período arcaico. Dessa forma, o trânsito multiétnico era fluente e intenso, levando aos embates interculturais que propiciavam o contraste de ideias. Sobretudo no campo da religião, tais intercâmbios suscitavam uma revisão de crenças e, ao mesmo tempo, ampliação da percepção sobre outros modos de se perceber e dar sentido ao (e no) mundo. Dessa maneira, lá emergiu o pensamento filosófico.
Fundamentalmente, o que caracteriza a Filosofia em seu início? Em primeiro lugar foi uma tentativa de explicar raciona e sistematicamente a origem, a ordem e a transformação da natureza (Physis). A observação e a razão (dedutiva) compõem os instrumentos por excelência do exercício filosófico. Em segundo, na busca por um princípio natural, eterno e imperecível, causa primária e geradora de todos os seres. De caráter impessoal, essa matriz não pode ser confundida com um agente criador, uma divindade nos termos das cosmogonias. A esse princípio subjacente à Physis e que passa a ser o núcleo central de investigação era chamado de arché (ἀρχή). A esse respeito, o filósofo Diógenes de Apolônia afirma que esse conceito é caracterizado por: (...) Todas as coisas são diferenciações de uma mesma coisa e são a mesma coisa. E isto é evidente. Porque se as coisas que são agora neste mundo - terra, água, ar e fogo e as outras coisas que se manifestam neste mundo -, se alguma destas coisas fosse diferente de qualquer outra, ele seria diferente e diferenciava sua natureza própria e se não permanecesse, então não permaneceria puro, e através disso descobriu que ocorreu muitas mudanças e diferenciações, então as coisas não poderiam, de nenhuma maneira, misturar-se umas as outras, nem fazer bem ou mal umas as outras, nem a planta poderia brotar da terra, nem um animal ou qualquer outra coisa vir a existência, se todas as coisas não fossem compostas de modo a serem as mesmas. Todas as coisas nascem, através de diferenciações, de uma mesma coisa, ora em uma forma, ora em outra, retomando sempre a mesma coisa.
Dos filósofos de Mileto, destacam-se três. E da Jônia, um conjunto de vários outros, embora venhamos a lidar apenas com quatro deles nesse módulo: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia. Da principal cidade portuária helênica, teremos: Tales de Mileto. Primeiro filósofo a se ter registro. De origem fenícia, residiu em Mileto boa parte de sua vida, vindo a falecer em 548 a.C. Conhecido com um dos “sete sábios da Grécia”, seu pensamento se estende em igual medida e importância para a geometria e a astronomia. Seus estudos sobre o eclipse lunar ou seu famoso teorema homônimo ofertam seu grau de importância para as raízes históricas do pensamento filosófico (e da ciência ocidental). Para Tales, o principal fundamental (o arché) de todas as coisas era a água. Embora seja uma afirmação temerária, é possível encontrar a gênese da hipótese evolucionista na perspectiva cosmológica do filósofo de Mileto. Atribui-se a Tales os dizeres: “(...) O mundo evoluiu da água por processos naturais e sobrevive aquele que está mais bem capacitado”. Segundo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, na obra A filosofia na época trágica dos gregos (1973, p.16) afirma: “(...) quando Tales diz: ‘tudo é água’, o homem (…) pressente a solução última das coisas e vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento”. 21
A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
O termo “Físicos” que aparecia como alcunha para os primários pensadores do período arcaico deriva da palavra Physis (Φύσις): que significa, na língua grega, “natureza”. Tratava-se, portanto, de uma alusão ao objeto de investigação dos cosmólogos da época. Logo, pode se traduzir o nome dado aos filósofos da Ásia menor por “aqueles que buscavam, de forma racional, compreender os mecanismos que regem a natureza”. A Physis, portanto, era o objeto de investigação primal e que caracterizou a primeira fase da história da Filosofia antiga grega.
Filosofia
Anaximandro de Mileto viveu entre os anos de 610 a 547 a.C. Foi o primeiro filósofo a, de fato, compor uma teoria metafísica. Aqui o termo deve ser entendido em sua acepção primitiva (Meta: aquilo que se afasta + Física: natureza), e não somente na interpretação aristotélica que o consagrou na história da Filosofia como um campo a tratar do “ser enquanto ser”, isto é, do ser independente de suas particularidades determinantes, do ser absoluto e dos primeiros princípios. Aqui o conceito aparece enquanto perspectiva. Ou seja, era preciso “se afastar” da natureza para compreender o seu princípio ab initio: algo, portanto que desloca nossa intuição para algo não observável, porém indutivo a partir de seus efeitos. Contrário à tese de Tales, afirmava que o elemento primordial não poderia ser um dos elementos visíveis, teria que ser um elemento neutro, que está presente em tudo (e ao mesmo tempo precede tudo o que existe e é observável no presente). Diferente de todos os seus contemporâneos, Anaximandro afirmava que o arché não poderia ser um elemento determinado, material, portanto. A propósito, a criação do próprio termo arché se atribui a Anaximandro– concebido como algo ilimitado, sem contornos e definição (tal qual o fogo – elemento símbolo e dependendo da interpretação, literal): o apeiron (ἄπειρον). Também de forma incipiente, podemos afirmar que a teoria física do Big Bang encontra sua gênese nas especulações anaximândricas. Segundo o filósofo, o universo era eterno e infinito. Um número infinito de mundos existiram antes do nosso. Após sua existência, eles se dissolveram na matéria primordial (apeiron) e posteriormente outros mundos tornaram a nascer. O apeíron, enquanto massa gerativa, continha, em si mesmo, os elementos contrários que por um processo de associação e dissociação (corrupção) produziu a infinidade de seres, sujeitos aos ciclos das necessidades. Anaxímenes de Mileto. Filósofo, nasceu em 588 e viveu até 524 a.C. Discípulo de Anaximandro, sua importância pôde ser percebida na Química e na Física. Segundo o naturalista romano Plínio em sua obra História Natural, Anaxímenes teria sido o primeiro a analisar geometricamente os aspectos das sombras para medir as partes e dividir o dia. Dessa forma, criou o protótipo do conhecido “relógio de sol”, denominado Sciothericon (σκιοθηρικόν). Quanto a arché, considerava que o ar era o elemento melhor que qualquer outra coisa, se prestava a variações, e também devido à necessidade vital deste para os seres vivos, como a respiração. A rarefação e condensação do ar formam o mundo. A alma é ar, o fogo é ar rarefeito. Quando acontece uma condensação, o ar se transforma em água, se condensa ainda mais e se transforma em terra, e por fim em pedra. Destacou-se por ser o primeiro a fornecer a causa dinâmica que faz todas as coisas derivarem do princípio uno (condensação e rarefação).
A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
SAIBA MAIS A cosmologia (κοσμολογία) é um termo grego composto de dois termos: cosmos (κόσμος=”cosmos”/”ordem”/”mundo”) + logos (λογία=”discurso”/”estudo”). É tomado em sentido moderno como o ramo da astronomia que estuda a origem, estrutura e evolução do Universo a partir da aplicação de métodos científicos. Não obstante, aparece pela primeira vez como uma contraposição às formas mitológicas de explicação (cosmogonia e teogonia), além de caracterizar o campo de investigação (e adjetivação) dos primeiros filósofos.
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Heráclito de Éfeso. Proveniente da região homônima, o “filósofo da mutabilidade” viveu aproximadamente entre os anos de 535 a 475 a.C. Panta rei (πάντα ῥεῖ), traduzido por “tudo flui”, configura no lema central de sua doutrina. Atribui-se a esse pensador o aforismo que afirma: “(...)Tu não podes tomar banho duas vezes no mesmo rio, pois aquelas águas já terão passado e também tu já não serás mais o mesmo.” Em outro fragmento de seu pensamento, temos a assertiva: “(...) Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai”. Para Heráclito a única coisa de permanente no universo (“o ser das coisas”) era o movimento. A possibilidade de mudança (conhecido na linguagem filosófica como “Devir”) era a única constante e certeza que poderíamos aferir, sendo, portanto, a força que rege o universo. A alternância entre contrários: quente/frio, secas/ úmidas, etc., assim com os humores das pessoas, estão sujeitos às vicissitudes do tempo e sua contingência: a mudança. O filósofo de Éfeso é o primeiro pensador a propor questões que transcendiam a mera identificação do arché das cosmologias de Mileto. Importava para Heráclito o “Ser” e suas possibilidades de conhecê-lo. Seu pensamento constitui a base de um dos principais campos da Filosofia: a Ontologia (o “estudo do
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Ser”). O conhecimento do “estudo do Ser” expressava aquilo que poderia ser tomado como algo verdadeiro e universal: tornando-se necessário, portanto, o desvencilhamento dos sentidos, pois o que é verdadeiro não pode ser percebido pelo nosso campo sensorial e sim, somente, interligado por nossa razão. Eis as bases de inspiração para o pensamento platônico, como veremos mais a frente. Parmênides de Eleia. Pensador proveniente da região de Eleia, cidade grega situada na Magna Grécia. Figura ao lado de Heráclito como um dos fundadores da ontologia filosófica. Assim como o pensador de Éfeso, Parmênides busca os limites e possibilidades de se discutir e investigar a questão do Ser. Dos seus poemas restaram-nos 154 versos e eles dividem-se em três partes. Embora escritos sob uma estrutura que remonta ao estilo homérico, nem por isso não os investiu de rigorosos argumentos dedutivos. Toda sua filosofia está calcada num contraste entre o que denomina: verdade e aparência. A aparência é percebida pelos sentidos que nos mostram o Ser e o “Não Ser” - nos levando a diversos equívocos. A verdade, a seu turno, somente pode ser atingida por meio da razão. Não obstante, admite – e isso o difere substancialmente para Heráclito – a “mudança” não é o princípio que nos permite identificar o Ser. Ao contrário, o Ser é pura permanência: e isso diferencia a verdade da opinião (doxa, em grego). A razão, portanto acessa esse caráter de permanência, ao passo que os sentidos contemplam apenas a parte da natureza sujeita a mudanças e transformações, por isso não podem ofertar a verdade em si. Assim como Heráclito, suas formulações também despertaram interesse em Platão, que buscou – a seu modo – uma espécie de síntese entre as duas ontologias pré-socráticas. O período arcaico marcou o surgimento da Filosofia. Os pensadores desse período, além do título de cosmólogos, ou simplesmente “físicos” - antes mesmo que o termo Philosophia fosse criado – também receberam a alcunha de “Pré-socráticos”. Como sugere o termo, por terem antecedido o pensamento socrático e toda a tradição desenvolvida a partir desse pensador ateniense. Assim sendo, tomando Sócrates (filósofo e tradição) como o divisor de águas na história da Filosofia Antiga, os pensadores que figuram o período helenístico (último da cronologia grega) são chamados, respectivamente, de pós-socráticos.
A série americana Cosmos: uma odisseia do Espaço-Tempo é uma produção/documentário, de caráter científico, que dá sequência à homônima de 1980, apresentada pelo astrofísico Carl Sagan. Nesse novo formato, apresentado pelo físico Neil de Grasse Tyson. Em recente entrevista ao Wall Street Journal, o Tyson explica os objetivos da série: “[Cosmos] quer pegar a ciência que está por aí, e conectá-la a você e aos elementos do universo”, disse ele. “Trata-se de mostrar por que a ciência é importante para você. Até o final da série, nós gostaríamos de criar uma rede com você no centro, de modo que agora você conhece e compreende o seu lugar no universo. Isso é o que chamamos de perspectiva cósmica”. Ficha técnica: Título: Cosmos: A Spacetime Odyssey (Original) Ano de produção: 2014 Direção: Ann Druyan/ Bill Pope/ Brannon Braga Duração: 780 minutos Gênero: Documentário científico País de origem: Estados Unidos da América
A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
Fonte: Wikimedia Commons
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Filosofia
Exercícios de Fixação 01. Em qual período surge a Filosofia na Grécia Antiga?
A filosofia surge no período arcaico da História Grega, aproximadamente entre os séculos VI e VII a.C
02. Por que os primeiros filósofos foram chamados de “Físicos Porque habitavam a região da Ásia Menor, chamada Jônia. Esda Jônia”? pecificamente, a cidade de Mileto – donde deriva Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Físicos, porquê o objeto de estudo era a natureza (do grego, physis).
03. Disserte sobre o conceito de Arché e como ele aparece na Filosofia Pré-socrática. O arché era o principio originário de todos os seres e coisas naturais. Algo como “natureza subjacente” ou “essência da natureza” do qual todos os elementos derivam. Tratou-se do objeto por excelência a caracterizar o sentido da cosmologia grega, em oposição às meras cosmogonias.
04. Exponha as principais definições dadas por diferentes filósofos acerca do que era o verdadeiro arché da physis. Para Tales, a água; Anaximandro, o Apeiron e para Anaxímenes, o ar.
05. Qual a distinção entre Parmênides e Heráclito relativo à natureza do Ser? Para Parmênides, o Ser era absoluto e imóvel, isto é, não sujeito a mudanças e sem possibilidade de existência de um não ser. Heráclito, a seu turno, atribuía o caráter de mudança a todas as coisas existentes: a mutabilidade e fluência (panta rei) é o princípio regulador da natureza.
Exercícios Complementares 01. (Uema MA) A Filosofia nasceu na Jônia no final do século VII a.C. O conteúdo que norteia a preocupação dos filósofos jônicos é de natureza: a) Mitológica.
03. (Uel PR) Leia o texto a seguir e responda. De onde vem o mundo? De onde vem o universo? Tudo o
c) Religiosa.
que existe tem que ter um começo. Portanto, em algum mo-
d) Cosmológica.
mento, o universo também tinha de ter surgido a partir de
e) Política.
uma outra coisa. Mas, se o universo de repente tivesse surgido de alguma outra coisa, então essa outra coisa também devia ter surgido de alguma outra coisa algum dia. Sofia
A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda,
entendeu que só tinha transferido o problema de lugar. Afi-
com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas
nal de contas, algum dia, alguma coisa tinha de ter surgido
as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a
do nada. Existe uma substância básica a partir da qual tudo
sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa
é feito? A grande questão para os primeiros filósofos não
proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em se-
era saber como tudo surgiu do nada. O que os instigava era
gundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim,
saber como a água podia se transformar em peixes vivos,
em terceiro lugar, porque nela embora apenas em estado de
ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores
crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um.
frondosas ou flores multicoloridas.
NIETZSCHE. F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural. 1999
O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos?
A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
o que existe no real.
b) Antropológica.
02. (Enem MEC)
a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas.
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e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos,
Adaptado de: GAARDER, J. O Mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.43-44.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia, assinale a alternativa correta. a) Os pensadores pré-socráticos explicavam os fenômenos e as transformações da natureza e porque a vida é como é, tendo como limitador e princípio de verdade irrefutável as histórias contadas acerca do mundo dos deuses. b) Os primeiros filósofos da natureza tinham a convicção de que havia alguma substância básica, uma causa oculta, que estava por trás de todas as transformações na natureza e, a partir da observação, buscavam descobrir leis naturais que fossem eternas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
c) Os teóricos da natureza que desenvolveram seus sistemas
ação; 2) conformar-se a uma norma; 3) escolher e decidir.
de pensamento por volta do século VI a.C. partiram da
A dóxa pertence ao vocabulário político da decisão, deli-
ideia unânime de que a água era o princípio original do
beração e opinião.
mundo por sua enorme capacidade de transformação.
( ) Exercício do pensamento e da linguagem, a filosofia nas-
d) A filosofia da natureza nascente adotou a imagem homé-
cente não irá diferenciar-se da palavra dos guerreiros e dos
rica do mundo e reforçou o antropomorfismo do mundo
políticos, pois não possui uma pretensão específica, deseja
dos deuses em detrimento de uma explicação natural e
apenas argumentar e persuadir.
regular acerca dos primeiros princípios que originam todas as coisas.
( ) No pensamento mítico e na organização sociopolítica que antecede o surgimento da pólis, a alétheia possui uma re-
e) Para os pensadores jônicos da natureza, Tales, Anaxímenes
lação intrínseca com os procedimentos oraculares e divi-
e Heráclito, há um princípio originário único denominado o
natórios: é a lembrança do que foi contemplado no orácu-
ilimitado, que é a reprodução da aparência sensível que os
lo e ouvido, ali, dos deuses, que é a verdade, alétheia.
olhos humanos podem observar no nascimento e na dege-
04. (Unicentro PR) “A filosofia vai surgir ligada a esses dois tipos de palavras, isto é, à alétheia e à dóxa. Essa ligação é diferenciada, ou seja, não será sempre a mesma nos diferentes períodos da
a) F – V – F – V. b) V – F – V – F. c) V – V – F – V. d) V – V – F – F. e) V – F – F – V.
filosofia grega. Assim, na fase inicial, os filósofos procura-
05. (Ufu MG) Heráclito de Éfeso viveu entre os séculos VI e V a. C. e
vam falar nos dois campos: falam como poetas e adivinhos,
sua doutrina, apesar de criticada pela filosofia clássica, foi res-
isto é, no campo da palavra-verdade, e falam como chefes
gatada por Hegel, que recuperou sua importante contribuição
políticos, isto é, no campo da palavra persuasão. A seguir,
para a Dialética. Os dois fragmentos a seguir nos apresentam
com os filósofos Pitágoras de Samos e Parmênides de Eléia,
este pensamento.
afastam a dóxa e fortalecem apenas a alétheia. No entanto,
“Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e ne-
a partir do desenvolvimento da democracia, sobretudo em
nhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eter-
Atenas, um grupo de filósofos novos, os sofistas, afastam a
namente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a me-
alétheia e fortalecem exclusivamente a dóxa. Finalmente,
dida.” (fragmento 30).
com Sócrates e Platão, será feito um esforço gigantesco (de-
“Para as almas, morrer é transformar-se em água; para a água,
cisivo para todo pensamento ocidental) para colocar a alé-
morrer é transformar- se em terra. Da terra, contudo, forma-se
theia no lugar da dóxa. Será o momento em que a filosofia,
a água, e da água a alma.” (fragmento 36).
em vez de ocupar-se com a origem do mundo e as causas de suas transformações, se interessará exclusivamente pelos homens, pela vida social e política” (CHAUÍ, M. Introdução à História da Filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. Volume I. 1ª ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994).
Com base no texto, e em seus conhecimentos sobre o tema, informe se é verdadeiro (V) ou falso (F) e, em seguida, assinale a alternativa correta. ( ) Essas observações sobre a alétheia e a dóxa nos ajudam a compreender por que a filosofia nascente, embora sendo uma cosmologia (isto é, uma explicação racional sobre a origem do mundo e as causas de suas transformações), emprega um vocabulário político e humano para referir-se o cosmos. É que a linguagem disponível para a filosofia é a linguagem da pólis e esta é projetada na explicação da natureza ou do universo. ( ) A palavra dóxa deriva do verbo dokéo, que significa: 1) tomar o partido que se julga o mais adaptado a uma situ-
De acordo com o pensamento de Heráclito, marque a alternativa INCORRETA. a) As doutrinas de Heráclito e de Parmênides estão em perfeito acordo sobre a imutabilidade do ser. b) Para Heráclito, a ideia de que “tudo flui” significa que nada permanece fixo e imóvel. c) Heráclito desenvolve a ideia da harmonia dos contrários, isto é, a permanente conciliação dos opostos. d) A expressão “devir” é adequada para compreendermos a doutrina de Heráclito. 06. (Ufu MG) O trecho do fragmento seguinte constitui a mais célebre afirmação atribuída a Heráclito. Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição... HERÁCLITO. In: Os Pré-Socráticos. (PLUTARCO, De E apud Delphos, 8, p. 388 E.). São Paulo: Abril Cultural, 2000. p. 97. Col. Os Pensadores.
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A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
neração das coisas.
Filosofia
A partir do fragmento, escolha a explicação correta para a ques-
c) Se o morto é vivo, o velho é novo, e o dormente é desperto,
tão do “fluxo” na Filosofia de Heráclito:
então não existe o múltiplo, mas apenas o “Um”, como ver-
a) O fluxo do rio representa a condição mortal do homem e a
dade profunda do mundo. A unidade primordial é a própria
metempsicose. Não se pode entrar duas vezes no mesmo
realidade da physis e a multiplicidade, apenas aparência.
rio, pois o homem, substância mortal, morre e renasce su-
d) A alternância entre polos opostos constitui um fluxo eter-
cessivamente em vidas distintas. Só se pode entrar no mes-
no, regido pela “guerra” e pela “discórdia”, que ocorre sem
mo rio uma única vez, na mesma condição, ou seja, com a
qualquer medida e proporção. A guerra entre contrários
mesma substância mortal.
evidencia que a physis é caótica e denota o fato de que o
b) O fragmento enfatiza o fato de que todas as coisas, representadas pelo rio, mudam de maneira caótica e desordenada, fazendo com que o conhecimento seja totalmente impossível. Como nada permanece o mesmo, pode-se inferir que nada é, nem pode ser dito e nem mesmo pode ser pensado, visto que o Logos não existe. c) O fluxo, representado pelo rio, indica o parentesco de
pensamento de Heráclito é irracionalista. 08. (Ufu MG) Heráclito de Éfeso (500 a.C.) concebia a realidade do mundo como mobilidade, impulsionada pela luta dos contrários. Sobre sua filosofia, é correto afirmar que: I.
senta o Logos que governa o movimento perpétuo dos
toda a Natureza com a substância mortal. Todas as coisas
seres.
se tornam água, que, para Heráclito, é o princípio primordial no qual todas as coisas se convertem e que configura
II.
A luta dos contrários é aparência que afeta apenas a sen-
III.
A mobilidade dos seres resulta no simples aparecer de
IV.
A harmonia do cosmo é resultado da tensão eterna da
sibilidade humana.
todas as mudanças. O fluxo do rio indica que a condição de todas as coisas é determinada pela água como subs-
novos seres.
tância mortal. d) O fragmento enfatiza que a estrutura e, portanto, a identidade de um rio se mantém a mesma, embora sua substância esteja em contínua mudança. Um aspecto unitário é mantido, enquanto o conteúdo material é constantemente perdido e trocado. A imagem do rio expressa a coexistência de uma estrutura contínua num processo de fluxo. 07. (Ufu MG) O fragmento seguinte é atribuído a Heráclito de Éfeso.
Assinale a) se as afirmações II e III são corretas. b) se as afirmações I e IV são corretas. c) se apenas a afirmação IV é correta. d) se apenas a afirmação I é correta. 09. (Ufu MG) De um modo geral, o conceito de physis no mundo
novo e velho; pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles
pré-socrático expressa um princípio de movimento por meio
de novo, tombados além, são estes.”
do qual tudo o que existe é gerado e se corrompe. A doutrina
Os Pré-Socráticos. Trad. de José Cavalcante de Souza, 1ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 93. (Os Pensadores)
de Parmênides, no entanto, tal como relatada pela tradição,
A partir do fragmento citado, escolha a alternativa que melhor
rio conflito no debate filosófico posterior, em relação ao modo
representa o pensamento de Heráclito.
como conceber o ser.
a) Não existe a noção de “oposto” no pensamento de Herácli-
Para Parmênides e seus discípulos:
mudança que expressa a concórdia e a harmonia do “fluxo”
A03 Da Physis à Filosofia pré-socrática
luta dos contrários.
“O mesmo é em (nós?) vivo e morto, desperto e dormindo,
to, pois todas as coisas constituem um único processo de contínuo da natureza. b) A equivalência de estados contrários com “o mesmo” exprime a alternância harmônica de polos opostos, pela qual um estado é transposto no outro, numa sucessão mútua, como o dia e a noite. Todas as coisas são “Um”, toda a multiplicidade dos opostos constitui uma unidade, e todos os seres estão num fluxo eterno de sucessão de opostos em guerra.
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A imagem do fogo, com chamas vivas e eternas, repre-
aboliu esse princípio e provocou, consequentemente, um sé-
a) A imobilidade é o princípio do não ser, na medida em que o movimento está em tudo o que existe. b) O movimento é princípio de mudança e a pressuposição de um não ser. c) Um Ser que jamais muda não existe e, portanto, é fruto de imaginação especulativa. d) O Ser existe como gerador do mundo físico, por isso a realidade empírica é puro ser, ainda que em movimento.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A04
AS TEORIAS ESSENCIALISTAS NA EMERGÊNCIA DA FILOSOFIA CLÁSSICA
ASSUNTOS ABORDADOS nn As teorias essencialistas na emer-
O período clássico da história da Grécia Antiga é responsável pelas maiores caracterizações que fazemos do povo helênico. Não raro, quando nos reportamos ao povo grego, as referências imediatas são do sistema democrático, das Guerras Médicas e do Peloponeso, das consolidações das cidades-estados, e, claro, da Filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles. Embora, obviamente, os mitos também figurem no nosso imaginário, são as conquistas e realizações do século V e VI a.C que nos ajudaram a formar o ideário que temos sobre a civilização helênica.
Fonte: Wikimedia Commons
Do ponto de vista histórico e cultural, o período clássico marca o auge da civilização helênica, marcada pelo apogeu militar e econômico e pelo florescimento das artes e do intelecto. Não raro, durante a Idade Moderna o movimento artístico, cultural, científico e comercial denominado “Renascença” tinha por base uma retomada dos ditos valores clássicos. Tais valores além da expressão romana, tinha na própria cultura desse período sua matriz de referências. No campo da história da Filosofia, o período clássico marca o surgimento de duas tradições de pensamento. De um lado, a chamada “Socrática” (ou também “Essencialista”). De outro, a “Sofística” (contemporaneamente conhecida como “relativista”). Ambas afloram a partir do desdobramento das reflexões filosóficas operadas pelos pré-socráticos, passando a centrar no homem o objeto e a referência para todo o conhecimento. Aos poucos, as questões de ordem cosmológicas cedem terreno e primazia às questões de ordem antropológicas. Isso não significa dizer que as investigações sobre a natureza do Ser ou a busca por uma arché substancial desapareçam. Ao contrário, elas se reforçam nas cosmologias desenvolvidas pelos filósofos clássicos, notadamente da tradição socrática. No entanto, o que marcou esse período foi a centralidade da natureza/condição humana enquanto vetor para o conhecimento. Desdobram-se, assim, os diversos problemas de natureza ética, estética, política, que marcam a multiplicidade temática que a filosofia passa a incorporar em suas reflexões.
gência da Filosofia Clássica
SAIBA MAIS Antropologia se refere a um campo epistemológico atual. Um dos campos classificados dentro das chamadas “Ciências Sociais Puras”. O termo deriva do grego ἄνθρωπος, anthropos, “homem”; e λόγος, logos, “razão”, “pensamento”, “discurso”, “estudo”. No entanto, aqui aparece em seu sentido genérico, se referindo ao estudo, compreensão racional do homem, tomado como objeto e ponto de partida para o conhecimento.
Figura 01 - Scuola di Atene di Atene, Rafael (1483-1520)
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Filosofia
SAIBA MAIS Paideia é também o título de uma das principais obras sobre a cultura grega, do helenista Werner Jaeger. Numa obra extensa, o autor busca apresentar o conceito de formação moral, física, poética e teológica do homem da Antiguidade.
Para entender a emergência dessas duas concepções que aqui chamaremos de relativistas e essencialistas, precisamos introduzir a problemática em torno da questão da Paideia (παιδεία). Esse termo não possui uma tradução precisa para nosso idioma. No entanto, no máximo que podemos aproximar de nossa língua, o termo Educação é que melhor o define. Tal conceito surgiu ainda nos tempos homéricos e se manteve inalterado ao longo dos séculos. Difundiu-se em larga escala no período arcaico e encontrou grande profusão na Grécia clássica, sobretudo na cidade de Atenas. Durante o período homérico e início do período arcaico, a Paideia esteve adstrita ao modelo de cultura e sociedade da época. Isto é, a forma como a civilização grega se organizava politicamente determinava a forma como essa expressa de Educação era configurada. Como se saber, durante esses períodos, a guerra era uma constante, haja vista a pouca estabilidade interna que os gregos experienciavam. Assim, o paradigma educacional perpassava um modo de instrução voltado à vida guerreira. Os mitos serviam como instrumentos morais a forjar essa identidade belicosa desde a tenra infância. A partir do final do período arcaico e emergência do clássico, tal paradigma se altera, justamente com a reconfiguração pela qual a própria sociedade, sobretudo ateniense, passa. A política, no sentido daquilo que substancia a vida comunitária helênica passa a ser o vetor a condicionar a vida cultura, especialmente na configuração “no quê” e no “para o quê” se educar: é a existência na Pólis e a vivência na Ágora – como veremos em módulos posteriores – que oferta o sentido para a Paideia helênica. Em síntese, se outrora se educava para a guerra se valendo do mito como reforço moral; no período clássico – época do arrefecimento de guerras internas – é a política que converge para o interesse da expressão pedagógica, tendo a retórica e a Filosofia como instrumentos úteis ao exercício da vida pública. Daí a emergência tanto dos Essencialistas quanto dos Sofistas.
SAIBA MAIS
A04 As teorias essencialistas na emergência da Filosofia
A Ágora (ἀγορά) era o nome que se dava às praças públicas na Grécia Antiga. Nessas praças, ocorriam reuniões nas quais os gregos, principalmente os atenienses, discutiam assuntos ligados à vida da cidade (pólis). As assembleias aconteciam na Ágora e os gregos podiam decidir sobre temas ligados à justiça, obras públicas, leis, cultura, etc. Também era um espaço público de debates para os cidadãos gregos.
Fonte: Wikimedia Commons
Péricles discursando na ágora
Assim, da vertente sofista teremos uma série de representantes para os quais a vida política era um fim em si mesma e a educação um meio para se atingir os objetivos (individuais) na esfera pública. Se “Educava-se” para a performance e não para a verdade, como acusariam os filósofos da tradição socrática. Não que isso realmente fosse algo depreciativo para os sofistas, uma vez que tomavam a própria atividade filosófica corrente como engodo e a verdade como uma “conveniência” de quem a advoga para si ou, no máximo, um jogo de linguagem. Eles mesmos, (embora muitos houvessem emigrado de escolas filosófica) não atribuíam a si a alcunha de filósofos – uma vez que essa atividade estava essencialmente comprometida como uma espécie de “busca pela verdade”. Na mesma medida, também não se intitulavam de sofistas. Esse era um termo pejorativo atribuído a eles pelos filósofos essencialistas. Deriva de “Sophos”, que como vimos anteriormente, indica sabedoria. No entanto, nesse caso, expressa a ideia inversa, como de alguém que “acha que sabe” ou que “perverte a sabedoria”. Em linguagem popular, um “sabichão”. 28
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Novamente, não era um termo que os desagradava. Afinal, não tinham compromisso ético com a função de filosofar. Antes, se viam como instrutores itinerantes, que viajavam de cidade em cidade, ofertando seus serviços a um alto preço (o que gerava desentendimentos com os “Paidósgogo” [espécie de professores profissionais] e os próprios filósofos que viam na prática de mercantilizar o saber uma afronta a essência da própria verdade: que é, transliteralmente, se “desvelar” do interior do sujeito. Não é algo que se transfere, mas que se desabrocha por meio do uso da razão. Os sofistas se destacaram não somente por se portarem como instrutores supostamente mercenários a ensinar a arte da oratória e da retórica. Eles também se posicionavam frente às questões de ordem estritamente filosóficas. A verdade e a moral - conceitos de ordem absoluta- buscadas dentro das perquirições essencialistas contrastavam com a perspectiva sofística. Para os sofistas, tratava-se de conceitos relativos, adstritos a cada época e lugar. Segundo eles o conhecimento se reduz à opinião (Doxa) e o bem, à utilidade. Consequentemente, reconhece-se da relatividade da verdade e dos valores morais que mudam segundo o lugar e o tempo. Os Sofistas afirmavam que não existem normas e verdades universalmente válidas, tratando-se antes de um exercício de poder ou um artifício de linguagem. Destacam-se nessa interpretação, os sofistas Trasímaco (personagem na obra de Platão – A República) e Górgias de Leontine (famoso orador ateniense) respectivamente. O que sabemos sobre os sofistas decorre de fragmentos de suas obras, e na maioria das vezes, referências feitas por outros filósofos sobre esses e suas práticas. Não raro, na obra dos sofistas aparecem em sentido pejorativo, muitas vezes dando a entender serem meros personagens retóricos a serem diluídos de forma argumentativa. Destacam-se os diálogos socráticos presentes nos textos de Platão.
A04 As teorias essencialistas na emergência da Filosofia
Protágoras de Abdera. Nasceu na região de Abdera em 490 a.C. e morreu na Sicília em 415. Acusado, assim como Sócrates, de “negar os deuses da cidade” e ter suas obras queimadas em praça pública, Protágoras – que enquanto sofista havia passado longos anos em Atenas – foge para a Sicília temendo a morte, também, por sentença de envenenamento. O sofista de Abdera afirmava que não era possível atestar a existência ou não dos deuses, expressando assim o que contemporaneamente chamamos de “agnosticismo”. Referências a sua vida e obra aparecem nos diálogos platônicos (“Protágoras”) e nos escritos do biógrafo dos filósofos antigos, o cínico Diógenes Laércio. A base do pensamento protagoriano se expressa na máxima: “O Homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e daquelas que não são por aquilo que não são”. Essa medida significava o juízo para as circunstâncias e fatos. Algo, portanto, subjetivo e sujeito a alterações mediante a percepção e experiência pessoal das pessoas. Se aproximando mais das formulações heraclitianas – para o qual a “mudança” é o único critério de permanência – Protágoras se opunha à escola Eleata, capitaneada por Parmênides, afirmando que não se há um critério absoluto para distinguir o Ser do não-Ser. Uma de suas principais máximas consiste justamente em apontar a relatividade sobre a questão, ao afirmar que “(...) Tal como cada coisa se apresenta para mim, assim ela é para mim, tal como ela se apresenta para você, assim ela é para você.” Górgias de Leotine. Natural da região de leontinos (uma colônia grega na Sicília), nasceu em 485 a.C. e morreu na Lárissa (região da Tessália), em 380 a.C. Em conjunto com Protágoras, formou a primeira geração dos sofistas. Hábil orador e instrutor, afirma-se que nunca perdeu um sequer debate. Sua fama era tamanha que chegava a ser “contratado” para se passar por um cidadão em praça pública, de modo a se sobressair em uma discussão (ou exposição na Ágora) e gerar a fama necessária àquele eupátrida “contratante”. Górgias instaura aquilo que ficou conhecido como “ceticismo absoluto” ao aprofundar o subjetivismo protagoriano. Afirmava em suas famosas teses que se podemos afirmar a existência de algo (Deus, por exemplo) pela experiência subjetiva, essa era tamanha que haveria uma impossibilidade de transmissão objetiva. Logo, tudo o que sabemos sobre os deuses não passavam de experiências particulares e descritas através de nossa limitada percepção. No máximo, transmitimos às pessoas nossas 29
Filosofia
próprias interpretações, jamais uma explicação absoluta e um conteúdo inteiramente objetivo. Convencemos as pessoas de nossa fé, não pela consistência do que cremos, mas pelo uso impositivo da força ou do poder da retórica. Diferente dos sofistas, os filósofos da tradição essencialistas defendiam a existência de um saber universalmente válido, que decorre do conhecimento da essência humana, a partir da qual se pode conceber a fundamentação moral universal. Com destaque, Sócrates se constitui como o precursor das teorias essencialistas, justamente por defender uma concepção metafísica de natureza humana. Além de Sócrates, figuraram como os principais representantes da corrente essencialista, Platão e Aristóteles. Cada um a seu modo, buscavam a essência, aquilo que caracteriza cada ser, que faz com que cada coisa seja o que é. Para ambos, o conceito de humanidade é compreendido a partir de uma natureza imutável: existe uma essência humana, um modelo a ser atingido pela educação. Ao longo do tempo, predominou-se a corrente essencialista, como iremos aprofundar nas aulas seguintes. Sobretudo após o advento da civilização cristã e sua hegemonia cultural e intelectual durante a Idade Média, a perspectiva relativistas dos Sofistas é rechaçada. A concepção de uma verdade absoluta – agora atingida pela fé e secundada pela razão – torna-se o paradigma por excelência no campo da Filosofia e assim se dá até o fim da modernidade, quando filósofos como W. Hegel e F. Nietzsche buscam um resgate da perspectiva sofística, conferindo a eles um caráter histórico importante para compreendermos a Grécia clássica.
Questão 01: Primeiro, porque historicamente essas tradições emergem entre os séculos V e IV a.C. Posteriormente, porque também expressam o apogeu do pensamento e cultura helênica, identificando o próprio período em questão.
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Questão 02: Ao período clássico e à tradição Sofística, embora expresse-se também como perspectiva intelectual dos filósofos da tradição socrática.
A04 As teorias essencialistas na emergência da Filosofia
Questão 04: oratória é a arte de bem falar ao passo que a retórica é um instrumento (pertencente ou não ao campo da oratória) que visa convencer o interlocutor a partir de um conjunto de técnicas discursivas, e não necessariamente pela força do conteúdo em si. Questão 05: a tradição essencialista. Uma das causas foi a apropriação cristã das teses dos filósofos da tradição socrática. A concepção de busca por uma verdade absoluta – em contraposição ao relativismo sofístico – interessava mais aos cristãos, que tinham na base de sua fé exatamente a concepção de serem portadores de uma verdade oniabrangente.
Fonte: Wikimedia Commons
Questão 03: Para Protágoras, a verdade é relativa ao sujeito. É verdade o que para mim se apresenta como tal. Da mesma forma, para o outro que atribui o critério de verdade a sua experiência subjetiva.
Don Cobb é especialista em invadir a mente das pessoas e, com isso, rouba segredos do subconsciente, especialmente durante o sono, quando a mente está mais vulnerável. As habilidades únicas de Cobb fazem com que ele seja cobiçado pelo mundo da espionagem e acaba se tornando um fugitivo. Para se redimir do passado, Cobb terá que, ao invés de roubar os pensamentos, implantá-los. Seria um crime perfeito. Mas nenhum planejamento poderá preparar a equipe para enfrentar o perigoso inimigo que parece adivinhar seus movimentos. Ficha técnica: Data de lançamento: 6 de agosto de 2010 (Brasil) Direção: Christopher Nolan Música composta por: Hans Zimmer Ano: 2010 Duração: 148 minutos
Exercícios de Fixação
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01. Por que a filosofia clássica possui esse título? Em outras palavras, qual a razão de associarmos a filosofia produzida pelas tradições essencialistas e sofistas ao período clássico da história da Grécia.
03. Explique o subjetivismo protagoriano.
02. “O homem é a medida de todas as coisas”. Esse adágio se relaciona à qual fase e tradição da Filosofia Antiga?
05. Ao longo da história, qual das tradições se mantiveram? Explique as razões para isso.
04. Defina os termos oratória e retórica
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
aos pressupostos de que as leis e os costumes sociais eram de caráter divino e universal. Deu-se assim, entre eles, o: a) naturalismo. b) relativismo. c) ceticismo filosófico. d) cientificismo. e) racionalismo. 02. “Sofista” é o termo que significa sábio, especialista do saber. Sobre os sofistas é correto afirmar: a) Eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos. b) Eram sábios, detentores de alto saber filosófico. c) Interessavam-se pelo saber autêntico das coisas. d) Tinham como objetivo desenvolver o poder da argumentação, baseado na verdade real e na essência das ideias. e) Eram filósofos que estudaram na escola de Platão. 03. A filosofia de Sócrates se estrutura em torno da sua crítica aos sofistas, que, segundo ele, não amavam a sabedoria nem respeitavam a verdade. O ataque de Sócrates à sofística NÃO tem como pressuposto a ideia de que: a) o conhecimento verdadeiro só pode ser resultado de um diálogo contínuo do homem com os outros e consigo mesmo. b) o confronto de opiniões na política democrática afasta a possibilidade de se alcançar a sabedoria. c) a verdade das coisas é obtida na vida cotidiana dos homens e, portanto, pode ser múltipla e inacabada. d) o autoconhecimento é a condição primária de todos os outros conhecimentos verdadeiros. e) a ciência (episteme) é acessível a todos os homens, contanto que estejam dispostos a renunciar ao mundo das sensações. 04. (Unimontes MG) Via de regra, os sofistas eram homens que tinham feito longas viagens e, por isso mesmo, tinham conhecido diferentes sistemas de governo. Usos, costumes e leis das cidades-estados podiam variar enormemente. Sob esse pano de fundo, os sofistas iniciaram em Atenas uma discussão sobre o que seria natural e o que seria criado pela sociedade. (GAARDER, J. O Mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995).
Sobre os sofistas, é incorreto afirmar que a) eles tiveram papel fundamental nas transformações culturais de Atenas. b) eles se dedicaram à questão do homem e de seu lugar na sociedade. c) eles eram mercenários e só visavam ao lucro na arte de ensinar. d) eles foram os primeiros a compreender que o “homem é medida de todas as coisas”. 05. Na Grécia antiga, principalmente na cidade de Atenas no século V a.C., desenvolveu-se uma corrente de pensadores conhecidos como Sofistas. Tidos como “sábios”, eram pagos para ensinar os jovens principalmente a arte da argumentação. Abaixo, CONSIDERE as afirmações sobre a importância que esta (arte) tinha em seu pensamento. I.
Os sofistas não acreditavam na verdade absoluta, para eles o importante era conseguir convencer os outros de suas ideias. II. Os sofistas acreditavam que uma boa argumentação era a única maneira de se chegar ao conhecimento da verdade absoluta. III. Os sofistas acreditavam que por meio dos argumentos era possível se chegar à melhor solução em cada caso. a) Apenas a III é verdadeira. b) Apenas a I é verdadeira c) Apenas a I é falsa. d) Apenas a II é verdadeira. e) Apenas a II é falsa. 06. “O homem é a medida de todas as coisas.” Vimos em sala que um dos principais Sofistas que viveu em Atenas foi Protágoras de Abdera, a quem se atribui a afirmação acima. Sobre sua CORRETA interpretação, CONSIDERE:
A04 As teorias essencialistas na emergência da Filosofia
01. Os sofistas, mestres da retórica e da oratória, opunham-se
I. Protágoras é considerado o “pai dos sofistas”, uma vez que seus discípulos seguiam a sua frase citada acima. II. Protágoras quis dizer que a verdade só é verdade na medida em que alguém a considera como tal. III. Podemos dizer que Protágoras não acredita na verdade absoluta, pois para ele as coisas só são verdadeiras para um indivíduo, que a interpreta como tal, e não de maneira coletiva, por todos. a) Todas são verdadeiras. b) Apenas a I é falsa. c) Apenas a II é falsa. d) Apenas a III é falsa. e) Apenas a II é verdadeira
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FRENTE
A
FILOSOFIA
Questão 04. Porque nos mitos gregos, sobretudo nas épicas, como a Guerra de Troia, já se tem elementos caros à filosoficidade, tais como a crítica a autoridade (institucional ou religiosa), a busca por um sentido existencial, a motivação para a guerra, etc. Tais foram apropriados posteriormente como temas importantes na história da Filosofia, sobretudo a partir do período clássico, nos pensamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Questão 05: a) O logos, no pensamento de Heráclito, é o princípio, ou seja, é o mundo como devir eterno, é a guerra entre os contrários que possuem em si mesmos a existência própria e do oposto, é a unidade da multiplicidade na qual “tudo é um”, é o fogo, é o conhecimento verdadeiro. O logos é a exposição de um único mundo comum a todos. b) O logos possui no seu sentido comum um caráter contingente, quer dizer, qualquer homem é capaz de construir uma narrativa, um discurso sobre o mundo. E Heráclito diz que o mais o corriqueiro é exatamente a construção arbitrária e parcial disto que antes de tudo deveria ser comum. Ele, então, alerta sobre a necessidade de que o logos não seja exposto sem que antes haja o reconhecimento da inteligência que torna isto aparentemente diverso em algo unido sob um único governo, a saber, o logos
Exercícios de Aprofundamento
01. A partir da citação a seguir de J. P. Vernant acerca do sur04. gimento da Filosofia, explique a forma como foi possível associar o nascimento do pensamento filosófico e o desenvolvimento das cidades-estados democráticas a partir da o aluno deverá articular uma dissertação que procure associar de que forma o Grécia arcaica. surgimento das cidades-estado de natureza democrática (Atenas, por exemplo) contribuiu para o desenvolvimento da Filosofia. Espera-se que haja a conexão dos princípios de isonomia e isegoria (igualdade perante a lei e liberdade de expressão) enquanto propiciadores da prática dialógica – cara ao exercício filosófico.
“A razão grega é a que de maneira positiva, refletida, metódica, permite agir sobre os homens, não transformar a natureza. Dentro de seus limites como em suas inovações, é filha da cidade.” (J. P. Vernant)
02. As citações a seguir pertencem a Aristóteles e Kant, respectivamente. Tomando-as como premissas válidas, articule uma dissertação que possa agregar as concepções de um filósofo e outro acerca da própria condição de ser da Filosofia e o que impulsionou seu surgimento. LIVRE. “(...) Foi, com efeito, pela admiração que os homens, assim hoje como no começo, foram levados a filosofar. (…) Pelo que sei, se foi para fugir da ignorância que filosofaram, claro, está que procuraram a ciência pelo desejo de conhecer, e não em vista de qualquer utilidade.” (Aristóteles) “Não se ensina Filosofia, se ensina a filosofar.” (Immanuel Kant)
03. (Ufu MG) “Funcionário da soberania ou louvador da nobreza guerreira, o poeta é sempre um “Mestre da Verdade”. Sua “Verdade” é uma “Verdade” assertórica [afirmativa]: ninguém a contesta, ninguém a contradiz. “Verdade” fundamental, diferente de nossa concepção tradicional, Alétheia [Verdade] não é a concordância da proposição e de seu objeto, nem a concordância de um juízo com outros juízos; ela não se opõe à “mentira”; não há o “verdadeiro” frente ao “falso”. A única oposição significativa é a de Alétheia [Verdade] e de Léthe [Esquecimento]. Nesse nível de pensamento, se o poeta está verdadeiramente inspirado, se seu verbo se funda sobre um dom de vidência, sua palavra tende a se identificar com a “Verdade”. DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade na Grécia Arcaica. Trad. Andréa Daher. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 23.
O mito grego, se entendido como uma narrativa, era uma fala de origem divina enunciada, em geral, por um poeta com uma determinada função. A partir dessa perspectiva, analise o texto acima e responda em que se fundamenta, a partir dessa função do poeta grego, a diferença da concepção de verdade mítica da nossa concepção, dado que esta esteja de acordo com o modelo aristotélico de verdade.
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03. A Verdade para a concepção mítica tem o intuito de descrever uma realidade dada pelos deuses, sem possibilidade de interrogação e de questionamento; ou seja, o mito tem uma verdade pronta, acabada e inabalada, não pode ser falsificada. Por outro lado, a verdade da Filosofia é como a verdade da ciência, é construída por observação e análise racional, obedecendo princípios da lógica, com o prazer de fazer um conhecimento humano, sem intervenção divina.
(UnB DF) No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a descontinuidade entre ambos. A continuidade entre mito e filosofia, no entanto, não foi entendida univocamente. Alguns estudiosos, como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos. Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e filosofia, criticou seus predecessores, ao rejeitar a ideia de que a filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada. O que significa afirmar que na essência dos mitos gregos já se podia ali entrever elementos de filosoficidade. Dê exemplos a partir de narrativas conhecidas que atestem essa afirmação e corroborem para a tese de que a Filosofia é uma “continuidade reformuladas” das explicações mitológicas.
05. (Ufu MG) Existe uma só sabedoria: reconhecer a inteligência que governa todas as coisas por meio de todas as coisas. (Heráclito, Diels-Kranz, Frag. 41)
Por isso é necessário seguir o que é igual para todos, ou seja, o que é comum. De fato, o que é igual para todos coincide com o que é comum. Mas ainda que o logos seja igual para todos, a maior parte dos homens vive como se possuísse dele um conhecimento próprio. (Heráclito, Diels-Kranz, Frag. 2)
Com base nos textos acima e em seus conhecimentos sobre a filosofia heraclitiana, responda: a) O que é o logos ao qual o filósofo se refere? b) Explicite a relação existente entre o logos e a inteligência, tal como encontrados nos fragmentos supracitados. 06. “Não há verdade acima do que o homem está persuadido a crer” (Górgias de Leontine). De que forma Górgias aprofunda o subjetivismo de Protágoras? 07. Disserte sobre os principais pontos de divergência entre o essencialismo e a sofística
Questão 07: A sofística se assenta no relativismo. A verdade trata-se de uma mera conveniência de grupos de prestígio ou de recursos linguísticos. Se ela existe, sua afirmação ou transmissão é impossível, haja vista que o conhecimento também é sempre uma expressão subjetiva. Contrapondo, os essencialistas acreditam na existência de uma verdade universalmente válida e que pode ser dada pela razão. Questão 06: Ao postular o ceticismo absoluto. Para o retórico de Leontine, a verdade não somente é algo inatingível como é impossível afirmar sua existência por meio da razão. E mesmo que ainda o fosse, a experiência subjetiva é o único critério de validação e, justamente por sua característica, o conteúdo do que se “crê” não poderia ser transmitido a outrem em sua integralidade e objetividade. Resta-nos um relativismo e um subjetivismo elevado a um ceticismo absoluto e operante quanto a possibilidade de conhecimento e transmissão. De absoluto, apenas a impossibilidade de definirmos objetivamente uma verdade – supondo que ela, de fato, exista.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
08. (Uem) São designados sofistas os interlocutores de Sócrates e Platão, pertencentes ao século V a.C., que deram enfoque antropológico a questões morais, políticas e metafísicas que debatiam.
b) Está relacionada com as conquistas gregas do Oriente por
Sobre a filosofia dos sofistas, assinale o que for correto 01. A palavra sofista vem de sophos, “sábio”, pois designava os professores da sabedoria. Adquiriu, posteriormente, sentido pejorativo, em virtude da utilização de raciocínios capciosos, chamados“sofismas”. 02. O pensamento dos sofistas foi valorizado por Georg Wilhelm Hegel, no século XIX, que chamava o período em que viveram de“Aufklärung grega”, comparado ao Iluminismo do século XVIII. 04. Os sofistas não representam a nobreza aristocrática enraizada de Atenas, razão pela qual não praticavam a filosofia por amor à sabedoria, como Sócrates, Platão e Aristóteles, uma vez que, para garantir a subsistência, cobravam por suas aulas. 08. Platão, na obra Teeteto, opõe-se radicalmente a Protágoras, autor da afirmação “o homem é a medida de todas as coisas”. 16. Pelo teor fortemente relativista em suas teses sobre a origem das espécies, Aristóteles também pode ser considerado um sofista.
pela conquista da Grécia pelos romanos, em torno do século
A partir do texto e do que vimos em sala de aula escolha a alternativa correta. a) Os sofistas buscavam a construção de uma política de ordem retórica, baseando-se normalmente nos interesses de que defendia os vários pontos de vista possíveis. b) De acordo com os sofistas, todos nós poderíamos chegar a uma ética universal de caráter político. c) O que importava na realidade para os sofistas políticos era a construção de uma sociedade mais rica. d) Os sofistas eram amigos de Sócrates e, por isso, buscavam a
denominado Helenismo pelos conquistadores. c) Tornou-se uma disciplina de reflexão e crítica proporcionada II a.C., e a transferências de sábios para a cidade de Roma. d) Está vinculada à publicação do livro a República de Platão, em torno do século IV a.C., quando as diferentes formas de conhecimento foram impressas em pergaminhos. e) Surgiu com os primeiros relatos do historiador Heródoto, em torno do século V a.C., ao refletir sobre o significado da vitória contra os persas na Batalha de Maratona. 11. (Uel PR) “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E os homens, o que acontece com eles? Quem são eles?” (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad. de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.)
O texto acima é parte de uma narrativa mítica. Considerando que o mito pode ser uma forma de conhecimento, assinale a alternativa correta. a) A verdade do mito obedece a critérios empíricos e científicos de comprovação. b) O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades. c) As explicações míticas constroem-se, de maneira argumentativa e autocrítica. d) O mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas. e) A verdade do mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não-contradição. 12. (UEG GO) Tales foi o iniciador da reflexão sobre a physis, pois foi o primeiro filósofo a afirmar a existência de um princípio originário e único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio de tudo é a água. Tudo se origina a partir dela. Essa proposta é importantíssima […] podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar de começo da formação do universo. REALE, Giovanni. História da filosofia. São Paulo: Loyola, 1990.
gos perceberam que as explicações míticas não eram sufi-
A passagem do mito à filosofia iniciou-se com os pré-socráticos. O primeiro deles foi Tales de Mileto, que iniciou o estudo da cosmologia. A cosmologia é definida como: a) A investigação racional do agir humano b) A investigação acerca da origem e da ordem do mundo c) O estudo do belo na arte
cientes para explicar os fenômenos da natureza.
d) O estudo do estado civil e natural e seu ordenamento jurídico
verdade universal dentro de cada homem. 10. Sobre as origens da Filosofia, é correto afirmar: a) Surgiu na Grécia, em torno do século VI a.C., quando os gre-
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FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
09. Os sofistas foram mestres da oratória, que vendiam para os cidadãos suas habilidades com o discurso, fundamental para a política. Assim, defendiam a opinião de quem lhes pagasse bem. Acreditavam que a verdade não era absoluta, mas é fruto das construções humanas. Os principais foram Górgias, Protágoras e Hiptas. Para eles, como afirma a frase de Protágoras, ‘o homem é a medida de todas as coisas’. Por isso não existiriam coisas como o frio real. O frio é frio apenas para quem o sente, também não existiriam um sentimento natural de pudor, ou a verdade que Sócrates tanto procurava.
Alexandre Magno, em torno do século III a.C., e o fenômeno
FRENTE
A
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FILOSOFIA Por falar nisso Seguramente, a Filosofia antiga tributa a Platão e a Aristóteles as bases do pensamento ocidental. Mestre e discípulo, respectivamente, passando a opositores no campo das ideias, ambos os filósofos expressam aquilo que autores como Giovane Reale afirmam sobre a história do pensamento universal: uma mera nota de rodapé às teorias de Platão e Aristóteles. Nesta aula, embarcaremos nos meandros das teorias dos respectivos filósofos, passando por suas rupturas e continuidades em relação às iniciativas pré-socráticas. Assim, teoria do conhecimento e política figurarão como os temas por excelência a entrevermos na vasta e influente obra desses dois grandes filósofos da Grécia Clássica. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A05 A06 A07 A08
O método socrático e a Paideia irônica.........................................36 A teoria do mundo das ideias em Platão.......................................41 A crítica platônica ao exercício grego da Democracia...................47 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança pré-socrática.......55
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A05
ASSUNTOS ABORDADOS nn O método socrático e a Paideia
irônica
O MÉTODO SOCRÁTICO E A PAIDEIA IRÔNICA O filósofo ateniense Sócrates teria vivido – em tese – entre os anos 470 a.C. a 399 a.C. A suposição se deve ao questionamento acerca de sua concreta existência, tida por uma gama historiográfica acerca do Mundo Antigo como mero personagem circunscrito nas obras (diálogos) de Platão. Naqueles diálogos, Sócrates aparece como um personagem, interlocutor que entremeia o fio narrativo e argumentativo de Platão, tendo, sempre, na outra margem, um sofista enquanto debatedor. Apenas as obras Banquete e Apologia a Sócrates, o filósofo ateniense é posto como – além de personagem – uma figura descrita. Em outras palavras, esses textos platônicos serviram como biografia intelectual de Sócrates, ao passo que nos demais textos (como a República), ele aparece apenas como personagem para a estética filosófico-literária de Platão. Não obstante, para a história do pensamento ocidental, notadamente a Filosofia, a existência (ou não) concreta de Sócrates é irrelevante. Importa a natureza das ideias atribuídas a ele. Essas, seguramente, contribuíram – já à sua época – para uma reorientação paradigmática do modo de se fazer Filosofia. Razão que fez com que Sócrates pudesse ser tido como um divisor de águas na história da Filosofia antiga. A partir dele, em especial, a atividade filosófica desdobrou sua abordagem temática também. E tudo isso só foi possível mediante a um contexto geopolítico (e cultural) condicionante: o advento e consolidação da pólis. A partir, sobretudo, da formação de pólis de exercício democrático – como no caso de Atenas – surgiu a necessidade de uma nova forma de investigação filosófica, bem como de debater sobre outros temas que não a realidade natural. Em outros termos, Sócrates esteve inserido em um contexto histórico-social que não só propicia, mas faz necessário, o estudo e debate acerca do homem nos mais variados âmbitos. As questões relativas à natureza jamais desapareceram, entretanto. Porém, passaram a ordem secundária enquanto objeto de investigação, crítica e reflexão.
Figura 01 - A Morte de Sócrates, por Jacques-Louis David (1787)
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A bem da verdade, não se pode atribuir apenas a Sócrates essa revisão paradigmática, embora seu nome figure como divisor semântico dos períodos da Filosofia antiga. Certamente, como visto na aula anterior, os Sofistas como Protágoras de Abdera já haviam colocado o “homem” enquanto objeto de investigação filosófica e referência para o conhecimento, e suas (im)possibilidades. No entanto, seja pela relevância historicamente atribuída a Platão e a Aristóteles – aos quais os sofistas não figuravam como autênticos filósofos – a tradição socrática imperou, e não raro na historiografia das ideias antigas, Sócrates aparece como esse ponto fulcral, temático e metodológico da filosofia grega.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Um equívoco, porém, é associar a atitude de Sócrates à virtude da humildade. Em geral, essa é uma leitura cristã que se faz de seu pensamento e que vem a calhar com o propósito de se sintetizar a filosofia grega ao ideário medievo – como veremos em breve. Primeiro, porque ao que conste, o termo humildade (assim como “bem” e “mal”) não existiam na língua grega; ou não ao menos como os concebemos na perspectiva sociolinguística cristã. A famosa frase “Só sei que nada sei”, proferida após a visita ao Oráculo de Delfos, indica muito mais uma negativa quanto à tentativa de qualificá-lo como um sábio, do que como um filósofo, por parte dos devotos do templo. O filósofo, bem se sabe, é aquele que ama (na dimensão da amizade) o saber, não aquele que o detém em absoluto. O que por outro lado também não signifique que não haja a posse de um nível de conhecimento específico ou geral. Há em Sócrates a contínua manifestação da Hybris grega. Sócrates teria vivido por sua atitude filosófica. Era conhecido por sua (im)pertinência, caracterizada por interpelar continuamente as figuras de autoridade de sua época, além de promover debates acalorados, seja na Ágora ou praças comuns. Isso custou sua própria vida. O “julgamento de Sócrates” marcou uma das maiores reflexões sobre o sistema democrático e cultural da antiguidade helênica, notadamente em sua expressão ateniense. Como veremos em aulas posteriores, que tratarão sobre a temática da “Ética e Política”, a Atenas do período Clássico era regida por um sistema democrático. Desse sistema extrai-se um interessante princípio: isegoria- “igualdade frente ao direito de se exprimir por meio da fala em espaço público” (ou simplesmente transliterado em nossa linguagem contemporânea e recorrente por “liberdade de expressão”). No entanto, a experiência de Sócrates não se demonstrou exitosa. Das acusações sofridas que levaram a cabo sua vida, uma delas é de que justamente havia atentado contra a cidade ao alegar a inexistência do sistema democrático e corrompido moralmente. Inusitadamente, estava em seu “direito de expressão”. A narrativa sobre sua morte foi descrita, em especial, na obra Apologia a Sócrates, de Platão. Em suma, trata-se da versão de defesa feita pelo próprio Sócrates acerca das acusações que sofrera. Fundamentalmente Sócrates estava sendo acusado de “corromper a juventude” e de não reconhecer os deuses instituídos pela pólis, introduzindo novas concepções teístas. Sócrates, por diversas ocasiões, reporta ao viço da juventude e da importância de se filosofar entre os mais jovens. Para ele, as pessoas mais velhas estavam tão encasteladas em seus universos de verdades que eram incapazes de se lançar a autocrítica e revisão de valores (próprios e sociais). Com a mesma pujança, afirma que os deuses cultuados nas cidades são frutos muito mais das projeções feitas sobre eles pelos cidadãos, do que necessariamente eles seriam. Operando um intertexto, poderíamos afirmar – a partir de Sócrates – que os gregos faziam de seus deuses a sua própria imagem e semelhança, portanto, divindades sujeitas a vícios e a virtudes, a mazelas e a equívocos. Se por um lado a própria mitologia grega já humanizava os deuses em suas ações, a crítica de Sócrates – ainda que não original – representa uma contestação à contínua tentativa de imposição de credos pelas aristocracias de sua época. Sua morte (em especial, o ato de que antecede o seu envenenamento) foi, também, bastante simbólica. Segundo a narrativa de Platão, seus discípulos haviam criado um meio para que Sócrates escapasse com vida da prisão. Eis que o filósofo ateniense não somente repreende a atitude de seus pupilos, como afirma que a morte não o atemorizava. Ao contrário, era necessária “coragem” (uma das virtudes capitais para Sócrates) para enca-
SAIBA MAIS O Oráculo de Delfos, localizado na cidade de Delfos, região central da Grécia, foi um dos mais famosos oráculos do mundo grego antigo. Destino de grandes personagens da história, o Oráculo de Delfos recebera visitas não só de nomes célebres, como Alexandre, o Grande, mas também de cidadãos comuns buscando por conselho. O auge da importância do Oráculo no mundo antigo se deu entre os séculos VI e IV a.C. Nesse período, ele influenciou diretamente a política da Grécia Antiga por meio das consultas que grandes líderes realizavam a ele. Assim, as respostas dadas – que eram, muitas vezes, enigmáticas – aconselhavam na tomada de decisões. Foi graças ao Oráculo que diversas guerras aconteceram e deixaram de acontecer, construindo a História como é conhecida. Segundo a obra “A apologia de Sócrates”, de Platão, um amigo de Sócrates chamado Querofonte teria ido visitar o Oráculo. Ao chegar, indagou: “Quem era o homem mais sábio de Atenas?”. Ao que a sacerdotisa do templo declarou que o homem mais sábio de Atenas era justamente Sócrates. Querofonte voltou para Atenas e levou a novidade até Sócrates. Ao saber disso, Sócrates não aceitou a afirmação do Oráculo, pois não se acreditava sábio. Seguiu então dialogando, por toda a sua vida, com muitas personalidades de Atenas reconhecidas como sábios. Disto, Sócrates conclui que ele era o mais sábio, não por saber mais, mas por saber que nada sabia, ao contrário dos “sábios” da cidade. A frase que ilustra bem sua conclusão foi: “Ninguém de nós sabe nada de belo e de bom, mas aquele homem acredita saber alguma coisa sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, estou certo de não saber”.
A05 O método socrático e a Paideia irônica
Ao que conste seus supostos biógrafos, Sócrates teria se caracterizado por uma personalidade forte e inquiridora – razão pela qual angariou ao seu tempo simpatias e antipatias que vieram a custar sua própria vida. É comum associá-lo a um pensador crítico e de boa articulação linguística e retórica, embora não se colocasse a conta dos próprios sofistas. Ao contrário, ao que se atribui à natureza de seu pensamento, sua busca por uma verdade absoluta mediada pela razão sempre perfez seu intento filosófico.
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Filosofia
SAIBA MAIS A húbris ou hybris (em grego ὕϐρις, “hýbris”) é um conceito grego que pode ser traduzido como “tudo que passa da medida; descomedimento” e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina sendo punida. Na Antiga Grécia, aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controlo sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento inspirado pelas paixões exageradas, consideradas doenças pelo seu caráter irracional e desequilibrado. Opõe-se à sofrósina, à virtude da prudência, do bom senso e do comedimento.
A05 O método socrático e a Paideia irônica
01 Resposta esperada: Não há nenhum registro direto de Sócrates. Tudo o que sabemos ao seu respeito está presente na obra de seus supostos discípulos e detratores. Em Platão, aparece ainda como um personagem/interlocutor no curso de seus diálogos. 02 Resposta esperada: Não. Embora Sócrates represente – por força da tradição essa revisão – a questão antropológica (O homem é a medida de todas as coisas) trata-se de uma formulação primeira dos Sofistas – notadamente, Protágoras de Abdera. 03 Resposta esperada: Porque esse termo/valor (humildade) não existe na língua grega. A que pese a atitude não necessariamente soberba de Sócrates, sua atitude nunca foi a de negar que possuía um tipo de conhecimento. Em diversas outras passagens atribuídas a ele tal afirmação aparece. Sua expressão “Só sei que nada sei”, trata-se de um eufemismo. 04 Resposta esperada: Por não reconhecer os deuses da cidade, negando sua providência e até existência. E, também, por supostamente corromper a juventude. 05 Resposta esperada: “Elencos”. Ele se divide na ironia (1ª fase) e na maiêutica (2ª fase).
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rá-la. Entremeada às suas crenças, afirma que a morte não existiria verdadeiramente, pois o que morreria seria apenas o seu corpo. A psiqué (sua consciência) continuaria a existir, sobretudo na memória da posteridade. Uma espécie de mito aquiliano que se atualiza na atitude filosófica socrática. A fuga, como pretendida por seus discípulos, não só não levaria a uma crítica necessária ao sistema político e estrutura moral de Atenas (que a morte de Sócrates suscitaria reflexão), como também faria com que seus próprios feitos fossem relegados à vala do esquecimento. O episódio da morte de Sócrates alude todo o escopo de sua filosofia, marcada pela crítica às instituições, moralidades e crenças de sua época, ao mesmo tempo que evoca a coragem que o exercício filosófico exige. De todas as contribuições ofertadas por Sócrates, seguramente seu “método” representa a mais profícua. Chamado de “Elencos”, o método socrático era dividido em duas etapas: a Ironia e a Maiêutica. Em geral, o primeiro termo/etapa é popularmente confundido com sarcasmo na linguagem atual. O que é um equívoco e pode levar à má interpretação de seu pensamento. Ironia trata-se de um procedimento que busca levar o interlocutor – no contexto de um debate – a perceber , por si só, as contradições presentes em suas ideias defendidas. Não se trata de “destruir” a argumentação reduzindo todo debate à mera retórica discursiva, como supostamente faziam os sofistas. Ao contrário, Sócrates afirma que subjacente às Doxa (opiniões) havia uma verdade a ser descoberta (Aletheia). Assim, a ironia era um procedimento de “desconstrução”, não de negação absoluta de uma ideia expressa. A segunda etapa do método é conhecida como Maiêutica, e aparece uma única vez nos diálogos platônicos. Trata-se de um termo extraído de uma atividade que a própria mãe de Sócrates exercia: parteira. Para o filósofo ateniense, o exercício filosófico equivalia, metaforicamente, ao ato de parir: algo árduo, mas que ao final traz a vida. Ou em outros termos: “dar à luz” – numa expressão polissêmica a indicar, também, que a filosofia se ocupa pedagogicamente de iluminar a razão onde há trevas de ignorância. A Maiêutica, portanto, não pode ser confundida com o nome do método socrático, antes tão somente como a etapa final, que, após a ironia, permite com que sejam lançadas luzes, parindo ideias novas. Essas assim se caracterizam por se formarem como um conceito absoluto, não passível mais de contradições internas evidenciadas pelo exercício irônico. A verdade, desse modo, que se desvela.
#DicaCine Filosofi #DicaCine Filosofi #DicaCine #DicaCine #DicaCine Filosofi Filosofi Filosofi O filme Sócrate é uma película dirigida e produzida pelos irmão Roberto e Renzo Rossellini, em 1973. A trama tem como enredo as obras de Platão, notadamente Banquete, e, fundamentalmente, Apologia de Sócrates, já que narra o processo judicial e a condenação do filósofo ateniense. Mais do que uma obra supostamente biográfica, o filme tem o poder de retratar problemas pelos quais o exercício filosófico na Grécia antiga suportou: a hipocrisia da democracia ateniense, o receio de uma educação crítica e questionadora de autoridades constituída, e uma ressignificação de crenças. Ficha técnica: Direção: Roberto Rossellini Produção: Renzo Rossellini Roterização: Jean-Dominique de La Rochefoucauld Duração: 120 minutos País de origem: Itália, Espanha e França Idioma: Italiano Ano: 1973
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Exercícios de Fixação
Gabaritos na página anterior
01. Em que se baseia a afirmação de que Sócrates possa não ter existido concretamente.
razão de não fazer sentido histórico afirmar isso sobre sua moralidade?
02. É correto atribuir a Sócrates a revisão paradigmática da Filosofia antiga quanto ao objeto de investigação?
04. Por quais razões Sócrates foi condenado à morte, segundo o texto “Apologia a Sócrates”, de Platão?
03. Embora seja atribuída a Sócrates a alcunha de ser um cidadão humilde em virtude do “Só sei que nada sei”, qual a
05. Qual o nome do método socrático? Em quais fases ele se divide?
Exercícios Complementares
O termo ceticismo vem do grego sképsis, que significa “investigação”, “procura”: a sabedoria não consiste em alcançar a verdade, mas somente em procurá-la. O cético tanto observa e tanto considera que conclui, nos casos mais radicais, pela impossibilidade do conhecimento.” ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2003, p. 55.
Com base no texto e em seus conhecimentos assinale a alternativa incorreta. a) A citação acima retrata a visão socrática acerca do conhecimento quando fala da impossibilidade do conhecimento, pois para este filósofo grego o homem não tem conhecimento total acerca do mundo. b) A citação está, de certo modo, de acordo com a máxima socrática: “Só sei que nada sei”, visto negar a possibilidade de conhecimento. c) O texto acima explicita bem o pensamento do filósofo, pois o mesmo admite que não é sábio, mas busca o saber, mesmo tendo a consciência de que não o alcançará na sua totalidade. Contudo, não podemos considerar o filósofo necessariamente cético, pois admite a possibilidade de conhecimento, mesmo que não seja total. d) O texto acima é uma crítica à teoria socrática que tinha os dogmas religiosos como princípio básico para o conhecimento, pois os mesmos foram revelados por Deus, pensamento que tem origem no período medieval. e) Sócrates não é cético, apenas não admite possibilidade de conhecimento total e irrefutável acerca dos temas abordados. O cético não admite qualquer possibilidade de conhecimento. 02. Leia atentamente o texto sobre a virtude para Sócrates. O melhor modo do homem virtuoso viver segundo Sócrates é buscando o desenvolvimento da sua razão e do seu conhe-
cimento e não buscando riquezas materiais que geralmente desviam o homem do caminho da virtude. A virtude é o bem mais precioso que a pessoa pode ter. Os reais valores não estão ligados ao que é exterior ao homem como a fama o poder e a riqueza, nem aos atributos do corpo como a beleza e o vigor físico, mas nos atributos da alma que são caracterizados principalmente pelo conhecimento. Os outros valores quando estiverem ligados ao conhecimento também podem ser virtuosos. http://www.filosofia.com.br/historia_show.php?id=23. (adaptado). Acesso em 10/12/2016
A partir do texto e da teoria de Sócrates podemos inferir que: a) para Sócrates virtude, educação e conhecimento estão relacionados, pois um homem só erraria por desconhecer o que é certo. b) virtuoso é o homem que tem a capacidade de administrar bem suas riquezas e prospera diante da sociedade. c) virtude está relacionada ao status de sábio propiciado pelas vitórias nos debates na ágora, fato que fazia do sofista o mais virtuoso. d) não há como alcançar a virtude, pois, segundo Sócrates, todo homem visa apenas o status e a boa vida propiciada pelas riquezas geradas a partir de seu trabalho.
A05 O método socrático e a Paideia irônica
01. Leia atentamente o texto abaixo:
03. (Uncisal) Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates ficou famoso por interpelar os transeuntes e fazer perguntas aos que se achavam conhecedores de determinado assunto. Mas durante o diálogo, Sócrates colocava o interlocutor em situação delicada, levando-o a reconhecer sua própria ignorância. Em virtude de sua atuação, Sócrates acabou sendo condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude, desobedecer às leis da cidade e desrespeitar certos valores religiosos.
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Filosofia
Considerando essas informações sobre a vida de Sócrates, assim como a forma pela qual seu pensamento foi transmitido, pode-se afirmar que sua filosofia a) transmitia conhecimentos de natureza científica. b) baseava-se em uma contemplação passiva da realidade. c) transmitia conhecimentos exclusivamente sob a forma escrita entre a população ateniense. d) ficou consagrada sob a forma de diálogos, posteriormente redigidos pelo filósofo Platão. e) procurava transmitir às pessoas conhecimentos de natureza mitológica. 04. (Unicamp SP) A sabedoria de Sócrates, filósofo ateniense que viveu no século V a.C., encontra o seu ponto de partida na afirmação “sei que nada sei”, registrada na obra Apologia de Sócrates. A frase foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância. O “sei que nada sei” é um ponto de partida para a Filosofia, pois a) aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir conhecimentos. b) é um exercício de humildade diante da cultura dos sábios do passado, uma vez que a função da Filosofia era reproduzir os ensinamentos dos filósofos gregos. c) a dúvida é uma condição para o aprendizado e a Filosofia é o saber que estabelece verdades dogmáticas a partir de métodos rigorosos. d) é uma forma de declarar ignorância e permanecer distante dos problemas concretos, preocupando-se apenas com causas abstratas.
A05 O método socrático e a Paideia irônica
05. (UEA) O homem é a medida de todas as coisas, das que existem e de sua natureza; das que não existem e da explicação de sua não existência. (Protágoras apud Jean Voilquin (org.). Os pensadores gregos antes de Sócrates, 1964.) O fragmento de Protágoras, um dos primeiros sofistas da Grécia antiga, apresenta um princípio essencial da filosofia grega, o a) ceticismo b) hedonismo c) cientificismo d) antropocentrismo e) elitismo. 06. (UEA) O sofista é um diálogo de Platão do qual participam Sócrates, um estrangeiro e outros personagens. Logo no início do diálogo, Sócrates pergunta ao estrangeiro, a que método ele gostaria de recorrer para definir o que é um sofista. Sócrates: – Mas dize-nos [se] preferes desenvolver toda a tese que queres demonstrar, numa longa exposição ou empregar o método interrogativo?
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Estrangeiro: – Com um parceiro assim agradável e dócil, Sócrates, o método mais fácil é esse mesmo; com um interlocutor. Do contrário, valeria mais a pena argumentar apenas para si mesmo. (Platão. O sofista, 1970. Adaptado.)
É correto afirmar que o interlocutor de Sócrates escolheu, do ponto de vista metodológico, adotar a) a maiêutica, que pressupõe a contraposição dos argumentos. b) a dialética, que une numa síntese final as teses dos contendores. c) o empirismo, que acredita ser possível chegar ao saber por meio dos sentidos. d) o apriorismo, que funda a eficácia da razão humana na prova de existência de Deus. e) o dualismo, que resulta no ceticismo sobre a possibilidade do saber humano. 07. (Unicentro) Após as primeiras discussões dos filósofos “pré-socráticos” no século VI a.C. (período cosmológico), surge outro movimento muito importante na história da filosofia. Passa a ser abordado uma nova modalidade de problemas e discussões (período antropológico), e assim teremos não só as figuras principais do novo cenário da filosofia grega, mas de toda a história da razão ocidental: Sócrates, Platão e Aristóteles. Com Sócrates, a filosofia ganha uma nova “roupagem”. Sócrates viveu em Atenas no momento de apogeu da cultura grega, o chamado período clássico (séculos V e IV a.C.), fase de grande expressão na política, nas artes, na literatura e na filosofia. O que há de mais forte na filosofia de Sócrates é o seu método e a maneira pela qual ele buscava discutir os problemas relacionados à filosofia. A partir dessa informação, e de seus conhecimentos sobre a filosofia socrática, analise as assertivas e assinale a alternativa que aponta as corretas. I. Sócrates sempre buscava pessoas em praça pública para dialogar e questionar sobre a realidade de seu tempo. II. A célebre frase de Sócrates, que caracterizava parte de seu método é: “só sei que nada sei”, por isso questionava as ideias de seus interlocutores. III. Sócrates oferecia grande importância às experiências sensíveis, o que caracterizou fortemente o seu método filosófico. IV. Para fazer com que os seus interlocutores enxergassem a verdade por si próprios, Sócrates elaborou um método composto de duas partes centrais: a ironia e a maiêutica. a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas I, II e IV estão corretas. c) Apenas III e IV estão corretas. d) Apenas I, II e III estão corretas. e) Apenas I e IV estão corretas.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A06
A TEORIA DO MUNDO DAS IDEIAS EM PLATÃO Segundo Diógenes Laércio – o grande filósofo cínico e primeiro grande biógrafo dos primeiros filosófoso – Platão nascera sob o nome de Arístocles, tal qual o seu avô. Porém, dada a forma robusta de suas costas, fora nomeado de Platon (que significa “ombros largos”) por seu paidós, Aristão de Argos. Não obstante, pesa investigações recentes que tal afirmação – datada do período alexandrino (época em que viveu Diógenes) – pode não ser procedente, já que “Platão” era um nome comum em Atenas de sua época. Ainda assim, tudo o que sabemos sobre a vida de Platão deriva das narrativas operadas pelo biógrafo cínico.
ASSUNTOS ABORDADOS nn A teoria do mundo das ideias
em Platão
Platão teria nascido na cidade de Athenas, cerca de um ano após a morte do legislador Péricles, por volta do ano 427- 428 a.C. Sua juventude teria transcorrido num contexto de grandes agitações políticas derivadas da Guerra do Peloponeso – que havia posto a cidade de Athenas sob franca ameaça interna e desestabilizações de toda ordem. Tais instabilidades existiam por levar a cidade a ser tomada pelo que ficara conhecido como “Oligarquia dos Quatrocentos”, sendo submetida ao chamado “Governo dos trinta tiranos”. Não obstante, embora o cenário que caracterizara Atenas por ser o espaço de materialização “palavra em movimento” (Ágora) houvera se perdendo em virtude os funestos acontecimentos pós-Peloponeso, o descontentamento de Platão com a política, e em especial com a Democracia, já se evidenciara desde a morte de Sócrates. De entusiasta na juventude pelos debates e deliberações que ocorriam no íntimo da pólis, Platão se torna recluso após a condenação de seu mestre, desacreditando na virtude da democracia, e em sua institucionalização. Platão entrou para a história do pensamento como um dos filósofos mais influentes de todos os tempos. Um dos maiores historiadores da filosofia, Giovani Reale, afirma de modo hiperbólico ser toda a trajetória da filosofia ocidental uma mera nota de rodapé ao pensamento de Platão, seguido por Aristóteles. A despeito dessa formulação, é fato que o pensamento de Platão veio a influenciar praticamente todos os debates em torno da ética, estética, política e conhecimento dos seus sucessores, além dos períodos seguintes. Idade Média (e o medievalismo) e Idade Moderna (e a modernidade) são tributários de reflexões ou pontos de partida no escopo da filosofia platônica.
Fonte: Wikimedia Commons
Do ponto de vista metodológico, Platão se valia explicitamente de um recurso literário condizente ao que pretendia: o diálogo. Seus textos filosóficos são (re)conhecidos justamente por essa característica. Ao contrário de uma narrativa comum ou texto dissertativo – como bem faria Aristóteles – o filósofo Platão se valia da construção de diálogos, na espécie de roteiros de peças teatrais (para nos valermos de analogias). Sócrates aparecia sempre como seu “personagem” primal a sempre de forma “elenca” operar um debate com seus interlocutores, sofistas via de regra. Dessa forma se destacam os diálogos intitulados por Fédon, A República e Teeteto, por exemplo. Os temas dentro dos diálogos se entrecruzam. Assim, ética, política, estética e teoria do conhecimento aparecem nos diversos debates empreendidos, nos quais Platão se vale de recursos discursivos varia-
Figura 01 - A Academia de Platão em Atenas Mosaico em Pompeia, século I
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Filosofia
SAIBA MAIS Uma alegoria (do grego αλλος, allos, “outro”, e αγορευειν, agoreuein, “falar em público”, pelo latim allegoria) trata-se de uma figura de linguagem, mais especificamente de uso retórico, que produz a virtualização do significado, ou seja, sua expressão transmite um ou mais sentidos além do literal. Diferente de mito, que se trata de uma narrativa que pretende evidenciar uma verdade literal. Em outras palavras, o mito tem um pretensão explicita de verdade, ao passo que na alegoria, esta aparece em sentido simbólico e figurativo.
A06 A teoria do mundo das ideias em Platão
SAIBA MAIS A Alegoria de Er é relatada no livro X de A República. Na narrativa, Er o Armênio teria sido um guerreiro que após morrer em batalha, teve a permissão de retornar a vida, contando aos vivos a sua experiência no pós-morte. Segundo ele, as almas dos homens deveriam passar por um processo de retorno que implicava numa escolha de vida que ficava gravada como “impressão” na alma. No entanto, este retorno se dava atravessando as água do rio Lethe (lit.: “Esquecimento”), a fim de que essa escolha feita não ficasse objetiva em nossa consciência, antes, apenas subliminarmente. Em suma, Platão atesta com isso a impossibilidade de se buscar a verdade tomando como referência apenas o “mundo sensível”. Para se chegar até esta verdade (do grego “aletheia” [“descoberto”, “relembrado”]) era preciso fazer o caminho inverso, se valendo desta ascensão a partir da razão.
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dos. Destaca-se o uso de “Alegorias”, sendo as mais conhecidas a “Caverna” e a de “Er”. Ambas aparecem no livro VII e X, respectivamente, na célebre obra A República. A que pese o caráter político e ético para sua interpretação, a Alegoria da Caverna também é um tratado sobre teoria do conhecimento. Embora essas dimensões não estejam dissociadas, contudo. Diferente da maioria dos pré-socráticos, notadamente os atoministas como Demócrito e Leucipo, a investigação platônica não se restringia a investigação da simples Physis. Era preciso buscar a essência das coisas para a além do “mundo sensível”, isto é, captável pelos sentidos. Isso significaria se afastar do “senso comum”, sobretudo frente a questões ligadas ao conhecimento do mundo, da natureza. A razão era a mediadora desse processo de compreensão da “natureza para além da natureza”; de uma metafísica, portanto. Porém, esse distanciamento na maioria das vezes não é aceitável do ponto de vista do próprio processo de aquisição do conhecimento (uma vez que nega a condição empírica). Afora isso, ainda soma-se o fato de que o afastamento da opinião pública e do senso comum, não raro geram efeitos de aversão mútua. É precisamente sobre isso que a tragédia exposta na alegoria alude: assim como Sócrates teria sido morto pela intolerância e incoerência dos cidadãos, o personagem da caverna sofre da incompreensão de seus iguais. Estando esses acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas, paralisados em suas próprias possibilidades, tudo o que vem de distinto no campo das ideias e do comportamento, taxam de insano e daquilo que deve ser execrado do convívio. A rejeição intelectual é a marca daqueles que se mantêm acrisolados no interior da caverna. A Alegoria de Er lida intertextualmente com a Alegoria da Carverna, ao propor uma teoria do conhecimento aliada a uma teoria da reminiscência. Esse conceito, oriundo do latim reminiscentia, trata-se daquilo que se pode associar a evocações, memórias ou recordações. Uma reminiscência trata-se de uma representação mental de uma situação ou feito ocorrido no passado. Em algumas tradições religiosas, é posto como uma rememoração de vidas passadas: uma concepção reencarnatória. Em suma, o conhecimento oriundo do acesso ao “mundo das ideias” só é possível por meio de uma “ascensão dialética” operada pelo Logos (razão), que em última instância representa uma rememoração: o acesso a algo que se encontra nas camadas mais profundas da psiqué. O processo de conhecimento se desenvolve por meio de uma passagem progressiva do mundo sensível – da realidade material – para o mundo inteligível – onde tudo existe como essência, imutável, pura perfeição. A realidade sensível não nos oferece um conhecimento verdadeiro, mas somente o mundo das ideias (que existe independentemente do nosso intelecto) pode nos dar tal certeza. Reminiscência: para Platão, quando, por meio da dialética, tentamos acessar as verdades inteligíveis, estamos, na verdade, buscando um conhecimento que contemplamos numa vida anterior enquanto seres perfeitos, isto é, enquanto alma. A alma já teria contemplado as essências, antes de se prender a esse corpo, ao qual está provisoriamente vinculada. Segundo Platão, o homem está em contato permanente com dois tipos de realidade: a inteligível e a sensível. A primeira é a realidade imutável, igual a si mesma. A segunda são todas as coisas que nos afetam os sentidos. São realidades dependentes, mutáveis e são imagens da realidade inteligível. O acesso à realidade inteligível pode ocorrer por meio da reminiscência Outra obra de extrema relevância no pensamento de Platão chama-se Teeteto. Novamente, a questão do conhecimento (seus limites e possibilidades) é retomada. Os personagens são mais uma vez Sócrates, acrescido de Teodoro de Cirene e do matemático Teeteto, além de Terpsião e Euclides. A obra está dividida em três partes, na qual
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figura o diálogo travado entre Sócrates e o interlocutor que dá nome ao texto. Escrito aproximadamente em meados de 369 a.C., o texto trata de uma resposta objetiva a todo o subjetivismo sofista, isto é, ao relativismo. Para Platão, o conhecimento trata-se de uma crença verdadeira e justificada. Embora posto dessa forma, o diálogo é encerrado sem uma definição que expresse um conceito definitivo. Novamente, pela estrutura do pensamento socrático-platônico, o que se está em questão é por meio da ironia demonstrar o que o conhecimento não é. Assim, as quatro teses apresentadas por Teeteto são supostamente desconstruídas por Sócrates, ao afirmar que o conhecimento não é definido por exemplos; nem pela percepção, nem por uma mera opinião (doxa) aparentemente verdadeira; e numa uma explicação que acompanha uma opinião assumidamente verdadeira. Em outras palavras, ou se tem uma opinião ou se tem uma episteme. As duas juntas não podem figurar na mesma proposição. Dessa forma, Platão está a desconsiderar todo o subjetivismo gnosiológico próprio dos Sofistas, ao afirmar que a ascensão à episteme só se dá pela razão dialógica, e não pelos sentidos ou mera opiniões.
Glauco: Entendo Sócrates: Então, ao longo desse pequeno muro, imagine homens que carregam todo o tipo de objetos fabricados, ultrapassando a altura do muro; estátuas de homens, figuras de animais, de pedra, madeira ou qualquer outro material. Provavelmente, entre os carregadores que desfilam ao longo do muro, alguns falam, outros se calam. Glauco: Estranha descrição e estranhos prisioneiros! Sócrates: Eles são semelhantes a nós. Primeiro, você pensa que, na situação deles, eles tenham visto algo mais do que as sombras de si mesmos e dos vizinhos que o fogo projeta na parede da caverna à sua frente? Glauco: Como isso seria possível, se durante toda a vida eles estão condenados a ficar com a cabeça imóvel? Sócrates: Não acontece o mesmo com os objetos que desfilam? Glauco: É claro. Sócrates: Então, se eles pudessem conversar, não acha que, nomeando as sombras que veem, pensariam nomear seres reais? Glauco: Evidentemente. Sócrates: E se, além disso, houvesse um eco vindo da parede diante deles, quando um dos que passam ao longo do pequeno muro falasse, não acha que eles tomariam essa voz pela da sombra que desfila à sua frente?
Figura 02 - Alegoria da Caverna de Platão por Jan Saenredam, de acordo com Cornelis van Haarlem, 1604, Albertina, Viena.
Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo.
Sócrates: Assim sendo, os homens que estão nessas condições não poderiam considerar nada como verdadeiro, a não ser as sombras dos objetos fabricados. Glauco: Não poderia ser de outra forma. Sócrates: Veja agora o que aconteceria se eles fossem libertados de suas correntes e curados de sua desrazão. Tudo não aconteceria naturalmente como vou dizer? Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente. Na sua opinião, o que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? 43
A06 A teoria do mundo das ideias em Platão
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Glauco: Sim, por Zeus.
Filosofia
Glauco: Certamente, elas lhe pareceriam mais verdadeiras. Sócrates: E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram? Glauco: Sem dúvida alguma. Sócrates: E se o tirarem de lá à força, se o fizessem subir o íngreme caminho montanhoso, se não o largassem até arrastá-lo para a luz do sol, ele não sofreria e se irritaria ao ser assim empurrado para fora? E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros. Glauco: Ele não poderá vê-los, pelo menos nos primeiros momentos. Sócrates: É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos homens e dos outros objetos refletidas na água, depois os próprios objetos. Em segundo lugar, durante a noite, ele poderá contemplar as constelações e o próprio céu, e voltar o olhar para a luz dos astros e da lua mais facilmente que durante o dia para o sol e para a luz do sol. Glauco: Sem dúvida. Sócrates: Finalmente, ele poderá contemplar o sol, não o seu reflexo nas águas ou em outra superfície lisa, mas o próprio sol, no lugar do sol, o sol tal como é. Glauco: Certamente.
A06 A teoria do mundo das ideias em Platão
Sócrates: Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna. Glauco: É indubitável que ele chegará a essa conclusão. Sócrates: Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles? Glauco: Claro que sim. Sócrates: Quanto às honras e louvores que eles se atribuíam mutuamente outrora, quanto às recompensas concedidas àquele que fosse dotado de uma visão mais aguda para discernir a passagem das sombras na parede e de uma memória mais fiel para se lembrar com exatidão daquelas que precedem certas outras ou que lhes sucedem, as que vêm juntas, e que, por isso mesmo, era o mais hábil para conjeturar a que viria depois, acha que nosso homem teria inve44
ja dele, que as honras e a confiança assim adquiridas entre os companheiros lhe dariam inveja? Ele não pensaria antes, como o herói de Homero, que mais vale “viver como escravo de um lavrador” e suportar qualquer provação do que voltar à visão ilusória da caverna e viver como se vive lá? Glauco: Concordo com você. Ele aceitaria qualquer provação para não viver como se vive lá. Sócrates: Reflita ainda nisto: suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do sol? Glauco: Naturalmente. Sócrates: E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam? Glauco: Sem dúvida alguma, eles o matariam. Sócrates: E agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar exatamente essa alegoria ao que dissemos anteriormente. Devemos assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, a luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível, e não te enganarás sobre minha esperança, já que desejas conhecê-la. Deus sabe se há alguma possibilidade de que ela seja fundada sobre a verdade. Em todo o caso eis o que me aparece tal como me aparece; nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a idéia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência. Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública. Glauco: Tanto quanto sou capaz de compreender-te, concordo contigo. Referência: A Alegoria da caverna: A Republica, 514a-517c tradução de Lucy Magalhães. In: MARCONDES, Danilo. Textos Básicos de Filosofia: dos Pré- socráticos a Wittgenstein. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios de Fixação 01. É correto afirmar que Platão teve importância periférica na Filosofia? a) Sim, e isso se torna evidente com a Filosofia Moderna. b) Sim, e isso se torna evidente com a Filosofia Contemporânea. c) Não. Platão foi uma das bases da Filosofia. 02. Platão afastou-se dos sofistas. Discordava deles? a) Não, afinal Platão era um sofista. b) Sim, afastou-se, pois suas concepções não aceitavam o relativismo em questão. 03. A opinião (doxa), no pensamento de Platão representa um saber sem fundamentação metódica. É um saber que possui sua origem: a) nos mitos religiosos, lendas e poemas; b) nas imprevisões e nas sensações das coisas sensíveis; c) no discurso dos sofistas na época da democracia ateniense; d) em um saber eclético, provenientes do pensamento de alguns filósofos.
04. Sobre o pensamento de Platão, assinale a afirmativa correta: a) A epistemologia é a parte do conhecimento que estuda as sombras e as imagens do mundo sensível; b) A dupla divisão do conhecimento em doxa e episteme corresponde à divisão do mundo sensível e inteligível; c) Para Platão, o conhecimento verdadeiro é chamado de doxa e trata das questões do mundo sensível. 05. (UEG GO) A expressão “Tudo o que é bom, belo e justo anda junto” foi escrita por um dos grandes filósofos da humanidade. Ela resume muito de sua perspectiva filosófica, sendo uma das bases da escola de pensamento conhecida como a) cartesianismo, estabelecida por Descartes, no qual se acredita que a essência precede a existência. b) estoicismo, que tem no imperador romano Marco Aurélio um de seus grandes nomes, que pregava a serenidade diante das tragédias. c) existencialismo, que tem em Sartre um de seus grandes nomes, para o qual a existência precede a essência. d) platonismo, estabelecida por Platão, no qual se entendia o mundo físico como uma imitação imperfeita do mundo ideal.
Exercícios Complementares
02. (Enem MEC) Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427–346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? a) Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. b) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. c) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. d) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. e) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão.
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01. (Uncisal AL) Um dos textos mais consagrados da história da filosofia é a alegoria da caverna, escrito por Platão. Sobre esse texto, pode-se afirmar que a) se trata de uma obra religiosa que narra o encontro do filósofo com Deus. b) se trata de um texto que apresenta dimensões pedagógicas, filosóficas e políticas. c) seu percurso narra o aprisionamento do filósofo, que perde a liberdade de que desfrutava e passa a viver solitário em uma caverna. d) o texto exalta a importância dos sofistas para o conhecimento filosófico. e) o texto pressupõe a identificação do conhecimento filosófico com o senso comum.
03. Assinale a alternativa INCORRETA. De acordo com a teoria de Platão, as ideias apresentam algumas características básicas, a saber: a) A corporeidade – a Ideia pertence a uma dimensão totalmente diversa do mundo incorpóreo. b) A inteligibilidade – a Ideia é, por excelência, objeto da inteligência e só com ela pode ser captada. c) A imutabilidade – as Ideias são imunes a todo tipo de mudança e não só ao nascer e ao perecer.
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Filosofia
d) A unidade – cada Ideia é uma unidade e unifica a multiplicidade das coisas que dela participam. e) A perseidade – as Ideias são em si e por si, isto é, absolutamente objetivas. 04. No diálogo A República, Platão identifica e distingue quatro modos ou graus de conhecimento. Quais deles dizem respeito à matemática e às ideias (eidos), respectivamente? a) A intuição intelectual (nóesis) e o raciocínio dedutivo (diánoia). b) A imaginação (eikasía) e a intuição intelectual (nóesis). c) A crença (pístis) e o raciocínio dedutivo (diánoia). d) O raciocínio inddutivo (diánoia) e a intuição intelectual (nóesis). e) A opinião (dóxa) e a imaginação (eikasía). 05. Considerando a dialética platônica, assinale a opção correta. a) A dialética, na concepção de Platão, é a lógica da aparência, ou seja, a arte dos raciocínios ilusórios; nesse sentido, a dialética identifica-se com o sofisma. b) A dialética, na concepção de Platão, é meramente um instrumental de argumentação que se destaca pelo excessivo emprego de sutilezas, de distinções engenhosas e inúteis. c) A dialética, em Platão, é a arte de discutir por perguntas e respostas, de dividir as coisas em gêneros e espécies, é remontar de conceitos em conceitos, de proposições em proposições, até os conceitos mais universais e os primeiros princípios, que não são meras ficções do espírito, mas têm uma consistência no ser. d) A dialética platônica não está relacionada à ironia nem à maiêutica socrática. e) A dialética, segundo Platão, é a aplicação científica da conformidade às leis, inerentes à natureza do pensamento; é a verdadeira natureza própria das determinações do entendimento, das coisas e, de uma maneira geral, do finito. 06. Segundo Platão, A06 A teoria do mundo das ideias em Platão
a) a ideia, só acessível aos deuses, representa o bom, o belo, o justo e o verdadeiro em cada ente. Dela, os humanos têm apenas representações meramente sensíveis e mais ou menos distorcidas. b) a ideia do bem, da beleza, da justiça e da verdade não pode ser representada. c) o bom, o belo, o justo e o verdadeiro se contradizem sempre para o ser humano d) o bom, o belo, o justo e o verdadeiro em cada coisa não podem ser dissociados e representam sua ideia, que não é acessível à sensibilidade, apenas ao entendimento.
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07. Nosso mundo é uma cópia imperfeita e transitória de outro mundo, transcendente, onde estão as ideias — formas incorpóreas, invisíveis, eternas e imutáveis. Nossos sentidos só captam a cópia. Ao original, só a Razão tem acesso. Nosso mundo é o da doxa, da mera opinião; para ver o que há por trás dele, precisamos da ciência, a episteme. Só assim podemos alcançar o fundamento supremo das coisas: a ideia do bem e a ideia do belo. Eliel Cunha e Janice Florido (Org.). Grandes Filósofos. São Paulo: Nova Cultural, 2005, p. 20 (com adaptações).
Considerando as ideias apresentadas no texto acima bem como o pensamento platônico, assinale a opção correta. a) O intelecto pode apreender as ideias, porque a alma não é de origem material nem corpórea. b) A alma humana só contempla as ideias puras de todas as coisas depois de prender-se ao corpo. c) Não existem ainda o belo em si, o bom em si e o grande em si, no desenvolvimento da filosofia platônica, no momento em que esta começa a adquirir autonomia e se distinguir do socratismo. d) Para Platão, tanto a doxa, quanto a episteme são conhecimentos racionalmente fundamentados. 08. (Uenp) Platão foi um dos filósofos que mais influenciaram a cultura ocidental. Para ele, a filosofia tem um fim prático e é capaz de resolver os grandes problemas da vida. Considera a alma humana prisioneira do corpo, vivendo como se fosse um peregrino em busca do caminho de casa. Para tanto, deveria transpor os limites do corpo e contemplar o inteligível. Assinale a alternativa correta. a) A teoria das ideias não pode ser considerada uma chave de leitura aplicável a todo pensamento platônico. b) Como Sócrates, Platão desenvolveu uma ética racionalista que desconsiderava a vontade como elemento fundamental entre os motivadores da ação. Ele acreditava que o conhecimento do bem era suficiente para motivar a conduta de acordo com essa ideia (agir bem). c) Platão propõe um modelo de organização política da sociedade que pode ser considerado estamental e antidemocrático. Para ele, o governo não deveria se pautar pelo princípio da maioria. As almas têm natureza diversa, de acordo com sua composição, isso faz com que os homens devam ser distribuídos de acordo com essa natureza, divididos em grupos encarregados do governo, do controle e do abastecimento da polis. d) Platão chamava o conhecimento da verdade de doxa e o contrapõe a uma outra forma de conhecimento (inferior) denominada episteme. e) Para Platão, a essência das coisas é dada a partir da análise de suas causas material e final.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A07
A CRÍTICA PLATÔNICA AO EXERCÍCIO GREGO DA DEMOCRACIA Seguramente, um dos maiores legados que a civilização helênica deixou para o mundo ocidental – além da Filosofia – foi o conceito de democracia. A forma como a maioria das constituições no mundo político a adota, sobretudo, após as revoluções políticas da Era Moderna, atesta sua importância e consolidação na mentalidade política do ocidente. Como afirmara o filósofo Castoríades (2002, p.290):
ASSUNTOS ABORDADOS nn A crítica platônica ao exercício
grego da democracia
nn A crítica dos filósofos clássicos.
A Grécia é locus social-histórico onde foram criadas a democracia e a filosofia, e onde se encontram, por conseguinte, nossas próprias origens. Na medida em que as potencialidades dessa criação não estejam esgotadas - e estou profundamente convencido de que não estão -, a Grécia é para nós um gérmen.
É certo, contudo, que os modelos democráticos que experienciamos no presente pouco tem de similar ao que os gregos atenienses, sobretudo, manifestaram em termos de organização política. Na mesma medida, ainda que obedecendo a outros contextos, há vícios e virtude que permanecem onipresentes na estrutura democrática. Antes de apresentarmos a crítica que os filósofos da tradição socrática empreenderam, importa considerar o significado e historicidade deste conceito.
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Seu aparecimento no mundo antigo opera-se entre as transições do período arcaico e clássico, e está intimamente ligado ao aparecimento da chamadas pólis. O conceito de pólis sempre foi de fundamental importância para se compreender o mundo grego. Embora a história da civilização helênica aporte tempos remotos, é por volta do século VIII a. C. que teremos uma noção clara e relevante da cultura grega, conferindo de forma decisiva a sua identidade abrangente. A civilização grega que comumente estudamos tem início com o aparecimento das primeiras pólis após um período de invasões, guerras e migrações. Esse período antecessor caracteriza-se por revoltas em larga escala, dispersões de civilizações, quedas de reinos etc. Foi justamente nessa época que diferentes comunidades que outrora viviam em isolamento, seja pelas condições geológicas da Grécia, seja por razões de defesa, passam a se organizarem em torno de interesses comuns, estabelecendo assim relações sólidas em várias esferas, fundindo-se assim num ideal de comunidade mais abrangente: a Polis. Não se tratava, portanto, de uma mera unidade geográfica, já que o traço comum de identificação helênica se encontrava nos seus costumes, crenças e tradições. Como afirma Wernner Jagger (1995), portanto: “(...) Descrever a pólis é descrever toda a vida dos gregos”.
Figura 01 - Cícero denuncia Catilina, afresco que representa o senado romano reunido na Cúria Hostília. Palazzo Madama, Roma.
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Filosofia
De modo geral, vemos o conceito de pólis sendo restringindo a uma esfera meramente citadina, geograficamente delimitada e substantivada. É comum no discurso historiográfico corrente o uso do termo para designar unidade políticas concretas, como era o caso de Atenas ou Esparta, utilizando-se de uma tradução, a rigor, anacrônica de “Cidade-Estado”. Como afirma Kitto (1963, p.256), trata-se de “(...) uma má tradução porque a pólis normalmente não se assemelha muito a uma cidade e era muito mais do que um Estado”. Segundo o próprio filósofo Aristóteles (2000, 1275a), o termo já aparece em uma configuração polissêmica, onde se podem observar ao menos seis definições elencadas, porém não excludentes: a pólis como sujeito; enquanto suporte institucional para regimes políticos; como objeto (do legislador); enquanto espaço de habitantes organizados; como um todo composto por partes; ou meramente como uma multidão de cidadãos.
Johanna Arendt nasceu em Linden, Alemanha, no dia 14 de outubro de 1906. Conhecida mundialmente como Hannah Arendt, foi uma filósofa e cientista política de grande influência no século XX. De origem judaica, padeceu os horrores da Segunda Grande Guerra, da qual pode extrair – além do “testemunho do trauma” - uma brilhante reflexão acerca do Totalitarismo, formatado a partir da desintegração das categorias tradicionais de compreensão política, que se estabeleciam pelas perspectivas até então padrões entre esquerda e direita, marxismo e liberalismo. Legou ao ocidente uma série de obras que marcaram profundamente a teoria política contemporâneo, destacando-se sua obra basilar A Condição Humana, seguido de Entre o passado e o futuro, As Origens do Totalitarismo e o polêmico Eichmann em Jerusalém. Fonte: Hannah Arendt, New York City, 1944
A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
#Curiosidades
(...) Para o estudioso da natureza do governo [politeia], do que é cada uma de suas formas e de quantas elas são, a primeira pergunta a fazer se refere à pólis: que é uma pólis? Até hoje esta é uma questão controvertida; algumas pessoas dizem que a pólis pratica um ato, outras que não é a pólis, mas a oligarquia ou a tirania no poder; vemos que a atividade do estadista e do legislador tem por objeto a pólis, e uma constituição [politeia] é a forma de organização dos habitantes de uma pólis [ton ten polin oikounton]. Mas a pólis é um complexo, no mesmo sentido de quaisquer outras coisas que são um todo, mas se compõem de muitas partes; é claro, portanto, que devemos primeiro investigar a natureza do cidadão, pois uma pólis é uma multidão de cidadãos [he gar pólis politon ti plethos estin], e, portanto, se deve perguntar quem deveria ser chamado de cidadão, e o que é um cidadão [tis ho polites esti].
Vale o destaque dado a abordagem desse conceito, o profundo exame realizado pela filósofa Hannah Arendt em diversas de suas obras. De fato, como depreenderemos, o conceito de pólis para essa autora passa ao largo de definições meramente topográficas, antes se alojando em definições que apontam para aspectos significativos do imaginário, mentalidade, ou de modo mais sucinto, da identidade cultural helênica. Para Hannah Arendt, só podemos compreender a manifestação desse conceito quando trazemos em cena as categorias de “público” e “privado”. O âmbito do “privado” significa, em Arendt, estar privado de ser ouvido e visto, portanto revelado, a todos e por todos em uma comunidade política em que os indivíduos objetivam uma ação política num espaço comum: a pólis. A esfera privada limitava-se a um interesse pessoal circunscrito aos condicionamentos da sobrevivência biológica na família e na casa. Por sua vez, o termo “público” remete a dois fenômenos distintos, conquanto relacionados. Primeiro, o “público” centra-se na ideia de publicidade dos atos; isto é, tudo que vem a público está acessível e visível a todos. A garantia desse fenômeno reside em uma condição essencial: o compartilhamento das vivências, dos interesses, de uma expressa percepção de mundo e de nós mesmos. Em segundo lugar, o termo “público” refere-se à ideia de comum. A realidade do mundo tem um bem comum ou interesse comum, na medida em que é partilhado por indivíduos que se relacionam entre si. O espaço público é para Arendt o lugar por excelência da palavra e da ação. Repousa-se, essencialmente, sobre dois fundamentos: a igualdade pública e a pluralidade dos indivíduos. O espaço público é o espaço da aparência, de onde os homens podem se distinguir, em vez de permanecerem apenas diferentes. É o espaço consagrado ao estar-com-outros, à diversidade de opiniões, ao agir-em-comum. É, enfim, o lugar por excelência da política, cujo sentido último é a própria liberdade, entendida como a capacidade do homem relacionada à espontaneidade de fazer um novo começo. Dessa forma, como depreendido e seguindo a esteira do pensamento de Hannah Arendt, por mais que a noção de pólis pudesse abarcar grande parte das instâncias
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
autônomas política e administrativas gregas - e que alguns livros didáticos insistem em nomeá-las com o termo “cidade-estado” -, é fato que aquelas que mais puderam experienciar ess conceito foram justamente as que incorporaram em sua estrutura organização a própria Democracia. Em outras palavras, somente a Democracia vivenciada por instâncias como Atenas do século VI a IV a. C puderam expressar com exatidão o sentido político e filosófico do conceito de pólis. Passemos ao entendimento semântico do conceito de Democracia. Inicialmente, o termo não dizia respeito necessariamente a uma espécie de “regime político” tal qual concebemos hoje em dia. A palavra é composta de dois outros termos de significados isolados, mas que quando conjugados ofertam o sentido que se pretende: “o poder que emana do povo” ([ῆμος Demos = povo] + [κράτος Kratios = poder]). O termo Demos pode ser traduzido também por aquilo que sobretudo no mundo romano ficou conhecido como “cidadão”, dado ao fato que nem todos na Grécia Antiga, sobretudo em Atenas, figuravam os chamados Demos, em substituição aos intitulados eupátridas (“bem-nascidos”): a aristocracia governante na cidade, em geral, proprietários de terras e escravos, filhos de pai e mãe gregos, e, sobretudo, livres. Destes, os novos Demos herdaram as condições econômicas e os privilégios políticos, podendo exercer funções governamentais, sobretudo após a legislação de Sólon. Inicialmente, o termo Demos se referia aos dez distritos atenienses sob a legislação de Clístenes. Após o legislador Péricles ter ampliado o direto dos povos, Demos passou a se referir a este novo cidadão que passou a ocupar o papel do anterior eupátrida. A Democracia ateniense, compreendida a partir do contexto das reformas especialmente de Solón e Clístenes, trouxeram elementos importantes ao mundo contemporâneo. Praticamente todas as constituições (em países) de ordem democrática trazem seus princípios jurídicos básicos do mundo grego antigo. Destacam-se os princípios da isonomia, isegoria e isocracia. A isonomia (ἰση, iso = igual + τητα, nomos = leis) indicava algo próximo ao que tomamos como cláusula pétrea nas constituições contemporâneas: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei”. De modo especifico em nossa última Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, temos no Capítulo 1, art. 5, inciso primeiro – que legisla sobre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” - que “(...) Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. ” A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
Para a filósofa Hannah Arendt, na perspectiva grega, a Isonomia tratava-se da concepção política que concebe os homens, de seres naturalmente desiguais, em seres iguais por conta do artifício de que ação humana é capaz. A igualdade não se tratava de uma qualidade natural dos seres humanos; antes, tratava-se de uma das características da pólis: uma característica patente da esfera pública no qual o ordenamento circunscrevia um espaço em que tanto a ação quanto a palavra eram concebidas enquanto um modo de se estabelecer relações (CARVALHO, 2009). É precisamente neste ponto que a isonomia se conjugava com o também importante princípio da Isegoria. (ἰση, ise = igual + γορία, goria = expressão). Em igual medida a isonomia (e por decorrência dessa), como postula a Constituição Federal Brasileira, no Capítulo 1, art. 5, inciso IX, que afirma “(...) é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Em síntese, a isegoria consiste no princípio igualdade do direito de manifestação na eclésia, a assembleia dos cidadãos, onde se discutiam os assuntos da pólis. A todos os participantes era dado o mesmo tempo para falar sem ser interrompido. 49
Filosofia
#Curiosidades
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Alexis-Charles-Henri Clérel, visconde de Tocqueville, conhecido como Alexis de Tocqueville, nasceu em 29 de julho de 1805, faleceu em 16 de abril de 1859. Foi um pensador político, historiador e escritor francês. Tornou-se célebre por suas análises da Revolução Francesa, cuja pertinência foi destacada por François Furet, da democracia americana e da evolução das democracias ocidentais em geral. As suas obras incluem: Du système pénitentiaire aux États-Unis et de son application en France (1833), De la démocratie (1840) e L’ancien régime et la révolution (1856). Foi um defensor da liberdade e da democracia. A sua obra mais célebre, baseada nas suas viagens nos Estados Unidos, foi traduzida para o português com o nome de A democracia na América e é frequentemente usada em cursos de história americana do século XIX e de teoria política moderna.
Por fim, tem-se a isocracia (Ισο, iso = igual + κρασία, kratios = poder). Trata-se do ideal da igualdade de acesso aos cargos políticos. Atrelada ao direito de livre manifestação e igualdade jurídica, o exercício da isocracia assegurava a todos os cidadãos gregos o direito e dever de participarem da esfera pública. As decisões, frutos dos conselhos deliberativos formados e tomadas mutuamente respeitavam a vontade da maioria, pois todos tinham igual direito de voto.
A crítica dos filósofos clássicos. Certa vez, o político conservador e estadista britânico, Winston Churchil, afirmou:“(...) A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas.” Tempos antes, o pensador político, historiador e escritor francês Alexis de Tocqueville, em sua clássica obra A Democracia na América, afirmara que um dos efeitos colaterais do sistema democrático era justamente aquilo que denominava como “Tirania da maioria”. Não obstante, tanto o ex-primeiro ministro inglês, quando o intelectual francês, nutriam a expectativa positiva de que o sistema democrático, mais do que um mero legado da civilização helênica, representava o regime com melhores possibilidades para a realização da justiça e da paz social. Atitude não presente, a exemplo, nos filósofos da tradição socrática. Tanto Platão quanto Aristóteles, mestre e discípulo, possuíam severas ressalvas ao sistema democrático, sobretudo na experiência ateniense. Aristóteles, como veremos mais a frente, considerava a Democracia uma forma degenerada da chamada Politeia: uma espécie de “colateral” da expressão de governo que se transformava continuamente em suas diversas experiências em mera demagogia. No entanto, a maior crítica que o regime democrático grego receberá será de Platão. Para compreendermos a oposição platônica à Democracia, se faz necessário considerar a outra possibilidade interpretativa da Alegoria da Caverna e, em certa medida, da Alegoria de Er, também. Isto é, se faz necessário avaliar a dimensão política que ambas portam.
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Na “teoria das almas”, esboçada por Platão, sobretudo em “A República”, indica que cada indivíduo possui um tipo específico de “psiqué”, diferidas qualitativamente por: “almas de outro”; “almas de prata”; e “almas de bronze”. Cada uma dessas, vistas de forma hierarquizada e qualitativa, indicam a condição/posição que cada indivíduo deve ocupar na estrutura social. Como veremos a frente, nas seções dedicadas a “Ética e Política”, a ocupação de cada indivíduo dentro de atividades que lhes são próprias em termos de personalidade seria a condição necessária para a manifestação da plena justiça na pólis. De forma resumida, as “almas de ouro” ocupando cargos de governança; as “almas de prata”, as atividades de segurança e proteção; e as “almas de bronze”, ocupadas com a produção. Qualquer inversão nessa hierarquia levaria a desmandos, arbitrariedades, e, principalmente, a manifestação da injustiça. Obra de Théodore Chassériau (1819–1856)
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Ocorre, no entanto, que essa classificação qualitativa platônica também se refere a um aspecto quantitativo: há mais indivíduos de almas, supostamente, de bronze do que de ouro. Logo, a maioria das pessoas a compõe o contingente daqueles incapazes de fazer o uso do intelecto para a bem e justa governança: são almas instintivas, passionais etc. E é precisamente aí que reside a crítica platônica: no jogo democrático, o povo (maioria) possuiria um poder de legislação e governança perigoso. Aqueles poucos que se caracterizaram por pessoas lúcias e racionais (“almas de ouro”), correriam o risco de serem ignorados na sua necessária prudência e ponderação. Em outras palavras, a maioria, não apta a governar e movida por paixões e interesses imediatos, teriam o poder de gerir os destinos de uma pólis. Eis o risco!
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Do ponto de vista do conhecimento, Platão se vale tanto da Alegoria da Caverna, quanto de sua dimensão política, para contestar o tipo de saber oriundo das massas – para ele, sempre passível de equívocos e erros, justamente pelo fato de que a racionalidade não predomina em suas personalidades. Se articularmos que há uma relação intrínseca entre o bom exercício do poder à posse de uma competência intelectual para tanto, compreendemos o posicionamento de Platão. Ainda, como veremos mais a frente, apenas a Sofocracia (regime dos sábios) configura no filósofo como o único regime possível de realizar a justiça na pólis. Assim, a Democracia, por força de sua própria constituição, expressa uma forma problemática, limítrofe entre a injustiça e os desejos irracionais da massa. Seu funcionamento permite, entre outras aberrações, na apropriação (indevida) do poder por parte daqueles que não possuem aptidão intelectual alguma. Os modos de governança, que passariam desde questões de guerra até à educação, estariam adstritos a esse contingente desmesurado e não apto. Ao cabo do Livro VI da República, Platão expressa por meio de uma Eikasia (εἰκασία) o que seria um regime democrático: uma nau desgovernada, na qual seus tripulantes – marinheiros ignorantes – tomando o posto que deveria ser do piloto, conduz o navio para mares inavegáveis, posto que não detém nenhum tipo de perícia e agem movido por suas paixões imediatas por explorações. Referências Bibilográficas ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Editora Nova Cultura, coleção Os pensadores, 2000. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 1988.
SAIBA MAIS Eikasía - “eikasía” (εἰκασία) é uma palavra grega que indica aquelas coisas que são apreendidas em uma percepção de “segunda mão”, ou seja, são as imagens de uma coisa sensível, como os reflexos, sombras, imagens na memória, ou ainda representações artísticas, como pinturas e esculturas. Este primeiro nível costuma ser traduzido por imaginação ou até simulacro: uma imagem que expressa uma cópia de uma coisa sensível. Assim, a poesia, a pintura, a escultura, a retórica, pertencem a esse nível mais baixo do conhecimento, porque nos oferecem uma imagem da coisa sensível e não a percepção da própria coisa sensível. Eis a razão de Platão continuamente operar uma crítica aos artistas em geral, afirmando com veemência que alguns deveriam ser expulsos da Politeia, por fazerem de sua mera obra de arte, um artifício de expressão da verdade.
In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm CARVALHO, Diego Avelino de Moraes. O conceito de ação no pensamento filosófico e político de Hannah Arendt. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Filosofia, 2009. 186 f. CASTORÍADES, C. As encruzilhadas do labirinto II. Os domínios do homem. Tradução de José Oscar de Almeida Marques; revisão de Renato Janine. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra. A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
JAEGER, Werner. Padeia. A Formação do Homem Grego., s.l., Martins Fontes Editora, 1995. KITTO, H.D.F. The Greeks. Baltimore, Penguin, 1963. PLATÃO. A República. 2. ed. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Edufpa, 1988 TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América: Sentimentos e Opiniões de uma Profusão de Sentimentos e Opiniões que o Estado Social Democrático Fez Nascer entre os Americanos. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Livro 2 – Sentimentos e Opiniões). ______. A Democracia na América: Leis e Costumes de Certas Leis e Certos Costumes Políticos que Foram Naturalmente Sugeridos aos Americanos por seu Estado Social Democrático. Tradução Eduardo Brandão. Prefácio, Bibliografia e Cronologia François Furet. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Livro 1 – Leis e Costumes).
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Filosofia Questão 01. Resposta esperada: Antes de viver sob o regime democrático, os atenienses tinham suas instituições políticas controladas pelos eupátridas. Por meio de um longo processo histórico, os eupátridas, reconhecidos pela questão da posse da terra, decidiam as mais importantes questões políticas de Atenas.
Questão 02. Resposta esperada: Após a ocorrência da Primeira Diáspora, Atenas aproveitou de sua posição geográfica privilegiada para firmar relações comerciais com outras cidades-Estado do mundo grego. Com o passar do tempo, os comerciantes e artesãos de tornavam cada vez mais ricos e importantes na economia ateniense. Foi daí que o regime aristocrático dos eupátridas passou a ser questionado em favor de um governo que abrisse portas à participação de outros grupos sociais.
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Fonte: Wikimedia Commons
Sinopse: Para Hannah Arendt (Barbara Sukowa) os Estados Unidos dos anos 50 são um sonho realizado, depois de chegar lá com seu marido Heinrich (Axel Milberg) como refugiados de um campo de concentração nazista na França. Nos EUA, surge a oportunidade de ela cobrir o julgamento do nazista Adolf Eichmann para a The New Yorker. Ela escreve sua avaliação sobre o caso e outros fatos desconhecidos, e a revista separa tudo em 5 artigos. Porém, aí começa o drama de sua vida, pois nos artigos mostra que nem todos que participaram dos crimes de guerra eram verdadeiros monstros. Segundo ela, judeus também estavam envolvidos e ajudaram na matança dos seus iguais. A sociedade se volta contra ela e a New Yorker, e as críticas são tão fortes que até mesmo seus amigos mais próximos se assustam. Ficha técnica: Direção: Margarethe Von Trotta Produção: Heimatfilm Gmbh Roteiro: Margarethe Von Trotta Gênero: Cinebiografia/ Drama Idioma: Alemão e Inglês
Exercícios de Fixação 01. Como funcionavam as instituições políticas atenienses antes do estabelecimento do regime democrático? 02. Estabeleça algumas das transformações históricas que desestabilizaram o regime controlado pelos eupátridas em Atenas.
A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
03. Pontue e explique os três princípios que definem a organização da democracia ateniense. 04. A democracia ateniense garantia participação a todo e qualquer morador daquela cidade? Justifique a sua resposta. 05. A democracia ateniense assegurava aos cidadãos o exercício da função legislativa. Segundo os relatos de Platão, Sócrates vivenciou os dois lados do exercício da cidadania, ora como integrante da Ekklesia, ora como réu. Esse aspecto peculiar da vida política ateniense indica que: Resposta esperada: os cidadãos podiam e deviam participar da elaboração das leis que regiam os destinos da cidade.
06. Toda cidade [pólis], portanto, existe naturalmente, da mesma forma que as primeiras comunidades; aquela é o estágio
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Questão 03. Resposta esperada: A democracia ateniense é fundamentada pelos princípios de isonomia, isegoria e isocracia. A isonomia é o princípio em que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e deveres perante a lei. A isocracia defende que todos esses cidadãos têm a mesma oportunidade de ocupar os cargos políticos disponíveis no governo. Já o princípio de isegoria garante que todos os cidadãos tenham a oportunidade de serem ouvidos nas assembleias.
final destas, pois a natureza de uma coisa é seu estágio final. (...) Estas considerações deixam claro que a cidade é uma criação natural, e que o homem é por natureza um animal social, e um homem que por natureza, e não por mero acidente, não fizesse parte de cidade alguma, seria desprezível ou estaria acima da humanidade.” (ARISTÓTELES. Política. 3. ed. Trad. de Mário da Gama Kuri. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1997. p. 15.)
De acordo com o texto de Aristóteles, é correto afirmar que a pólis: a) É instituída por contrato social. b) Existe de maneira artificial, pois não passa de uma artifício de organização. c) Passa a existir por um ato de vontade dos reis, alheios à vontade do povo. d) É estabelecida por uma tendência natural à política própria da essência humana. e) É fundada na razão, que estabelece as leis que a ordenam, por isso baseia-se na pura lógica construtiva. Questão 04. Resposta esperada: Não. Somente os homens nascidos em Atenas, maiores de 18 anos, que poderiam ter o direito de participar das discussões e votações que tratavam das questões políticas da cidade. Desse modo, mulheres e estrangeiros, que compunham uma parcela significativa da população, acabavam ficando de fora dos debates que decidiam os destinos daquele lugar.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
(TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: UnB, 1987 (adaptado))
TEXTO II Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nada menos que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas; algumas destas, todavia, são limitadas quanto ao tempo de exercício, de tal modo que não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela mesma pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos intervalos de tempo prefixados. (ARISTÓTELES. Política. Brasília: UnB, 1985)
Comparando os textos l e II, tanto para Tucídides (no século V a.C.) quanto para Aristóteles (no século IV a.C.), a cidadania era definida pelo(a) a) prestígio social. b) acúmulo de riqueza. c) participação política. d) local de nascimento. e) grupo de parentesco. 02. (IFP) A democracia ateniense antiga (dos séculos V e IV a. C.) possui algumas características que a torna diferente das democracias modernas, ainda que estas se inspirem nela para se constituírem. São características da democracia ateniense, referentes ao período acima relacionado, as seguintes assertivas: I. Na democracia ateniense, nem todos são cidadãos. Mulheres, criança, escravos e estrangeiros são excluídos da cidadania. II. É uma democracia representativa, como as modernas. Um cidadão? Mais sábio? É escolhido para representar o povo, garantindo, portanto, o poder de um sobre os outros. III. É uma democracia direta ou participativa, e não uma democracia representativa, como as modernas. Na democracia ateniense, os cidadãos participam diretamente das discussões e da tomada de decisões, pelo voto. IV. A democracia ateniense não exclui da política a ideia de competência ou de tecnocracia: em política uns são mais sábios e competentes que outros (os cida-
dãos comuns), aqueles devendo exercer o poder sobres estes. Assinale a alternativa correta. a) As assertivas III e IV são corretas. b) As assertivas I e III são corretas. c) As assertivas I, II e IV são corretas. d) Apenas a assertiva I está correta. e) As assertivas II, III e IV estão corretas. 03. (Uepa) Leia o texto para responder à questão. Platão: A massa popular é assimilável por natureza a um animal escravo de suas paixões e de seus interesses passageiros, sensível à lisonja, inconstante em seus amores e seus ódios; confiar-lhe o poder é aceitar a tirania de um ser incapaz da menor reflexão e do menor rigor. Quanto às pretensas discussões na Assembleia, são apenas disputas contrapondo opiniões subjetivas, inconsistentes, cujas contradições e lacunas traduzem bastante bem o seu caráter insuficiente. (CHATELET, F. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 17)
Os argumentos de Platão, filósofo grego da antiguidade, evidenciam uma forte crítica à: a) oligarquia b) república c) democracia d) monarquia e) plutocracia 04. “... os traços pelos quais a democracia é considerada forma boa de governo são essencialmente os seguintes: é um governo não a favor dos poucos mas dos muitos; a lei é igual para todos, tanto para os ricos quanto para os pobres e portanto é um governo de leis, escritas ou não escritas, e não de homens; a liberdade é respeitada seja na vida privada seja na vida pública, onde vale não o fato de se pertencer a este ou àquele partido mas o mérito.”
A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
01. (Enem MEC) TEXTO l Olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação.
(BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Trad. de Marco Aurélio Nogueira. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 141.)
Com base no texto, considere as seguintes afirmativas sobre os direitos fundamentais da democracia grega. I. Todos os cidadãos submetem-se a uma elite, formada pelos ricos, que governa privilegiando seus interesses particulares. II. Todos os cidadãos possuem os mesmos direitos e devem ser tratados da mesma maneira, perante as leis e os costumes da pólis.
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III.
O cidadão não tem a liberdade de expor, na assembleia, seus interesses e suas opiniões, discutindo-os com os outros. IV. Todo cidadão deve ter suas opiniões respeitadas, a partir de uma amplo e, às vezes conflituoso, debate de ideias. Assinale a alternativa correta. a) Apenas as afirmativas I e II são corretas. b) Apenas as afirmativas I e IV são corretas. c) Apenas as afirmativas II e III são corretas. d) Apenas as afirmativas II e IV são corretas. e) Apenas as afirmativas III e IV são corretas. 05. “Foi na Grécia de Homero que surgiu uma maneira até então desconhecida de fazer política: o rei deixou de ser onipotente e seu poder foi paulatinamente partilhado e disputado entre os cidadãos. Era o início de um fenômeno que se consolidaria a partir do século VI a.C., na Atenas de Sólon e Clistenes, e que se tornaria um dos fundamentos da civilização ocidental: a democracia.”
A07 A crítica platônica ao exercício grego da democracia
(Entrevista com Jean Pierre Vernant. Folha de S. Paulo, 31 out. 1999. Caderno Mais!, p. 4.)
Com base no trecho da entrevista e nos conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa correta. a) A afirmação de que o “poder foi paulatinamente partilhado e disputado entre os cidadãos” considera que na democracia grega todos os habitantes podiam eleger e ser eleitos para cargos políticos. b) A democracia grega foi um fenômeno isolado e, por isso, não teve influência significativa nos rumos da política na civilização ocidental. c) Os gregos desconheciam, até o governo de Sólon e Clistenes, no século VI a.C., qualquer forma de fazer política. d) A “maneira até então desconhecida de fazer política”, a que o texto se refere, é a democracia grega, que permitiu aos cidadãos participarem das questões relativas à coletividade. e) Na democracia grega, que se consolidou a partir do século VI a.C., o rei detinha o poder absoluto, decidindo sobre todas as questões públicas. 06. A Alegoria da Caverna de Platão, além de ser um texto de teoria do conhecimento, é também um texto político. No sentido político, é correto afirmar que Platão sustentava um modelo a) tirânico, cujo governo deveria ser exercido por um filósofo e cujo poder deveria ser absoluto, centralizador e hereditário. b) democrático, baseado na riqueza e que representava os interesses dos comerciantes e nobres atenienses, por serem eles os mecenas das artes, das letras e da filosofia. c) aristocrático, cujo governo deveria ser confiado aos filósofos. d) parlamentar, baseado, principalmente, na experiência política de governo da época de Péricles.
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07. (UEM) “Sócrates: Imaginemos que existam pessoas morando em uma caverna. Pela entrada dessa caverna entra a luz vinda de uma fogueira situada sobre uma pequena elevação que existe na frente dela. Os seus habitantes estão lá dentro desde a infância, algemados por correntes nas pernas e no pescoço, de modo que não conseguem mover-se nem olhar para trás, e só podem ver o que ocorre à sua frente. (...) Naquela situação, você acha que os habitantes da caverna, a respeito de si mesmos e dos outros, consigam ver outra coisa além das sombras que o fogo projeta na parede ao fundo da caverna?”. (PLATÃO. A República [adaptação de Marcelo Perine]. São Paulo: Editora Scipione, 2002. p. 83).
Em relação ao célebre mito da caverna e às doutrinas que ele representa, assinale V para as questões corretas e F para as Falsas.F-V-V-V-V ( ) No mito da caverna, Platão pretende descrever os primórdios da existência humana, relatando como eram a vida e a organização social dos homens no princípio de seu processo evolutivo, quando habitavam em cavernas. ( ) O mito da caverna faz referência ao contraste ser e parecer, isto é, realidade e aparência, que marca o pensamento filosófico desde sua origem e que é assumido por Platão em sua famosa teoria das Ideias. ( ) O mito da caverna simboliza o processo de emancipação espiritual que o exercício da filosofia é capaz de promover, libertando o indivíduo das sombras da ignorância e dos preconceitos. ( ) É uma característica essencial da filosofia de Platão a distinção entre mundo inteligível e mundo sensível; o primeiro ocupado pelas Ideias perfeitas, o segundo pelos objetos físicos, que participam daquelas Ideias ou são suas cópias imperfeitas. ( ) No mito da caverna, o prisioneiro que se liberta e contempla a realidade fora da caverna, devendo voltar à caverna para libertar seus companheiros, representa o filósofo que, na concepção platônica, conhecedor do Bem e da Verdade, é o mais apto a governar a cidade. 08. Com relação à teoria política platônica é correto afirmar que: a) Trata-se de uma teoria política conciliadora, que busca a harmonia amalgamar os ignorantes e os sábios. b) Busca minimizar o conceito de justiça para que somente sirva aos interesses da aristocracia ateniense. c) É uma teoria democrática, que busca confirmar os ideais da democracia direta de Atenas. d) Platão elaborou uma teoria política que defendia o exercício do poder pelos sábios.. e) Busca impedir o ideal do Rei Filósofo.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A08
A OPOSIÇÃO ENTRE PLATÃO E ARISTÓTELES E A HERANÇA PRÉ-SOCRÁTICA O destaque dado na edição da famosa obra “Escola de Atenas” não poderia ser mais objetivo. E isso, não somente por Platão e Aristóteles figurarem como os filósofos mais conhecidos da Grécia antiga, mas também os mais influentes. Na imagem em questão, há Platão – bem mais velho – apontando o dedo indicador para cima, numa alusão ao “Mundo das Ideias”. Aristóteles, ao seu turno, apontando a mão espalmada para frente, chamando atenção para a “Realidade concreta e indivisível”. Ambos entrecruzam o olhar. Platão guarda o volume de um livro debaixo dos braços (o Timeu). Aristóteles empunha o seu (Ética a Nicômaco) sobre suas pernas. A icônica imagem traduz a contraposição intelectual entre mestre e discípulo.
ASSUNTOS ABORDADOS nn A oposição entre Platão e Aristó-
teles e a herança pré-socrática
O grande afresco composto por Rafael Sanzio representa uma das obras mais famosas do Renascimento. Embora haja a alusão a diversos filósofos gregos (e outras personagens como o profeta persa, Zoroastro) que precederam ou sucederam (como Alexandre, o Grande) a Platão e Aristóteles – situados ao centro da pintura - a obra retrata a Academia: escola fundada por Platão em aproximadamente 384 a.C, nos jardins localizados no subúrbio de Atenas. A obra, anteriormente chamada Causarum Cognitio, segundo Alaister Fowler, só passou a receber o nome pela qual a conhecemos no século XVII. A obra teria sido encomenda pelo mecena Papa Júlio II. Embora ao centro figure os principais filósofos que iremos nos debruçar nessa aula, importa considerar outras aparições que fazem jus à interpretação sobre a posição das mãos de Platão e Aristóteles. Sentado em um degrau em primeiro plano, temos o filósofo pré-socrático, Heráclito de Éfeso. Posicionado com o pé esquerdo sobre um bloco de mármore, fazendo anotações, temos o filósofo elata Parmênides.
Figura 01 - Edição sobre a obra: Scoala di Atene, Rafael (1483-1520)
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Como visto anteriormente, Heráclito e Parmênides compõem o grupo de filósofos do período arcaico, que antecederam Sócrates. As bases de teorias do conhecimento da Idade Moderna, como abordaremos à frente, seja na expressão do Racionalismo Cartesiano, seja do Empirismo Britânico, dependeram da ressignificação feita por Platão e Aristóteles do pensamento pré-socrático dos filósofos de Éfeso e Eleia. As correntes correntes da modernidade sofrem rupturas, distanciamentos e contraposições, e assim é também a relação gnosiológica (isto é, relativo ao conhecimento) entre os filósofos da tradição socrática, bem como entre os próprios Parmênides e Heráclito.
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Filosofia
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A oposição entre Heráclito e Parmênides se situou especificamente naquilo que ambos compreenderam sobre o que era o Devir, isto é, a forma como ocorrem o aparecimento, desaparecimento e transformação de todas as coisas. Cada um, a seu modo, concebia o logos (pensamento/linguagem verdadeira) de maneiras opostas. Segundo Marilena Chauí (2017, p.125): A história da filosofia grega é a história de um gigantesco esforço para encontrar uma solução para o problema posto por Heráclito e Parmênides. Se o primeiro tem razão, o pensamento deve ser um fluxo perpétuo e a verdade, a perpétua contradição dos seres em mudança contínua. Porém, se Parmênides tem razão, o mundo em que vivemos não pode ser conhecido, é uma aparência impensável e nos faz viver na ilusão. (…) Seria preciso, portanto, uma solução que provasse, ao mesmo tempo, que: 1) a mudança e os contrários existem e podem ser pensados; 2) a identidade ou a permanência dos seres também existe, é verdadeira e pode ser pensada.
Figura 02 - Heráclito
A08 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança
SAIBA MAIS Segundo Marilena Chauí (2017, p.126), dialética é uma palavra formada pelo prefixo Dia, que quer dizer “dois”, e por Lética, terminação derivada de Logos e do verbo Legein (…) Como a própria palavra indica, dialética e um diálogo e uma discussão. Nesse discurso compartilhado, os dois interlocutores devem discutir ou argumentar um contra o outro afim de superar a oposição entre suas opiniões e chegar à unidade de uma ideia que é a mesma para todos os que buscam a verdade de uma ideia que é a mesma para todos os que buscam a verdade. Deve-se passar de imagens contraditórias a conceitos idênticos para todos os pensantes. Em outras palavras, a dialética é um procedimento pelo qual passamos das opiniões contrárias à identidade da ideia, das oposições do devir à unidade da essência.
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A solução para essa questão exigiu que Platão e Aristóteles tomassem caminhos distintos. O filósofo Ateniense consegue operar uma forma de síntese entre os pensamentos de Heráclito e Parmênides. A dialética platônica busca então uma espécie de fusão entre as duas perspectivas. A sua teoria do mundo das ideias é um resultado desse procedimento metodológico (intelectual e linguístico). De Heráclito, Platão sustenta que tudo o que se opera no mundo físico, material, está em constante impermanência e transformação. Daí o fato de não podermos nos deter exclusivamente sobre ele se quisermos alcançar a verdade. Na mesma medida, resgata o eleata Parmênides a noção acerca da perenidade da identidade de cada ideia ou de cada essência. O mundo inteligível – igual a si mesmo e absoluto – seria uma expressão do ser parmenídico. Embora ambos os filósofos pré-socráticos apresentassem propostas contrárias um ao outro, concordavam quanto ao fato da experiência sensorial ser uma base insegura para refletir sobre a realidade e essência das coisas. Esse posicionamento é adotado por Platão, quando opera a sua crítica aos filósofos que esperam encontrar na Physis pura, em seu “permanente estado de impermanência” a essência de si mesma. Ainda de acordo com Marilena Chauí (Idem, p.125): (…) ambos defendem suas teses com base exclusivamente na atividade pura do pensamento, pois colocam em dúvida (ainda que de maneiras opostas) os dados sensoriais e afirmam que a verdade só pode ser encontrada pela pura atividade do entendimento, sem recorrer à experiência sensível.
Aristóteles caminha em outra direção a Platão e seus demais discípulos da Academia. De dileto aluno, passa a opositor intelectual de seu mestre. A ruptura se dá, no campo teórico, precisamente quanto ao que ambos compreendiam pela questão do método filosófico e as releituras possíveis da problemática pré-socrática envolvendo Heráclito e Parmênides. O filósofo proveniente da cidade de Estagira, na Macedônia, viveu entre 384 a 322 a.C. Filho de Nicômaco, um médico do rei Amintas, Aristóteles pode usufruir com privilégios as condições favoráveis aos estudos. Fato que em 367 a.C emigra da colônia jônica para a cidade de Atenas para estudar na já famosa Academia de Platão. Abarcou nos pórticos da escola ateniense aos 17 anos e lá permaneceu por 20 anos, até a morte de seu mestre (Platão) em 347 a.C. Cogitava-se à época a sucessão da Academia a Aristóteles, já que figurava entre os prediletos discípulos de Platão, e era um dos principais professores em atuação. No entanto, além de sua condição de matriz macedônica – à época já em franco sinais de desgaste político com a pólis ateniense
Ciências Humanas e suas Tecnologias
-, mas, sobretudo, por conta de suas discordâncias teóricas com Platão, não somente não alçou a condição de diretor da Academia, como se retirou dela. Há especulações que ele teria sido expulso da academia pelos demais discípulos de Platão, num misto de inveja e aversão aos macedônicos. Ocorre que de fato as discordâncias teóricas entre mestre e discípulo eram patentes. Isso é inegável quando se contrasta as obras dos referidos filósofos. Nesse sentido, diferente de Platão, não concebe a separação de dois mundos: o sensível e o inteligível. Assim, a dialética operada pelo filósofo ateniense não é admitida pelo pensador de Estagira. Segundo Aristóteles, o devir, a mudança, não é uma constituição objetiva de todos os seres: há aqueles cuja essência é imutável e há outros que não são. Na sequência desse raciocínio, divergindo da posição de Heráclito de Éfeso, afirma que nem todas as coisas se modificam tendendo à contradição, transformando em seus opostos. Tais transformações, quando ocorrem, apenas realizam as coisas que já existem em estado de potência, vindo a ser ato. Exemplificando, uma semente não vira outra coisa que não a si mesma em estado final, isto é, o fruto. A semente contém em si a potência de ser um fruto. Nesse sentido, ela não se transforma em nada do que já contém em essência em si mesma. O objetivo da Filosofia seria, portanto, o de conhecer “como” e “por que” as coisas se transformam.
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Segundo Aristóteles, todo ser é uma substância constituída de matéria e forma; a matéria é potência, o que tende a ser; a forma é o ato. O movimento é, portanto, a forma atualizando a matéria é a passagem da potência ao ato, do possível ao real. A investigação filosófica deveria, portanto, se concentrar na identificação das causalidades manifestas nos seres. Para tanto, estabelece o Princípio da causalidade: “tudo o que move é necessariamente movido por outro”. O devir consiste na tendência que todo ser tem de realizar a forma que lhe é própria. Há quatro sentidos para a causa: material, formal, eficiente e final. 1) Causa material = é aquilo de que a coisa é feita; 2) Causa eficiente = é aquela que dá impulso ao movimento; 3) Causa formal = é aquilo que a coisa tende a ser;
Da mesma forma que estabelece uma crítica à formulação do devir heraclitiano, negando a proposição dialética platônica, ele realiza com a concepção parmenídica. Aristóteles é pontual ao reconhecer que tanto Heráclito quanto Parmênides erram e acertam em suas elucubrações filosóficas. É correto quando afirmam que o pensamento e a linguagem exigem uma certa identidade, permanência e regularidade. Na mesma medida, de que todas as coisas estão em constante mudança, ainda que esta seja apenas na transferência da potência ao ato. Não obstante, ambos os pensadores pré-socráticos se equivocam quando estabelecem que apenas uma realidade pode existir em detrimento da outra. Em igual medida, rejeita a suposta resolução (dialética) platônica, que busca sintetizar ambas as teorias na separação entre dois tipos de realidade. Para Aristóteles, existe uma só realidade que se transmuta continuamente, da qual a razão (logos) é capaz de compreendê-la em seu devir.
A08 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança
4) Causa final = é aquilo para o qual a coisa é feito.
Figura 03 - Parmênides
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Filosofia
Aristóteles rompe em definitivo com Platão quando rejeita absolutamente o uso da dialética enquanto método. Aristóteles a substitui então pela Lógica. Termo empregado posteriormente pelos filósofos estoicos àquilo que o filósofo de Estagira denominava como “Analítica”. A Lógica seria um conjunto de procedimentos de demonstração e prova, sendo um instrumento para o exercício do pensamento e da linguagem. Difere-se, portanto, da dialética, para qual Aristóteles afirma ser útil para as disputas retóricas, mas não para a validação do conhecimento e do discurso. Em suma, reduz o método platônico a uma espécie de recurso de persuasão. Nada mais! Referências bibliográficas CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. Volume Único. 3 ed. São Paulo: Ática, 2017. KONDER, Leandro. O que é Dialética. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Primeiros Passos).
02 Resposta esperada: De Heráclito, Platão admite a mutabilidade de todas as coisas materiais, sensíveis. De Parmênides, a de que a essência das coisas materiais- que se encontra noutra realidade (a inteligível) – é imutável; igual a si mesma. A síntese platônica opera a separação, portanto, entre duas realidades: a sensível e a inteligível.
MORA, José Ferrater. Dicionário Filosófico. São Paulo: Loyola, 2001.
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03 Resposta esperada: Primeiramente, Aristóteles não afirma existir duas realidades. Há uma só, que é mutável em sua estrutura, mas imutável em sua essência. Em outras palavras, tudo na natureza está em constante mutação. Algumas delas, porém, não alteram sua essência, apenas atualiza o que já era em potência. Exemplo: um homem adulto que um dia foi criança. Estamos falando do mesmo ser que apenas se transformou naquilo que já tinha em potência (“a condição de ser adulto”) quando criança.
A08 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança
04 Resposta esperada: Aristóteles rejeita o uso da dialética em Platão. Afirma que a dialética só era útil em disputas retóricas, mas jamais como método de aferição do conhecimento. 05 Resposta esperada: A Lógica, chamada pelo filósofo inicialmente de “Analítica”. Segundo Aristóteles, um instrumento para o exercício do pensamento e da linguagem que se vale de um conjunto de procedimentos de demonstração e prova.
Título: Ponto de Mutação (Mindwalk)
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01 Resposta esperada: No centro da obra temos as figuras de Platão e Aristóteles. O primeiro mantém uma das mãos para cima, como a indicar a referência para o conhecimento: o “mundo das ideias”. O segundo, com as mãos espalmadas para frente, a indicar a necessidade de se ater a razão ao mundo concreto; a única realidade existente e indivisível.
MARCONDES, Danilo (Org.). Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos à Wittgeinstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
Sinopse: Adaptação cinematográfica da obra do físico Frijot Capra. Trata-se de uma reflexão sobre a sociedade contemporânea a partir de um olhar holístico da ciência. Na trama, transcorrida na cidade medieval de Saint Michel, na França, temos um diálogo travado entre um poeta, uma física e um ex-candidato a presidência norte-americana sobre ecologia, guerra, política e filosofias alternativas para o século XXI. Data de lançamento: 11 de outubro de 1991 (Seattle) Direção: Bernt Amadeus Capra Produção: A.J. Cohen Elenco: Liv Ullmann, Sam Waterston, John Heard, Ione Skye, MAIS Roteiro: Fritjof Capra, Floyd Byars
Exercícios de Fixação
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01. A obra Escola de Atenas retrata dois dos principais filósofos da Antiguidade Clássica. Nessa representação, há um elemento que indica a contraposição de ideias que havia entre esses dois pensadores: a posição das mãos. Disserte a respeito.
03. Como Aristóteles, ao rejeitar Platão, opera a resolução às contraposições entre Heráclito e Parmênides?
02. De que forma Platão opera, por meio da dialética, a síntese entre as contraposições pré-socráticas?
05. O que Aristóteles oferece como substituto ao método platônico?
04. Em virtude de que ocorre a separação intelectual entre Platão e Aristóteles?
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
a) a essência e a existência. b) a substância e o acidente. c) o ato e a potência. d) o universal e o particular. 02. (Uel) Leia o texto a seguir. Para esclarecer o que seja a imitação, na relação entre poesia e o Ser, no Livro X de A República, Platão parte da hipótese das ideias, as quais designam a unidade na pluralidade, operada pelo pensamento. Ele toma como exemplo o carpinteiro que, por sua arte, cria uma mesa, tendo presente a ideia de mesa, como modelo. Entretanto, o que ele produz é a mesa e não a sua ideia. O poeta pertence à mesma categoria: cria um mundo de mera aparência. Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria das ideias de Platão, é correto afirmar: a) Deus é o criador último da ideia, e o artífice, enquanto coparticipante da criação divina, alcança a verdadeira causa das coisas a partir do reflexo da ideia ou do simulacro que produz. b) A participação das coisas às ideias permite admitir as realidades sensíveis como as causas verdadeiras acessíveis à razão. c) Os poetas são imitadores de simulacros e por intermédio da imitação não alcançam o conhecimento das ideias como verdadeiras causas de todas as coisas. d) As coisas belas se explicam por seus elementos físicos, como a cor e a figura, e na materialidade deles encontram sua verdade: a beleza em si e por si. e) A alma humana possui a mesma natureza das coisas sensíveis, razão pela qual se torna capaz de conhecê-las como tais na percepção de sua aparência. 03. (Uncisal AL) No contexto da Filosofia Clássica, Platão e Aristóteles possuem lugar de destaque. Suas concepções, que se opõem, mas não se excluem, são amplamente estudadas e debatidas devido à influência que exerceram, e ainda exercem, sobre o pensamento ocidental. Todavia é necessário salientar que o produto dos seus pensamentos se insere em uma longa tradição filosófica que remonta a Parmênides e Heráclito e que influenciou, direta ou indiretamente, entre outros, os racionalistas, empiristas, Kant e Hegel. Observando o cerne da filosofia de Platão, assinale nas op-
ções abaixo aquela que se identifica corretamente com suas concepções. a) A dicotomia aristotélica (mundo sensível X mundo inteligível) se opõe radicalmente as concepções de caráter empírico defendidas por Platão. b) A filosofia platônica é marcada pelo materialismo e pragmatismo, afastando-se do misticismo e de conceitos transcendentais. c) Segundo Platão a verdade é obtida a partir da observação das coisas, por meio da valorização do conhecimento sensível. d) Para Platão, a realidade material e o conhecimento sensível são ilusórios. e) As concepções platônicas negam veementemente a validade do Inatismo. 04. (UEL) “Quando é, pois, que a alma atinge a verdade? Temos de um lado que, que deseja investigar com a ajuda do corpo qualquer questão que seja, o corpo, é claro, a engana radicalmente. - Dizes uma verdade. - Não é, por conseguinte, no ato de raciocinar, e não de outro modo, que alma apreende, em parte, a realidade de um ser? - Sim. [...] – E é este então o pensamento que nos guia durante todo o tempo em que tivemos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto dos nossos desejos! Ora, esse objeto é, como dizíamos a verdade.” (PLATÃO, Fédon. Trad. Jorge Paleikat a João Cruz Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 66-67)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de verdade em Platão, é correto afirmar: a) O conhecimento inteligível, compreendido como verdade, está contido nas ideias que a alma possui. b) A verdade reside na contemplação sãs sombras, refletidas pela luz exterior e projetadas no mundo sensível. c) A verdade consiste na fidelidade, e como Deus é o único verdadeiramente fiel, então a verdade reside em Deus. d) A principal tarefa da filosofia está em aproximar o máximo possível a alma do corpo para, dessa forma, obter verdade e) A verdade encontra-se na correspondência entre um enunciado e os fatos que ele aponta no mundo sensível.
A08 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança
01. A filosofia de Aristóteles (384-322 a.C.) representou uma nova interpretação do problema da mobilidade do ser, em contraposição à tradição filosófica. Para explicar a mobilidade do ser, Aristóteles utilizou dois conceitos ontológicos, que foram
05. (Ufu MG) Em primeiro lugar, é claro que, com a expressão “ser segundo a potência e o ato”, indicam-se dois modos de ser muito diferentes e, em certo sentido, opostos. Aristóte-
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Filosofia
les, de fato, chama o ser da potência até mesmo de não-ser, no sentido de que, com relação ao ser-em-ato, o ser-em-potência é não-ser-em-ato. REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. II. Trad. de Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1994, p. 349.
A partir da leitura do trecho acima e em conformidade com a Teoria do Ato e Potência de Aristóteles, assinale a alternativa correta. a) Para Aristóteles, ser-em-ato é o ser em sua capacidade de se transformar em algo diferente dele mesmo, como, por exemplo, o mármore (ser-em-ato) em relação à estátua (ser-em-potência). b) Segundo Aristóteles, a teoria do ato e potência explica o movimento percebido no mundo sensível. Tudo o que possui matéria possui potencialidade (capacidade de assumir ou receber uma forma diferente de si), que tende a se atualizar (assumindo ou recebendo aquela forma). c) Para Aristóteles, a bem da verdade, existe apenas o ser-em-ato. Isto ocorre porque o movimento verificado no mundo material é apenas ilusório, e o que existe é sempre imutável e imóvel. d) Segundo Aristóteles, o ato é próprio do mundo sensível (das coisas materiais) e a potência se encontra tão-somente no mundo inteligível, apreendido apenas com o intelecto. 06. A filosofia de Aristóteles representou uma nova interpretação sobre o problema do ser. Nesse sentido, Aristóteles define a ciência como
A08 A oposição entre Platão e Aristóteles e a herança
a) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento que se fundamenta apenas na compreensão do mundo inteligível porque as ideias, enquanto entidades metafísicas, não mudam. b) conhecimento verdadeiro, isto é, conhecimento pelas causas, capaz de compreender a natureza do devir e superar os enganos da opinião. c) conhecimento relativo porque o ser é mobilidade, eterno fluxo e a verdade não pode, portanto, ser absoluta. d) conhecimento relativo porque a ciência, enquanto produção do homem é determinada pelo desenvolvimento histórico. 07. (Uenp) As discussões iniciais sobre Lógica foram organizadas por Aristóteles no texto conhecido como “Organon”, onde o filósofo sistematiza e problematiza algumas das afirmações que tinham sido feitas pelos pré-socráticos (Parmênides, Heráclito) e por Platão. Sobre a lógica aristotélica é incorreto afirmar: a) Aristóteles considera que a dialética não é um procedimento seguro para o pensamento, tendo em vista posições contrárias de debatedores, e a escolha de uma opinião contra a outra não garante chegar à essência da coisa investigada, por isso sugere a substituição da dialética pela lógica. b) Entre as principais diferenças que existem entre a lógica aristotélica e a dialética platônica estão: a primeira é um instrumento para o conhecer que antecede o exercício do pensamento e da linguagem; a segunda é um modo de conhecer e pressupõe a aplicação imediata do pensamento e da linguagem. 60
c) A lógica aristotélica é um instrumento para trabalhar os contrários, e as contradições para superá-los e chegar ao conhecimento da essência das coisas e da realidade. d) A lógica aristotélica sistematiza alguns princípios e procedimentos que devem ser empregados nos raciocínios para a produção de conhecimentos universais e necessários. e) Contemporaneamente não se pode considerar a lógica aristotélica como plenamente formal, tendo em vista que Aristóteles não afasta por completo os conteúdos pensados, para ficar com formas vazias (como se faz na lógica puramente formal). Embora tenha avançado no sentido da lógica formal, se comparada com a dialética platônica, que dependia absolutamente do conteúdo dos juízos. 08. (UEL) Leia os textos a seguir. Aristóteles, no Livro IV da Metafísica, defende o sentido epistêmico do princípio de não contradição como o princípio primário, incondicionado e absolutamente verdadeiro da “ciência das causas primeiras”, ou melhor, o princípio que se apresenta como fundamento último (ou primeiro) de justificação para qualquer enunciado declarativo em sua pretensão de verdade. “É impossível que o mesmo atributo pertença e não pertença ao mesmo tempo ao mesmo sujeito, e na mesma relação. [...] Não é possível, com efeito, conceber alguma vez que a mesma coisa seja e não seja, como alguns acreditam que Heráclito disse [...]. É por esta razão que toda demonstração se remete a esse princípio como a uma última verdade, pois ela é, por natureza, um ponto de partida, a mesma para os demais axiomas.” (ARISTÓTELES. Metafísica. Livro IV, 3, 1005b apud FARIA, Maria do Carmo B. de. Aristóteles: a plenitude como horizonte do ser. São Paulo: Moderna, 1994. p. 93.)
Com base nos textos e nos conhecimentos sobre Aristóteles, é correto afirmar: a) Aqueles que sustentam, com Heráclito, conceber verdadeiramente que propriedades contrárias podem subsistir e não subsistir no mesmo sujeito opõem-se ao princípio de não contradição. b) Pelo princípio de não contradição, sustenta-se a tese heraclitiana de que, numa enunciação verdadeira, se possa simultaneamente afirmar e negar um mesmo predicado de um mesmo sujeito, em um mesmo sentido. c) Nas demonstrações sobre as realidades suprassensíveis, é possível conceber que propriedades contrárias subsistam simultaneamente no mesmo sujeito, sem que isso incorra em contradição lógica, ontológica e epistêmica. d) Para que se possa fundamentar o estatuto axiomático do princípio de não contradição, exige-se que sua evidência, enquanto princípio primário, seja submetida à demonstração. e) Com o princípio de não contradição, torna-se possível conceber que, se existem duas coisas não idênticas, qualquer predicado que se aplicar a uma delas também poderá ser aplicado necessariamente à outra.
FRENTE
A
01. Resposta esperada: A investigação socrática usa a pergunta: “o que é...?”, que tipifica a investigação das características gerais e das formas distintivas invariáveis de uma noção. A pesquisa de uma definição adequada exerce um papel regulador para as respostas aceitáveis e inaceitáveis. A refutação consiste em descartar, mediante contradições, definições insuficientes, e a aporia manifesta a impossibilidade de uma definição concludente.
FILOSOFIA 02. Resposta esperada: Quando o texto fala que os Diálogos de Platão designados de “socráticos” terminam sem que se chegue a uma conclusão, está falando do momento de Aporia, que significa sem saída, visto que ao término do diálogo não é possível se chegar a uma conclusão definitiva pelo fato do conhecimento totalmente verdadeiro não estar ao alcance dos homens.
Exercícios de Aprofundamento 01. (Ufu MG) Leia atentamente o excerto do diálogo platônico Eutífron. “Recorda, porém, que não te pedi para demonstrar-me uma ou duas dessas coisas, dessas que são piedosas, mas que me explicasse a natureza de todas as coisas piedosas. Porque disseste, salvo engano, que existe algo característico que faz com que todas as coisas ímpias sejam ímpias, e todas as coisas piedosas, piedosas...” PLATÃO. Eutífron. In: Platão. São Paulo: Abril Cultural, 1999. Col. Os Pensadores, p. 41.
A partir do texto acima, disserte sobre o procedimento filosófico empregado por Sócrates. 02. Leia atentamente o texto abaixo e, em seguida, faça o que se pede. A atividade filosófica de Sócrates tinha em sua origem – a crer no depoimento da Apologia platônica – uma dimensão religiosa. Se, em nome da indicação contida na afirmativa do oráculo, Sócrates desenvolveu uma insistente investigação sobre o significado das palavras, certamente não visava, como interpretará Aristóteles, à definição de conceitos. Tanto que os Diálogos de Platão, considerados transcrições aproximadas de conversações efetivamente entabuladas por Sócrates (os primeiros Diálogos, justamente designados “socráticos”), terminam sempre sem que se chegue a uma conclusão a respeito do tema debatido. É que, para Sócrates, a meta seria não o assunto em discussão, mas a própria alma do interlocutor, que, por meio do debate, seria levado a tomar consciência de sua real situação, depois que se reconhecesse povoada de conceitos mal formulados e obscuros. PESSANHA, J.A.M. Vida e Obra. In. Sócrates. Trad. de Enrico Corvisieri e Mirtes Coscodai. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 24.
Com base no texto acima e na filosofia de Sócrates, disserte o uso da metodologia da “aporia”, designando seu significado e aplicação. 03. (UFF) Em seu diálogo A República, Platão descreve na célebre Alegoria da Cavern a situação de homens aprisionados desde a infância no fundo de uma caverna e de tal forma que só podem olhar para uma parede em frente sobre a qual se projetam as sombras de bonecos colocados atrás destes homens. Um destes homens se liberta, sai da caverna e aos poucos se acostuma com a luminosidade externa, começa a distinguir as coisas e por fim descobre o Sol como a fonte da luz. Ele se dá conta, então, da ilusão representada pelas sombras que ele e os outros tomavam como realidade. Exultante com sua descoberta,
ele retorna à caverna para relatar sua experiência, que é assim narrada por Sócrates: “Suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu antigo lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do Sol? E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?”. Platão parece estar descrevendo a situação do “filósofo” quando este pretende esclarecer os demais seres humanos sobre o que ele pensa ser a verdade. A partir desta narrativa de Platão, discorra sobre qual o papel do “filósofo” no mundo contemporâneo. Gabarito no final do livro. 04. (Unesp SP) Do lado oposto da caverna, Platão situa uma fogueira – fonte da luz de onde se projetam as sombras – e alguns homens que carregam objetos por cima de um muro, como num teatro de fantoches, e são desses objetos as sombras que se projetam no fundo da caverna e as vozes desses homens que os prisioneiros atribuem às sombras. Temos um efeito como num cinema em que olhamos para a tela e não prestamos atenção ao projetor nem às caixas de som, mas percebemos o som como proveniente das figuras na tela. (Danilo Marcondes. Iniciação à história da filosofia, 2001.) Explique o significado filosófico da Alegoria da Caverna de Platão, comentando sua importância para a distinção entre aparência e essência. 05. A Alegoria da Caverna pode ser analisado sob dois pontos de vista: o epistemológico e o político. Estabeleça uma conexão interpretativa envolvendo ambas possibilidades, demonstrando a crítica que Platão faz ao regime democrático. 06. “Sócrates – nenhum governante, seja qual for a natureza da sua autoridade, na medida em que é governante, não objetiva e não ordena a sua própria vantagem, mas a do indivíduo que governa e para quem exercer a sua arte.” PLATÃO. A República. Tradução de Eurico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 2004. P. 25 (adaptado)
04. Resposta esperada: A Alegoria da Caverna quer dizer, utilizando uma imagem fictícia, como era a realidade da cidade de Atenas ou de todas as cidades. Tal realidade é que os homens vivem suas vidas encantados com imagens, ou seja, eles vivem suas vidas encantados com aquilo que mantém apenas a aparência da realidade. Não apenas o homem está nessa situação de enfeitiçado, porém ele também está preso impedido de chacoalhar para fora dessa situação. O filósofo é quem consegue se livrar do feitiço e depois quebrar os grilhões que o impedem de sair desse estado. É fundamental, segundo a alegoria, realizar esse movimento para fora da caverna para conceber que a aparência explicitada pelas imagens não revela muito sobre a verdade descoberta sob a luz existente fora da caverna. A aparência é apenas um simulacro produzido na caverna, a essência é uma descoberta feita livre do confinamento neste antro que os homens vivem, chamado “cidade”.
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Filosofia 05. Resposta esperada: O aluno deverá articular uma resposta que atrele a teoria do conhecimento advinda da leitura epistemológica da “Alegoria da Caverna” com a crítica que Platão faz do regime democrático de sua época. Espera-se que ele afirma que a massa (ou o povo) não é capaz de governar, haja visto não possuírem as condições intelectuais adequadas ao exercício da administração da cidade, na visão de Platão. Assim como aquele que ascende dialeticamente ao conhecimento, esse deve ser também aquele que governa a cidade, uma vez que é portador da virtude da racionalidade – sendo, portanto, capaz de promover a boa administração e justiça.
Considerando a citação apresentada, elabore um texto dissertativo acerca do tema: “Governar consiste em uma arte”. Em seu texto, aborde os seguintes aspectos: a) O papel do filósofo na República de Platão b) A crítica de Platão à democracia de seu tempo.
b) a matéria, enquanto princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, e aquilo de que algo é feito. c) a substância, enquanto aquilo que é em si mesmo e enquanto é suporte dos atributos. d) o Ato Puro ou Primeiro Motor Imóvel, causa incausada e causa primeira e necessária de todas as coisas.
07. (Ufu MG) Na célebre pintura A escola de Atenas, o artista renascentista italiano Rafael reuniu os principais nomes da filosofia grega, tendo ao centro do quadro as figuras de Platão e de Aristóteles. Na figura, Platão aponta com sua mão para o alto e Aristóteles aponta para baixo. Deste modo, com estes gestos, Rafael estava ilustrando a distinção entre a filosofia de Platão e a filosofia de Aristóteles.
10. (Ufu MG) Sobre a teoria das quatro causas de Aristóteles é correto afirmar: IÉ próprio da ciência investigá-las, pois são as causas do movimento e do repouso, ou seja, da passagem da potência ao ato. IIA causa eficiente atua sobre a forma, visto ser a matéria o ato a que aspiram os seres. III- A causa final é própria daquele ser que deve atualizar as potências contidas em sua matéria para alcançar a finalidade própria. IV- A forma é o princípio de indeterminação dos seres.
Indique e discorre sobre a principal diferença entre a filosofia de Platão e a de Aristóteles. 08. (Ufu MG) Leia os textos abaixo, extraídos da obra A República de Platão. — Acaso não seria uma defesa adequada dizermos que aquele que verdadeiramente gosta de saber tem uma disposição natural para lutar pelo Ser, e não se detém em cada um dos muitos aspectos particulares que existem na aparência, mas prossegue sem desfalecer nem desistir da sua paixão, antes de atingir a natureza de cada Ser em si, pela parte da alma à qual é dado atingi-lo – pois a sua origem é a mesma –; depois de se aproximar e de se unir ao Verdadeiro, poderá alcançar o saber e viver e alimentar-se de verdade, e assim cessar o seu sofrimento; antes disso, não? (República, 490b) — Da mesma maneira, quando alguém tenta, por meio da dialética, sem se servir dos sentidos e só pela razão, alcançar a essência de cada coisa, e não desiste antes de ter apreendido só pela inteligência a essência do bem, chega aos limites do inteligível, tal como aquele chega então aos do visível. (República, 532 a-b)
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
PLATÃO. A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
Com base nos textos e na doutrina de Platão, responda: a) Qual método pode levar o homem a atingir a essência de cada coisa – a natureza de cada Ser em si – para além da realidade visível, que se atinge pelos sentidos? b) O filósofo se refere a uma realidade à qual se chega apenas pela inteligência. Que realidade é essa? Cite ao menos três características compositivas desta realidade, de acordo com a filosofia de Platão. 09. (Ufu MG) Aristóteles rejeitou a dicotomia estabelecida por Platão entre mundo sensível e mundo inteligível. No entanto, acabou fundindo os dois conceitos em um só. Esse conceito é a) a forma, aquilo que faz com que algo seja o que é. É o princípio de inteligibilidade das coisas.
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06. Resposta esperada: O estudante deve redigir um texto dissertativo, descrevendo que a) para Platão, o racional e governante deve ser o filósofo, que após 50 anos de idade, passou por diversas experiências, estudos e preparos para a arte de governar com sabedoria e experiência. Assim, o governo era para poucos e não uma decisão “popular” como a proposta da democracia. b) Platão critica a democracia de seu tempo por ser baseada na participação direta dos cidadãos, que votavam sobre matérias das quais não tinham conhecimento. A falta de formação política dos cidadãos fazia com que fossem facilmente manipulados pelos oradores, sofistas e políticos oligarcas.
Assinale a única alternativa que apresenta as assertivas corretas. a) Apenas I e III. b) I, III e IV. c) Apenas II e III. d) Apenas I e II. 11. (Uel PR) Dado que dos hábitos racionais com os quais captamos a verdade, alguns são sempre verdadeiros, enquanto outros admitem o falso, como a opinião e o cálculo, enquanto o conhecimento científico e a intuição são sempre verdadeiros, e dado que nenhum outro gênero de conhecimento é mais exato que o conhecimento cientifico, exceto a intuição, e, por outro lado, os princípios são mais conhecidos que as demonstrações, e dado que todo conhecimento científico constitui-se de maneira argumentativa, não pode haver conhecimento científico dos princípios, e dado que não pode haver nada mais verdadeiro que o conhecimento científico, exceto a intuição, a intuição deve ter por objeto os princípios. Considere as afirmativas a seguir a partir do conteúdo do texto acima. ITodo conhecimento discursivo depende de um conhecimento imediato. IIA intuição é um hábito racional que é sempre verdadeiro. III- Os princípios da ciência devem ser demonstrados cientificamente. IV- O conhecimento científico e a opinião não admitem o falso. Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas, mencionadas anteriormente. a) I e II b) I e III c) II e IV d) I, II e IV e) II, III e IV 07. Resposta esperada: Platão e Aristóteles são considerados os dois principais filósofos gregos. Os dois apresentam inúmeras diferenças entre si, sendo as principais relacionadas à forma de conhecimento. Ainda que façam a separação entre o conhecimento sensível e o intelectual, Platão busca a verdade em um mundo ideal, enquanto que Aristóteles a busca no mundo material, não fazendo a distinção entre os dois mundos. É por isso que, na pintura de Rafael, Platão aponta o dedo para cima (para o mundo das ideias) e Aristóteles faz referência para baixo (para o mundo material).
Ciências Humanas e suas Tecnologias 08. Resposta esperada: a) Resposta esperada: O método em questão é a dialética. É por meio dela, afirma Platão, que o filósofo pode atingir a Ideia, ou a realidade inteligível. A dialética leva o filósofo para além dos aspectos particulares do mundo visível. Vale dizer que, com frequência, Platão se refere ao filósofo como “dialético”, isto é, como aquele que detém a arte (ou domina o método) que leva das aparências à essência. b) Resposta esperada: Trata-se da realidade inteligível (mundo das Ideias, das Formas), na qual se encontram as essências, o Ser de cada coisa existente. Uma realidade alcançável apenas pelos “olhos da alma”, pois é observado apenas pelo esforço da razão. Exatamente por ser inteligível, essa realidade tem como características: ser metafísica, isto é, imaterial, ou incorpórea; ser una, isto é, reduz a multiplicidade das coisas sensíveis a uma unidade; ser eterna, por não se submeter ao ciclo de geração e degeneração das coisas do mundo sensível.
(ARISTÓTELES. Política. Trad. de Mário da Gama Kury. 3.ed. Brasília: Editora UnB, 1997. p. 91.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre as formas de governo em Aristóteles, analise as afirmativas a seguir. I. A democracia é uma forma de governo reta, ou seja, um governo que prioriza o exercício do poder em benefício do interesse comum. II. A democracia faz parte das formas degeneradas de governo, entre as quais destacam-se a tirania e a oligarquia. III. A democracia é uma forma de governo que desconsidera o bem de todos; antes, porém, visa a favorecer indevidamente os interesses dos mais pobres, reduzindo-se, desse modo, a uma acepção demagógica. IV. A democracia é a forma de governo menos conveniente para as cidades gregas. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e III. b) I e IV. c) II e III. d) I, II e III. e) II, III e IV. 13. Leia atentamente o texto abaixo: Eis a missão de Sócrates, missão para a qual ele se sentiu chamado pelo oráculo de Delfos: incitar os homens a se preocuparem antes de tudo com os interesses da própria alma, procurando adquirir o saber e a virtude. Estimulado pelo impulso divino, Sócrates propôs-se a livrar seus concidadãos da influência nefasta dos sofistas, que punham em dúvida o conhecimento de uma verdade suprema e de uma lei moral absoluta, e estimulá-los à procura da verdade da virtude, dando testemunho, com sua vida e sua morte, desses valores eternos. MONDIN, B. Curso de Filosofia: os filósofos do ocidente. São Paulo: Paulus, 1981, p. 47.
De acordo com o texto acima, escolha a alternativa que de acordo com a crítica feita por Sócrates aos sofistas. a) Os sofistas afirmavam poder ensinar qualquer um as questões morais e relativas à política. Seus ensinamentos, inclusive da arte da retórica, eram bastante procurados. Sócrates
os criticava por tratarem apenas de valores relativos às questões políticas e deixando de lado a educação. b) Sócrates criticava os sofistas porque estes afirmavam que para se chegar à verdade e virtude é necessário se desapegar das riquezas, honra e prazeres, para que se possa analisar sinceramente a própria alma. Para Sócrates, deve-se ter o apego comedido, mas não o abandono, pois se trata de questões relativas à política e o bem da polis. c) Segundo os sofistas aprender é coisa facílima e, por isso, garantem, mediante pagamento, o ensinamento da retórica e da arte de governar. Segundo Sócrates aprender não é coisa fácil, visto que vários diálogos terminam em aporia e somente lenta e progressivamente pode-se chegar mais perto da verdade. d) Segundo os sofistas o conhecimento é absoluto e inalcançável e Sócrates afirma que ele é relativo, pois ninguém o alcançará na totalidade.
14. (Unioeste PR) O Oráculo de Delfos teria declarado que Sócrates (470-399 a.C.) era o mais sábio dos homens. Essa profecia marcou decisivamente a concepção socrática de Filosofia, pois sua verdade não era óbvia: “Logo ele, sem qualquer especialização, ele que estava ciente de sua ignorância? Logo ele, numa cidade [Atenas] repleta de artistas, oradores, políticos, artesãos? Sócrates parece ter meditado bastante tempo, buscando o significado das palavras da pitonisa. Afinal concluiu que sua sabedoria só poderia ser aquela de saber que nada sabia, essa consciência da ignorância sobre as coisas que era sinal e começo da autoconsciência.” (J. A. M. Pessanha)
Sobre a filosofia de Sócrates, é INCORRETO afirmar que a) a filosofia de Sócrates consiste em buscar a verdade, aceitando as opiniões contraditórias dos homens; quanto mais importante era a posição social de um homem, mais verdadeira era sua opinião. b) a sabedoria de Sócrates está em saber que nada sabe, enquanto os homens em geral estão impregnados de preconceitos e noções incorretas, e não se dão conta disso. c) o reconhecimento da própria ignorância é o primeiro passo para a sabedoria, pois, assim, podemos nos livrar dos preconceitos e abrir caminho para a verdade. d) após muito questionar os valores e as certezas vigentes, Sócrates foi acusado de não respeitar os deuses oficiais (impiedade) e corromper a juventude; foi julgado e condenado à morte por ingestão de cicuta. e) o caminho socrático para a sabedoria deve ser trilhado pelo próprio indivíduo, que deve por ele mesmo reconhecer seus preconceitos e opiniões, rejeitá-los e, através da razão, atingir a verdade imutável.
03. Resposta esperada: Na alegoria da caverna, as idéias principais estão nas oposições: “mundo sensível” – “mundo inteligível”, “opinião” – “ciência”, “aparência” – “realidade” e outras análogas. O “filósofo” é representado por alguém que se liberta das “aparências” e tenta explicar a “realidade” para os outros, mas é hostilizado e ameaçado. O candidato poderá então discorrer sobre a condição ontemporânea do “filósofo” ou do “sábio” e de seus conflitos com os outros seres humanos.
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FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
12. Uma vez que constituição significa o mesmo que governo, e o governo é o poder supremo em uma cidade, e o mando pode estar nas mãos de uma única pessoa, ou de poucas pessoas, ou da maioria, nos casos em que esta única pessoa, ou as poucas pessoas, ou a maioria, governam tendo em vista o bem comum, estas constituições devem ser forçosamente as corretas; ao contrário, constituem desvios os casos em que o governo é exercido com vistas ao próprio interesse da única pessoa, ou das poucas pessoas, ou da maioria, pois ou se deve dizer que os cidadãos não participam do governo da cidade, ou é necessário que eles realmente participem.”
FRENTE
A
Autor: Étienne Colaud (1512-1541). Descrição da obra: um encontro de doutores da Universidade de Paris.
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FILOSOFIA Por falar nisso Na idade média, a visão teocêntrica do mundo fez os valores religiosos incorporarem concepções éticas, de modo que os critérios de bem e mal estavam vinculados à lógica da fé cristã. Esta, por sua vez, pautava-se numa concepção de vida após a morte que condicionava o comportamento moral do sujeito temente a Deus. O pensamento clássico encontrara um desenvolvimento e amadurecimento tão grandes, que seria impossível ignorá-lo; no entanto, fazia-se necessária uma nova sistematização, elaborada a partir dos problemas já pensados pela filosofia pagã, conjugados com os agora propostos pelo Cristianismo. Assim, a nascente filosofia cristã ocupou-se da assimilação das novas experiências no contexto da filosofia clássica. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A09 A10 A11 A12
As doutrinas éticas da Grécia Helenística..................................................................66 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia ..............75 A patrística agostiniana e a releitura do pensamento platônico �����������������������������85 A escolástica em Thomas de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
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FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A09
ASSUNTOS ABORDADOS nn As doutrinas éticas da Grécia
Helenística nn Cinismo
nn Hedonismo (Epicurismo) nn Estoicismo nn Ceticismo
AS DOUTRINAS ÉTICAS DA GRÉCIA HELENÍSTICA A obra abaixo representa no primeiro plano o filósofo cínico, Diógenes de Sinope, que está dentro de uma tina, com roupas maltrapilhas, um pergaminho na mão e uma candeia ao lado. Já no segundo plano, estão as demais personagens, cujo vestuário não nos remete à nossa concepção sobre a Grécia Antiga. Por estar segurando uma candeia, indagavam-lhe acerca do uso de um instrumento de iluminação em plena luz do dia, e ele sempre dava a mesma resposta: “Caminho com a luz de uma candeia em sol aberto para conseguir iluminar, em meio a trevas, algum homem de bem”. O período helenístico é marcado por uma mudança de foco sobre as questões filosóficas. Assim como no período anterior, em que as problematizações de ordem cosmológicas perderam sua centralidade, chega o momento de a antropologia se reduzir a uma discussão sobre questões de ordem moral. Em outras palavras, o objeto de investigação filosófica principal passa a ser o homem em suas relações valorativas e, predominantemente, individuais. Para entender essa mudança de perspectiva frente ao objeto, é necessário analisar o contexto a que se refere o período helenístico. Como visto anteriormente, o período clássico foi marcado pela consolidação das pólis e do regime democrático em grandes e influentes cidades, como Atenas. Não obstante, a decadência desse período foi marcada por um conjunto de guerras que culminou naquilo que ficou conhecido como “o suicídio das pólis”, em uma clara referência à Guerra do Peloponeso, engendrada pelas potências de Atenas e Esparta, que digladiaram entre si. Ocorre que, logo após o fim desse período de intensas turbulências de ordem política e militar, a Macedônia promove a conquista de todo o território helênico, liderada inicialmente pelo rei Felipe II, e, posteriormente, por seu filho, Alexandre, o Grande. Tal triunfo felipo-alexandrino levou a Grécia à unificação política e administrativa, encerrando os modelos de autonomia citadina: era o fim da concepção de pólis.
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saberes em cada região que conquistava. Na mesma medida, ele levava a esses locais parte da cultura desenvolvida na Grécia, incluindo desde obras de arte até pergaminhos de conteúdo filosófico. A preservação cultural foi um dos grandes legados do projeto expansionista macedônico. A Biblioteca de Alexandria foi um desses marcos e, embora não construída por Alexandre, obedecia ao ideal de preservação dos saberes e de difusão do conhecimento.
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SAIBA MAIS
#Curiosidades
A consequência imediata de todo esse processo foi marcada por dois prismas. Primeiro, os helenos experimentam o “segundo milagre grego”. Essa espécie de milagre, tal qual no período arcaico, em que os gregos se viram na necessidade de estabelecer contatos comerciais ultramarinos, culminou em impactos de ordem cultural devido aos intercâmbios realizados entre gregos e macedônicos. Como se sabe, Alexandre, o Grande, com intuito de conter o clima de animosidade entre gregos e persas, para evitar novas guerras, vale-se do artifício de constituir famílias entre esses dois povos, na expectativa de diluir próximos conflitos. Essa instituição interétnica – uma novidade no mundo civil, militar e cultural grego – promoveu não somente uma miscigenação imediata, como, por consequência, uma dinâmica intercultural de inestimável valor e impacto. Vale ainda registrar que as conquistas macedônicas também se caracterizaram por um trato diferente frente aos espólios de guerra. Alexandre fazia questão de manter intactos bibliotecas, templos e locais de
Figura 02 - Interior da Biblioteca de Alexandria, baseada em evidências arqueológicas. Artista: O. Von Corven.
A Biblioteca de Alexandria foi uma das mais importantes do mundo e centro de saber da Antiguidade. Situada na região portuária de Alexandria, no Egito, ela foi construída ainda no período helenístico e teve como propósito a difusão do saber helênico para todo o mundo não grego. A bem da verdade, o conteúdo das obras contidas em seu interior versava sobre saberes e culturas variadas. Sua construção se deu por patrocínio de Ptolomeu II, o sátrapa (governador) do Egito. Inspirado em seu antecessor, Alexandre Magno ,“o Grande”, Ptolomeu era um apreciador da filosofia helênica, e sob seu governo diversas escolas de pensamento foram incentivadas em sua criação, a se sediarem justamente no interior da biblioteca. Há ainda hoje três versões que explicam o seu desaparecimento/ destruição no Mundo Antigo. Tais teorias não são excludentes, uma vez que elas marcam momentos distintos, levando a interpretação de que sua extinção não ocorreu de forma imediata. A primeira, a mais simples, foi a falta de verba para sua manutenção – extremamente dispendiosa com o passar dos séculos, sobretudo após as investidas que sofrera direta e indiretamente, afetando sua estrutura e funcionamento. A segunda, toma como ponto de partida a perseguição empreendida por Júlio César, inimigo de Pompeu, em 48 a.C. Na ocasião, no incêndio do porto durante o embate contra os egípcios, a própria biblioteca fora afetada. Nesse intercurso, temos ainda uma teoria que afirma a contrainvestida cultural ao seu projeto, empreendida por cristãos e muçulmanos nos séculos seguintes. Destaque para quando no ano 640 d.C, o general Amr Ibn Al-As, emir dos agareus, conquista Alexandria, colocando-a sobre o domínio do califa Omar. A ordem foi para que fosse posto fim à Biblioteca, que a essa altura já não contava com mais tantas obras como outrora e com um custo ainda exorbitante de manutenção. 67
A09 As doutrinas éticas da Grécia Helenística
O fim das “Guerras Médicas” trouxe sensíveis consequências para as relações intrapolíticas na Grécia Clássica. Se por um lado a ameaça pérsica havia sido contida temporariamente, por outro, os ânimos entre Atenas e Esparta havia se acirrado, fato que a partir de 460 a.C os conflitos entre as duas cidades se intensificam, levando ao que ficou conhecido como Primeira Guerra do Peloponeso. Após uma trégua pouco duradoura, outras duas beligerâncias acometem a Grécia, a primeira entre 415 e 413 a.C, e a última em 412 a.C. Ao final, o declínio de Atenas e a consequente ascensão de Esparta levou o mundo grego a uma difícil situação, não somente política, mas principalmente econômica. Em troca de ouro para financiar o conflito, Esparta negocia as cidades da Ásia Menor com os seculares inimigos: os Persas. No mesmo contexto de suposta vitória, o sistema de projeto político de Delos é substituído por uma estrutura militarista. Isso levou à ruína econômica e a um desgaste político cada vez maior de uma série de cidades outrora poderosas. Aproveitando-se dessa situação, tempos depois o rei macedônico, Filipe II, promoveu a organização de um grande exército que conquistou os territórios gregos ao longo do século IV a.C. Seu filho, Alexandre Magno, o Grande, deu cabo ao resto da unificação política e administrativa de toda a Grécia, sob a égide de um grande império novamente expansionista.
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Figura 01 - Leónidas nas Termópilas, por Jacques-Louis David (1814).
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Filosofia
O segundo prisma, por mais que Alexandre incentivasse o intercâmbio cultural, o fato da unificação política sob a égide imperial levou ao desaparecimento de uma das principais “instituições” helênicas: o sentido da pólis. O impacto sobre a produção filosófica foi imediato. A Filosofia Política, que se desdobrava na compreensão dos diversos mecanismos de organização coletiva que situavam as mais variadas cidades gregas, praticamente desaparece. Afinal, estando sob uma estrutura imperialista, a possibilidade de novas organizações e formas de administração políticas estavam soterradas. Daí que a reflexão sobre o objeto da pólis se dilui, ao passo que da ética recrudesce – sobretudo por conta dos diversos “modelos” de vida e da organização moral que se desvelam para os gregos. Eis a razão pela qual a filosofia helenística se reconfigura quanto à restrição de seus objetos de investigação. Sai de cena a reflexão política e entra em evidência as discussões sobre o agir moral.
tivas não comportavam seu grau de importância como outrora. Para os pensadores do período helenístico, até mesmo as questões políticas haviam perdido seu efeito, dadas as condições sociopolíticas que a Grécia unificada pelos macedônicos passava. Assim, apenas as ciências práticas – nos termos aristotélicos – que lidavam com as questões morais estiveram em evidência, marcando os sistemas filosóficos que se constituíram nesse período. Segundo Marilena Chauí (2017, p.55):
Ainda no fim do período clássico, Aristóteles havia estabelecido uma grande classificação dos saberes que deveria se ocupar a filosofia. Para o filósofo estagirita, os saberes (ou ciências) eram distinguidos quanto seus objetos e suas finalidades. Assim, teríamos as chamadas ciências produtivas, isto é, aquelas que estudam os saberes voltados para a produção de uma obra ou objeto: escultura, arquitetura, navegação etc. As ciências teoréticas ou contemplativas são aquelas que estudam tudo o que transcende o artifício humano, por exemplo, o estudo das coisas naturais que estão sujeitas ao devir (o que entenderíamos hoje por física, química, biologia); o estudo das coisas que não estão sujeitas a mudanças (a matemática e a astronomia); o estudo do ser (da “realidade pura”), daquilo que é subjacente a todas as coisas existentes e formam a realidade tal como nós a acessamos, também conhecida em Aristóteles por “filosofia primeira” ou “metafísica”; e, por fim, a ciência das coisas divinas (o que entenderíamos por teologia), que visa a estudar tudo aquilo que forma a causa e a finalidade de tudo o que existe no ser humano e na natureza. Haveria ainda as chamadas ciências práticas, as quais têm por objetivo o estudo daquelas coisas que possuem um “fim em si mesmas”, isto é, aquelas entre as quais não há distinção entre o agente e a ação: seriam a ética e a política. Para Aristóteles, ambas estavam associadas, de modo que não é possível desvincular a ética da atividade política, e vice-versa. No âmbito dessa interconexão, para o filósofo grego, a ética trataria de um ramo da política, já que a primeira trataria do “bem-estar individual” enquanto a segunda trataria do “bem comum”.
Durante o período helenístico, podemos situar dois grupos de escolas/teorias. De um lado, teremos os cínicos, os epicuristas/hedonistas e estoicistas. De outro, como remanescentes de uma perspectiva sofística, os céticos. Sobreviviam ainda – de forma minoritária – as escolas da era clássica, sob os auspícios dos neoplatônicos e pós-aristotélicos. Todos esses sistemas e doutrinas, cada um a seu modo, buscavam compreender a realidade como um todo articulado. Não obstante, o foco não estava sob uma abordagem cosmológica “clássica”. Ao contrário, tais concepções – destacando-se os neoplatônicos – sobressaíam-se por buscar um entrelaçamento entre a física, a teoria do conhecimento e a ética. Em outras palavras, mesmo o estudo sobre a natureza importava em suas possíveis conexões com a compreensão sobre o próprio homem em sua dimensão moral.
Durante o período helenístico, as questões de ordem cosmológica ou meramente epistemológicas já haviam perdido sua centralidade. Dessa forma, as ciências teoréticas e produ68
Os gregos chamavam a Grécia de Hélade e a si mesmos de helenos. O helenismo se refere à Grécia inteira, e não a uma cidade em particular. No período helenístico, a pólis grega deixa de ser o centro político e a referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia se encontra sob o poderio de outros impérios, particularmente o Macedônico e o Romano. Os filósofos passam a dizer que eles são cidadãos do mundo. Como, em grego, mundo se diz cosmos, esse período é o da chamada filosofia cosmopolita – o cosmos é a pólis do filósofo.
Uma das principais questões tematizadas pela ética aristotélica havia sido a felicidade. Os filósofos helenísticos tomaram suas reflexões como ponto de partida e, cada um a seu modo, formularam doutrinas que pudessem dar conta da complexidade do tema e dos caminhos para se atingi-la. Embora se observem estudos no campo da analítica (lógica) e da física (cosmologia), é a predominância da ética, concebida neste contexto como uma articulação entre teoria e prática acerca da melhor maneira de se atingir uma vida boa e feliz, que marca as concepções helenísticas. Em que pesem diferenças substanciais entre elas, todas se convergem pelo afastamento dos sistemas metafísicos clássicos de explicação do cosmos, ao passo que buscavam uma sobreposição de reflexões que tendiam a pensar a ação humana em si. Poucos escritos dos filósofos do período helenístico foram preservados. Fato é que grande parte do que sabemos desses
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O principal representante dessa doutrina foi Diógenes de Sinope (412 a.C. – 323 a.C.), embora tenha sido fundada por um discípulo de Sócrates, Antístenes (445 a.C. – 360 a.C.). O cinismo partia do princípio de que a felicidade podia ser alcançada por todos, pois ela não estaria na luxúria, no poder político ou na boa saúde, e sim em libertar-se disso tudo. Eles defendiam que as pessoas não deviam se preocupar com o sofrimento (próprio ou alheio) nem com a morte, posto que esta era a única coisa concreta que o homem possuía. Uma vida feliz seria aquela cujos desejos seriam dominados e as necessidades reduzidas ao mínimo. Eis a razão da imagem ilustrativa de Diógenes vivendo dentro uma tina que lhe servira de abrigo. A propósito, a palavra “cínico” deriva de kunikós, que em grego significa “referente a cão”. Diógenes de Sinope servia-se dessa figura para expressar o seu modo simples e rústico de vida. Segundo o biógrafo Diógenes Laércio (1977, p. 170), a própria vida do filósofo cínico expressa este ideal: “(...) Diógenes ridicularizava a nobreza de nascimento, a fama e similares, chamando-as de ornamento ostentatório do vício”. Na mesma obra, ao se referir às ideias do expoente do cinismo, afirma:
Termos como Ironia, Cinismo, Hedonismo remetem a outras significações em nossa língua corrente. É bem possível que a alteração de seus significados originais tenha-se dado pela não adoção as ideias que portavam por parte de seus interlocutores. A considerar que pensadores como Sócrates, Diógenes e Epicuro causavam desconforto na opinião pública ateniense pela forma como lidavam em seus diálogos, essa tese ganha reforço. Diógenes era um filósofo cuja vida era marcada pelo desprezo às convenções sociais de sua época. É celebre inclusive a passagem que ele faz desdém de figuras do porte de Alexandre “o Grande” . Daí a associação desses termos a sarcasmos (ironia e cinismo) e de mero apego aos prazeres e suas satisfações (hedonismo).
Figura 03 - Diógenes, pintura de Jean Léon Gérome (1860).
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Cinismo
#Curiosidades
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pensadores se deve ao trabalho do biógrafo Diógenes Laércio, especialmente em sua obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. A razão para tanto se deve a um evento que, ao mesmo tempo que contribuiu para a difusão da filosofia grega, diluiu outras perspectivas de pensamento. Em outras palavras, posteriormente à invasão/unificação macedônica, adveio o domínio romano, e foi justamente nesse período que as doutrinas helenísticas fundiram-se e diluíram-se com os saberes orientais e abriram margem futura – no caso do estoicismo, do neoplatonismo e do pós-aristotelismo – para um diálogo com a religião cristã, como veremos mais à frente. A seguir, elencamos as principais características de quatro grandes sistemas: cinismo, epicurismo/hedonismo, estoicismo e ceticismo.
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Filosofia
Com efeito, nada na vida se pode obter sem exercício, e este é capaz de sobrepor-se a todos os obstáculos. Eliminados, então, os esforços inúteis, o homem que escolhe os esforços requeridos pela natureza vive feliz. A falta de discernimento para perceber os esforços necessários é a causa da infelicidade humana. O próprio desprezo do prazer, para quem está habituado, é sumamente agradável. E, da mesma forma que as pessoas habituadas a viver em meio aos prazeres passam relutantes a um modo de viver oposto, aqueles que se exercitam de maneira contrária desprezam com maior naturalidade os próprios prazeres. Eram esses os seus preceitos, e por eles Diógenes moldou a vida.
Para os adeptos do cinismo, uma pessoa só poderia atingir a felicidade e a liberdade (conceitos tautológicos, isto é, idênticos a si mesmo), se levassem uma vida desprendida, sobretudo dos desejos que são impostos pela sociedade. Segundo afirmavam, levar um modo de vida tal qual seria mais importante do que compreender as minúcias da natureza exterior (physis). Assim, os estudos da metafísica, da matemática e astronomia eram saberes secundários e até dispensáveis!
Hedonismo (Epicurismo)
Nunca se protele a filosofar quando se é jovem, nem se canse de fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiadamente maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.
Segundo Epicuro, a filosofia trata de um saber que, ao aliar procedimentos teóricos (reflexivos) e práticos (vivenciais), serviria como uma espécie de “medicina para a alma” – aquela voltada para o gozo dos prazeres que expressam exatamente o antônimo da dor e do sofrimento. O objeto, portanto, da atividade filosófica é refletir sobre aquilo que leva o homem ao afastamento dos prazeres necessários à boa vida, utilizando-se de um conjunto de procedimentos que o levem à “saúde da alma”: o pressuposto para a felicidade. Para os hedonistas, o bem se encontra no prazer, no entanto, não se vincula ao consumismo pois os prazeres do corpo são causas de ansiedade e sofrimento. Por isso, para que a alma viva imperturbável (ataraxia), o homem precisa aprender a gozar dos prazeres com moderação, desprezando os prazeres meramente materiais. Segundo Epicuro (Idem, p.25):
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Quando dizemos, então, que o prazer é fim, não queremos referir-nos aos prazeres intemperantes ou aos produzidos pela sensualidade, como creem certos ignorantes, que se encontram em desacordo conosco ou não nos compreendem, mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos do corpo e de perturbações da alma.
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Figura 04 - Epicuro retratado em A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio.
O hedonismo é o nome dado à escola do filósofo Epicuro. Como Pitágoras, Epicuro nasceu na ilha de Samos, na Ásia Menor, em 341 a.C. Passou por diversas cidades gregas até se fixar em Atenas, local em que constituiu sua escola e faleceu em 270 a.C. Fundada no final do século IV a.C., sua escola se opôs radicalmente aos sistemas essencialistas de Platão e de Aristóteles. Destacou-se ainda por permitir, em seu interior, a presença tanto de homens como de mulheres – o que certamente causou um desconforto frente à cultura da época. De vida longeva (para os padrões da época), iniciou seus estudos em filosofia muito jovem. Razão pela qual proferiu em um de seus variados textos (EPICURO, 1973, p.21) a seguinte citação: 70
Epicuro faz uma distinção entre os tipos de prazeres. Há aqueles que são naturais e necessários; os que são naturais e não necessários; e aqueles que simplesmente não são naturais, portanto, nunca necessários. Primeiro aqueles relacionados à sustentação da vida (a sua conservação por meio da alimentação); segundo aqueles que se vinculam aos exageros dos prazeres naturais (a luxúria, a ostentação das vestes, a gula); os últimos seriam os contingenciais, oriundos da vida fútil em sociedade, marcados pelas honrarias, poderes e riquezas. Assim, para os epicuristas, os prazeres necessários e naturais seriam os únicos a ser levados em consideração, já que para sua saciedade bastariam poucas provisões (o frio: o agasalho; a fome: a comida; a sede; a bebida etc.). Todos os outros prazeres, por não serem necessários à vida humana podem levar o homem à tristeza, frustração, cobiça etc. Afirma o hedonista (1973, p.26): Não são os convites e as festas contínuas, nem a posse de crianças e mulheres, nem de peixes nem de todas as outras coisas que podem oferecer uma sumptuosa mesa, que fazem doce a vida, mas sim o sóbrio raciocínio que busca as coisas de toda a preferência ou repulsa, e afugenta as opiniões que levam a que a perturbação se apodere dos espíritos
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Epicuro defendeu uma forma de vida divorciada das questões sociais e da política, em certa medida. Adepto da formação de pequenos grupos, o filósofo buscava o cultivo da amizade, da sabedoria, enfim, dos prazeres que julgava não meramente materiais, sejam eles necessários e ou contingenciais – desde que numa esfera de moderação.
Estoicismo De todas as correntes helenísticas certamente o estoicismo, termo derivado do grego Stoá (Στοά), foi a mais influente. Fundado no fim do século IV a.C por Zenão de Cítio, seu eco atravessa o mundo romano e encontra ressonância até mesmo no cristianismo, em que pese um caráter que se aproximaria de um materialismo. Dessa forma, e em igual medida aos epicuristas, rejeitavam os sistemas essencialistas dos filósofos da tradição socrática, apoiando-se em uma concepção não metafísica de mundo, voltada para o presente e a experiência concreta. Esse caráter aparentemente cético em relação à metafísica, a ideia de uma cosmogonia não mítica não é descartada. A concepção de Deus se trataria da expressão de uma ordem racional e universal (logos), além de um princípio ativo, a organizar o mundo. Caberia ao ser humano se harmonizar ou não com essa ordem, que era expressa na forma como a própria natureza (materialização divina) se organizava.
#Curiosidades
Etimologicamente, o termo estoicismo surgiu a partir da expressão grega stoà poikile, que significa “Pórtico das Pinturas”: local onde Zenão de Cítio lecionava aos seus discípulos em Atenas. Stoá (Στοά; lit. “pórtico” ou “colunata”) é um elemento arquitetônico muito utilizado na Grécia Antiga, que consistia em um corredor ou pórtico coberto, comumente destinado ao uso público. Além de ser um local físico, as Stoá representavam simbolicamente a essência da doutrina estoica: algo firme e inabalável, que serve de sustentação a um edifício de ideias e perspectivas comportamentais.
É uma abordagem que funde o pensamento de Heráclito e se aproxima das formulações aristotélicas. O estoicismo extrai do pensador de Éfeso a concepção de que o movimento na natureza é ordenado por uma razão, por ser acessível ao homem a harmonização a esse princípio, uma vez que é ele mesmo uma resultante desse intercurso. Em outras palavras, o homem ao ser portador da razão, seria capaz de acessar – pelo seu próprio uso – essa razão universal que regula/ordena a natureza.
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Figura 05 - BOULANGER, Gustave. heatrical Rehearsal in the House of an Ancient Rome Poet, 1855. Oil on canvas, 48 x 76 cm, The Hermitage, St. Petersburg.
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Filosofia
Interessa, contudo, aos estoicos as derivações éticas desses princípios. Assim, conhecer a estrutura ordenadora da natureza significa possibilitar a entrada em harmonia com ela. A felicidade ou a infelicidade deriva da atitude das pessoas frente a esse logos. Há uma afinidade entre a razão cósmica e a razão humana. A virtude, bem como a possibilidade de conhecimento resultam da mesma matriz: ascender à razão ou viver virtuosamente de acordo com o ordenamento divino a se expressar no curso da natureza. Assim, a vida harmonizada seria aquela que aceita passivamente (embora adotada deliberadamente) as ações da natureza e os acontecimentos do destino. Ir contra essa determinação, no entanto, acarretaria o sofrimento, uma vez que o destino (já inscrito na ordem racional) estaria sendo evitado.
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Diferente dos Hedonistas, os estoicos desprezavam os prazeres em geral, considerando-os fonte de todos os males. As paixões deveriam ser eliminadas porque elas só provocam sofrimento, por isso deveríamos viver de acordo com a natureza e a razão, aceitando o destino e a dor com impassibilidade. Nesse sentido, há também uma herança socrática que exigia uma vida guiada pela razão buscando a efetivação da excelência ou da virtude humana. A educação seria um meio para que o homem atingisse sua destinação: a perfeição e a felicidade. Em síntese, quem vivesse se afastando dos prazeres e em busca da excelência da alma por meio de uma vida privada da expectativa de que a felicidade se encontra fora de si, refletiria a ordem cósmica em sua interioridade racional. A resultante: uma vida boa e feliz. O principal representante do estoicismo foi o filósofo Zenão de Cítio. Nascido em uma região situada na ilha de Chipre, estudou em Atenas, foi aluno de Crates, um filósofo cínico. Grande parte de suas obras se pedeu no tempo e muito do que se sabe ao seu respeito (vida e pensamento) estão contidos nas obras de seu discípulo, Crisipo. Esse contexto de surgimento constitui a primeira fase das doutrinas estoicas conhecida como estoicismo antigo. Posteriormente, há o estoicismo médio, no qual o pensamento estoico se funde ao espírito romano. Destacam-se filósofos como Panécio de Rodes (180 – 110 a.C) e Possidónio (135 - 51 a.C.). Por 72
fim, a terceira fase, conhecida como estoicismo imperial ou neoestoicismo, tem como representantes como Caio Musónio Rufo, Sêneca (nascido no início da Era Cristã e falecido em 65 d.C., Epiteto (50 - 125 d.C.) e Marco Aurélio (121 - 180 a.C.), imperador romano em 161. As obras de Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio propagaram o estoicismo no mundo ocidental. Esta última época caracteriza-se pela sua tendência prática e religiosa, fortemente acentuada como se verifica nas obras de Epiteto (Discursos e Enquirídio) e de Marco Aurélio (Pensamentos ou Meditações).
Ceticismo
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Daí a possibilidade do conhecimento cosmológico. Na mesma esteira, interessa a formulação sobre a realidade concreta estabelecida por Aristóteles. Assim como para o pensador de Estagira, não há a justaposição de realidades, como em Platão. A natureza é uma só e todas as coisas estariam subjacentes a essa realidade observável e compreensível por meio da razão. O mundo, a natureza e a realidade são uma espécie de organismo vivo no qual todas as partes encontram-se interconectadas, obedecendo a uma regulação universal e racional.
Figura 06 - Pirro, filósofo grego antigo. Autor: Thomas Stanley, (1655).
A última corrente apareceu como oposição às demais. Fruto de uma herança sofística, o ceticismo se baseava na relatividade dos valores e impossibilidade de se estabelecer uma verdade absoluta e imutável, ainda que buscada por meio da razão. Dessa forma, como não seria possível atingir ou sequer afirmar a existência de uma verdade, a melhor atitude diante os acontecimentos e adversidades do mundo seria a indiferença e uma radical ataraxia: uma imperturbabilidade emocional e mental, que resultaria na tranquilidade da alma – sinônimo de felicidade para os céticos.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
O ceticismo foi fundado também ao final do século IV por Pirro de Élida. Sua doutrina ficou conhecida como pirronismo. Do ponto de vista da teoria do conhecimento, o ceticismo de base pirrônica se caracterizou por um exame sempre detalhado de todas as teorias existentes, sejam elas de ordem cosmológica ou ética. Sempre partia do princípio de que se a verdade não pode ser tomada como absoluta, em dado momento os discursos desses campos do saber haveriam de demonstrar suas contradições ou inaplicabilidade em dado contexto. Um dos principais representantes dessa escola foi o médico e filósofo grego, Sexto Empírico. De acordo com esse pensador, haveria três tipos de filosofia: a dogmática, a acadêmica e a cética. A primeira se caracterizava pelas escolas platônicas e aristotélicas, que buscaram estabelecer bases absolutas para os procedimentos de investigação filosófica, além de impor doutrinas fechadas acerca do resultado de suas teorizações. A segunda, em geral, formada por aqueles que se ocupavam de estudar de forma crítica as posições dogmáticas, apontando-lhes as contradições e (im)possibilidades. Por fim, a perspectiva cética que se caracteriza pela dúvida e investigação constante, justamente por entender que todas as coisas jamais encontram seu resultado ou fechamento teórico absoluto. Do ponto de vista da ética, o ceticismo busca se abster de juízos ou pontos de vista fixos sobre o comportamento. Entendem que as controvérsias em torno das quais os procedimentos mais adequados para uma boa vida (e o que a definia) haviam encontrado sua equipolência. Todas elas haviam encontrado o seu igual valor: a contradição. Logo, o caminho mais tranquilo deveria ser aquele que se afasta dos juízos que pretendem verdades e condutas absolutas.
01 Resposta esperada: O período helenístico é marcado por uma nova mudança de foco acerca das questões filosóficas. A abordagem antropológica reduz-se a uma discussão sobre questões de ordem moral, majoritariamente. Em outras palavras, o objeto de investigação filosófica primal passa a ser o homem em suas relações valorativas e, predominantemente, individuais. 02 Resposta esperada: Não. O cinismo partia do princípio de que a felicidade podia ser alcançada por todos, pois ela estaria em luxúria, poder político ou boa saúde, e, sim em se libertar disso tudo. Defendiam que as pessoas não deviam se preocupar com o sofrimento (próprio ou alheio) nem com a morte, posto que esta era a única coisa de concreta que o homem possuía. 03 Resposta esperada: O epicurismo faz uma distinção entre tipos de prazeres. Há aqueles que são naturais e necessários; os que são naturais e não necessários; e aqueles que simplesmente não são naturais, portanto, nunca necessários. 04 Resposta esperada: a primeira fase é conhecida como estoicismo antigo; a segunda por estoicismo médio; a última por estoicismo imperial ou neoestoicismo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÁEZ, Fernando. História Universal da Destruição dos Livros: Das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Trad. Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. Volume Único. 3 ed. São Paulo: Ática, 2017. EPICURO. Carta sobre a felicidade (a Meneceu). Trad. e apresentação de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: UNESP, 1997. ______. Antologia de Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores) KAGAN, Donald. A guerra do Peloponeso. Novas perspectivas sobre o mais trágico confronto da Grécia Antiga 1 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2006.
05 Resposta esperada: a dogmática, a acadêmica e a cética. A primeira se caracterizava pelas escolas platônicas e aristotélicas, que buscaram estabelecer bases absolutas para os procedimentos de investigação filosófica, além de imporem doutrinas fechadas acerca do resultado de suas teorizações. A segunda, em geral, formada por aqueles que se ocupavam de estudar de forma crítica as posições dogmáticas, apontando-lhes as contradições e (im) possibilidades. Por fim, a perspectiva cética que se caracteriza pela dúvida e investigação constante, justamente por entender que todas as coisas jamais encontram seu resultado ou fechamento teórico absoluto.
A09 As doutrinas éticas da Grécia Helenística
LAÉRCIO, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2 ed. Brasília: Editora da UnB, 1977.
Exercícios de Fixação 01. Quais as características do período helenístico do ponto de vista das questões filosóficas abarcadas? 02. Para os cínicos, a felicidade seria um atributo apenas daqueles que poderiam gozar dos prazeres imoderadamente? Justifique sua resposta.
04. O estoicismo pode ser divido em três fases. Quais são elas? 05. Para os céticos, a filosofia é uma atividade que pode ser dividida em quais categorias/perspectivas? Disserte sobre cada uma delas.
03. De que forma o epicurismo estabelece a diferença entre os diversos tipos de prazeres?
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Filosofia
Exercícios Complementares 01. Qual foi o marco histórico que caracteriza o início do período helenístico? a) conquistas de Alexandre, o Grande. b) guerra do Peloponeso. c) Guerra de Troia. d) nascimento de Sócrates. e) passagem do discurso mítico para o discurso filosófico. 02. (UFRN) Felipe II, rei da Macedônia, conquistou a Grécia. Seu filho, Alexandre, o Grande, consolidou as conquistas do pai e expandiu o império em direção à Ásia, chegando até a Índia. Na perspectiva histórica, a obra de Alexandre e de seus sucessores imediatos foi importante porque: a) substituiu a visão mística do mundo, presente nos povos orientais, pelo reconhecimento intelectual proveniente da razão e do raciocínio lógico. b) favoreceu a difusão do modelo político das cidades-Estados da Grécia pelas regiões conquistadas no Oriente, estimulando um governo fundamentado na liberdade e na democracia. c) suplantou o poder despótico predominante nos grandes impérios orientais, os quais atribuíam aos governantes uma origem divina. d) possibilitou o intercâmbio de culturas, difundindo as tradições gregas nas terras do Oriente, enquanto as mesopotâmicas, egípcias, hebraicas e persas expandiram-se para o Ocidente.
A09 As doutrinas éticas da Grécia Helenística
03. (UFSJ MG) Sobre a ética na Antiguidade, é correto afirmar que a) o ideal ético perseguido pelo estoicismo era um estado de plena serenidade para lidar com os sobressaltos da existência. b) os sofistas afirmavam a normatização e verdades universalmente válidas. c) Platão, na direção socrática, defendeu a necessidade de purificação da alma para se alcançar a ideia de bem. d) Sócrates repercutiu a ideia de uma ética intimista voltada para o bem individual, que, ao ser exercida, se espargiria por todos os homens. 04. Leia o trecho da Carta a Meneceu. Nenhum jovem deve demorar a filosofar, e nenhum velho deve parar de filosofar, pois nunca é cedo demais nem tarde demais para a saúde da alma. Afirmar que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou é a mesma coisa que dizer que a hora ainda não chegou ou já passou; devemos, portanto, filosofar na juventude e na velhice para que enquanto enve-
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lhecemos continuemos a ser jovens nas boas coisas mediante a agradável recordação do passado, e para que ainda jovens sejamos ao mesmo tempo velhos, graças ao destemor diante do porvir. Devemos então meditar sobre tudo... (Epicuro Carta de Epicuro a Menoiceus).
Para Epicuro, como se expressa na Carta a Meneceu, o objetivo da filosofia é: a) A felicidade do homem. b) A imparcialidade diante das decisões tomadas pelos homens. c) A areté própria do homem. d) O gozo imoderado dos prazeres mundanos. e) Estabelecer, refutar e defender argumentos tirados da bíblia. 05. (Cesgranrio RJ) Um princípio central da doutrina epicurista é a a) necessidade de superar a constante ameaça da morte através da busca pelo prazer e por uma vida simples, em companhia dos amigos. b) inexistência da liberdade e consequente exortação à busca pelo prazer, uma vez que a vida é mero resultado do movimento aleatório dos átomos. c) negação da existência dos deuses como condição para a investigação da natureza, base de todo conhecimento e da busca da felicidade. d) relação intrínseca entre a lúcida compreensão dos fenômenos naturais e a procura de uma felicidade terrena, a ser compartilhada entre mestre e discípulos. e) afirmação da equivalência de todos os desejos, efeitos do movimento aleatório dos átomos, o que anula a imputabilidade moral dos atos humanos. 06. (Enem MEC) Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros, naturais e não necessários; outros, nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode ser facilmente desfeito, quando é difícil obter sua satisfação ou parecem geradores de dano. EPICURO DE SAMOS. Doutrinas principais. In: SANSON, V. F. Textos de filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974.
No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem como fim a) alcançar o prazer moderado e a felicidade. b) valorizar os deveres e as obrigações sociais. c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com resignação. d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela divindade. e) defender a indiferença e a impossibilidade de se atingir o saber.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A10
A TRANSIÇÃO PARA O MUNDO ROMANO CRISTÃO E A SOBREVIVÊNCIA DA FILOSOFIA
ASSUNTOS ABORDADOS nn A transição para o mundo roma-
no cristão e a sobrevivência da Filosofia
O ano 1 d.C. marcou profundamente o nosso mundo ocidental. Em igual tempo, surge o cristianismo e a ascensão/consolidação do Império Romano. De um lado temos um judaísmo pacificado pela mensagem crística que evoca mansuetude e a justiça, ao mesmo tempo (e por consequência disso) de uma isonomia espiritual. Para os cristãos, sua concepção de mundo, vida e comportamento não era algo para apenas um povo. Da mesma forma, Deus não seria um dentre centenas, mas o único a abarcar toda a humanidade como suas criaturas. O cristianismo surge como uma religião universal, abrangente, com um discurso que apela para os “fracos e oprimidos” e todos aqueles que têm “fome e sede de justiça”, como atesta o texto novo testamento.
nn Períodos
Fonte: Wikimedia Commons
nn Conclusão
Figura 01 - Autor: Anthony Van Dyck (1599-1641).
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Filosofia
Por outro lado, temos a ascensão do mundo romano, sob a égide de um grande império expansionista. O período pós-republicano foi caracterizado por um governo autocrático que se estendeu por volta do mar Mediterrâneo na Europa, Ásia e África. O imperador – a figura política por excelência e de poderes absolutos – é investido também da condição de Augustus (“divino”) e Princeps (lit. “primeiro [cidadão]”).
O Império romano se constituiu uma das mais fortes potências militares, políticas e econômicas do Mundo Antigo. Sua longevidade e poderio de conquista proporcionaram uma extensão territorial e demográfica superlativa. Estima-se uma população média de 70 milhões de pessoas sob o julgo do império, em uma faixa de terra de cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados. A resultante desse processo foi a prevalência de uma infinidade de línguas, culturas, religiões e credos, arquiteturas, filosofias etc.
A10 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia
Em que pese, toda essa pluralidade, a sociedade romana durante esse período fora dividida basicamente entre duas classes sociais dominantes: patrícios e plebeus. Clientes, servos, escravos e estrangeiros compunham a outra parte dessa equação de poder, uma vez que são aqueles dominados econômica, militar e culturalmente pelos primeiros. O Império Romano ascendeu, consolidou-se e resistiu por cerca de cinco séculos de existência. Marcada por quatro dinastias e dez imperadores, Roma começou a sentir os desgastes de uma civilização expansionista já na aurora do século II a.C. A começar pelas constantes invasões barbaras que levaram o imperador Adriano a construir uma muralha ao norte da Grã-Bretanha, que levava seu nome “A Muralha de Adriano”. Por questões administrativas e políticas, posteriormente o império foi dividido – pelo Imperador Diocleciano – em duas partes: oriental e ocidental. A reunificação só viria tempos após com o Imperador Constantino: primeiro governante cristão, que após esse processo escolheu a cidade de Bizâncio como capital do império, Constantinopla. É precisamente aqui que dois mundos se convergem: o romano e o cristão. A civilização romana se caracterizou por uma identidade pragmática e conquistadora, que havia incorporado elementos culturais do mundo helênico e da arquitetura e engenharia etrusca. Suas elites sociais, os patrícios, recebiam um sistema de educação pautado nos estudos da língua latina e sua aplicação (lógica, oratória e retórica), constituindo aquilo conhecido como Trivium. Em conjunto, estudavam uma gama de áreas nomeadas de Quadrivium (geometria, aritmética, astronomia e música). No campo religioso, era comum a existência de santuários domésticos, em que eram cultuados os deuses protetores do lar e das famílias. Dessa forma, desde cedo, a criança romana já possuía noções básicas sobre o complexo sistema politeís76
ta de cultos romanos. Além disso, os romanos levavam suas práticas, também, para cultos públicos a deuses em templos erguidos nas diversas províncias romanas. Os rituais religiosos eram controlados pelos governantes romanos. Assim, qualquer religião não tomada como oficial era proibida e condenada. E é neste ponto que subjaz a religião cristã em seu “mundo à parte”. Diferente dos romanos, os cristãos não atribuíam a existência de deuses familiares e, principalmente, ao culto imperial que tomava o governante na condição de divindade. Ao contrário, rejeitavam qualquer concepção externa ao monoteísmo herdado da religião judaica. Em virtude da perseguição que sofriam do Império Romano, os cristãos procuravam realizar seus cultos em lugares escondidos, tais como catacumbas – o que não evitou que fossem presos e executados por professarem uma fé distinta e que afetava diretamente os valores do mundo romano. Os cristãos rejeitavam o culto ao imperador – prática insuflada, principalmente, após o governo de Júlio César. Além disso, defendiam um princípio de isonomia espiritual: todos eram iguais perante os olhos de Deus, sejam eles patrícios ou escravos. Isso certamente representava uma afronta à perspectiva classista e excludente romana – algo generalizado no Mundo Antigo. Por fim, e certamente isso causava alvoroço entre as elites romanas, havia a ameaça de um apocalipse vindouro. Diferente de uma profecia, isso era interpretado como uma ameaça; uma insurreição que a cada dia se agigantava pelo fato da grande conversão de massas que a cada época se avolumava. Mais do que todos os outros credos que contrastavam com a religião imperial, o cristianismo e o seu discurso totalizante e inclusivo despertavam alvoroço no império. Sua perseguição não simplesmente fruto de mera discordância/intolerância religiosa: era questão de ordem militar a proteger os domínios e status quo romano. Por mais que a opressão ao cristianismo existisse e fosse intensa, sobretudo nos primeiros séculos do período, ela não foi suficiente para aplacar a sua expansão e adoção, sobretudo pelas camadas excluídas da sociedade romana – numericamente, sua maioria. Fato é que no início do século IV e agora uma conversão cada vez mais expressiva de plebeus e alguns poucos patrícios ao cristianismo foi dada a sua liberdade de culto em 313, com o Édito de Milão. O Édito de Milão ou Mediolano foi promulgado em 13 de junho de 313 d.C. pelo imperador Constantino. Tratou-se de um documento que assegurava a tolerância e a liberdade de culto aos cristãos. A medida tomada pelo imperador marcou o início da aproximação e identificação do Império Romano com o cristianismo nascente. Décadas após sua imposição, em 380 d.C. o imperador Teodósio proclamaria o cristianismo como religião oficial. Em 311 d.C, no oriente, Galério Maximiano já havia reconhecido oficialmente o cristianismo.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Figura 02 - Lápide em memória do Édito de Milão, na Igreja de San Giorgio al Palazzo, Milão.
TRADUÇÃO DO ÉDITO DE MILÃO (Documents of the Christian Church (2nd. ed.). Oxford University Press, 1963. pp. 44-45.)
Nós, Constantino e Licínio, imperadores, encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim qualquer divindade que no céu mora ser-nos-á propícia a nós e a todos nossos súbditos. Decretamos, portanto, que, não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste... . Observai, outrossim, que também todos os demais terão garantia a livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões, pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua consciência e eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é nos grato ordenar, pela presente, que todos os que compraram esses locais os restituam aos cristãos sem qualquer pretensão a pagamento... [as igrejas recebidas como donativo e os demais que antigamente pertenciam aos cristãos deviam ser devolvidos. Os proprietários, porém, podiam requerer compensação.] Use-se da máxima diligência no cumprimento das ordenanças a favor dos cristãos e obedeça-se a esta lei com presteza, para se possibilitar a realização de nosso propósito de instaurar a tranquilidade pública. Assim continue o favor divino, já experimentado em empreendimentos momentosíssimos, outorgando-nos o sucesso, garantia do bem comum.
A época da promulgação do Édito, o Imperador Constantino – que posteriormente se convertera ao cristianismo – estimulava tanto o culto ao Deus Sol quanto ao deus único da matriz judaico-cristã. Isso foi uma forma de aumentar a sua força política, aliando forças antagônicas na sociedade romana que agora se intensificavam ainda mais em virtude de o campo religioso ter entrado na esfera da vida política.
Fato é que uma das principais características da religião cristã é sua pretensão de totalidade. Em outras palavras, ao adotar um monoteísmo, exige-se a rejeição de qualquer outro credo alternativo. Por mais que as classes outrora oprimidas da sociedade romana houvesse sido convertidas – e mesmo que parte da elite progressivamente também o fosse – ainda era necessário que a mensagem cristã chegasse a todos. No entanto, o discurso que cativava as massas não era de todo aceito pelas elites romanas. Não somente porque seu conteúdo representava uma quebra de privilégios dessa aristocracia, mas, sobretudo, pelo fato de que o próprio cristianismo carecia de lógica que era valorizada pela cultura romana. Se era objetivo dos cristãos converterem, especialmente, os patrícios, seja pelo seu poderio econômico e bélico – algo fundamental para um processo de expansão da fé – seja pela própria pretensão aludida de totalidade, era preciso que houvesse um ajuste de discursos a fim de operar a conversão desse patrício. Ocorre que o advento do cristianismo originou novas concepções de vida, do homem e de Deus, que desafiaram o pensamento filosófico clássico – algo já bem absorvido no sistema de educação e cultura romana. Foi necessário, então, mostrar que seus problemas e respectivas soluções não contradiziam a razão, isto é, que a fé não se contrapunha à racionalidade. O desafio foi provar que essa conexão entre fé e razão não somente era possível, como não era preciso circunscrever a revelação divina aos limites da razão humana para tal aceitação. Os cristãos obtiveram seu êxito. Patrícios, plebeus, clientes, servos, escravos e bárbaros, paulatinamente, eram convertidos pela mensagem de isonomia espiritual e promessas divinas trazidas pelo cristianismo primitivo. Era necessário agora unificar a fé. Após séculos de perseguição, o cristianismo havia se instalado em diversas regiões, formando credos de interpretações muito variadas, embora partindo de um núcleo discursivo comum formado pela tríade monoteísmo-messianismo-salvação. Para tanto, o imperador Constantino convocou o I Concílio de Niceia em 325, do qual participaram cerca de 300 líderes eclesiásticos. Sob a influência direta do imperador, o concílio definiu – dentre outras pautas - a natureza divina de Jesus, a fixação da data da Páscoa (diferenciando da Páscoa judaica) e a promulgação da lei canônica. Ficou definido também que o domingo seria o dia de descanso dos cristãos, em uma conformação ao antigo “Sol Invictus” (descanso dominical dedicado o culto ao Deus Sol). Estava instaurada, portanto, a segunda Era Cristã e o período denominado de Idade Média. Agora, havia a perfeita confluência entre a religião cristã e o Império Romano, sobretudo após o declínio do que poderíamos chamar de “primeiro império”. Instaura-se um período milenar, que pode ser datado do ano de 476 d.C até o ano de 1476 d.C quando a cidade de Constantinopla é tomada pelos turco-otomanos, colocando fim a famigerada “noite de mil anos”. 77
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SAIBA MAIS
Filosofia
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Na Idade Média, a visão teocêntrica do mundo fez os valores religiosos incorporarem concepções éticas, de modo que os critérios de bem e mal estavam vinculados à lógica da fé cristã. Essa, por sua vez, pautava-se em uma concepção de vida após a morte que condicionava o comportamento moral do sujeito temente a Deus. O pensamento clássico encontrara um desenvolvimento e amadurecimento tão grandes, que seria impossível ignorá-lo; no entanto, fazia-se necessária uma nova sistematização, elaborada a partir dos problemas já pensados pela filosofia pagã, conjugados com os agora propostos pelo Cristianismo. Assim, a nascente filosofia cristã ocupou-se da assimilação das novas experiências no contexto da filosofia clássica. Em linhas gerais, o principal desafio da filosofia medieval foi harmonizar a fé e a razão. Para tanto, buscavam inspiração das sagradas escrituras e, sobretudo, na filosofia grega. Outro ponto a ser ressaltado e que marca um dos principais debates acerca da filosofia medieval diz respeito à possibilidade de uma filosofia genuinamente cristã. Para muitos, essa é uma questão tautológica, isto é, falar em filosofia medieval significa tratar de uma filosofia cristã em sua gênese. Para outros, a existência de uma filosofia cristã propriamente dita seria questionável. Segundo essa concepção, não haveria originalidade no pensamento cristão, já que antes era apenas mera repetição e adaptação de conceitos e ideias herdadas da filosofia grega. Contestando essa perspectiva, há aqueles que defendem que haveria sim, de fato, uma filosofia cristã. Ainda que muito dos temas da filosofia helênica fossem reformulados pelos pensadores medievais. Há um trato e objetivo distinto nas abordagens, já que o fio condutor da reflexão, ou “chave hermenêutica” (interpretativa), era o cristianismo – uma “novidade” no mundo de então. Porém, mesmo que tenha havido uma filosofia genuinamente cristã, ela não teria sido capaz de restringir toda a estrutura teórica do período medieval. Em outras palavras, deveríamos considerar, também, pensadores de matriz não cristã, como o filósofo e matemático Arrevóis – o primeiro tradutor da obra Aristóteles no mundo medievo não cristão. Tomaremos a perspectiva de que a Filosofia Medieval se trata de um conjunto de pensadores, escolas e teorias – predominantemente cristãs - que ocuparam um tempo de longa duração que se inicia anteriormente a própria Idade Média, esboçando-se ainda no primeiro ano de aparecimento do cris78
tianismo, em pleno início do Império Romano. Seu fim estaria justamente na transição operada pelo humanismo pós-escolástico, que coincide com o próprio desfecho da Idade Média e aurora da Idade Moderna. Sua distribuição temática e cronológica se estrutura em quatro principais períodos.
Períodos Apostólico
Fonte: Wikimedia Commons
Consolida-se, durante todo esse período, a chamada Filosofia Medieval. Como veremos à frente, as primeiras especulações filosóficas acerca da mensagem cristã já se iniciam desde o ano I, com as querelas entre os primeiros apóstolos. Não obstante, é seguramente após o século II que cada vez mais há uma preocupação com a sistematização de um conjunto de indagações e sistemas filosóficos a circundar o cerne teológico do cristianismo. Era preciso dar esse escopo racional ao cristianismo, sobretudo para o processo de conversão dos patrícios remanescentes.
O primeiro período percorre os séculos I e II, inicia-se no processo de apostolado e disseminação da fé e do pensamento cristão, sobretudo em relação aos temas morais. Entre eles se destaca a figura de Paulo de Tarso (São Paulo), pelo volume e valor literário de suas epístolas. Um dos mais célebres debates engendrados nesse período pode ser conferido no texto bíblico (1 Tiago Cap.2 v.14-26). De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo? 15 Se um irmão ou irmã estiver necessitando de roupas e do alimento de cada dia 16 e um de vocês lhe disser: “Vá em paz, aqueça-se e alimente-se até satisfazer-se”, sem porém lhe dar nada, de que adianta isso? 17 Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta. 18 Mas alguém dirá: “Você tem fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras. 19 Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem! 20 Insensato! Quer certificar-se de que a fé sem obras é inútil? 21 Não foi Abraão, nosso antepassado, justificado por obras, quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar? 22 Você pode ver que tanto a fé como as suas obras estavam atuando juntas, e a fé foi aperfeiçoada pelas obras. 23 Cumpriu-se assim a Escritura que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi creditado como justiça”, e ele foi chamado amigo de Deus.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
24 Vejam que uma pessoa é justificada por obras, e não apenas pela fé. 25 Caso semelhante é o de Raabe, a prostituta: não foi ela justificada pelas obras, quando acolheu os espias e os fez sair por outro caminho? 26 Assim como o corpo sem espírito está morto, também a fé sem obras está morta.
Para muitos teólogos e historiadores do medievo, a questão conhecida como “Querela de São Tiago” marcou uma profunda divisão interpretativa no seio do texto sagrado, em torno da questão da salvação. Muitas das comunidades cristãs primitivas orientaram-se por uma ou outra perspectiva salvífica. Para os “adeptos” de Tiago, a salvação advinha das obras – essa compreendida como prática filantrópica. Já os que seguiam as orientações paulinas, a fé era condição única e exclusiva para a salvação. Essa questão tomou enormes proporções a ponto de dividir as comunidades cristãs primitivas, motivadas também por outros temas de igual relevância (“ressurreição x reencarnação”, “pentecostes”, “interpretação sobre o juízo final” etc.). No entanto, muitos desses conteúdos foram pacificados nos diversos concílios a se formar nos séculos que se seguiram. Não obstante, a questão acerca da salvação por fé ou obras sempre foi matéria de disputa intelectual e doutrinária, impulsionando a futuras cisões significativas no seio da cristandade já institucionalizada. Os movimentos reformistas (protestantes) atestaram para a necessidade de uma correta interpretação acerca dessa questão, acusando a Igreja Católica de deturpar as concepções de Paulo de Tarso e Tiago (vistos pelos protestantes como “não contraditórios”) ao instituírem, por exemplo, a famigerada “venda de indulgências”. Assim, um problema de natureza filosófica como a questão da salvação abarca tanto a gênese da filosofia medieva quanto seu desfecho, já no prelúdio da modernidade, com as reflexões e críticas protestantes. Apologista
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Movimento que surgiu entre os séculos II e III d.C. Em uma tentativa de manter a “pureza” da fé, esses homens operavam uma espécie de apologia, defesa do cristianismo contra a filosofia pagã. Destacam-se Orígenes, Justino e Tertuliano – este último o mais intransigente na defesa da fé cristã contra a filosofia grega. Sua famosa sentença: “Credo quia absurdum” marca de forma radical doutrina conhecida como Fideísmo. Para os adeptos dessa perspectiva, a experiência da fé escaparia e transcenderia a lógica racional. Qualquer tentativa de subscrever a experiência mística nos limites estabelecidos pela razão reduziria o seu próprio significado. Assim, para os apologistas e fideístas, a fé e a experiência transcendental eram suficientes para a aceitação. A razão não somente era insuficiente para descrever qualquer experiência mística, como poderia conduzir o homem a uma própria autossuficiência enganadora. Eis a razão como muitos desses teólogos e filósofos vão se posicionar criticamente sobre os limites da mesma, inaugurando uma série de questões a serem desdobradas apenas na modernidade tardia. Um interessante texto desse período é do teólogo Orígenes. Embora reconhecido como um dos padres da igreja, ele foi condenado ao fim de sua vida por heresia. Em que pese esse fato, sua obra Contra Celso é um marco dessa fase da filosofia medieval. Celso, filósofo romano, havia escrito uma obra de forte teor contra o cristianismo. Orígenes afirma que os evangelhos possuem “(...) uma demonstração própria, mais divina do que qualquer uma estabelecida pelos dialéticos gregos”. Segundo o filósofo Bertrand Russel (1969, p.26): 79
Filosofia
Essa passagem é interessante, porque mostra o duplo argumento a favor da crença que caracteriza a filosofia cristã. Por um lado, a razão pura, exercida corretamente, basta para estabelecer o essencial da fé cristã, ou mais especialmente, de Deus, a imortalidade e o livre arbítrio. Por outro lado, porém, as escrituras provam não apenas essas partes essenciais entre si, mas muito mais; e a inspiração divina das Escrituras é provada pelo fato de que os profetas predisseram o advento do Messias, pelos milagres e pelos efeitos benéficos da crença nas vidas dos que têm fé.
Patrística A patrística foi um movimento que surgiu a partir do século III d.C. O nome é uma alusão aos chamados “Padres ou Pais da Igreja”- aqueles que se ocuparam de estabelecer uma base crítica e racional para a elaboração doutrinal da fé cristã. De modo geral, atendiam o objetivo de combater os ataques pagãos e a difusão de heresias no campo da Igreja nascente.
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O termo heresia é originário do grego haíresis (αἵρεσις), que significa literalmente “escolha” ou “opção”. Em sua acepção medieval, trata-se de uma expressão referente a uma concepção ou pensamento que diverge daquilo estabelecido oficialmente por uma religião. Com o objetivo de defender a fé católica nascente de interpretações que quebrassem a unidade que se pretendia constituir, os chamados hereges foram tipificados ao longo da história medieval, tendo suas doutrinas perseguidas e extirpadas do conjunto de dogmas oficiais. Um dogma trata-se, a seu turno, de um conjunto de doutrinas irrefutáveis e inquestionáveis, servindo de pilar para uma fé institucionalizada.
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Figura 02 - Autor: Sandro Botticelli.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
A Patrística, ao buscar elementos da própria filosofia grega na tentativa de dar o corpo racional necessário ao cristianismo, introduziu uma série de temas até então novos para a própria filosofia helênica. Em outras palavras, ao beber na fonte platônica, ressignifica seu pensamento, transpondo suas categorias e reflexões para pensar temáticas caras ao cristianismo, tais como: a criação do mundo, o pecado original, a trindade, encarnação-morte-ressureição de Deus etc.
SAIBA MAIS RENASCENÇA CAROLÍNGIA
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O principal representante da Patrística foi o filósofo Agostinho de Hipona (Sto. Agostinho). De clara influência neoplatônica, o filósofo oriundo da cidade de Targaste (hoje Argélia) teria incorporado elementos da filosofia grega em uma tentativa de harmonizar fé e razão. Diferente dos apologistas que apostavam na não reconciliação entre fé e razão (“Creio porque é absurdo”) ou daqueles que afirmavam que embora houvesse essa não reconciliação, cada uma tinha sua importância no todo. Agostinho aparece afirmando que ambas podem ser conciliáveis. No entanto, em seu “creio para compreender”, subjuga a razão à fé. Escolástica
A Escolástica é nome dado ao movimento filosófico fruto de um conjunto de transformações iniciadas ainda na chamada Renascença Carolíngia. O termo “escolástico” designava qualquer professor que lecionasse em uma das múltiplas escolas construídas a partir do regime de Carlos Magno. Posteriormente, este termo foi atribuído também àqueles professores que ensinavam filosofia e teologia, e não somente aos que se ocupavam das chamadas “artes liberais”.
Os
quatro
A renascença carolíngia foi o nome dado a um processo de resgate (“renascimento”) da cultura clássica no escopo da estrutura pedagógica e artística do século VIII. Os Carolíngios – dinastia franca que sucedeu os Merovíngios – pretendiam restabelecer o Império Romano do Ocidente. Para tanto, um resgate da cultura latina se fazia necessário, sobretudo aquelas que estavam adormecidas nas antigas cidades da Gália, por força do predomínio cristão. Assim, uma série de escolas foram construídas a mando do imperador Carlos Magno, buscando o renascer da literatura e a instituição das chamadas “Artes Liberais”. Essa reforma na cultura e na educação pretendia ser uma forma estratégica para fortalecer e unificar seu império. Assim, com o auxílio do monge beneditino Alcuíno, foi elaborado um projeto de desenvolvimento pedagógico que buscou reviver os sabres clássicos na forma de programas de estudo configurados a partir de sete artes liberais. O antigo sistema romano do Trivium e do Quadrivium foram adaptados às necessidades literárias e técnicas da época. Dessa forma, em 787 d.C foi emanado uma série de decretos que recomendavam a restauração de antigas escolas, bem como a fundação de outras novas por todo o império. Três tipos de instituições foram estabelecidas: as monacais (sob a responsabilidade dos mosteiros); catedrais (junto à sede dos bispados); e as palatinas (junto às cortes). A partir dos séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido fundadas nesse período, especialmente as escolas catedrais, ganharam a forma de universidades medievais. Todo esse conjunto de reformas sedimentou o caminho para o famigerado “Renascimento” propalado pela historiografia sobre a Idade Moderna.
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A10 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia
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Figura 03 - Autor: Karolingischer Buchmaler, evangelistas, iluminura de 820 d.C.
Filosofia
Em síntese, o movimento escolástico deu sequência às formulações patrísticas que tinham como objetivo estabelecer os princípios e dogmas da igreja nascente. Se por um lado, ao buscar a fundamentação dos dogmas, os patrísticos se ocuparam de toda uma sistematização e erudição do cristianismo, coube – por outro lado – aos escolastas a transmissão dessas construções teóricas ao maior número de pessoas possíveis, se ocupando inclusive da formação de religiosos, objetivando a disseminação racional da fé cristã. O auge da Escolástica esteve na Baixa Idade Média, entre os séculos XII e XV, tendo como principal expoente a figura de Tomás de Aquino (Sto. Tomás de Aquino). Tomás de Aquino nasceu em uma família de nobres em 1224 d.C. Estudou no Castelo de Monte Cassino, situado ao sul da Itália. Posteriormente, realizou os estudos em artes liberais, em Nápoles (1239 d.C), ingressando a seguir (1244 d.C) na Ordem dos Dominicanos. O filósofo e teólogo Tomás de Aquino estabeleceu um equilíbrio entre fé e razão, colocando fim a uma querela iniciada desde os apologistas e perpassando a própria patrística. Embora muito questionado em seu início, a harmonização tomista se tornou uma doutrina oficial da Igreja Católica. Suas obras buscaram, nesse sentido, uma sistematização da filosofia cristã, sobretudo a partir da interpretação da filosofia de Aristóteles. Entre seus principais tratados se destacam Suma Teológica e Suma contra os Gentios. Após sua santificação em 1323, pelo papa João XII, Tomás de Aquino foi proclamado “Doutor da Igreja” em 1567.
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A10 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia
Santo Agostinho - A Queda do Império Romano Sinopse: Em 430 D.C. na cidade sitiada de Hipona, o Bispo de setenta anos de idade Agostinho diz a Jovinus, um capitão dos guardas romanos, conta como sua mãe cristã, Mônica, o salvou. Nascido na cidade norte-africana de Tagaste, Agostinho estudou na Cartécea, se tornando um exímio, mas dissoluto orador. Após se converter ao Maniqueísmo, uma religião sem culpa, ele foi chamado para a corte imperial em Milão para servir como oponente contra o Bispo cristão Ambrósio. Mas quando a imperatriz Justina envia guardas imperiais para limpar uma basílica onde a própria mãe de Agostinho estava cultuando, ele se volta novamente para o cristianismo. De volta em Hippo, Agostinho encoraja o sítio Romano a negociar com o Rei Vândalo Genseric, mas eles orgulhosamente se recusam. Nesse ponto, ele também, pensando em uma oportunidade de escapar em um barco enviado para resgatá-lo pelo Papa, ele prefere ficar ao lado de seu povo. Ficha técnica: Ano: 2010 Direção: Christian Duguay Gênero: Drama Nacionalidade: Itália, Alemanha Duração: 200 minutos Estúdio/Distribuição: Warner Home Video
Conclusão Durante todo o período dito medieval, houve um intenso sincretismo entre o conhecimento clássico e as crenças religiosas. De fato, uma das principais preocupações dos filósofos medievais foi a de fornecer argumentações racionais, espelhadas nas contribuições dos gregos, para justificar as chamadas verdades reveladas da Igreja Cristã, especialmente, a da existência de Deus e a imortalidade da alma. Esses temas aparentemente poderiam ser problematizados e refletidos pela filosofia ( sempre contributo com a fé). 82
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Embora haja uma desconfiança acerca da possibilidade de uma genuína filosofia cristã, é um erro crasso taxar todo esse período com as cores do obscurantismo que pretenderam os intelectuais do Renascimento. Não se tratou de uma época em que se constituiu uma unidade: houve retrocessos econômicos e perseguições culturais, assim como ressignificações no campo político e posteriores florescimentos no campo das artes e da filosofia. BIBLIOGRAFIA BOEHNER, Philoteus; GILSON, Etienne. História da filosofia cristã: desde às origens até Nicolau de Cusa. 8a edição, Petrópolis: Vozes, 2003. HAMMAN, Adalbert G. Para ler os Padres da Igreja. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1997. HIRSCHBERGER, Johannes. História da Filosofia na Idade Média. Trad. Alexandre Correia. São Paulo: Herder, 1966. LARA, Tiago Adão. Curso de história da filosofia: A filosofia nos tempos e contratempos da cristandade ocidental. Petrópolis, Vozes, 1999. RUSSEL Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Bueno Silveira. 3 ed. São Paulo: Cia. Editorial Nacional, 1969 SPINELLI, Miguel. Helenização e recriação de sentidos: a filosofia na época da expansão do cristianismo, séculos II, III, e IV. 2ª Edição Revisada e Ampliada. Caxias do Sul: EDUCS (Editora Universidade de Caxias do Sul), 2015. STÖRIG, Hans Joachim. História Geral da Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2008.
01 Resposta esperada: Sim. Conforme tal religião tomava espaço, percebemos que a escravidão passou a ser vista como um tipo de prática contrária aos valores do cristianismo. Afinal de contas, na medida em que via o seu próximo como a um irmão, o indivíduo convertido ao cristianismo não mais aceitava a escravidão como prática aceitável. 02 Resposta esperada: Os cristãos rejeitavam o culto ao imperador – prática insuflada, principalmente, após o governo de Júlio César. Além disso, os cristãos defendiam um princípio de isonomia espiritual: todos eram iguais perante os olhos de Deus, sejam eles patrícios ou escravos. Isso certamente representava uma afronta à perspectiva classista e excludente romana – algo generalizado no mundo antigo. 03 Resposta esperada: O Édito de Milão ou Mediolano foi promulgado em 13 de junho de 313 d.C pelo Imperador Constantino. Tratou-se de um documento que assegurava a tolerância e liberdade de culto aos cristão. A medida tomada pelo imperador marcou o início da aproximação e identificação do Império Romano com o Cristianismo nascente. 04 Resposta esperada: Harmonizar ou dissociar fé e razão; desenvolver uma base de argumentação racional para o cristianismo. 05 Resposta esperada: Período Apostólico, Apologético, Patrístico e Escolástico.
Exercícios de Fixação 01. É possível empreender alguma relação entre a crise do Império Romano e a disseminação do cristianismo? Justifique sua resposta.
03. De que assunto tratou o chamado “Édito de Milão”?
02. De modo geral, o que era fonte constante de divergências entre as concepções de mundo e sociedade cristã e romana?
05. A Filosofia Medieval é dividia em quatro principais períodos. Quais são eles?
A10 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia
04. Quais são os principais objetivos da Filosofia Medieval?
Exercícios Complementares 01. (Fuvest SP) Várias razões explicam as perseguições sofridas
02. Os estudos recentes sobre a Idade Média avaliam esse perí-
pelos cristãos no Império Romano, entre elas:
odo da história como um(a):
a) a oposição à religião do Estado Romano e a negação da
a) período de dez séculos durante o qual houve intensa ati-
origem divina do Imperador, pelos cristãos. b) a publicação do Edito de Milão que impediu a legalização do Cristianismo e alimentou a repressão. c) a formação de heresias como a do Arianismo, de autoria do bispo Ário, que negava a natureza divina de Cristo. d) a organização dos Concílios Ecumênicos, que visavam promover a definição da doutrina cristã. e) o fortalecimento do Paganismo sob o Imperador Teodósio, que mandou martirizar milhares de cristãos.
vidade industrial e comercial, sendo a cultura intelectual exclusividade dos mosteiros e da Igreja. b) período de obscurantismo e atraso cultural- a longa noite de mil anos - em virtude do desprezo dado à herança intelectual grega e romana da época precedente. c) época que pode ser chamada de “Idade das Trevas”, em razão do predomínio da Igreja, que, com sua ideologia, contribuiu para a estagnação cultural, a opressão política e o fanatismo religioso.
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Filosofia
d) época que não se constitui uma unidade: em sua primeira fase, houve retrocesso cultural e econômico, porém, posteriormente, ressurgiu a vida econômica e houve grande florescimento cultural. 03. (FGV) - O Edito de Milão (313), no processo de desenvolvimento histórico de Roma, reveste-se de grande significado, tendo em vista que a) combateu a heresia ariana, acabando com a força política dos bispados de Alexandria e Antioquia. b) tornou o cristianismo a religião oficial de todo Império Romano, terminando com a concepção de rei-deus. c) acabou inteiramente com os cultos pagãos que então dominavam a vida religiosa. d) deu prosseguimento à política de Deocleciano de intenso combate à expansão do cristianismo. e) proclamou a liberdade do culto cristão passando Constantino a ser o protetor da Igreja. 04. (Enem MEC) Considere os textos abaixo. Texo 1 ”(...) de modo particular, quero encorajar os crentes empenhados no campo da filosofia para que iluminem os diversos âmbitos da atividade humana, graças ao exercício de uma razão que se torna mais segura e perspicaz com o apoio que recebe da fé.” (Papa João Paulo II. Carta Encíclica Fides et Ratio aos bispos da Igreja católica sobre as relações entre fé e razão, 1998)
Texto 2 “As verdades da razão natural não contradizem as verdades da A10 A transição para o mundo romano cristão e a sobrevivência da Filosofia
fé cristã.”
(Santo Tomás de Aquino – pensador medieval)
zão era a única forma verdadeira de conhecimento sobre o mundo e sobre as coisas. c) uma doutrina religiosa que queria extinguir o pensamento racional da realidade medieval. d) teve como uma das principais preocupações fornecer argumentações racionais, espelhadas nas contribuições dos gregos, para justificar as chamadas verdades reveladas do cristianismo. 06. Para a Filosofia Cristã, a Filosofia se tornou/foi a) a única representante da fé cristã, por muitos séculos. b) um instrumento para demonstrar racionalmente as verdades da fé. c) uma área de conhecimento desprezada pelos religiosos que não viam a necessidade de comprovação racional dos preceitos religiosos. d) um canal direto com as verdades que só poderiam ser percebidas pelo Espírito Santo. 07. Para a Filosofia Cristã Medieval a relação entre a fé e a razão era de a) subordinação da fé em favor da razão. b) subordinação da razão em favor da fé. c) conciliação igualitária entre a fé e a razão. d) negação de ambas como meios para se alcançar a verdade sobre as coisas. 08. (Ufu MG) Na medida em que o Cristianismo se consolidava, a partir do século II, vários pensadores, convertidos à nova fé e, aproveitando-se de elementos da filosofia greco-romana que eles conheciam bem, começaram a elaborar textos sobre a fé
Refletindo sobre os textos, pode-se concluir que: a) a encíclica papal está em contradição com o pensamento de Santo Tomás de Aquino, refletindo a diferença de épocas.
e a revelação cristãs, tentando uma síntese com elementos
b) a encíclica papal procura complementar Santo Tomás de Aquino, pois este colocava a razão natural acima da fé. c) a Igreja medieval valorizava a razão mais do que a encíclica de João Paulo II. d) o pensamento teológico teve sua importância na Idade Média, mas, em nossos dias, não tem relação com o pensamento filosófico. e) tanto a encíclica papal como a frase de Santo Tomás de Aquino procuram conciliar os pensamentos sobre fé e razão.
Cristianismo. Esses pensadores ficaram conhecidos como os
05. A Filosofia Medieval foi a) um resgate da filosofia clássica no que diz respeito ao questionamento constante do que estava relacionado ao mito e à religião.
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b) um instrumento de estudo que visava comprovar que a ra-
da filosofia grega ou utilizando-se de técnicas e conceitos da filosofia grega para melhor expor as verdades reveladas do Padres da Igreja, dos quais o mais importante a escrever na língua latina foi santo Agostinho. COTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia: Ser, Saber e Fazer. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 128. (Adaptado)
Esse primeiro período da filosofia medieval, que durou do século II ao século X, ficou conhecido como a) Escolástica. b) Neoplatonismo. c) Antiguidade tardia. d) Patrística.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A11
A PATRÍSTICA AGOSTINIANA E A RELEITURA DO PENSAMENTO PLATÔNICO O movimento da Patrística teve como nome mais proeminente a figura de Santo Agostinho. Nascido em 354 d.C na cidade de Targaste (hoje, Sou-Ahras, na Argélia), Aurélio Agostinho estudou em Cartago, Roma e Milão. Seu foco nos estudos de retórica o habilitou a se tornar professor – ofício que exerceu até entrar em uma crise espiritual que o levou anos depois a sua conversão ao cristianismo. Embora tenha vivido em um período que antecede o fim do Império Romano, ele é tido como um dos pensadores mais influentes da Filosofia Medieval. Morreu aos 75 anos, ocupando o posto de Bispo de Hipona, região ao norte da África.
ASSUNTOS ABORDADOS nn A patrística agostiniana e a re-
leitura do pensamento platônico nn Neoplatonismo e a teoria da iluminação divina
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Embora canonizado pela Igreja, levado à condição de santo, Agostinho não teve sua vida integral dedicada à fé e à moral cristã. Segundo Bertrand Russel (1969, p.19): (…) aos dezenove anos, tendo terminado com êxito o estudo da retórica, foi atraído pela filosofia de Cícero. Tentou ler a Bíblia, mas achou que ela carecia de dignidade ciceroniana. Foi nessa época que se tornou maniqueu, o que afligiu sua mãe. Era, por profissão, professor de retórica. Dedicou-se à astronomia, à qual, no fim da vida, foi contrário, porque ensina que “a causa inevitável de teu pecado está no céu”. Lia filosofia, toda a que podia ser lida em Latim; refere-se, particularmente, às Dez Categorias de Aristóteles, que diz ele, compreendeu sem o auxílio de professor.
Figura 01 - Philippe de Champaigne (1602-1674), Sainta Augustin.
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Filosofia
A11 A patrística agostiniana e a releitura do pensamento platônico
Figura 02 - Leaf from a Manichaean Book. Khocho, Ruin K. 8th/9th century AD. Painting on paper. 17.2x 11.2 cm. III 6368.
O maniqueísmo foi uma doutrina persa criada no século III por Maniqueu . Teve muitos adeptos na região da Ásia (Índia e China) chegando até o império romano. Seu princípio primordial assenta na ideia de que o universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos. Maniqueu nasceu no ano de 216 d.C. Com um viés missionário, pregou na Índia durante o império persa, sob a proteção do soberano Shapur I. No entanto, entre os anos de 274 a 226, foi perseguido pelos sacerdotes do zoastrismo durante o reinado de Bahram I. Faleceu em 227 d.C. na cidade de Gundeshapur. Maniqueu acreditava ter recebido a mensagem de um anjo o incentivando ao messianismo. Além disso, acreditava também ser o último de uma longa sucessão de profetas, que teria começado com Adão, passado por Buda e Zoroastro, culminando em Jesus. Defendia que possuía uma doutrina universal capaz de superar todas as demais religiões existentes. Teoricamente, o maniqueísmo trata de uma filosofia dualista, segundo a qual a salvação depende do conhecimento da verdade espiritual. Ensina que a vida terrena é dolorosa e só por meio da iluminação podemos transcender essa condição. A matéria representa a polaridade do mal, na qual a alma humana encontra-se presa pelo corpo. Compete, então, à inteligência operar sua libertação.
Sua conversão ao cristianismo resultou da negação a doutrinas e escolas de pensamento antes professadas. Não obstante, Agostinho transpõe para o cerne da filosofia cristã uma reflexão que encontra nessas abordagens um fio condutor. Destaca-se o ceticismo do período helenísticos, assim como o neoplatonismo e o maniqueísmo. A seguir, apresentaremos uma síntese sobre essas escolas, e a forma como Agostinho se apropria de métodos, reflexões e temas, ressignificando-as para a ótica da filosofia cristã. 86
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Figura 03 - Jovem Cícero Lendo. Afresco de 1464. Por Vincenzo Foppa, atualmente na Wallace Collection, em Londres.
Marco Túlio Cícero foi um orador, filósofo e político romano, nascido em 106 a.C. Em 63 a.C. Foi eleito cônsul das gens Túlia da Roma republicana junto com Caio Antônio Híbrida. No campo intelectual, foi responsável por introduzir aos romanos as principais escolas da filosofia helênica, criando um vocabulário filosófico latino. Destacou-se, por esse feito, como um dos principais tradutores das obras gregas para o latim. Sua influência nessa língua também se destaca, sobretudo pela caracterização de seu estilo de escrita em prosa. Segundo Antony Everitt (2003, p.269), Cícero foi declarado um “pagão justo” pela Igreja Católica, tendo suas obras consideradas dignas de serem preservadas. Dos seus trabalhos produzidos, restaram seis obras sobre retórica e oito sobre filosofia. De seus discursos, restaram cinquenta e oito. Destacam-se, sobretudo, as cartas que escrevera e trocara com uma variedade enorme de figuras públicas e privadas, dentre eles César, Pompeu, Otaviano e Marco Aurélio. Tais missivas são de extrema importância, pois relatam diversos eventos relacionados à queda da república romana – sendo portanto um relevante documento historiográfico. Embora tenha sido um homem de enorme importância em Roma, Cícero foi considerado “inimigo de Estado” assim que Marco Antônio formou o triunvirato ao lado de Octaviano e Lépido. Embora contando com grande apreço popular, inclusive a simpatia de Octaviano, ainda assim Cícero foi capturado em 7 de dezembro de 43 a.C., quando tentava fugir para a Macedônia. Foi decapitado e suas partes pregadas na entrada do Fórum Romano.
Neoplatonismo e a teoria da iluminação divina O platonismo havia sobrevivido às reorientações temáticas do período helenístico. A Academia teve uma sobrevida até o ano de sua extinção em 529 d.C., coexistindo com as demais escolas e tendências, inclusive o próprio cristianismo. O chamado “Médio Platonismo” se traduziu pela in-
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Durante o século III d.C., o médio platonismo passar por uma reorientação, vindo a se configurar no conhecido neoplatonismo. Embora essa escola de matriz platônica tenha sido fundada por Amônio de Sacas, tem-se no filósofo Plotino (205-270 d.C.) o seu principal expoente e divulgador. Assim como na tendência anterior, o neoplatonismo evidenciou-se pela mistura entre religiosidade e racionalidade que caracterizou o período de transição entre a filosofia pagã (grega; não cristã) para a filosofia cristã.
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Plotino (205 – 270 d.C, Egito) foi um dos principais filósofos de língua grega do mundo antigo. Segundo seu principal biógrafo, Plotino tinha 66 anos de idade quando morreu, durante o segundo ano do reinado do imperador Cláudio II. Suas últimas palavras ao médico Eustóquio foram: “Procurai sempre conjugar o divino que há em vós com o divino que há no universo”. Embora nunca tenha se manifestado sobre o cristianismo, e tendo no platonismo sua principal matriz, a teoria de Plotino ofereceu uma alternativa a ideia da ortodoxia cosmogônica cristã. Para o filósofo, tudo emana de uma fonte única. Deus (ou o uno) é a fonte de onde emana todos os seres que permanecem transcendentes a ele em sua própria natureza. Nada que seja exterior a ele o afeta, o diminui... Plotino usa a metáfora do sol para exemplificar esse entendimento: tal qual astro-rei que emana luz indiscriminadamente sem, contudo, diminuir a si mesmo, o mesmo vale para o Uno.
No neoplatonismo de Plotino, a concepção dualista de Platão é resgatada. Mantém-se a sobreposição entre mundo inteligível e mundo sensível, reforçada e transfigurada em um sistema de explicação da realidade. Deus seria o sumo bem, de onde todas as coisas emanariam. No entanto, a matéria seria uma derivação imperfeita das coisas perfeitamente emanadas por Deus. Daí, por se manifestar no polo oposto da perfeição (Deus a se confluir com o logos no mundo inteligível), a matéria seria maléfica, dada a sua própria imperfeição.
A alma humana, para o neoplatonismo, seria uma emanação direta de Deus, sendo, portanto, inteligível e divina. Na totalidade cósmica, a alma humana deve se voltar ao criador (Deus), por meio de um ato de purificação. Esse seria o afastamento das coisas sensíveis, se dedicando à profunda meditação. Cabe à filosofia o papel de mediador para o esclarecimento do homem sobre sua natureza divina e necessidade de retorno à mesma. Agostinho, influenciado por essa escola, traz à tona a questão do dualismo platônico e da mediação filosófica para o terreno da questão do acesso a Deus, da salvação e da forma como concebemos o conhecimento. Em uma célebre citação na obra A cidade de Deus, Agostinho (2014, p. 381) afirma: O nome filósofo (…) significaria “amor à sabedoria”. Pois bem, se a sabedoria é Deus, por quem foram feitas todas as coisas, como demonstraram a autoridade divina e a verdade, o verdadeiro filósofo é aquele que ama Deus. Mas, como a realidade encerrada em tal nome não constitui patrimônio de todos quantos o trazem (não amam a verdadeira sabedoria todos quantos se chama filósofos), torna-se preciso escolher, entre aqueles cujas sentenças e escritos podemos conhecer, com quem tratar dignamente a referida questão.
Para a Agostinho, só poderia ser considerado filósofo aquele que buscasse a verdade em Deus, pois essa seria a expressão da própria sabedoria. Entretanto, a totalidade do conhecimento seria impossível ao homem, daí a noção de mistério e a caracterização da infinitude divina. O homem, por ser finito e limitado, tem acesso à parte dessa sabedoria, nunca a sua completude. O acesso ao entendimento superior (ainda que também limitado) só se daria mediante a conjugação com a fé. Daí a sobreposição que Agostinho faz em relação à fé e à razão: a primeira nos conduz à salvação e a Deus, a segunda, nos esclarece sobre a necessidade de crer. Ambas conduziriam o homem ao mais alto, penetrando mais profundamente no mistério divino. Dessa forma, ao contrário dos apologistas, Agostinho não se opõe à filosofia, ainda que de matriz grega. Afirma que a indagação racional – ainda que tenha surgido entre ao paganismo antes da era cristã – era importante pois instigaria o homem a aprender sobre as verdades eternas. A máxima agostiniana “Compreender para crer, crer para compreender” aplica-se plenamente nessa conjugação que o filósofo de Hipona pretende entre fé e razão. Agostinho, profundamente interessado pelo pensamento de Plotino apropria-se de sua teoria, cristianizando-a. Assim como na doutrina do filósofo egípcio e representante máximo do neoplatonismo, para Agostinho o Uno (ou o Deus cristão) era um ser eterno, imutável, onisciente e absoluto, criador (por emanação) de todas as coisas existentes, sendo, a seu turno, autocriado. Em sua seminal obra Confissões (1987, p.117), afirma: 87
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corporação ao pensamento platônico da tendência cética e de uma espécie de ecletismo, no qual abarcou confluências místico-religiosas em suas bases.
Filosofia
Examinai todas as coisas que estão abaixo de Vós e vi que nem existem absolutamente, nem totalmente deixam de existir. Por um lado existem, pois provém de Vós; por outro não existem, pois não são aquilo que Vós sois. Ora, só existe verdadeiramente o que permanece imutável
Embora a influência da filosofia clássica, e em especial do neoplatonismo, esteja patente na patrística, sobretudo no pensamento de Agostinho, seus limites são pontuados e reorientados pelo filósofo de Hipona. Embora questões como a imaterialidade, a imanência e emanência, a eternidade e imutabilidade tenham sido conceitos problematizados pelos filósofos antigos, faltou a eles, no entanto, uma “chave de acesso” à verdade maior. De modo sucinto, por terem existido cronologicamente antes do logos encarnado (Cristo) – ou por desconhecerem a possibilidade de junção entre os elementos da fé cristã e da razão – tiveram acesso apenas superficial e limitado à totalidade. Desconheciam, portanto, o “verbo divino”, o único capaz – na perspectiva cristã – de levar a alma humana à elevação e à sua própria libertação. O erro (ou equívoco) que os filósofos gregos incorreram é porque buscaram uma razão individualizada, tentando fundamentar o logos em si mesma, sem a mediação daquele que se fez carne. O cap. 1, vs.14 do Evangelho segundo São João afirma: “(...) E o logos se fez carne, e habitou entre nós”. Na sequência, no cap. 14, vs. 6: “(...) Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
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Ora, aos filósofos não cristãos faltava exatamente essa mediação do salvador, que só poderia ser alcançada mediante a graça e a fé. Continuamente, Agostinho de Hipona expressa em suas teorizações justamente essa adaptação do pensamento dicotômico próprio da tradição (neo) platônica, sem, contudo, resvalar no maniqueísmo que outrora professara. Em diversas de suas obras, argumenta em favor da superioridade da alma humana, isto é, a supremacia do espírito sobre o corpo, a matéria. Para ele, a alma teria sido criada por Deus para reinar sobre o corpo, para dirigi-lo à prática do bem. O homem pecador, entretanto, utilizando-se do livre arbítrio, costumaria inverter essa relação, fazendo o corpo assumir o governo da alma. Provocaria, com isso, a submissão do espírito à matéria, o que seria, para ele, equivalente à subordinação do eterno ao transitório, da essência à aparência. É preciso, portanto, um caminho inverso que conduza o homem à santidade, tornando-se digno da graça salvífica. Sobre as implicações éticas dessa concepção, trataremos mais à frente. Importa considerar como Agostinho constrói 88
sua teoria do conhecimento valendo-se desse princípio a partir da atualização do pensamento (neo)platônico. Para operar sua teoria sobre os modos de conhecer, novamente se coloca a questão sobre a possível relação (ainda que hierárquica) entre fé e razão. É necessário “crer para conhecer”, dirá o filósofo de Hipona. A fé é, portanto, “condição necessária”; a razão, a seu turno, como “condição assessória”. Em sua obra O Livre Arbítrio (2014, p.81), Agostinho expressa a necessidade da crença em algo para que isso se faça conhecido, demandando a também condição de que somente o homem é capaz de conhecer: Por serem três as realidades: o ser, o viver e o entender. É verdade que a pedra existe e o animal vive. Contudo, ao que me parece a pedra não vive. Nem o animal entende. Entretanto, estou certíssimo de que o ser que entende possui também a existência e a vida. É porque não hesito em dizer: o ser que possui essas três realidades é melhor do que aquele que não possui senão uma ou duas delas.
O ser humano é, portanto, aquele que detém essas três dimensões: vida, existência e possibilidade de entendimento, visto que é o único ser dotado de razão e apropriado para apreciar a Deus, já que a própria razão o impele a necessidade de fé. A razão permanece no caminho da inteligência, já que aquele que tem fé deve prosseguir procurando entender para além dos limites da própria razão. Ainda assim, fé e razão não estão em polos opostos e uma demanda da outra. Sem a fé, a razão resvala em seus limites e pode levar o homem a um ceticismo absoluto, tal qual ocorreu com os sofistas e helenísticos da escola pirrônica. Novamente, assim como a senda necessária para ascensão ao Uno perpassa pela fé, somente por meio dela é que a razão se ilumina para melhor compreender, sem correr os riscos que esta – isoladamente – conduziria. Há, portanto, em Agostinho uma evidente ligação existente entre a Iluminação Divina e a busca de Deus pela inteligência. Para Agostinho, todo indivíduo busca uma aproximação com sua fonte originária. Ao tomar como princípio o monoteísmo cristão, essa busca deságua no próprio criador, Deus – que é o caminho para a verdade, sendo ele mesmo a própria verdade. Porém, como a inteligência é limitada, ela carece de ser iluminada para que se desvele a própria verdade (Aleteia) nele. Ao nascer, o homem já traz impresso no intelecto/alma as marcas de Deus. Conhecer a verdade é possível, portanto, porque as ideias, as verdades, estão presentes em nosso intelecto e Deus nos concede a graça de iluminá-las, para que possamos conhecê-las. As ideias, no entanto, não são inatas, mas presentes em nós como reflexos da verdade divina, como um presente que Deus nos oferece.
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BIBLIOGRAFIA AGOSTINHO. A Cidade de Deus. 2 ed. Petrópolis: São Paulo: Bragança Paulista: Vozes; Federação Agostiniana Brasileira; Editora Universitária São Francisco, 2014. ______. O livre-arbítrio. São Paulo: Paulus, 2014a. ______. Confissões. Tradução de Maria Luiza Jardim Amarante. 11ª ed. São Paulo: Paulus, 1984. BOHENER, P.; GILSON, E. Historia da filosofia cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa. Ed. Vozes. 12º ed. 2009, Petrópolis, RJ Tradução de Raimundo Vier. EVERITT, Antony. Cicero: The Life and Times of Rome’s Greatest Politician. Randon House Trade Paperback Edition: 2003. FILHO, M. A. N. A Razão em Exercício: Estudos sobre a filosofia de Agostinho. 2.ed. São Paulo: Discurso Editorial: Paulus, 2009. JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
01 Resposta esperada: Movimento intelectual dos padres da Igreja, que buscou, à luz da filosofia de Platão, fundamentar racionalmente os dogmas cristãos, aliando a fé à razão: “a razão é auxiliar da fé e a ela se subordina”. O movimento da Patrística teve como nome mais proeminente a figura de Santo Agostinho. 02 Resposta esperada: A conversão de Agostinho ao cristianismo resultou da negação a doutrinas e escolas de pensamento antes professadas. Destaca-se o ceticismo do período helenísticos, assim como o neoplatonismo e o maniqueísmo. 03 Resposta esperada: A alma humana, para o neoplatonismo, seria uma emanação direta de Deus, sendo, portanto, inteligível e divina. 04 Resposta esperada: Na totalidade cósmica, a alma humana deve se voltar ao criador (Deus), através de um ato de purificação. Esse seria o afastamento das coisas sensíveis, se dedicando à profunda meditação. Cabe à filosofia o papel de mediador para o esclarecimento do homem sobre sua natureza divina e necessidade de retorno à mesma.
RUSSEL Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Bueno Silveira. 3 ed. São Paulo: Cia. Editorial Nacional, 1969.
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A11 A patrística agostiniana e a releitura do pensamento platônico
Figura 04 - Screenshot de uma cena do filme.
SINOPSE Com direção do mestre italiano Roberto Rossellini (Roma, Cidade Aberta), Santo Agostinho é uma cinebiografia de Agostinho de Hipona (354- 430), um dos grandes nomes do Cristianismo e um dos maiores filósofos da Humanidade. Rossellini focaliza a principal fase da vida e da obra de Agostinho: o momento em que se torna bispo de Hipona. Com rigor histórico e realismo, o filme mostra seu combate aos heréticos donatistas, a sua famosa oratória, suas ideias e a realização de seus principais livros, como Confissões e Cidade de Deus. Inédito no Brasil, Santo Agostinho é um dos melhores trabalhos de Rossellini e uma oportunidade imperdível de se conhecer um pouco mais sobre a vida e a obra de Santo Agostinho. Título original: Agostino D’Ippona Ano produção: 1972 Direção: Roberto Rossellini Duração: 121 minutos Gênero: Biografia/ Drama Países de Origem: Itália
Exercícios de Fixação 01. Em linhas gerais, o que foi a Patrística e qual o seu principal representante?
04. Qual o objetivo da alma humana para o neoplatonismo e qual o papel da filosofia nessa mediação?
02. Agostinho, no contexto de sua conversão, ao mesmo tempo que negou antigas filosofias apropriou-se de muitas de suas categorias e reflexões. Quais teriam sido essas escolas?
05. Para a patrística agostiniana, quem, verdadeiramente, pode ser chamado de filósofo? Resposta esperada: Para a Agostinho, só poderia ser considerado filósofo aquele que buscasse a verdade em Deus, pois esse seria a expressão da própria sabedoria.
03. O que seria a alma humana para o neoplatonismo?
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Filosofia
Exercícios Complementares 01. A Patrística é o primeiro momento da filosofia cristã. Sobre essa tendência filosófica, leia as seguintes afirmativas: I. A Patrística é um movimento de pensadores cristãos que procura justificar teórica e filosoficamente a concepção de vida e de mundo depreendida da Bíblia. II. Boécio não é considerado um pensador da Patrística. III. Plotino é um pensador considerado como participante da patrística. IV. A Patrística sempre rejeitou a filosofia Greco-romana em seu todo. V. Santo Agostinho é considerado o maior pensador da Patrística latina. VI. Um dos temas fundamentais da Patrística é a discussão do sentido da Santíssima Trindade. Assinale a alternativa CORRETA: a) Somente as afirmativas I,II e IV são corretas. b) Somente as afirmativas I,II,V e VI são corretas. c) Somente as afirmativas III, V e VI são corretas. d) Somente as afirmativas I,V e VI são corretas. e) Somente as afirmativas II, V e VI são corretas.
A11 A patrística agostiniana e a releitura do pensamento platônico
02. (Ufu MG) - A Patrística (séculos II ao V d.C.) é o movimento intelectual dos primeiros padres da Igreja, destinado a justificar a fé cristã, tendo em vista a conversão dos pagãos. Sobre a Patrística pode-se afirmar, com certeza: I. assume criticamente elementos da filosofia platônica na tentativa de melhor fundamentar a doutrina cristã. II. considera que as verdades da razão estão sempre em contradição com as verdades reveladas por Deus. III. incorpora as teses da metafísica aristotélica para fundar uma teologia estritamente racionalista. IV. considera a razão como auxiliar da fé e a ela subordinada, tal como expressa a frase de Sto. Agostinho “creio para poder entender”. a) II e IV são corretas. b) I e IV são corretas. c) III e IV são corretas. d) Apenas II é correta 03. (Ucisal AL) A filosofia de Santo Agostinho é essencialmente uma fusão das concepções cristãs com o pensamento platônico. Subordinando a razão à fé, Agostinho de Hipona afirma existirem verdades superiores e inferiores, sendo as primeiras compreendidas a partir da ação de Deus. Como se chama a teoria agostiniana que afirma ser a ação de Deus que leva o homem a atingir as verdades superiores? a) Teoria da Predestinação. b) Teoria da Providência c) Teoria Dualista. d) Teoria da Emanação. e) Teoria da Iluminação.
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04. (Ufu MG) Considere o trecho abaixo. “Quando, pois, se trata das coisas que percebemos pela mente (...). estamos falando ainda em coisas que vemos como presentes naquela luz interior da verdade, pela qual é iluminado e de que frui o homem interior. Santo Agostinho. Do Mestre. São Paulo: Abril Cultural. 1973. p. 320. (Os Pensadores)
Segundo o pensamento de Santo Agostinho, as verdades contidas na filosofia pagã provêm de que fonte? Assinale a alternativa correta. a) De fonte diferente de onde emanam as verdades cristãs, pois há oposição entre as verdades pagãs e as verdades cristãs. b) Da mesma fonte de onde emanam as verdades cristãs, pois não há oposição entre as verdades pagãs e cristãs. c) De Platão, por ter chegado a conceber a ideia Suprema do Bem. d) De Aristóteles, por ter concebido o Ser Supremo corno primeiro motor imóvel. 05. (Ufu MG) A filosofia de Agostinho (354 – 430) é estreitamente devedora do platonismo cristão milanês: foi nas traduções de Mário Vitorino que leu os textos de Plotino e de Porfírio, cujo espiritualismo devia aproximá-lo do cristianismo. Ouvindo sermões de Ambrósio, influenciados por Plotino, que Agostinho venceu suas últimas resistências (de tornar-se cristão). PEPIN, Jean. Santo Agostinho e a patrística ocidental. In: CHÂTELET, François (org.) A Filosofia medieval. Rio de Janeiro Zahar Editores: 1983, p. 77.
Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Platão, por meio dos escritos de Plotino, o pensamento de Agostinho apresenta muitas diferenças se comparado ao pensamento de Platão. Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma dessas diferenças. a) Para Agostinho, é possível ao ser humano obter o conhecimento verdadeiro, enquanto, para Platão, a verdade a respeito do mundo é inacessível ao ser humano. b) Para Platão, a verdadeira realidade encontra-se no mundo das Ideias, enquanto para Agostinho não existe nenhuma realidade além do mundo natural em que vivemos. c) Para Agostinho, a alma é imortal, enquanto para Platão a alma não é imortal, já que é apenas a forma do corpo. d) Para Platão, o conhecimento é, na verdade, reminiscência, a alma reconhece as Ideias que ela contemplou antes de nascer; Agostinho diz que o conhecimento é resultado da Iluminação divina, a centelha de Deus que existe em cada um. 06. (Ufu MG) “Assim até as coisas materiais emitem um juízo sobre as suas formas, comparando-as àquela Forma da eterna Verdade e que intuímos com o olhar de nossa mente.” (Sto. Agostinho, A Trindade, Livro IX, Capítulo 6. São Paulo, Paulus, 1994. p. 299)
Ciências Humanas e suas Tecnologias
a) teologia mística de Agostinho, que se funda na experiência imediata da alma humana com Deus. b) moral agostiniana que propõe ao homem regras para uma vida santa e ascética, apartada do mundo. c) doutrina da iluminação que afirma que o conhecimento humano é iluminado pela Verdade Eterna, isto é, Deus. d) estética intelectualista de Agostinho, que consiste num profundo desprezo pela sensibilidade humana. 07. (Ufu MG) Leia o trecho extraído da obra Confissões. Quem nos mostrará o Bem? Ouçam a nossa resposta: Está gravada dentro de nós a luz do vosso rosto, Senhor. Nós não somos a luz que ilumina a todo homem, mas somos iluminados por Vós. Para que sejamos luz em Vós os que fomos outrora trevas. SANTO AGOSTINHO. Confissões IX. São Paulo: Nova Cultural,1987. 4, l0. p.154. Coleção Os Pensadores
Sobre a doutrina da iluminação de Santo Agostinho, marque a alternativa correta. a) A irradiação da luz divina faz com que conheçamos imediatamente as verdades eternas em Deus. Essas verdades, necessárias e eternas, não estão no interior do homem, porque seu intelecto é contingente e mutável. b) A irradiação da luz divina atua imediatamente sobre o intelecto humano, deixando-o ativo para o conhecimento das verdades eternas. Essas verdades, necessárias e imutáveis, estão no interior do homem. c) A metáfora da luz significa a ação divina que nos faz recordar as verdades eternas que a alma possuía antes de se unir ao corpo. d) A metáfora da luz significa a ação divina que nos faz recordar as verdades eternas que a alma possuía e que nela permanecem mediante os ciclos da reencarnação 08. (Ufu MG) Agostinho formula sua teoria do conhecimento a partir da máxima “creio tudo o que entendo, mas nem tudo que creio conheço”. A posição do autor não impede que cada um busque a sabedoria com suas próprias forças; o que ainda não é conhecido pode ser revelado mediante a consulta da verdade interior. Com base neste argumento, assinale a alternativa correta. a) É incorreto afirmar que a verdade interior que soa no íntimo das pessoas seja o Cristo; e o arbítrio humano é consultado sobre o que não se conhece. b) As coisas que ainda não conhecemos só podem ser percebidas pelos sentidos do corpo e podem ser comunicadas facilmente por intermédio das palavras. c) A verdade interior está à disposição de cada um e encontra-se armazenada na memória, de modo que o uso da memória dispensa a contemplação da luz interior.
d) A verdade interior só pode ser percebida pelo homem interior, que é iluminado pela luz desta verdade interior, que é contemplada por cada um. 09. (Ufu MG) A filosofia de Agostinho (354 – 430) é estreitamente devedora do platonismo cristão milanês: foi nas traduções de Mário Vitorino que leu os textos de Plotino e de Porfírio, cujo espiritualismo devia aproximá-lo do cristianismo. Ouvindo sermões de Ambrósio, influenciados por Plotino, que Agostinho venceu suas últimas resistências (de tornar-se cristão). PEPIN, Jean. Santo Agostinho e a patrística ocidental. In: CHÂTELET, François (org.) A Filosofia medieval. Rio de Janeiro Zahar Editores: 1983, p. 77.
Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Platão, por meio dos escritos de Plotino, o pensamento de Agostinho apresenta muitas diferenças se comparado ao pensamento de Platão. Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma dessas diferenças. a) Para Agostinho, é possível ao ser humano obter o conhecimento verdadeiro, enquanto, para Platão, a verdade a respeito do mundo é inacessível ao ser humano. b) Para Platão, a verdadeira realidade encontra-se no mundo das Ideias, enquanto para Agostinho não existe nenhuma realidade além do mundo natural em que vivemos. c) Para Agostinho, a alma é imortal, enquanto para Platão a alma não é imortal, já que é apenas a forma do corpo. d) Para Platão, o conhecimento é, na verdade, reminiscência, a alma reconhece as Ideias que ela contemplou antes de nascer; Agostinho diz que o conhecimento é resultado da Iluminação divina, a centelha de Deus que existe em cada um. 10. (Ufu MG) Segundo o texto abaixo, de Agostinho de Hipona (354-430 d. C.), Deus cria todas as coisas a partir de modelos imutáveis e eternos, que são as ideias divinas. Essas ideias ou razões seminais, como também são chamadas, não existem em um mundo à parte, independentes de Deus, mas residem na própria mente do Criador, [...] a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas, antes de serem criadas [...]. Sobre o Gênese, V Considerando as informações acima, é correto afirmar que se pode perceber: a) que Agostinho modifica certas ideias do cristianismo a fim de que este seja concordante com a filosofia de Platão, que ele considerava a verdadeira. b) uma crítica radical à filosofia platônica, pois esta é contraditória com a fé cristã. c) a influência da filosofia platônica sobre Agostinho, mas esta é modificada a fim de concordar com a doutrina cristã. d) uma crítica violenta de Agostinho contra a filosofia em geral.
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A11 A patrística agostiniana e a releitura do pensamento platônico
Esta frase de Sto. Agostinho refere-se à
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A12
ASSUNTOS ABORDADOS nn A escolástica em Tomás de
Aquino e retomada da filosofia aristotélica nn As cinco provas da existência de Deus e a retomada do aristotelismo cristianizado
A ESCOLÁSTICA EM TOMÁS DE AQUINO E RETOMADA DA FILOSOFIA ARISTOTÉLICA Em meados do século XII, a Europa Ocidental passa a disseminar um grande número de traduções de obras de filósofos gregos e árabes para a língua latina. Tratou-se de um momento profícuo e ao mesmo tempo tumultuoso no campo das ideias, sobretudo com o declínio da Patrística e a consequente emergência do escolasticismo. A Escolástica foi o período final da chamada Filosofia Medieval, fruto do tipo de pensamento que se desenvolvia no interior das universidades criadas por decorrência da Renascença Carolíngia. Surgiu em meados do IX até ao fim do século XV, com o fim Idade Média. Enquanto campo filosófico, a Escolástica surgiu da necessidade de responder às exigências da fé, ensinada pela Igreja – já consolidada e considerada a guardiã dos valores espirituais e morais de todo o mundo cristão. Dessa forma, era a Igreja Católica a responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé - a Escolástica, seu lastro e fundamento filosófico espiritual. Diversos nomes se destacaram-se dentro da Escolástica, tais como Anselmo de Cantuária, Pedro Abelardo, Jhon Duns Scotus, dentre outros. No entanto, é em São Tomás de Aquino que ela repousa sua principal influência e produção.
Figura 01 - Triunfo de São Tomas de Aquino sobre Arrevois, obra de Benozzo Gozzoli (1420–1497).
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
autor
Pedro Aberlado nasceu em 1079 d.C. em Le Pallet, próximo de Nantes, na Bretanha. Foi um filósofo e teólogo escolástico, e um dos pensadores mais ousados e influentes do século XII. Sua vida é controversa dentro do clero cristão, sobretudo pelo seu envolvimento afetivo com Heloísa de Paráclito, a quem fala em sua obra História de minhas calamidades. No campo intelectual dedicou-se ao que contemporaneamente poderia ser chamado de Filosofia da Linguagem. Seu tratado mais importante, chamado Dialética, versa sobre Lógica. Sua influência foi tamanha que essa Dialética chegou a ser utilizada como “manual escolar” a ser ministrada dentro do Trivium – uma das Artes Liberais. Na essência dessa obra há instrumentos discursivos/argumentativos para que os estudantes pudessem munir-se intelectualmente para os chamados Disputatios (debates públicos de cunho filosófico-teológico e metafísicos). Uma de suas posições intelectuais controversas – e que futuramente contrastava com o dogma da infalibilidade papal – é que a dialética era o único caminho para a verdade, capaz de desfazer preconceitos e encorajar o pensamento livre. Nada, para ele, exceto as Escrituras Sagradas, eram infalíveis: até mesmo os apóstolos e padres estariam sujeitos a erros. No campo privado, Pedro Aberlado manteve um envolvimento afetivo com Heloísa de Paráclito, sobrinha do cônego Fulberto. Tal relacionamento sucedeu a castração de Abelardo. Desse relacionamento nasceu seu filho Astrolábio. Após o suplício, ambos submergiram em uma vida reclusa: ele
Figura 04 - John Duns Scotus. Autor: Justus van Gent (1460-1480).
Jhon Duns Scotus foi um beato nascido em Maxton, hoje Escócia, em 1266 d.C. Lecionou na Universidade de Paris, local em que viveu até o ano de sua morte, em Colônia, no ano de 1308 d.C. Foi membro da ordem franciscana, tendo sido professor de outro ilustre escolasta, William de Ockham. Foi beatificado em 20 de março de 1993 pelo papa João Paulo II. Do ponto de vista intelectual, Scotus seguia uma tendência formada no ambiente acadêmico da Universidade de Oxford, se posicionando contrariamente a Tomás de Aquino, no que tangia a relação entre fé e razão. Isso se devia – ainda que sendo um escolasta - a sua matriz intelectual agostiniana, e não aristotélica, como era marcada a filosofia tomista. Para Scotus, as verdades reveladas pela fé não poderiam ser compreendidas pela razão. A filosofia não teria serventia, portanto, para a teologia, sendo apenas um campo para a investigação daquilo que concernia ao mundo natural. Teologia e Filosofia possuiriam, então, uma autonomia uma em relação a outra.
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A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
Anselmo de Cantuária foi um monge beneditino, prelado e filósofo da Igreja Católica, nascido na cidade de Aosta, em 1033 d.C. É considerado o fundador do escolasticismo, exercendo enorme influência sobre a teologia ocidental. Foi arcebispo de Cantuária entre 1093 a 1109 d.C – ano em que faleceu. Em 1720 foi canonizado e investido como “Doutor da Igreja” pela bula papal de Clemente XI. Destaca-se no pensamento de Anselmo de Cantuária a sua característica eminentemente racional, aplicando-a a todo momento sem se reportar à autoridade das escrituras ou das teses patrísticas para a formulação dos dogmas (doutrinas da fé cristã). Seus tratados assumem o estilo de diálogos de cunho pedagógico além de meditações. Destaca-se sua obra intitulada De Veritate, na qual afirma a existência de uma verdade absoluta da qual todas as outras verdades participam. Embora a influência neoplatônica e agostiniana esteja patente nessa obra, é de Aristóteles que Anselmo de Cantuária herda em primazia a sua forma de pensar. O seu argumento ontológico a favor da existência de Deus é uma clara defluência da teoria das causas aristotélica, e que posteriormente também será apropriada por São Tomás de Aquino em suas cinco provas da existência divina.
Figura 03 - Aberlado e Heloísa, desconhecido (Museu Condé).
para o mosteiro e ela para um convento. A relação se sustenta apenas por cartas que são trocadas regularmente. Em fim de 1121, no Concílio de Soissons, Abelardo foi condenado por heresia. Se rebelou contra a decisão, fundando um oratório dedicado ao Espírito Santo, chamado “Oratório do Paracleto”. Posteriormente, em 1141, no Concílio de Sens, novamente é condenado por força da influência de Bernardo de Claraval. Faleceu em Saint-Marcel, na Borgonha, poucos meses depois.
Fonte: Wikimedia Commons
Figura 02 - Vitral do século XIX retratando Santo Anselmo.
Fonte: Wikimedia Commons
Fonte: Wikimedia Commons
SAIBA MAIS
Filosofia
São Tomás de Aquino se destacou por ser aquele que buscou uma harmonia plena entre fé e razão, contrariando até mesmo seus pares escolastas de matriz agostiniana. Ele afirmava que a Teologia (manifestada vivamente por meio da fé) e a Filosofia (enquanto expressão da razão) não eram sobrepostas, muito menos antagônicas. Isso, desde que a razão ampare o caminho até a verdade revelada. Em outras palavras, um bom uso da razão faria com que pudéssemos acessar a(s) verdade(s) de Deus. Portanto, não se deve haver conflito entre fé e razão. De acordo com a sua teoria do conhecimento, o homem é um ser duplo, composto por um corpo material e por uma alma inteligível. O homem conhece porque é alma, mas não tem acesso direto a Deus porque também é corpo. Nosso conhecimento sempre parte dos sentidos, mas atinge o inteligível por meio da abstração. Não sem razão e considerando que a partir do século XII o pensamento (neo)platônico – sobretudo em sua versão árabe – havia sido condenado como uma forma de heresia (dado ao potencial ateísta supostamente intrínseca na forma de argumentação dialético-socrática) – a nova matriz de influência dominante passou a ser o aristotelismo. Eis a razão para a teoria do conhecimento de Tomás de Aquino se assemelhar em demasia às formulações do filósofo de Estagira.
A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
Há uma afirmação corrente que a Escolástica havia aristotelizado o cristianismo. No entanto, a assertiva, sobretudo na perspectiva tomista, é que Aristóteles foi cristianizado– o que indicaria uma certa autonomia filosófica a Tomás de Aquino, tal qual a Agostinho em relação ao neoplatonismo, por exemplo.
As cinco provas da existência de Deus e a retomada do aristotelismo cristianizado A bem da verdade, o grande introdutor de Aristóteles no Ocidente medieval não foram os padres católicos, nem muito menos os escolastas. Como apresentado anteriormente, as obras do filósofo e matemático árabe Averróis e do polímata persa Avicena estão cobertas de referência ao pensamento aristotélico. Averróis afirmava que a existência de Deus poderia ser provada por meio da razão, e não somente pela fé: posição esta que apetecia escolastas como Tomás de Aquino. Mas, na mesma medida, e concordando com um aristotélico puro, defendia que a alma não é imortal: apenas o intelecto (nous) o é. Essa posição postula, no entanto, que considerando a característica absoluta e unitária do Uno, tal condição não garantiria a imortalidade pessoal. Naturalmente que essa concepção desagradava aos cristãos, pois feriam dogmas centrais como a ideia de pós-mortem e transcendência (salvação) ou suplício (condenação) das almas. 94
Embora alguns dessem a devida importância aos pensadores do mundo árabe, a reintrodução de Aristóteles ao mundo ocidental cristão é na figura de Tomás de Aquino que o aristotelismo passará a ser aceito como doutrina preferível ao neoplatonismo agostiniano e patrístico. Segundo Bertrand Russel (1969, p.168): Os averroístas afirmavam, baseado em sua interpretação de Aristóteles, que a alma, enquanto é individual, não é imortal; a imortalidade pertence apenas ao intelecto, que é impessoal, e idêntico em diferentes seres intelectuais. Quando foram forçados a tomar conhecimento de que essa doutrina era contrária a fé católica, valeram-se do subterfúgio da “dupla verdade”: uma baseada na razão, na filosofia; outra baseada na revelação, na teologia. Tudo isso colocou Aristóteles e mau conceito, e Santo Tomás, em Paris procurava desfazer o mal causado por uma adesão demasiado estreita às doutrinas árabes. Nisso, foi singularmente bem sucedido.
Tomás de Aquino teve o trabalho de convencer o alto clero da Igreja Católica sobre a importância de Aristóteles para a filosofia cristã. Ele argumentava que o neoplatonismo e os averroístas haviam interpretado mal o pensamento do filósofo de Estagira, obscurecendo seu significado e aproximação coma fé cristã. No primeiro caso, nada mais natural, já que descendiam de uma perspectiva platônica, sendo que o pensamento aristotélico representava justamente uma dicotomia frente à doutrina do filósofo ateniense. Adotar, ainda que ressignificando a compreensão (neo)platônica, significava rechaçar as proposições aristotélicas. No segundo, na carência da própria fé cristã, os filósofos de matriz maometana incorriam nos equívocos próprios de uma razão não orientada para o logos verdadeiro (o Deus cristão). Tomás de Aquino argumentava que se não podemos conhecer a essência de Deus.Isso não significa que não possamos demonstrar racionalmente a sua existência ou a criação divina do mundo. A proposta tomista era apresentar aquilo que ficou conhecido posteriormente no pensamento do filósofo moderno Leibniz como teodiceia ou “teologia natural”, isto é, um conhecimento racional acerca de Deus. Em sua obra Suma Teológica, o escolasta apropria-se do pensamento aristotélico, sobretudo a sua “Teoria das Causas” presentes na obra Metafísica para fundamentar o que considera como as “cinco provas para a existência de Deus”. São elas: 1) Primeiro motor imóvel – tudo se movimenta; Deus é causa do movimento dos seres (motor imóvel); 2) Causa eficiente – tudo tem uma causa; Deus é a causa primeira, incausada; 3) Possível e necessário – Deus é o ser necessário, isto é, o ser a partir do qual todos os seres vieram. Não tendo uma origem, Deus é eterno;
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4) Graus de perfeição – Há seres mais perfeitos e há seres menos perfeitos. Deus é o ser absolutamente perfeito; 5) Finalidade do ser – o mundo é regido por uma inteligência superior que ordena a finalidade de todas as coisas. Essa inteligência é Deus. Em conjunto com a obra Metafísica, um segundo importante texto aristotélico utilizado para fundamentar a teoria do “motor imóvel” foi a Física. Nessa obra estava patente a formulação de que havia a necessidade (lógica) intelectual de se admitir um princípio eterno e causa primária do universo, sendo, porém, algo incriado. Na perspectiva tomista, essa causa primeiro motor poderia facilmente ser identificado como o Deus cristão, que segundo as Escrituras é algo imaterial, eterno e imutável. O mundo e o homem seriam, portanto, criaturas, efeitos dessa causa primária. No entanto, Aristóteles afirmava que esses não eram criados por Deus, e ainda defendia a ideia da existência de substâncias suprassensíveis, eternas e divinas, hierarquicamente inferior ao motor imóvel. Por fim, ainda advogava a tese de que Deus não amava os seres humanos, pois a ele somente a perfeição se ocupava. Naturalmente que Tomás de Aquino se opunha a esse mero entendimento aristotélico. Dizia não haver nada abaixo de Deus na ordem divina, a não ser o mundo e os humanos, criados, e que seriam a demonstração justamente do amor divino. O homem, ainda que imperfeito, por força de sua matriz espiritual e sua racionalidade era impelido a buscar Deus em sua plenitude.
O Nome da Rosa Sinopse: Em 1327 William de Baskerville (Sean Connery), um monge franciscano, e Adso von Melk (Christian Slater), um noviço que o acompanha, chegam a um remoto mosteiro no norte da Itália. William de Baskerville pretende participar de um conclave para decidir se a Igreja deve doar parte de suas riquezas, mas a atenção é desviada por vários assassinatos que acontecem no mosteiro. William de Baskerville começa a investigar o caso, que se mostra bastante intrincando, além dos mais religiosos acreditarem que é obra do Demônio. William de Baskerville não partilha dessa opinião, mas antes que ele conclua as investigações Bernardo Gui (F. Murray Abraham), o Grão-Inquisidor, chega no local e está pronto para torturar qualquer suspeito de heresia que tenha cometido assassinatos em nome do Diabo. Considerando que ele não gosta de Baskerville, é inclinado a colocá-lo no topo da lista dos que são diabolicamente influenciados. Essa batalha, junto com uma guerra ideológica entre franciscanos e dominicanos, é travada enquanto o motivo dos assassinatos é lentamente solucionado.
Figura 06 - The Name of the Rose theatrical poster, by Drew Struzan.
Ficha Técnica: Direção: Jean-Jacques Annaud Produção: Bernd Eichinger & Bernd Schaefers Roteiro: Andrew Birkin & Gérard Brach & Howard Franklin & Alain Godard Baseda na obra: The Name of the Rose (Umberto Eco) Distribuidora: Columbia Pictures Ano: 1986 Duração: 126 minutos País de origem: Itália, Alemanha e França Idioma: Inglês
Com tantas ideias divergentes e interpretações sobre o pensamento aristotélico, além da própria razão de ser da Filosofia Cristã, tais embates não passaram incólumes 95
A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
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Filosofia
pelas próprias transformações que a sociedade europeia vivenciava com a expansão dos domínios cristãos, a crise do sistema econômico e político, a sempre ameaça de invasão muçulmana etc. Não obstante, seu maior obstáculo estava no seio da própria institucionalidade que a residia. Segundo ARANHA & MARTINS (2016, p.118): 01 (Fixação) Resposta esperada: a Escolástica (ou Escolasticismo) foi o período final da chamada Filosofia Medieval, fruto do tipo de pensamento que se desenvolvia no interior das universidades criadas por decorrência da Renascença Carolíngia. Surgiu em meados do IX até ao fim do século XV, com o fim Idade Média. 02 (Fixação) Resposta esperada: Para Tomás de Aquino, fé e razão são harmonizáveis. Cada uma cumpre a sua função de nos levar até a verdade (Deus) 03 (Fixação) Resposta esperada: A partir do século XII o pensamento (neo)platônico – sobretudo em sua versão árabe – foi condenado como uma forma de heresia [dado ao potencial ateísta supostamente intrínseca na forma de argumentação dialático-socrática] – a nova matriz de influência dominante passou a ser o aristotelismo. O pensamento de Aristóteles oferecia, em tese, os fundamentos necessários para uma formulação racional sobre a fé cristã, sem resvalar para o ceticismo e ateísmo potencial da tradição socrático-platônica.
A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
04 (Fixação) Resposta esperada: Na perspectiva tomista, essa primeiro motor poderia facilmente identificado-se como o Deus cristão, que segundo as Escrituras é algo imaterial, eterno e imutável. O mundo e o homem seria, portanto, criaturas, efeitos dessa causa primária. 05 (Fixação) Resposta esperada: Dois movimentos de resgate/ressurgimento ocorreram na modernidade. O primeira ocorreu em Salamanca. O última, na segunda metade do século XIX. Intitulado de Tomismo neoescolástico esse último movimento buscou o resgate daquilo que nominara como “philosophia perennis”, ou simplesmente metafísica, em face do materialismo e o do ateísmo que reconfiguraram o pensamento filosófico pós-kantiano. Em síntese, compreendem que somente o pensamento tomista seria o único capaz de reviver a conexão necessária entre Teologia e Filosofia, sobretudo a que se desenvolve a partir da Idade Moderna.
No final da Idade Média, porém, a Escolástica padecia com o autoritarismo de seus seguidores, o que provocou consequências nocivas para o pensamento filosófico e científico. Posturas dogmáticas, contrárias à reflexão, obstruíram as pesquisas e a livre investigação. O princípio da autoridade, ou seja, a aceitação cega das afirmações contidas nos textos bíblicos e nos livros dos grandes pensadores, sobretudo Aristóteles, impedia qualquer inovação.
Embora a escolástica não tenha resistido ao fim da Idade Média com a emergência do Humanismo, dois movimentos de resgate ocorreram na modernidade vindoura. A primeira ocorreu em Salamanca (Espanha), no século XVI, capitaneada por Francisco de Vitória, Domingo de Soto, Luis de Molina e Francisco Suarez. A última ocorreu na segunda metade do século XIX. Intitulado de neoescolasticismo, tal atividade buscou o resgate daquilo que nominavam de “philosophia perennis”, ou simplesmente metafísica em face do materialismo e o do ateísmo que reconfigurou o pensamento filosófico pós-kantiano. Esse movimento tem sido chamado de “Tomismo neoescolástico”. Criaram-se escolas em diversos locais como Leuven (Bélgica), Washington (EUA) e Laval (Canadá). Em síntese, essa filosofia compreende que somente o pensamento tomista seria o único capaz de reviver a conexão necessária entre Teologia e Filosofia, sobretudo a que se desenvolve a partir da Idade Moderna. Em 4 de agosto de 1879, o Papa Leão XIII, em sua encíclica Aetemi Patris, reafirmou a importância da doutrina tomista professando que ela deveria servir de base para toda a filosofia cristã. Essa encíclica parte de um movimento iniciado dentro do próprio Vaticano, que mediante o crescimento de várias concepções filosóficas, dentre elas o próprio materialismo e relativismo, se ocupou de resgatar a necessidade de se conceber novamente a unidade de uma filosofia genuinamente cristã. No Brasil, o tomismo foi introduzido durante o período colonial pelos padres jesuítas. Em 1908 foi fundado no Mosteiro de São Bento, São Paulo, a Faculdade Livre de Filosofia e Letras. No corpo docente, havia padres belgas seguidores da tendência neotomista. BIBLIOGRAFIA ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 6 edição. São Paulo: Moderna, 2016 CHÂTELET, François. História da Filosofia - A Filosofia Medieval. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1983. DUNS SCOT, Jhon. Seleção de textos. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. SPINELLI, Miguel. Herança Grega dos Filósofos Medievais. São Paulo: Hucitec, 2013. RUSSEL Bertrand. História da Filosofia Ocidental. Tradução de Bueno Silveira. 3 ed. São Paulo: Cia. Editorial Nacional, 1969
Exercícios de Fixação 01. O que foi a Escolástica? 02. Qual a posição de Tomás de Aquino para os embates da Filosofia Medieval em relação à Fé e à Razão? 03. Disserte sobre a problemática encontrada na versão arábica do neoplatonismo e que fez a Escolástica optar pelo aristotelismo enquanto matriz de influência.
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04. Na perspectiva tomista, o que seria o motor imóvel, e qual sua relação com a teologia cristã? 05. Como se deu o ressurgimento do escolasticismo na Era Moderna? Do que se trata, em síntese, tais movimentos?
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Exercícios Complementares
(Antonio Carlos Wolkmer – Introdução à História do Pensamento Político)
O texto deve ser relacionado com: a) a filosofia epicurista. b) a filosofia escolástica. c) a filosofia iluminista. d) o socialismo. e) o positivismo. 02. (Ufu MG) - A Escolástica é o período da filosofia cristã da Idade Média, que vai do século IX ao século XIV. Sobre a Escolástica é correto afirmar, EXCETO a) no século XIII, servindo-se das traduções das obras de Aristóteles, que foram feitas diretamente do grego, Tomás de Aquino realizou a síntese magistral entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. b) a fundação das universidades, já no século XI, permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente teológicos do século XIII. c) no século XII a Igreja condenou o pensamento platônico, principalmente na sua versão árabe, porque os teólogos perceberam um ateísmo intrínseco na forma de argumentação dialética da personagem Sócrates. d) no século XIV surgiram pensadores, tais como Guilherme de Ockam, que criticaram a filosofia tomista pelo seu caráter substancialista; isto abriu perspectivas fecundas para o advento da ciência moderna.
Com base nas afirmações precedentes, assinale a alternativa correta. a) O conhecimento humano atinge a verdade do mundo e de Deus sem precisar se servir de outra ordem que não aquela da própria razão, o que se confirma com o fato de que os governantes organizam o mundo conforme sua inteligência. b) A realidade sensível é a via direta e exclusiva para a ascensão do conhecimento humano, porque, tal como afirmou Santo Anselmo, a perfeição de Deus tem, entre seus atributos, a existência na realidade mundana. c) Existe um domínio comum à fé e à razão. Este domínio é a realidade do mundo sensível, morada humana, que a razão pode conhecer, porque a realidade sensível oferece à razão os vestígios imperfeitos da substância de Deus. d) A razão humana é impotente para tratar de ideias que estejam além da realidade do mundo sensível. Deus, portanto, nada mais é que uma palavra que deve ser reverenciada como o centro sensível de irradiação de tudo o que existe. 05. (UFF RJ) A grande contribuição de Tomás de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a inteligência humana e sua capacidade de alcançar a verdade por meio da razão natural, inclusive a respeito de certas questões da religião. Discorrendo sobre a “possibilidade de descobrir a verdade divina”, ele diz que há duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da revelação que a razão humana não consegue alcançar, por exemplo, entender como é possível Deus ser uno e trino. A segunda modalidade é composta de verdades que a razão pode atingir, por exemplo, que Deus existe.
03. Dentre as obras do filósofo escolástico São Tomás de Aquino, aquela que se tornou mais famosa, na qual são tratados todos os temas de ordem teológica e filosófica, desde as provas para existência de Deus, a criação do mundo e do homem até discussões sobre as virtudes, a ética e a política, é: a) Suma Contra os Gentios. b) Tractatus Lógico-Filosófico. c) Crítica da Razão Pura d) Suma Teológica e) A Cidade de Deus
A partir dessa citação, indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Tomás de Aquino. a) A fé é o único meio do ser humano chegar à verdade. b) O ser humano só alcança o conhecimento graças à revelação da verdade que Deus lhe concede. c) Mesmo limitada, a razão humana é capaz de alcançar certas verdades por seus meios naturais. d) A Filosofia é capaz de alcançar todas as verdades acerca de Deus. e) Deus é um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer d’Ele.
04. (Ufu MG) Tomás de Aquino não via conflito entre a fé e a razão, sendo possível para a segunda atingir o conhecimento da existência de Deus. Contudo, Tomás de Aquino defende a relação harmônica entre ambas, pois, se a razão demonstra a existência de Deus, ela o faz graças à fé que revela tal verdade. Assim, a filosofia de Tomás de Aquino insistiu nos limites do conhecimento humano.
06. (Ufu MG) A teologia natural, segundo Tomás de Aquino (1225-1274), é uma parte da filosofia, é a parte que ele elaborou mais profundamente em sua obra e na qual ele se manifesta como um gênio verdadeiramente original. Se se trata de física, de fisiologia ou dos meteoros, Tomás é simplesmente aluno de Aristóteles, mas se se trata de Deus,
A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
01. (ESPM SP) Seu principal objetivo era demonstrar, por um raciocínio lógico formal, a autenticidade dos dogmas cristãos. A filosofia devia desempenhar um papel auxiliar na realização deste objetivo. Por isso a tese de que a filosofia está a serviço da teologia.
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Filosofia
da origem das coisas e de seu retorno ao Criador, Tomás é ele mesmo. Ele sabe, pela fé, para que limite se dirige, contudo, só progride graças aos recursos da razão. (GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 657)
De acordo com o texto acima, é correto afirmar que a) a obra de Tomás de Aquino é uma mera repetição da obra de Aristóteles. b) Tomás parte da revelação divina (Bíblia) para entender a natureza das coisas. c) as verdades reveladas não podem de forma alguma ser compreendidas pela razão humana. d) é necessário procurar a concordância entre razão e fé, apesar da distinção entre ambas. 07. (Ufu MG) Considere o seguinte texto sobre Tomás de Aquino (1226-1274). Fique claro que Tomás não aristoteliza o cristianismo, mas cristianiza Aristóteles. Fique claro que ele nunca pensou que, com a razão se pudesse entender tudo; não, ele continuou acreditando que tudo se compreende pela fé: só quis dizer que a fé não estava em desacordo com a razão, e que, portanto, era possível dar-se ao luxo de raciocinar, saindo do universo da alucinação.
A12 A escolástica em Tomás de Aquino e retomada da filosofia aristotélica
(Eco, Umberto. Elogio de santo Tomás de Aquino. In: Viagem na irrealidade cotidiana, p.339)
É correto afirmar, segundo esse texto, que: a) Tomás de Aquino, com a ajuda da filosofia de Aristóteles, conseguiu uma prova científica para as certezas da fé, por exemplo, a existência de Deus. b) Tomás de Aquino se empenha em mostrar os erros da filosofia de Aristóteles para mostrar que esta filosofia é incompatível com a doutrina cristã. c) o estudo da filosofia de Aristóteles levou Tomás de Aquino a rejeitar as verdades da fé cristã que não fossem compatíveis com a razão natural. d) a atitude de Tomás de Aquino diante da filosofia de Aristóteles é de conciliação desta filosofia com as certezas da fé cristã. 08. (Ufu MG) Com efeito, existem a respeito de Deus verdades que ultrapassam totalmente as capacidades da razão humana. Uma delas é, por exemplo, que Deus é trino e uno. Ao contrário, existem verdades que podem ser atingidas pela razão: por exemplo, que Deus existe, que há um só Deus etc. (AQUINO, Tomás de. Súmula contra os Gentios. Capítulo Terceiro: A possibilidade de descobrir a verdade divina. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 61)
Para São Tomás de Aquino, a existência de Deus se prova a) por meios metafísicos, resultantes de investigação intelectual.
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c) apenas pela fé, a razão é mero instrumento acessório e dispensável. d) apenas como exercício retórico. 09. Santo Tomás de Aquino demonstra a existência de Deus de cinco maneiras que são conhecidas como cinco vias. 1. Pelo movimento. 2. Pela causa eficiente. 3. Pelo contingente e pelo necessário. 4. Pelos graus da perfeição. 5. Pelo ontologia. 6. Pela finalidade do ser. 7. Pela contingência dos entes. Os argumentos que pertencem à prova apresentada por São Tomás de Aquino são: a) apenas os argumentos 1,2,3,4 e 5. b) apenas os argumentos 1,2,3,5 e 6. c) apenas os argumentos 1,2,3,4 e 6. d) apenas os argumentos 2,3,4,5 e 6 e) apenas os argumentos 3,4,5,6 e 7. 10. O trecho que segue foi extraído das Confissões, de Santo Agostinho: “Quem nos mostrará o Bem? Ouçam a resposta: está gravada dentro de nós a luz do vosso rosto Senhor. Nós não somos a luz que ilumina a todo homem, mas somos iluminados por Vós.” A partir dos seus conhecimentos sobre as filosofias de Santo Agostinho e Tomás de Aquino, identifique qual das afirmações abaixo está CORRETA: a) As cinco vias de Tomás de Aquino são argumentos diretos e evidentes da existência de Deus. Partem de afirmações gerais e racionais sobre a existência, para chegar a conclusões sobre as coisas sensíveis, particulares e verificáveis sobre o mundo natural. b) Os argumentos de Santo Agostinho que provam a existência de Deus denotam a influência direta que ele teve do pensamento de Aristóteles, principalmente da Metafísica. c) Para Santo Agostinho, a irradiação da luz divina faz com que conheçamos imediatamente as verdades eternas em Deus. Essas verdades eternas e necessárias não estão no interior do homem, porque seu intelecto é mutável e contingente. d) Tomás de Aquino construiu uma argumentação para provar a existência de Deus à luz das ideias de Platão e de vários fragmentos da Bíblia. e) Para Santo Agostinho, a irradiação da luz divina atua imedia-
b) por meio do movimento que existe no Universo, na medida
tamente sobre o intelecto humano, deixando-o ativo para o
em que todo movimento deve ter causa exterior ao ser que
conhecimento das verdades eternas. Essas verdades, neces-
está em movimento.
sárias e imutáveis, estão no interior do homem.
FRENTE
A
FILOSOFIA
01. Resposta esperada: Diferente dos Hedonistas, os estoicos desprezavam os prazeres em geral, considerando-os fonte de todos os males. As paixões deveriam ser eliminadas porque só provocam sofrimento, por isso deveríamos viver de acordo com a natureza e a razão, aceitando o destino e a dor com impassibilidade. Nesse sentido, há também uma herança socrática que exigia uma vida guiada pela razão buscando a efetivação da excelência ou da virtude humana.
02. Resposta esperada: Do ponto de vista da ética, o ceticismo busca abster-se de juízos ou pontos de vista fixos sobre o comportamento. Entendem que as controvérsias em torno dos quais os procedimentos mais adequados para uma boa vida (e o que a definia) haviam encontrado sua equipolência. Ou seja, todas elas haviam encontrado o seu igual valor: a contradição. Logo, o caminho mais tranquilo deveria ser aquele que se afasta dos juízos que pretendem verdades e condutas absolutas.
Exercícios de Aprofundamento 01. Explique a forma como os estoicos rejeitam as proposições hedonistas, ao mesmo tempo que resgatam uma herança socrática? 02. Leia a citação a seguir e responda ao que se pede: Pirro afirmava que nada é nobre nem vergonhoso, justo ou injusto, e que, da mesma maneira, nada existe do ponto de vista da verdade, que os homens agem apenas segundo a lei e o costume, nada sendo mais isto do que aquilo. Ele levou uma vida de acordo com esta doutrina, nada procurando evitar e não se desviando do que quer que fosse, suportando tudo, carroças, por exemplo, precipícios, cães, nada deixando ao arbítrio dos sentidos. LAÉRCIO, D. Vidas e sentenças dos filósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988.
O pirronismo se destaca por uma atitude de distanciamento das questões de juízos. Em linhas gerais, disserte sobre como as doutrinas céticas lidam com a questão dos embates em torno do dogmatismo filosófico. 03. (Enem MEC) TEXTO I Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provêm de sua descendência. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os ventos são ar condensado. As nuvens formam-se a partir do ar por feltragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A água, quando mais condensada, transforma-se em terra, e quando condensada ao máximo possível, transforma-se em pedras. BURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado).
TEXTO II Basílio Magno, filósofo medieval, escreveu: “Deus, como criador de todas as coisas, está no princípio do mundo e dos tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos, para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como julga Demócrito. Na verdade, dão a impressão de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha”. GILSON, E.; BOEHNER, P. História da Filosofia Cristã. São Paulo: Vozes, 1991 (adaptado).
Filósofos dos diversos tempos históricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As teses de Anaxímenes, filósofo grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em comum na sua fundamentação teorias que:
04. Resposta esperada: a renascença carolíngia foi o nome dado a um processo de resgate (“renascimento”) da cultura clássica no escopo da estrutura pedagógica e artística do século VIII. Os Carolíngios – dinastia franca que sucedeu os Merovíngios – pretendiam restabelecer o Império Romano do Ocidente. Para tanto,
a) eram baseadas nas ciências da natureza. b) refutavam as teorias de filósofos da religião. c) tinham origem nos mitos das civilizações antigas. d) postulavam um princípio originário para o mundo. e) defendiam que Deus é o princípio de todas as coisas. 04. Disserte sobre o que foi a renascença carolíngia e a sua importância para a retomada/formação das chamadas “Artes Liberais” 05. (Ufu MG) Segundo Agostinho de Hipona (354-430), “não aprendemos pelas palavras que repercutem exteriormente, mas pela verdade que ensina interiormente”. Tal pensamento ficou conhecido como a doutrina do mestre interior. Leia o texto abaixo e responda o que se pede. Para Agostinho, a utilidade da linguagem não é pequena, certamente; mas nos enganamos quanto ao seu verdadeiro papel. Damos a alguns homens o nome de “mestres” porque eles falam e geralmente transcorre um tempo imperceptível ou nulo entre o momento em que eles falam e o momento em que nós os compreendemos. Aprendemos interiormente tão logo suas palavras tenham sido pronunciadas exteriormente; por isso concluímos que esses mestres tenham nos instruído. [...] Na realidade, os mestres apenas expõem, com a ajuda de palavras, as disciplinas que eles professam ensinar; em seguida, aqueles que se nomeiam “alunos” examinam em si mesmos se o que os professores dizem é verdade. O mestre verdadeiro é a Verdade, e é como origem da concórdia entre os espíritos que Deus recebe o título de “mestre interior”. Para tudo o que aprendemos temos apenas um mestre: a verdade interior que reside na alma, ou seja, Cristo, virtude imutável e sabedoria eterna de Deus. GILSON, E. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2008, p. 153-154.
Sobre a doutrina do mestre interior de Agostinho, responda: a) Como aprendemos a verdade? b) Qual o papel da linguagem no “aprendizado”? 06. Leia a seguinte citação: Por serem três as realidades: o ser, o viver e o entender. É verdade que a pedra existe e o animal vive. Contudo, ao que me parece a pedra não vive. Nem o animal entende. Entretanto, estou certíssimo de que o ser que entende possui também a existência e a vida. É porque não hesito em dizer: o ser que possui essas três realidades é melhor do que aquele que não possui senão uma ou duas delas. (Agostinho. O livre arbítrio. São Paulo: Paulus, 2014a)
um resgate da cultura latina se fazia necessário, sobretudo aquelas que estavam adormecidas nas antigas cidades da Gália, por força do predomínio cristão. Assim, uma série de escolas foram construídas a mando do imperador Carlos Magno, buscando o renascer da literatura e a instituição das chamadas “Artes Liberais”.
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Filosofia 05. Resposta esperada: a) Segundo Agostinho, quem ensina é o mestre interior, aprender a verdade é reconhecê-la, consultando a nossa alma, onde reside a verdade interior.
b) A linguagem é muito importante, embora sua verdadeira utilidade esteja em despertar ou estimular o aluno para que ele examine em si mesmo se o que disse o mestre é verdade
Quais são as três dimensões da vida aludidas por Agostinho e
losofar para julgar as representações e apreender quais são
como essa categorização corrobora para a articulação preten-
verdadeiras e quais são falsas, de modo a obter a tranquilida-
dida entre fé e razão pelo filósofo cristão?
de, deparou com uma discordância de igual força; e, não po-
Leia com atenção o texto a seguir e responda às questões que se seguem.
dendo decidi-la, suspendeu seu juízo sobre ela. Estando em suspensão de juízo, ocorreu-lhe casualmente a tranquilidade nas matérias de opinião.
Tomás de Aquino (1225-1274) fez intenso uso das obras de Aris-
(Sexto Empírico, Hipotiposes Pirrônicas)
tóteles e outros autores, recém introduzidas na universidade. Essas obras, originalmente escritas em grego ou árabe, representa-
Em virtude dessa descoberta do cético pirrônico, assinale qual
vam, em praticamente todos os domínios do saber, um enorme
deverá ser seu procedimento para manter-se no estado de
avanço científico. Aplicando esses novos conhecimentos em suas
tranquilidade.
reflexões teológicas, ele conclui que devemos utilizar a filosofia
a) Afirmar que as coisas são como aparecem.
em auxílio da ciência divina, seja na compreensão de certas pas-
b) Negar que as coisas são como aparecem.
sagens obscuras da Bíblia e dos autores cristãos, seja fornecendo
c) Opor a todo argumento um argumento igual.
uma explicação racional de certas teses da teologia como, por
d) Manter-se em absoluto silêncio e completamente inativo.
exemplo, sobre a existência de Deus. Um exemplo famoso desse
e) Recusar-se a reconhecer os dados sensíveis.
método é o uso que Tomás de Aquino faz do argumento do Primeiro Motor imóvel, encontrado na Física de Aristóteles. 07. Que fato, segundo o texto, resultou em um avanço científico para a universidade medieval?
13. (UFU) Sobre a Filosofia Patrística (séc. I ao séc. VII d. c.), assinale a alternativa INCORRETA. a) Fé e Razão são irreconciliáveis porque pertencem a domínios distintos, isto é, à Fé convém cuidar apenas da salvação da alma e da vida eterna futura, à Razão convém cuidar apenas
08. Segundo Tomás de Aquino, como a filosofia se situa em relação
das coisas do mundo. b) Fé e Razão são irreconciliáveis porque a Fé é sempre supe-
à teologia (ciência divina)?
rior à Razão. 09. Explique o argumento do primeiro motor citado no texto.
c) Fé e Razão são conciliáveis, mas a Fé deve subordinar a Razão.
10. (Fundação Carlos Chagas SP) O termo ataraxia designa o ideal da imperturbabilidade ou da serenidade da alma, em decorrência do domínio sobre as paixões ou da extirpação destas. (Abbagnano, N. Dicionário de filosofia)
O termo ataraxia está fortemente ligado ao a) epicurismo e estoicismo. b) hermetismo e ao congruísmo. c) jansenismo e ao laxismo. d) idealismo transcendental.
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
e) materialismo. 11. O epicurismo e o estoicismo foram as duas filosofias éticas predominantes no período helenístico. O estoicismo, em contraposição à ética epicurista, relaciona o bem a) à atividade da alma segundo a razão. b) ao prazer por coisas materiais. c) à indiferença diante da dor e do sofrimento. d) aos costumes ou convenções sociais. e) ao dever de cumprir o que é ordenado pela lei divina. 12. (Vunesp SP) Dizemos que a finalidade do cético é a tranquilidade nas matérias de opinião...Pois, tendo começado a fi100
d) Fé e Razão são conciliáveis porque Deus, criador perfeito, não introduziu nenhuma discórdia no interior do homem. 14. (Ufu MG ) - A Escolástica é o período da filosofia cristã da Idade Média, que vai do século IX ao século XIV. Sobre a Escolástica é correto afirmar, EXCETO a) no século XIII, servindo-se das traduções das obras de Aristóteles, que foram feitas diretamente do grego, Tomás de Aquino realizou a síntese magistral entre a teologia cristã e a filosofia aristotélica. b) a fundação das universidades, já no século XI, permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente B) a fundação das universidades, já no século XI, permitiu a expansão da cultura letrada, secularmente teológicos do século XIII. c) no século XII a Igreja condenou o pensamento platônico, principalmente na sua versão árabe, porque os teólogos perceberam um ateísmo intrínseco na forma de argumentação dialética da personagem Sócrates. d) no século XIV surgiram pensadores, tais como Guilherme de Ockam, que criticaram a filosofia tomista pelo seu caráter substancialista; isto abriu perspectivas fecundas para o advento da ciência moderna.
06. Resposta esperada: O ser humano é, portanto, aquele que detém essas três dimensões: vida, existência e possibilidade de entendimento, visto que o único ser dotado de razão e apropriado para apreciar a Deus, já que a própria razão o impele a necessidade de fé. A razão permanece no caminho da inteligência, sendo que aquele que tem fé deve prosseguir procurando entender para além dos limites da própria razão.
Ciências Humanas e suas Tecnologias 08. Resposta esperada: A filosofia se situa como auxiliar à teologia, mas é autônoma ou 07. Resposta esperada: O fato que resultou em avanço científico para a universidade medistinta em relação a ela, sem contradizê-la, buscando uma síntese filosófica entre as disciplidieval, na época de Tomás de Aquino, foi a introdução das obras de autores gregos (prinnas. O uso da filosofia pode ajudar na compreensão da Bíblia e de algumas teses teológicas, cipalmente Aristóteles) e árabes que abarcavam todos os campos conhecidos do saber. como nas provas da existência de Deus.
16. (UFPB) O filme Alexandre representou a vida do famoso imperador da Macedônia que constituiu um grande império, incluindo a Grécia, o Egito, a Síria, a Pérsia, indo até as fronteiras com a Índia. Alexandre foi educado pelo filósofo Aristóteles e o seu registro memorável na História deve-se, além de seus feitos militares, à difusão da cultura grega nas regiões do Oriente por ele conquistadas. Esse processo histórico-cultural, conhecido como helenismo, caracterizou-se pelo(a): a) formação de uma nova cultura, sem elementos culturais gregos nem orientais. b) desaparecimento das culturas orientais diante da cultura grega ou helênica. c) conflito cultural irreconciliável entre a cultura grega e as culturas orientais. d) desaparecimento da cultura grega diante das culturas orientais (persa e egípcia). e) constituição de uma cultura diferenciada, com elementos gregos e orientais. 17. (UEG GO) Em meados do século IV a.C., Alexandre Magno assumiu o trono da Macedônia e iniciou uma série de conquistas e, a partir daí, construiu um vasto império que incluía, entre outros territórios, a Grécia. Essa dominação só teve fim com o desenvolvimento de outro império, o romano. Esse período ficou conhecido como helenístico e representou uma transformação radical na cultura grega. Nessa época, um pensador nascido em Élis, chamado Pirro, defendia os fundamentos do ceticismo. Ele fundou uma escola filosófica que pregava a ideia de que: a) seria impossível conhecer a verdade. b) seria inadmissível permanecer na mera opinião. c) os princípios morais devem ser inferidos da natureza. d) os princípios morais devem basear-se na busca pelo prazer. 18. (UnB DF) Ora, entre os antigos, normas de vida e exercícios espirituais formavam a essência da “filosofia”, não da religião, e a religião estava mais ou menos separada das ideias sobre a 4 morte e o além. Havia seitas, que eram filosóficas, pois a filosofia era a matéria de seitas que propunham convicções e normas de vida a quem elas pudessem interessar; um indivíduo 7 se tornava estoico ou epicurista e se conformava mais ou menos a suas convicções. Paul Veyne. O Império Romano In: Philippe Ariès e Georges Duby. História da vida privada: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 p. 201 (com adaptações).
Com relação ao assunto tratado no texto acima, assinale a opção correta. a) O Epicurismo foi uma escola filosófica que se caracterizou pela adoção de uma ética afeta aos prazeres materiais.
b) O Estoicismo foi uma escola filosófica que se caracterizou pela adoção de uma ética negadora dos prazeres imateriais. c) A religião, que constitui a verdade, pode ser considerada a continuação da filosofia, que se orienta pela busca da verdade. d) O Epicurismo e o Estoicismo orientavam regras de viver, por isso constituíam seitas filosóficas entre os antigos da civilização helênica.
19. (Uenp PR) Julgue as afirmações sobre a filosofia helenista. I. É o último período da filosofia antiga, quando a polis grega desaparece em razão de invasões sucessivas, por persas e romanos, sendo substituída pela cosmopolis, categoria de referência que altera a percepção de mundo do grego, principalmente no tocante à dimensão política. II. É um período constituído por grandes sistemas e doutrinas que apresentam explicações totalizantes da natureza, do homem, concentrando suas especulações no campo da filosofia prática, principalmente da ética. III. Surgem nesse período a filosofia estoica, o epicurismo, o ceticismo e o neoplatonismo. Estão corretas as afirmativas: a) Todas elas. b) Apenas I e II. c) Apenas III. d) Apenas II e III. e) Apenas I. 20. (Ufu MG) A Patrística, filosofia cristã dos primeiros séculos, poderia ser definida como a) retomada do pensamento de Platão, conforme os modelos teológicos da época, estabelecendo estreita relação entre filosofia e religião. b) configuração de um novo horizonte filosófico, proposto por Santo Agostinho, inspirado em Platão, de modo a resgatar a importância das coisas sensíveis, da materialidade. c) adaptação do pensamento aristotélico, conforme os moldes teológicos da época. d) criação de uma escola filosófica, que visava combater os ataques dos pagãos, rompendo com o dualismo grego. 21. (Ufu MG) Uma das tendências fundamentais de pensamento da Idade Média é a Escolástica. A Escolástica caracteriza-se por vários elementos tais como: a) a filosofia aristotélico-tomista, o pensamento de Descartes, o ensino do trivium e quadrivium e o pensamento de Santo Agostinho. b) o pensamento da Patrística, a valorização da indagação empírica, as universidades e a filosofia platônica. c) o ensino do trivium e quadrivium, a filosofia platônica, o pensamento de Descartes e as universidades. d) a influência da filosofia grega, o ensino do trivium e quadrivium, as universidades e a filosofia aristotélico-tomista.
09. Resposta esperada: O argumento do primeiro motor, que Tomás retira da Física e da Metafísica de Aristóteles, pode ser assim resumido: tudo o que se move, é movido por outro; ora, essa cadeia não pode retroceder ao infinito, pois o movimento teria de ter começado em algum ponto. Logo, deve haver um primeiro movente ou motor que seja, ele mesmo imóvel, um começo absoluto. Para Tomás de Aquino, esse primeiro movente ou motor é Deus.
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FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
15. Quais das correntes filosóficas abaixo podem ser consideradas do período helenístico: a) modismo, marxismo e capitalismo b) estoicismo, epicurismo e modismo c) epicurismo, cinismo, estoicismo e pirronismo (ceticismo) d) platonismo e neoplatonismo e) epicurismo, platonismo, estoicismo e pirronismo (ceticismo)
FRENTE
A
commons.wikimedia
FILOSOFIA Por falar nisso A chamada Filosofia moderna se desenvolveu a partir do século XV com o Renascimento e se estendeu até meados do século XIX. Na modernidade passouse a delinear melhor os limites do estudo filosófico. Inicialmente, como atestam os subtítulos de obras tais como Meditações, de René Descartes e o Tratado de George Berkeley, ainda se fazia referência a questões tais como a da prova da existência de Deus e da existência e imortalidade da alma. Do mesmo modo, os filósofos do início da modernidade ainda pareciam conceber suas teorias filosóficas como aquilo que fornece algum tipo de fundamento para uma determinada concepção científica (Descartes); ou como um trabalho de reestruturação necessária para preparar o terreno para a ciência de fato emergir (John Locke); ou ainda como competindo com determinada conclusão ou método científico (Berkeley). Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A13 A14 A15 A16
Filosofia moderna na transição do pensamento medievo ao moderno ...............104 A questão do método na filosofia de René Descartes �������������������������������������������114 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista........................................................122 Teoria da causalidade em Hume e os perigos do relativismo ������������������������������������129
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A13
ASSUNTOS ABORDADOS nn Filosofia moderna na transição
do pensamento medievo ao moderno
FILOSOFIA MODERNA NA TRANSIÇÃO DO PENSAMENTO MEDIEVO AO MODERNO Uma das obras mais representativas da Idade Moderna e que bem caracteriza o Renascimento Italiano é o afresco A criação do homem, composta por Michelangelo por volta do ano 1511 d.C. Situada na Capela Sistina, na Itália, a pintura representa o episódio inicial do Livro do Gênesis: a criação de Adão. A multiplicidade de significados e interpretações marcam o vigor da obra. Para além da representação literal, importa, sobretudo, como os elementos estéticos aparecem enquanto vetores para um conjunto de ideias e mentalidades. É notório que os dedos de Deus (representado pictoricamente aos moldes de um deus grego, tal qual Zeus) e Adão (em aparente displicência) não se tocam. E isso não é aleatório. Há objetivamente um certo esforço de Deus em tocar o homem, que displicentemente deita sobre a natureza e não faz tanto esforço para receber o tato divino. Uma possível interpretação aponta para o secularismo marcante do início da Idade Moderna, somado à inversão de paradigma filosófico: é a era de um resgate antropocêntrico, tal qual no mundo antigo. A expressão “renascença” não é gratuita, portanto. Anatomicamente, o homem de Michelangelo possui traços chamativos. A nudez é alusiva ao momento predecessor à queda humana advinda do pecado original. Logo, não há erotização na nudez – que para tanto representa o órgão genital masculino com o de uma criança, traduzindo a ideia de inocência. Na contraparte estaria Deus, encoberto de um véu (representando o mistério), envolto a um grupo de anjos com olhares desconfiados. O tecido que o recobre forma uma espécie de redoma, e um olhar difuso sobre a obra leva o expectador a enxergar uma espécie cérebro, incluindo o lobo frontal, nervo ótico, glândula pituitária e o cerebelo (MESHBERGER,1990).
Fonte: Wikimedia Commons
Figura 01 - Afresco “A criação do homem”. Autor: Michelangelo (1475-1564).
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
Do ponto de vista do desenvolvimento da filosofia há uma retomada de autores clássicos agora divorciados da associação direta ao cristianismo. Fruto do laicismo que já se instaura no campo das ideias, a interpretação dos filósofos da Antiguidade segue um itinerário próprio, sem estar mais subjugada à teologia cristã. Na perspectiva dos renascentistas, o anterior período (Idade Média) havia distanciado a filosofia de sua verdadeira vocação: a busca por questionamentos e verdades que se atrelassem unicamente ao critério racional de validação. Não raro, tomavam a expressão “Idade das Trevas” para denunciar não somente as perseguições religiosas (Santa Inquisição) e os movimentos expansionistas (Cruzadas), como para alegar que a Filosofia havia sido travestida em mera teologia cristã, perdendo sua capacidade verdadeiramente crítica, analítica e descompromissada com qualquer instituição que não fosse a sede de saber. Embora essa expressão tome uma conotação pejorativa e nos leve a admitir que a Idade Média se traduziu em apenas obscurantismo filosófico (ou que seria uma afirmação equivocada, como visto anteriormente), é fato que com o Renascimento a filosofia segue um curso mais próximo de suas origens na Antiguidade Clássica. Dessa forma, são retomadas as leituras em uma perspectiva “laica”, das obras de Platão, Aristóteles, Virgílio, Sêneca e outros autores greco-romanos, que começam a ser traduzidos e rapidamente difundidos.
A imagem acima reporta ao lema francês “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Égalité, Fraternité) da República Francesa, ostentada no tímpano de uma Igreja em Aups (Departamento de Var), instalada após a lei de 1905 que versava sobre a seperação objetiva entre Igreja e Estado na França. Tal inscrição foi restaurada em 1989 – ano do bicentenário da Revolução Francesa, marcando o caráter de laicidade que imperou a constituição das novas repúblicas europeias. Os termos Laico e Laicismo são originários do termo grego Laikos (λᾱϊκός, “do povo”, “leigo”). Designam um princípio surgido no seio do humanismo que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado, considerando que os assuntos religiosos devem pertencer somente à esfera privada do indivíduo. Embora a laicidade seja um ideal que tenha ganhado muita projeção com a Revolução Francesa, sua aspiração remonta o fim do medievalismo e aponta para a aurora da Idade Moderna. Em suma, se considera por laico um princípio em que um Estado (assim o sendo) promove oficialmente a separação de si da religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião. O Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença e visa eliminar a interferência de correntes religiosas objetivamente em assuntos estatais, ainda que de ordem moral. Um Estado Laico – enquanto expressão política desse ideal – é aquele que trata todos os seus cidadãos de forma isonômica, independentemente de sua escolha religiosa, na mesma medida que deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão, evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Em termos científicos e culturais, esse princípio emerge no sentido de desatribuir da alçada da arte ou da ciência uma função exclusivamente religiosa. Assim, nem a Ciência, a Filosofia e a Arte se tornam subjugadas à Teologia (e sua produção e fomento à Igreja), abrigando outras funções e direções para seus usos e motivos.
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O Renascimento italiano é uma das marcas culturais do início da Idade Moderna. Trata-se de um movimento de intensas mudanças no âmbito urbano, comercial e intelectual e estético, atingindo diversas camadas da sociedade europeia ocidental entre os séculos XIV e XVI. Embora aspectos ligados a economia (transição do feudalismo para o mercantilismo) e o consequente florescimento da atividade marítimo comercial e da repaginação dos burgos que se convertem em novas cidades, chama a atenção a mudança na estrutura de pensamento advinda, especialmente, do Renascimento.
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Esses dois usos da anatomia na composição estética são peculiares. O primeiro, por se tratar de uma obra composta pelo mecenato eclesiástico, ou seja, da própria (e para) igreja. Logo, há de se compreender a abordagem moralizante sobre a peça artística: a nudez – necessária na composição – não pode sugerir uma erotização, uma vez que (dentre outros fatores) estaria exposta em uma casa religiosa: a Capela Sistina. Não obstante, a obra revela traços críticos e filosóficos que expressam a transição de mentalidade que o renascimento representa. O racionalismo é posto em evidência na medida em que Deus é representado justamente dentro de uma figura anatômica que remonta a sede da consciência e da razão: o cérebro. Deus, expressão da verdade é acessível (ou “moral”) no intelecto. A antiga sobreposição medieval entre fé e razão opera uma guinada. É a razão (residida no próprio homem) que o permite compreender a verdade, seja ela teológica ou meramente natural. A esse respeito, nota-se que Adão está repousado sobre uma representação verdejante – uma alusão à natureza que sustenta o homem.
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Autor: Pontormo (1494-1557). Título: Postumous portrait of Cosimo de Medici
A expressão “mecenato” indica uma prática de estímulo à produção cultural e artística através de financiamentos a artistas e suas obras. O termo deriva do nome de Caio Mecenas (68 a.C. – 8 d.C. conselheiro do Imperador Augusto, que a seu tempo formou um círculo de literatos, sustentando sua produção artística. À época, como no período do Renascimento, os artistas passavam a viver exclusivamente desse incentivo, ganhando uma projeção social e proteção política. Durante o Renascimento - e em seu objetivo de resgatar valores e modos de vida soterrados pelo medievalismo – a prática do mecenato foi retomada. No entanto, essa iniciativa não partia de uma espécie de cooperativa de artistas, mas antes de pessoas dotadas de poder ou dinheiro (chamadas de “mecenas”) que usavam do expediente dos artistas para melhorem suas imagens publicamente. Por essa razão, compunham a classe de mecenas não somente burgueses em ascensão, como também reis e a própria Igreja cristã. Artistas como Leonardo Da Vinci, Sandro Boticelli, Michelangelo Buonarotti, Rafael Sanzio, entre outros, foram financiados pelos mecenas do Renascimento. Esses eram homens enriquecidos com as atividades comerciais ou bancárias e, entre eles, destacaram-se Lourenço de Médici, Cosme de Médici, Galeazzo Maria Sforza (duque de Milão) e mesmo Francisco I, rei da França. Como aludido, a Igreja católica também atuou como importante mecenas no período, financiando, por exemplo, Michelangelo para a criação dos afrescos da Capela Sistina. 106
O movimento renascentista – tomado como norte a partir da Filosofia Humanista – promoveu uma transfiguração nas relações sociais europeias em seu cotidiano. A vida urbana, em especial, foi impactada por novas formas de comportamento, uma vez que ela em si se constituía em uma própria novidade no seio da sociedade europeia. Trabalho, diversões e festas, tipos de moradia e vestuários foram impactados por essa nova perspectiva de vida e mentalidade. Dessa forma, o Renascimento não se tratou apenas de um movimento estético circunscrito ao seu meio, isto é, operado por poucos artistas. Antes, se tratou de uma nova concepção de vida adotada por uma parcela significativa da sociedade europeia ocidental, sendo exaltada e difundida por meio das icônicas obras de arte. Como aludido, um dos principais valores que o Renascimento trz à tona a partir da filosofia humanista foi o laicismo. Não obstante, é preciso considerar que em conjunto com essa forma de dessacralizar as relações sociais e políticas havia também a perspectiva antropocêntrica em jogo. Ambas as óticas não representavam a negação de uma espiritualidade ainda que cristã, muito menos sua corporificação na forma de uma religião institucionalizada, como o catolicismo. Tais valores visavam, antes, a recuperar a autonomia do indivíduo pelo uso da razão, que conferiria a ele as condições necessárias para desenvolver sua vida política, social e espiritual. A vinculação institucional, tal qual todas as suas ações, passam a operar segundo uma máxima do humanismo: a liberdade de escolha humana que faz do juízo da razão seu guia. O Humanismo tratou-se de um movimento intelectual difundido na Europa durante a Renascença e inspirado na civilização greco-romana, que valorizava um saber crítico voltado para maior conhecimento do homem e uma cultura capaz de desenvolver as potencialidades da condição humana. Em outras palavras, era a base filosófica do Renascimento que evocava os princípios da liberdade de escolha e do antropocentrismo, isto é, do homem enquanto centralidade dos valores e objeto de investigação primal. Filosoficamente, o Humanismo impactou a vida europeia e sua organização intelectual e política. Das principais consequências da perspectiva antropocêntrica – que se tratava de uma retomada ao princípio protagoriano do “homem enquanto medida de todas as coisas” - teve-se a emergência de um tipo de individualismo outrora perdido no seio da configuração social do mundo medieval cristão. Com a ruptura de um modelo de sociedade estamental, surge uma burguesia influente e que imprime novas relações de trabalho. Em conjunto, aspira-se a ideia de que cada indivíduo não é apenas livre como responsável pela consequência de seus atos na condução de sua vida. Esse novo tipo de indivíduo que surge trata-se daquele que mescla a liberdade de escolhas e ações com o desenvolvimento de um espírito racional e crítico. O individualismo não pressupõe, todavia, um isolamento do homem em relação à sociedade e sua organização. Ao contrário, conclama-o para as responsabilidades oriundas justamente de sua participação no seio social. É fato que sobretudo no campo estético o Renascimento (tendo o Humanismo como base filosófica) expressou em melhor medida os seus valores.,A arte era uma representação do novo modo de vida da sociedade europeia ocidental a se materializar nas obras de diversos autores. Assim, tal como a filosofia se afastava da metafísica e se voltava para a investigação da natureza em si, a arte também incorpora a necessidade de expressar a natureza e a vida cotidiana. O desenvolvimento do naturalismo estético
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aguçou o espírito de observação do homem, e ainda que muitas obras fossem financiadas por mecenas da Igreja, suas composições obedeciam traços naturais resultantes desses estudos. Não raro, mesmo nessas obras, é possível encontrar referências subjetivas (e muitas vezes subliminares) que recobram os valores filosóficos do humanismo/renascimento. A “Criação do Homem”, de Michelangelo, é uma prova disso. Embora a arte seja uma grande expressão desse processo de ruptura com a visão de mundo medieval, é seguramente no campo desenvolvimento científico que o Renascimento abrirá as portas para a nova era surgida: a Idade Moderna. A ciência será o campo que transcenderá o uso artístico ou a subserviência à Teologia como outrora, e irá marcar a nova mentalidade operante desse período: a modernidade. Por Idade Moderna se compreende por um período histórico. Algo datado e que subscreve um conjunto de características próprias que constituem a sua mentalidade característica – ao qual se denomina “modernidade”. Dessa forma, enquanto período tem seu início na transição dos séculos XV e XVI, tendo o Renascimento como marco cultural, percorrendo os século seguintes até alcançar o episódio da Revolução Francesa, em 1789 (fim do século XVIII). Posteriormente a esse evento e adentrando ao século XX, chegando aos dias atuais, temos o que se denomina de forma majoritária no campo da historiografia ocidental por “Idade Contemporânea”. O conceito de modernidade pode ser entendido como a resultante de um processo de transformações sócio-históricas de correspondência intelectual, e que marca - enquanto mentalidade - o fim do medievalismo e o início de uma era pautada na racionalização, no desenvolvimento das ciências experimentais, na organização social tomando como referência modalidades competitivas de economia. Gumbrecht (1978, p.97) identifica três significados básicos que o termo “moderno” assumiu durante sua história: O primeiro significado é simplesmente “presente”, em oposição a “anterior” ou “prévio”, e foi usado dentro de tradições institucionalizadas onde tendências se sucedem temporalmente. O segundo significado é de “novo” e oposição a “velho”: nesse caso já se tem o emA13 Filosofia moderna na transição do pensamento medievo ao moderno
brião de uma consciência epocal onde moderno define um espaço de experiência presente que se quer distinto do passado. Esse uso geralmente está ligado a um esquema temporal mais ou menos explícito de hierarquização das eras, ou seja, é fortemente valorativo. Por fim temos o significado de “período transitório”, em oposição ao eterno. Nessa versão, moderno designa um presente que é experimentado como fluxo temporal contínuo e veloz que, como tal, só pode ser oposto ao eterno, qual inamovível.
Entretanto, para além desse uso do conceito, podemos utilizá-lo em um sentido de maior caracterização, mais “substantivada” do que “adjetívica”, como sugerem seus significados mais usais. Em outras palavras, podemos situar a “modernidade” enquanto uma mentalidade característica de um dado período histórico, sem contudo se restringir a este ou ser fruto de uma mera cesura com o passado. Isto é, trata-se de conceituar o termo em suas estruturas identificatórias seja em oposição ou contraposição à outras mentalidades. Uma das principais características da mentalidade moderna a associa com a concepção de racionalização do mundo (ou em termos heideggerianos, de “matematização das múltiplas relações cognoscentes e sociais”). De acordo com Martin Heidegger, em sua obra “La época de la imagen del mundo” (2003), compreender a
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essência da modernidade se constitui numa discussão sobre aquilo que o autor chamada “matematização da totalidade dos entes”. Segundo o filósofo alemão, pensar a Era Moderna, ou simplesmente a Modernidade significa voltar-se para o papel da ciência como seu caracterizador.. Pensar sobre a ciência teria o mesmo fundamento metafísico, segundo Heidegger, que outros fenômenos característicos dessa época. De acordo com Heidegger, a análise da essência de qualquer desses fenômenos, leva-nos à essência da Era Moderna e se conseguirmos “chegar ao fundamento metafísico que funda a ciência enquanto ciência moderna, então a essência da modernidade tem de se deixar reconhecer em geral a partir dele” (HEIDEGGER, 2003, p. 97). Assim sendo, a representação que fazemos dos entes que nos cercam, a partir de sua matematização, deve proceder a partir da cisão entre sujeito e objeto, sendo que o sujeito (o homem) trata de se assegurar da existência dos entes que lhe são exteriores, conferindo-lhes caracteres e relações matemáticas. Isso significa que a própria ciência da física mecânica, na sua tentativa de decodificar o movimento dos corpos, deve tributo à matemática, uma vez que esta lhe sustenta de um instrumental de análise fundamentado na imutabilidade equacional, numérica. Essa tentativa de garantir certezas absolutas acerca da propriedade essencial dos entes torna-se a atitude científica por excelência, dado a condição de seus processos quantificadores conferirem aos entes características imutáveis e universais, sempre passíveis de aferimento e verificações.
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Martin Heidegger foi um dos principais filósofos do culo XX. Nasceu na transição do século XIX, em 26 setembro de 1889. É tido como um dos maiores poentes do existencialismo alemão, operando uma ponte entre o pensamento de Soren Kierkegaard e a fenomenologia de Edmund Husserl – de quem foi aluno. Heidegger doutorou-se em filosofia em 1913. Em 1923 foi nomeado professor de Filosofia na Universidade de Marburgo, e, posteriormente, em 1928 com a publicação de sua obra-prima Ser e Tempo, foi promovido a professor titular da universidade. No ano seguinte, com a aposentadoria de seu antigo professor, Edmund Husserl, foi nomeado para a cátedra de Filosofia da Universidade de Friburgo. Em 1933, Heidegger foi nomeado reitor da Universidade de Friburgo – o que lhe custou nas décadas seguintes o impedimento para lecionar. A razão é fruto de seu apoio ao nacional-socialismo – regime que mesmo ao fim da guerra chegou a elogiar, em sua obra Introdução à Metafísica (1953). Martin Heidegger escreveu importantes obras, dentre elas: Novas Indagações sobre Lógica (1912), O Problema da Realidade na Filosofia Moderna (1912), O Conceito de Tempo na Ciência da História (1916), O Que é Metafísica? (1929), Da Essência da Verdade (1943), Da Experiência de Pensar (1954), O Caminho da Linguagem (1959) e Fenomenologia e Teologia (1970). Martin Heidegger faleceu em Friburgo, Alemanha, no dia 26 de maio de 1976.
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séde ex-
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Na perspectiva de Heidegger, o homem moderno passa a ter a prerrogativa do conhecer, se colocando como agente capaz de tudo abarcar em termos de conhecimento devido aos instrumentais criados para decodificar o mundo a sua volta, a partir da matematização dos entes. Essa relação que criamos com o mundo o coloca em uma posição de objeto capaz de ser conhecido, aferido, modificado e produzido a partir do momento em compreendemos as leis que dominam a natureza e expliquem o seu funcionamento. Nessa esteira de pensamento, encontraremos ainda na aurora da Idade Moderna um eminente cientista a conformar essa tese exposta por Heidegger: o físico e astrônomo Galileu Galilei. A matemática é de todas as linguagens aquela que por meio de fórmulas e números apresenta proposições de forma clara, sintética e de fácil apreensão. Seus resultados não variam de acordo com a interpretação do observador, apresentando, portanto, um alto grau de objetividade. Suas afirmações, por consequência, têm validade universal. A linguagem matemática, na perspectiva de Galileu, torna-se um instrumento por meio do qual o homem opera a leitura do mundo e conhece o universo. Segundo Galileu (1996, p. 46): A filosofia encontra-se escrita nesse grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o Universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto.
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Em 1589 d.C. Galileu escreve um tratado de mecânica ao qual critica o paradigma aristotélico acerca da queda livre e do movimento de projéteis. Três anos após, em 1592 passa a ocupar a cátedra de matemática na Universidade de Pádua, dedicando-se a diversas invenções mecânicas, além da topografia e do desenvolvimento de arquiteturas militares. Em 1609, em uma visita a Veneza, obteve notícias da invenção da Luneta. Ao compreender a mecânica do artefato, construiu uma própria, a aperfeiçoando. Dessa forma, temos uma aproximação do conhecido telescópio, e com este Galileu pôde observar a lua, as fases de Vênus, levando-o a colocar em xeque uma das principais teorias sustentadas pelos cosmólogos cristãos, sobretudo: o geocentrismo. Dado aos postulados desta doutrina, seria impossível a observação das fases lunares e de Vênus. Algo, portanto, questionado após o uso e aperfeiçoamento que Galileu fez da Luneta, e que lhe resultou um escrito intitulado O Mensageiro Sideral. Essa obra, na qual o cientista expõe suas conclusões sobre o geocentrismo e das próprias observações aferidas, lhe rendeu a cátedra honorária na Universidade de Pisa.
Figura 02 - Justus Sustermans (1597 – 1681). Retrato de Galileu Galilei (1636).
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Galileu Galilei é considerado um dos fundadores do método experimental e, por conseguinte, da ciência moderna. Destaca-se em suas contribuições os estudos realizados no campo da Física, sobretudo no que diz respeito ao movimento dos corpos e à teoria da cinemática.
Filosofia
Em 1612, após viagem para Roma, publicou seus estudos referentes às manchas solares. Sai em defesa de Nicolau Copérnico e sua teoria heliocêntrica contra o dogmatismo reinante, proveniente justamente do alto clero e da herança escolástica. Fato esse que gerou problemas entre Galileu e a Igreja Católica. Após o decreto eclesiástico em 1616 - que considerou as suas ideias como falsas - Galileu foi instado a renegar suas teorias. Temendo as consequências da inquisição, Galileu renuncia publicamente suas teses e retira-se para viver os últimos anos de sua vida em Florença. No entanto, dez anos antes de sua morte, publica uma obra chamada Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo – o ptolomaico e o copernicano (1632). Dada a sua fé católica, Galileu Galilei novamente renuncia suas ideias e tem seu livro incluído no Índex (lista de livros proibidos pela Inquisição). Em 8 de janeiro de 1642, morre, em Arcetri, perto de Florença. O legado de Galileu para o mundo moderno transcende suas teses finais. É justo que ela abre o caminho para investigações contínuas e complexas sobre a natureza e o cosmos, e exatamente por isso se recobre de grandeza. O cientista que inaugura a modernidade não é somente aquele que teoriza sobre a mecânica da natureza e levanta postulados físicos e matemáticos sobre os corpos celestes, mas, sobretudo, aquele que afirma pelos seus atos que o caminho intelectual da verdade não passa pela verdade revelada, sendo prerrogativa dos teólogos. Do ponto de vista espiritual, Galileu morreu sendo católico e crendo que a Bíblia ensinava como se chegar ao céu. Não obstante, compreender como os céus se moviam, isso era tarefa do cientista-filósofo, que tão bem Galileu encarnou. Como afirma SANTOS (2007, p.43) A questão levantada, que culminou com o processo da Inquisição contra Galileu, ia além do sistema heliocêntrico. O que estava em discussão era o método, o caminho para a verdade, para o conhecimento absoluto do mundo. (…) Galileu é o criador da ideia de experiência científica tal como existe em nossos dias. O seu processo de raciocínio combina a indução experimental e o cálculo dedutivo. Ser filósofo, para Galileu, significava não se limitar a construir sistemas rigorosos, mas puramente hipotéticos; ser filósofo significava procurar descrever a existência das coisas e como se desenvolvem os fenômenos naturais. A13 Filosofia moderna na transição do pensamento medievo ao moderno
A modernidade, como visto, se tratou de uma mentalidade que se esboçou no Renascimento e atingiu seu grau de maturação no desenvolvimento das ciências naturais/ experimentais, perdurando até o século da Ilustração (XVIII). Não poderia ter sido desenvolvida em outro contexto histórico. A Idade Moderna trouxe consigo uma série de transformações sociopolítica e de consequências culturais e espirituais. Na mesma medida, foi impulsionada e configura por elas mesmas. Assim, as Grandes Navegações e o descobrimento do Novo Mundo; a Revolução comercial e a implantação do capitalismo, com a ascensão da burguesia; a formação das monarquias nacionais; a Reforma protestante; o desenvolvimento da imprensa, dentre outros, apenas fomentaram uma mentalidade que buscava o redimensionamento da cultura investigativa e desbravadora greco-latina em contraposição a mentalidade medieval. Dessa forma, o laicismo e o antropocentrismo se conjugam a uma razão fundada na subjetividade liberta de crenças e superstições e no individualismo autônomo que (re)configura o homem no mundo. BIBLIOGRAFIA SANTOS, Antônio R. Conhecer ou não conhecer, eis a diferença. In: CORDI; SANTOS; SCHLSENER; CORREA; VOLPE; LAPORTE; ARAÚJO; RIBEIRO; FLORIANO; JUSTINO. Para filosofar. Ed. Reform. - São Paulo: Scipione, 2007. 110
Ciências Humanas e suas Tecnologias Gabarito questão 04. O conceito de modernidade pode ser entendido como a resultante de um processo de transformações sócio-históricas de correspondência intelectual, e que marca- enquanto mentalidade- o fim do medievalismo e o iní-
cio de uma era pautada na racionalização, no desenvolvimento das ciências experimentais, na organização social tomando como referência modalidades competitivas de economia.
HEIDEGGER, Martin. La época de la imagen del mundo. In: Caminos de Bosque. Tradução de Helena Cortes e Arturo Leyte. 3ª ed. Madrid: Alianza Editorial, 2003.
Gabarito questão 01. O Renascimento italiano é uma das marcas culturais do início da Idade Moderna. Trata-se de um movimento de intensas mudanças no âmbito urbano, comercial e intelectual e estético, atingindo diversas camadas da sociedade europeia ocidental entre os séculos XIV e XVI. Embora aspectos ligados a economia (transição do feudalismo para o mercantilismo) e o consequente florescimento da atividade marítimo comercial e da repaginação dos burgos que se convertem em novas cidades, chama a atenção a mudança na estrutura de pensamento advinda, especialmente, do Renascimento.
MESHBERGER, Frank Lynn. An Interpretation of Michelangelo’s Creation of Adam Based on Neuroanatomy. In: (JAMA) The Journal of the American Medical Association, 1990. Fonte: http://www.nslc.wustl.edu/courses/bio3411/woolsey/2011/JAMA-1990-Meshberger-1837-41.pdf
Gabarito questão 02. O racionalismo é posto em evidência na medida em que Deus é representado justamente dentro de uma figura anatômica que remonta a sede da consciência e da razão: o cérebro. Deus, expressão da verdade é acessível (ou “mora”) no intelecto.
GALILEI, Galileu. O ensaiador. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
GUMBRECHT, Hans. Modern, modernitat, moderne. In: BRUNER, Otto; CONZE, Werner; KOSELLEK, Reinhart. Geschichtliche grundbegriffe historisches lexikon zur politisch-sozialen sprache in Deutschland. Vol. 4. Stuttgart: Klett-Cotta, 1978.
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Michelangelo Buonarroti (Charlton Heston), célebre escultor de Florença, recebe a encomenda do Papa Júlio II, de erigir a sua tumba, cujo projeto prevê a construção de 40 esculturas. O Papa e o arquiteto Bramante acabam desistindo desse projeto e Michelangelo recebe uma nova incumbência: pintar o teto da Capela Sistina. Ele, a princípio, rejeita o trabalho pois não se acha um pintor mas, temendo contrariar o Pontífice, aceita a encomenda e começa a pintar os afrescos representativos dos Doze Apóstolos. Logo o artista fica insatisfeito com o resultado e destrói as pinturas, fugindo em seguida para as Pedreiras de Carrara. O Papa quer enforcá-lo por isso e manda seus guardas persegui-lo. Ao se esconder dos soldados, Michelangelo acaba se inspirando e aceita retomar a pintura, sem antes convencer o Papa a mudar o projeto inicial. O trabalho agora é bem maior e Michelangelo deverá fazê-lo sozinho, à custa de grande fadiga e sofrimento. Enquanto isso, o Papa enfrenta várias guerras e, com as demoras e interrupções, considera substituir Michelangelo pelo jovem mestre pintor Rafael.
Exercícios de Fixação 01. Em linhas gerais, descreva o que foi o Renascimento Italiano. 02. De que forma o ideal racionalista é expressa na obra A criação do homem de Michelangelo? 03. Por qual maneira o Renascimento, ancorado na filosofia humanistas promoveu modificações severas em seu tempo?
Gabarito questão 03. O movimento renascentista – tomado como norte a partir da Filosofia Humanista – promoveu uma transfiguração nas relações sociais europeias em seu cotidiano. A vida urbana, em especial, foi impactada por novas formas de comportamento, uma vez que ela em si se constituía numa própria novidade no seio da sociedade europeia. Trabalho, diversões e festas, tipos de moradia e vestuários
04. Em linhas gerais, defina o que se entende por “Modernidade”. 05. Na perspectiva do filósofo alemão Martin Heidegger, como o homem moderno se configura? Resposta esperada: Na perspectiva de Heidegger, o homem moderno passou a ter a prerrogativa do conhecer, se colocando como agente capaz de tudo abarcar em termos de conhecimento devido aos instrumentais criados para decodificar o mundo a sua volta, a partir da matematização dos entes. Essa relação que criamos com o mundo o coloca numa posição de objeto capaz de ser conhecido, aferido, modificado e produzido a partir do momento em compreendemos as leis que dominam a natureza e expliquem o seu funcionamento. foram impactados por essa nova perspectiva de vida e mentalidade. Dessa forma, o Renascimento não se tratou apenas de um movimento estético circunscrito ao seu meio, isto é, operado por poucos artistas. Antes, se tratou de uma nova concepção de vida adotada por uma parcela significativa da sociedade europeia ocidental, sendo exaltada e difundida através das icônicas obras de arte.
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Ficha Técnica: Título: Agonia e Êxtase Ano: 1965 Direção: Carol Reed Roteiro: Philip Dunne Gênero: Épico, Religioso, Drama
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Exercícios Complementares 01. Leia este trecho, em que se faz referência à construção do
do mecenato como um meio de maior liberdade de
mundo moderno: “... os modernos são os primeiros a demonstrar que o conhecimento verdadeiro só pode nascer do trabalho interior realizado pela razão, graças a seu próprio esforço, sem acei-
expressão. 03. (Enem MEC) (...) Depois de longas investigações, convenci-me por fim de
tar dogmas religiosos, preconceitos sociais, censuras políti-
que o Sol é uma estrela fixa rodeada de planetas que gi-
cas e os dados imediatos fornecidos pelos sentidos”.
ram em volta dela e de que ela é o centro e a chama. Que,
(CHAUÍ, Marilena. Primeira filosofia. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 80.)
A leitura do trecho permite-nos identificar características do Renascimento. Assinale a afirmativa que contém essas características. a) A busca por novos pressupostos de desnudamento do mundo faz com que a produção de conhecimento atinja novos âmbitos que não se mostravam tão aparentes ao longo da Idade Média. b) A renascença prestigia as concepções antropocêntricas, como uma forma de se questionar as justificativas religiosas ordenadoras da hegemonia senhorial. c) O mundo antigo é uma das mais significativas fontes de inspiração do Renascimento. Sob tal aspecto, muitos dos integrantes desse movimento acreditavam estar retomando o legado que fora deixado pelas antigas culturas grega e romana. d) O pensamento contemplativo se encontra fora do universo de características renascentistas. O contato e a investigação do mundo foram os dois grandes princípios que A13 Filosofia moderna na transição do pensamento medievo ao moderno
e) ao surgimento de novas ordens religiosas, defensoras
afastaram os renascentistas da mera contemplação do
além dos planetas principais, há outros de segunda ordem que circulam primeiro como satélites em redor dos planetas principais e com estes em redor do Sol. (...) Não duvido de que os matemáticos sejam da minha opinião, se quiserem dar-se ao trabalho de tomar conhecimento, não superficialmente, mas duma maneira aprofundada, das demonstrações que darei nesta obra. Se alguns homens ligeiros e ignorantes quiserem cometer contra mim o abuso de invocar alguns passos da Escritura (sagrada), a que torçam o sentido, desprezarei os seus ataques: as verdades matemáticas não devem ser julgadas senão por matemáticos. (COPÉRNICO, N. De Revolutionibus orbium caelestium)
Aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que embarca em um navio sem leme nem bússola. Sempre a prática deve fundamentar-se em boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos efeitos. Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira ciência se não passa por demonstrações matemáticas. (VINCI, Leonardo da. Carnets)
espaço, para a investigação do mesmo 02. (UFC CE) A cultura renascentista favoreceu a valorização do homem, estimulando a liberdade de expressão presente em diferentes manifestações artísticas e literárias. Entretanto, a participação da Igreja Católica, entre os mecenas, pode ser associada: a) à renovação das ideias defendidas pela hierarquia eclesiástica, que se deixara influenciar pelo liberalismo burguês. b) à continuidade do cristianismo como religião dominante, limitando a liberdade de expressão aos valores estabelecidos pela Igreja. c) ao engajamento da intelectualidade católica nas experiências científicas, na tentativa de conciliar razão e fé. d) às novas condições de vida na Europa, que extinguiram a persistência dos valores religiosos na sociedade.
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O aspecto a ser ressaltado em ambos os textos para exemplificar o racionalismo moderno é a) a fé como guia das descobertas. b) o senso crítico para se chegar a Deus. c) a limitação da ciência pelos princípios bíblicos. d) a importância da experiência e da observação. e) o princípio da autoridade e da tradição. 04. (Mackenzie SP) O Humanismo foi um movimento que não pode ser definido por: a) ser um movimento diretamente ligado ao Renascimento, por suas características antropocentristas e individuais. b) ter uma visão do mundo que recupera a herança greco-romana, utilizando-a como tema de inspiração. c) ter valorizado o misticismo, o geocentrismo e as realizações culturais medievais.
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rando-o como “medida comum de todas as coisas”. e) romper os limites religiosos impostos pela Igreja às manifestações culturais. 05. (Uneb BA) Leia atentamente os relatos a seguir: “O pintor que trabalha rotineira e apressadamente, sem compreender as coisas, é como o espelho que absorve tudo o que encontra diante de si, sem tomar conhecimento”. “Experiência, mãe de toda a certeza” “Só o pintor universal tem valor” São trechos de Leonardo da Vinci, personagem destacada do Renascimento. Neles, o autor exalta compreensão, experiência, universalismo, valores que marcaram o: a) Teocentrismo, como princípio básico do pensamento moderno. b) Epicurismo, em alusão aos princípios dominantes na Idade Média. c) Humanismo, como postura ideológica que configurou a transição para a Idade Moderna. d) Confucionismo, por sua marcada oposição ao conjunto dos conhecimentos orientais. e) Escolasticismo, dado que admitia a fé como única fonte de conhecimento. 06. (Unirio RJ) Ao final do Renascimento, diversas transformações culturais e sociais ocorridas na Europa, entre os séculos XVI e XVII, propiciaram o surgimento da Revolução Científica. Esse movimento caracterizou-se por um (a): a) predomínio da concepção de um universo fechado e sobrenatural. b) negação dos valores individualistas do homem e das concepções naturalistas. c) crítica à ciência medieval expressa no retorno do pensamento escolástico. d) afirmação do monopólio da Igreja Católica na explicação das coisas do mundo. e) valorização do espírito crítico e do método experimental. 07. (Cesgranrio RJ) A Revolução Científica, ocorrida na Europa Moderna entre os séculos XVI e XVII, caracterizou-se por: a) acentuar o espírito crítico do homem através do desenvolvimento da ciência experimental. b) reforçar as concepções antinaturalistas surgidas nos primórdios do Renascimento. c) comprovar a tese de um universo geocêntrico contrária à explicação tradicional aceita pela Igreja Medieval. d) negar os valores humanistas, fortalecendo assim as ideias racionalistas. e) confirmar os fundamentos lógicos e empiristas da filosofia
08. (Mackenzie SP) Galileu Galilei (1564 - 1642) rompeu com as concepções medievais sobre a natureza do conhecimento, EXCETO por: a) defender a ideia da experiência científica, combinando a indução experimental com cálculos dedutivos. b) pregar que qualquer conhecimento científico deveria ser comprovado experimentalmente, reproduzindo-se o fenômeno sob determinadas condições. c) refutar as teorias acerca do sistema geocêntrico de Ptolomeu, com base no sistema heliocêntrico de Copérnico. d) desenvolver uma concepção hierárquica estática e natural sobre o universo, através de premissas dedutivas que demonstram as conclusões. e) pregar a rigorosa observação dos fenômenos físicos, estabelecer uma metodologia do conhecimento científico e formular a lei da queda dos corpos. 09. (Unirio RJ) Criada pelos humanistas italianos e retomada por Vasari, a noção de uma ressurreição das letras e das artes graças ao reencontro com a Antiguidade foi, seguramente, fecunda (...). Essa noção significa juventude, dinamismo, vontade de renovação (...). Teve em si a inevitável injustiça das abruptas declarações de adolescentes, que rompem ou creem romper com os gostos e as categorias mentais dos seus antecessores. Mas o termo “Renascimento”, mesmo na acepção estrita dos humanistas, que o aplicavam, essencialmente, à literatura e às artes plásticas, parece-nos atualmente insuficiente. (DELUMEAU, Jean. A CIVILIZAÇÃO DO RENASCIMENTO. Lisboa, Editorial Estampa, 1983, vol.1, p.19)
A revisão que o autor nos apresenta com relação ao termo Renascimento aponta para o fato de que a (o): a) Idade Média não deve mais ser vista como um período de obscurantismo onde a cultura estava totalmente morta. b) cultura medieval já realizava um questionamento ao teocentrismo, fato que foi apenas aprofundado pelo Humanismo e pelo Renascimento. c) ruptura que os humanistas pretendiam com a Idade Média era apenas aparente, pois a suposta inspiração na Antiguidade esteve sempre subordinada aos padrões medievais. d) obscurantismo medieval não impediu a existência de uma produção artística, embora esta fosse esteticamente inferior à da Renascença. e) Humanismo ainda imprime ao Renascimento uma visão conformista com relação ao mundo, o que muito se assemelhava ao pensamento medieval.
escolástica em sua crítica aos dogmas católicos medievais.
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A13 Filosofia moderna na transição do pensamento medievo ao moderno
d) centrar-se no homem, em oposição ao teocentrismo, enca-
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A14
ASSUNTOS ABORDADOS nn A questão do método na filosofia
de René Descartes
A QUESTÃO DO MÉTODO NA FILOSOFIA DE RENÉ DESCARTES A chamada Filosofia moderna se desenvolveu a partir do século XV com o Renascimento e se estendendo até meados do século XIX. Na modernidade passou-se a delinear melhor os limites do estudo filosófico. Inicialmente, como atestam os subtítulos de obras tais como Meditações de René Descartes e o Tratado de George Berkeley, ainda se fazia referência a questões tais como a da prova da existência de Deus e da existência e imortalidade da alma. Do mesmo modo, os filósofos do início da modernidade ainda pareciam conceber suas teorias filosóficas como aquilo que fornece algum tipo de fundamento para uma determinada concepção científica (Descartes); ou como um trabalho de reestruturação necessária para preparar o terreno para a ciência de fato emergir (John Locke); ou ainda como competindo com determinada conclusão ou método científico (Berkeley). De início, no campo da teoria do conhecimento, duas principais correntes se destacam. De um lado, especialmente na França teremos o Racionalismo. Para não se confundir uma atitude filosófica simples que evoca a razão (uma vez que todas elas assim procedem), muitos historiadores da Filosofia optam por nominar essa corrente de “Racionalismo Cartesiano”. Primeiro, para se referir ao contexto de uso dessa expressão, evitando generalidades. Em segundo, assim procedendo, apresentando a matriz de pensamento a que esse tipo de racionalismo prediz: o cartesianismo – doutrina epistemológica fundada pelo filósofo e matemático francês, René Descartes, como veremos à frente.
SAIBA MAIS
Figura 01 - Frans Hals (1582/1583–1666). Título: Portrait of René Descartes (1596-1650).
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MÉTODO: palavra derivada do grego Méthodos (μέθοδο), que significa ‘caminho para se chegar a um fim’. Entende-se por método a ordem em que se deve dispor os diferentes processos necessários para se alcançar um resultado desejado. Em outras palavras, método é um procedimento (forma), passível de ser repetido para atingir-se algo, seja tangível (material) ou intangível (conceitual).
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Autor: Jan Cossiers (1600–1671). Título: “Prometeu carrega o fogo”
Não é incomum a confusão de termos como Teoria do Conhecimento, Epistemologia e Filosofia da Ciência. Para muitos historiadores da Filosofia, todos eles seriam termos tautológicos, equivalentes. Para outros, não. A seguir, um interessante texto a esmiuçar a problemática e clarificar tais conceitos. “(...) É muito comum nos estudos do conhecimento o uso indiscriminado de “Teoria do Conhecimento” e “Epistemologia”, como afirma Dutra (2010, p.09): “Epistemologia é o termo que mais frequentemente empregamos hoje para nos referirmos à ‘teoria do conhecimento’ – a disciplina tradicional dos currículos dos cursos de filosofia”. Outros nomes também são passíveis de serem encontrados, em especial, em manuais mais antigos, como é o caso do clássico “Teoria do Conhecimento (Gnoseologia e Criteriologia)”. Contudo, haveria uma distinção possível? Sim há. Classicamente, Santos (1960, p.32) argumenta: “... a Criteriologia seria a própria Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia, na parte em que aprecia o valor dos nossos conhecimentos, quando ela enfrenta o tema principal e final, que é a verdade”; já a Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia, propriamente, seria “um saber teórico do conhecimento, ponto de partida para o estudo da Metafísica, em seus diversos aspectos” (SANTOS, 1960, p.31). Em outras palavras, Gnosiologia, ou, que é o mesmo, Teoria do Conhecimento, por serem os termos mais antigos, são usados para estabelecerem o campo do conhecimento que reflete todas as relações advindas do conhecimento, enquanto que Criteriologia, por ser mais recente, tem uma preocupação mais pontual e específica, que é a relação entre o conhecimento e a verdade. Por outro lado, o termo Epistemologia, apesar de remeter a uma origem muito antiga (do léxico episteme já conhecido pela Grécia antiga), tem um sentido bastante recente. De acordo com Blanché (1975), a expressão, no sentido como a conhecemos hoje, aparece pela primeira vez em 1906 no suplemento Larousse ilustrado. Em contrapartida, Dutra (2010) afirma que o termo “epistemology”, em inglês, é anterior à essa data, tendo sido introduzido no século XIX pelo filósofo escocês James F. Ferrier. Para a escola francesa, o termo épistémologie era usado, com mais frequência, para referir-se à “filosofia da ciência”, mas hoje, com a influência da escola inglesa, o termo acaba também se referindo à teoria do conhecimento. Para os ingleses, o que se compreende por epistemologia são duas situações: a da justificação da veracidade das sentenças e do processo de aquisição do conhecimento. Esses dois momentos são respectivamente denominados de epistemologias da justificação e da investigação, sendo que o primeiro trata dos processos lógicos da cognição e o segundo dos processos psicológicos da cognição. Seguindo Blanché (1975), para aquelas correntes em que não há conhecimento válido que não o científico, como é o caso das teorias advindas do positivismo, teoria do conhecimento e epistemologia também se confunde e realmente devem ser tidas por sinônimas, uma vez que toda teoria do conhecimento só a é enquanto teoria do conhecimento científico. De outro modo ainda, há aqueles que fazem uso da epistemologia como filosofia da ciência ou mesmo parte da filosofia da ciência, ressaltando, nessa perspectiva, sua relação com a filosofia. Nesse caso, ela seria uma reflexão filosófica sobre os princípios, métodos e fundamentos da ciência em geral, não se restringindo apenas à sua possibilidade cognoscitiva. Com efeito, se tomarmos a distinção de Zilles (2008) temos: epistemologia ou teoria da ciência é “o estudo dos princípios, dos critérios, dos processos e da metodologia das ciências” (ZILLES, 2008, p.34), que hoje, praticamente, segundo esse autor, se restringe a uma espécie de lógica aplicada. Nesse sentido, seja empírico ou não, as teorias das ciências já pressupõem o conhecimento e a formulação de que este é verdadeiro ou falso. Enquanto que a teoria do conhecimento, não pressupondo o conhecimento, não é uma ciência empírica, mas filosófica. Ademais, prossegue Zilles (2008), a teoria do conhecimento não é metafísica – ainda que, segundo Santos (1960, p.31), ela seja “o ponto de partida para o estudo da Metafísica”[2]. Isso significa que, rigorosamente, a teoria do conhecimento seria “ciência não-empírica do empírico” (ZILLES, 2008, p.37); ou, como vai dizer Santos (1960, p.31): “é um saber teórico do conhecimento”; ou ainda nos termos de Hessen (2003, p.13) “teoria material da ciência ou como teoria dos princípios materiais do conhecimento humano”. Para nós, contrariando as filosofias inglesas e positivistas e nos aproximando da filosofia francesa bem como de toda tradição filosófica, o que se considera propriamente por “epistemologia” é aquela teoria que trata do conhecimento especificadamente científico. A partir dessa especificação, a epistemologia se distingue da “teoria do conhecimento” e ou “gnosiologia” na medida em que esta se preocupa com a possibilidade do conhecimento em geral. Desse modo, a teoria do conhecimento seria mais abrangente podendo até incluir a epistemologia como uma de suas divisões, enquanto que a epistemologia se restringiria às especificações internas do conhecimento científico. É claro que a epistemologia acaba interagindo com essas três instâncias: a inteligibilidade científica, a teoria do conhecimento e a filosofia da ciência, demarcando maiores ou menores participações dependendo das perspectivas a que se persegue. Propriamente, a Teoria do Conhecimento é um campo atual, pois “Historicamente, nem na Antiguidade grega nem na chamada Idade Média, nem em nossa cultura, há propriamente uma disciplina autônoma que se possa considerar como sendo a Gnosiologia, embora os temas gnosiológicos estivessem presentes desde os gregos, sobretudo no período crítico dos sofistas, e em todos os momentos dramáticos da filosofia” (SANTOS, 1969, p.31). Na Escolástica, dá continuidade o mesmo autor, há algumas tentativas de abordagens de temas gnosiológicos na Lógica Maior – a qual gerou a distinção clássica de Lógica Maior e Menor –, mas é na modernidade, com Locke, que se pode dizer que uma teoria do conhecimento se configura enquanto tal: “Locke considerado, historicamente, o fundador dessa disciplina com sua obra ‘An essay concerning human understanding’, em 1690, onde pôs em discussão o problema do conhecimento” Fonte: http://qgdacoruja.blogspot.com.br/2015/09/notas-sobre-distincao-entre-teoria-do.html
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A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
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#Curiosidade
Filosofia
Em linhas gerais, o Racionalismo é uma corrente filosófica que parte do raciocínio dedutivo como instrumento do pensamento superior no campo da investigação científica e filosófica. A razão, que dá essência ao seu título, trata-se de uma operação mental, lógica e discursiva, sede única do conhecimento. Como herança do platonismo, traz a concepção de que a experiência do mundo sensível é enganosa enquanto via de acesso para o conhecimento. Destaca-se, além de René Descartes (15961650), os filósofos Spinosa (1632-1677) e Leibniz (1646-1716). De outro lado temos o Empirismo britânico. Como a localidade denuncia, trata-se de uma corrente epistemológica que surgiu no seio da intelectualidade inglesa. Como abordaremos em sessão posterior, trata-se de uma concepção crítica ao racionalismo cartesiano, sobretudo quanto à categoria das “ideias inatas”, e se caracteriza por ser uma tendência filosófica que enfatiza o papel da experiência sensível no processo do conhecimento. Destacam-se: Francis Bacon, Jhon Locke e David Hume e George Berkeley.
A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
Tanto uma corrente quanto a outra, a despeito de suas distinções fundamentais, são abordagens típicas da modernidade filosófica. Isso se deve, especialmente, à forma como esta tratou a questão do conhecimento. Em tempo anterior, durante a Idade Média, o que estava em evidência era no máximo evidenciar os limites da razão em relação à possibilidade que somente a fé era capaz de trazer enquanto instrumento de acesso à verdade – naquela ocasião, Deus. Em outras palavras, não houve um aprofundamento – a exceção de poucos céticos – quanto à capacidade humana de conhecer. E é sob essa questão fundamental (“O que é possível ao homem conhecer”) que se estruturou a teoria do conhecimento na Era Moderna. A Filosofia Moderna, dentro desse recorte temático [o conhecer] desdobra suas reflexões para uma gama de perguntas subsequentes: “Qual a origem do conhecimento”; “Qual é o critério de certeza para saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso”; “Qual o sentido que damos àss sentenças de verdade/falsidade?”; “Há algum método seguro?”; “O que é o método?”, etc. E é justamente sobre essas últimas indagações que as múltiplas correntes se convergiram (a busca por um método) e, ao mesmo tempo, se divergiram (a validade de um método). Como afirmado na sessão anterior, o traço característico da modernidade havia sido, numa linguagem heideggeriana, a “matematização de todos os entes”. Assim, a matemática havia por ter eliminado um processo de suspeição característico das posições céticas. Se as ideias e teorias humanas poderiam não passar de conjecturas, o mesmo não se dizia mais acerca das “verdades matemáticas”. 1 + 1 não dependeria de contextos ou perspectivas para sua resposta ser 2. Dessa forma, as ditas verdades matemáticas a se expressarem na forma de axiomas, denotavam uma modalidade de conhecimento seguro. Não obstante, a matemática trata-se de uma operação abstrata e simbolizável da realidade. Algo portanto, não muito diferente da própria Filosofia. E assim como para esta a 116
razão é o predicado, na matemática não se faz diferente. Em outras palavras, a comprovação das verdades matemáticas se dá por uma operação do raciocínio. Raciocinando, deduzimos os resultados. É por essa razão que para os filósofos da corrente Racionalista (os principais deles, sendo matemáticos, como Descartes), o ser humano pode obter o conhecimento seguro desde que compreenda os mecanismos da razão – origem ou fonte do conhecimento seguro. Diferente dos medievos, a via de acesso a esse conhecimento/verdade não era mais mediada pela fé, antes pela própria Filosofia a se constituir por uma modalidade de investigação secundada por um método seguro a se operar a partir de axiomas (tal qual ou conjugada com a própria matemática). Antecipando os racionalistas, Galileu Galilei já havia destronado o modelo de compreensão aristotélico-tomista que perdurou na Idade Média a partir da Escolástica. Temendo “novos enganos”, os filósofos racionalistas foram pioneiros em buscar não somente uma revisão do paradigma anterior, como também buscar as bases para uma forma de compreensão que pudesse ser sustentável, filosófica e matematicamente. Era preciso implicar um processo de investigação rigoroso a fim de alcançar princípios gerais de conhecimento certo e seguro, nem que para isso o expediente cético fosse retomado em primeira instância: duvidar-se de todas as coisas que despertam incertezas. A esse respeito, René Descartes (1989, p.51) afirma: Vários juízos apressados nos impedem agora de alcançar o conhecimento da verdade, e, de tal maneira nos tornam confiantes, que não há sinal aparente de que deles nós possamos libertar se não tomarmos a iniciativa de duvidar, uma vez na vida, de todas as coisas em que encontramos a mínima suspeita de incerteza.
A proposta de Descartes se conflui com sua biografia. René Descartes nasceu em La Haye, Touraine (França), no dia 31 de março de 1596. Com oito anos de idade ingressa na escola jesuíta Royal Henry Le Grande, em La Flèche. Esse período foi importante para a formação de Descartes, embora ao fim - como comenta em sua obra O Discurso do Método - tenha se decepcionado com a tradição aristotélico-tomista que vigora a essa época, considerando seus conceitos muito confusos e pouco operacionais. Após um período de nove anos no colégio Jesuíta, Descartes dá seguimento aos seus estudos se graduando em Direito, pela Universidade de Poitiers, em 1616 - profissão que nunca exerceu. Em 1618 vai para a Holanda após se alistar no exército do príncipe Maurício de Orange-Nassau. Dessa viagem resultaram duas convicções: a primeira de que não deseja mais a vida militar, por não se identificar com esse ofício. Via-se antes como um estudioso da arte da guerra, e não um verdadeiro militar. A segunda é que essa vivência lhe resultou uma perspectiva multicultural valiosa, levando-o a questionar grande parte dos valores habitualmente adquiridos durante sua vida na França, criado sob a égide moral cristã católica.
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Entre os anos de 1619 até 1949 Descartes viajou por diversos países da Europa. Neste primeiro ano, na Alemanha, teve o seu primeiro vislumbre (uma “visão” em sonho) de que devia desenvolver um novo sistema matemático e científico. Após passar pela Dinamarca e Polônia, retorna à França em 1622. Seis anos mais tarde, redige a obra Regras para a Direção do Espírito (1628). No ano seguinte, em 1629 emigra para os Países Baixos, onde viveria até o ano de 1650, quando morre em virtude de uma pneumonia contraída em Estocolmo, Suécia. No decorrer de todo esse período, ainda escreve obras como Tratado do mundo (1629). Nessa obra, aborda a tese do heliocentrismo. Contudo, após a perseguição inquisitória a Galileu em 1633, e temendo represálias, abandona seus planos de publicá-la. A fase de maior reconhecimento de seus escritos se dará entre 1637 e 1643, haja vista nesse período estar situada a publicação de três textos fundamentais: Discurso do Método (inicialmente como prefácio para três pequenos tratados: A Dióptrica, Os Meteoros e A Geometria), Meditações sobre a Filosofia Primeira e Princípios da Filosofia. Em que pese a condenação a suas obras feita pela Universidade de Utrecht, em 1643, os anos que se seguiram foram de intenso reconhecimento de seus feitos intelectuais. Em 1644, após um contato feito com a Rainha Cristina da Suécia, mediado pelo embaixador francês, Chanut, o filósofo e matemático francês passa a receber uma pensão do reino da França e põe-se a trabalhar na obra Descrição do Corpo Humano. René Descartes morreu em 11 de fevereiro de 1650. Como católico residente em país protestante, foi enterrado no cemitério de crianças não batizadas, em Estocolmo, Suécia. Em 1667, os restos mortais de Descartes foram repatriados para a França, sendo enterrados na Abadia de Sainte-Geneviève, Paris. No mesmo ano, a Igreja Católica coloca os seus livros na lista proibidos. Descartes compreendia que a filosofia significa o estudo da sabedoria. Para ele, essa sabedoria significava um conhecimento perfeito de todas as coisas que o homem pode conhecer ou compreender. Assim, incluía em sua filosofia, além da metafí-
sica, a física e a ciência natural. Incluía nela até mesmo a anatomia, a medicina e a moral. Dava ênfase aos aspectos práticos da filosofia, dizendo não poder haver bem maior do que a verdadeira filosofia. Rompeu deliberadamente com o passado e estava determinado a começar sua procura da verdade no princípio de todo o conhecimento, nunca aceitando a autoridade de qualquer filosofia anterior. Segundo ele, todas as ciências são interconectadas e devem ser estudadas como uma única entidade, por meio de um processo destinado a trazer a verdade à tona. Como tal, seu pensamento entrava em conflito com a filosofia medieval cristã estabelecida, chamada escolástica, que abraçava princípios aristotélicos e sustentava que as várias áreas do conhecimento são distintas entre si. (ACZEL, 2007, p.126)
A epistemologia cartesiana gira em torno dessa três últimas obras elencadas. O destaque de Discurso do método vale pela forma como Descartes empreende um modelo quase lógico-matemático de condução do pensamento. Isto posto, pois uma vez que a matemática tem por característica no discurso filosófico da modernidade a representação da certeza, da ausência de dúvidas, nada mais óbvio do que Descartes se valer dela como fundamento de sua filosofia. Durante toda obra se observa o filósofo francês recorrendo à autoridade da demonstração matemática que secunda a atividade da razão. Em outras palavras, não se trata de aplicar a matemática ao conhecimento do mundo, mas antes usar o tipo de conhecimento que e peculiar à matemática. A ordem e a medida é aquilo que permite, tal qual no conhecimento matemático, estabelecer cadeias de razões para deduzir uma coisa de outra Ainda, como oposição ao empirismo, os dados dos sentidos que supostamente serviriam de mediador nesse processo de aquisição do conhecimento deveriam ser postos em segundo plano, inclusive até sendo tomados como distração para a necessária abstração. Há uma forte influência platônica no pensamento de Descartes, possivelmente fruto de sua rejeição ao aristotelismo-tomismo. Doravante, de acordo com as regras do método cartesiano, é preciso, portanto, que somente aquilo que se mostra claro e distinto ao intelecto se coloque como objeto a ser investigado. É a primeira premissa de quatro estabelecidas pelo filósofo e matemático francês: 1) Regra de EVIDÊNCIA: acolher apenas o que aparece ao espírito como ideia clara e distinta; 2) Regra da ANÁLISE: Dividir as dificuldades em parcelas menores, para resolvê-las por partes; 3) Regra da ORDEM: Conduzir os pensamentos pela ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para só depois lançar-se aos mais complexos; 4) Regra da ENUMERAÇÃO: Fazer revisões gerais para ter a certeza de que nada foi omitido. 117
A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
Assim, Descartes empreende o início de uma trajetória em que colocar as coisas dubitáveis em suspenso tratar-se-ia de um comportamento primal para quem deseja se aventurar pela filosofia e ciência. É preciso colocar sob dúvida todas as verdades que nos chegam ao espírito, o que pressupõe de início rejeitar tudo aquilo que habitualmente nos é ofertado como verdade: religião, moralidade, cultura etc. Em um momento posterior, cabe colocar em suspeição os parâmetros que julgamos adequados para o processo do conhecer (o que implica na questão sobre o “método”). Por fim - Descartes empreende isso muito bem no correr de suas obras - colocar em dúvida [hiperbolicamente] até mesmo a nossa própria existência. Somente assim, emum processo de “duplo regresso”, teríamos condições de chegar à uma verdade clara e distinta, indubitável portanto.
Filosofia
Como afirmado no início, a vida e obra de Descartes se confluem. Suas múltiplas viagens pela Europa o levaram a se deparar com inúmeras guerras, conflitos, sobretudo de interesses e de “posses da verdade”. A famigerada Guerra dos Trinta Anos, marcada pela lide entre Católicos e Protestantes na Europa o levou a refletir bastante sobre a questão da verdade está atrelada a uma concepção religiosa específica que a sustenta ou por força da tradição ou por contestação, sem ambas explicitarem os critérios objetivos, racionais e metodológicos para tal defesa institucional.
A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
Não obstante, embora o pensamento cartesiano seja baseado emum sentimento cético tendo a dúvida como guia, isso não significa que sua doutrina se reduza a um relativismo que repousa suas origens na tradição sofística. Descartes assume o compromisso com a dúvida, não para negar (a possibilidade) [d]o conhecimento, mas, antes, para rejeitar tudo aquilo que atravanca a possibilidade do verdadeiro conhecer: crenças, superstições, dados dos sentidos, instituições, concepções pseudo-metodológicas etc. Do que se trata, portanto, essa natureza de dúvida cartesiana? Trata-se de um procedimento que vê o ceticismo em sua abordagem metodológica, não necessariamente negacionista. No campo metodológico, a dúvida cética se distingue da “atitude cética”. O que está em questão é rejeitar toda ideia que não se mostra clara e distinta ao intelecto. Diferente dos escolastas, ou mesmo dos gregos antigos, as “coisas” não existem porque simplesmente “necessitam existir”, ou porque assim deve ser. Antes, segundo Descartes, só se pode dizer que existe aquilo que puder ser provado, sendo o ato de duvidar indubitável. A partir de então – ao objeto (ideia) se apresentar indubitavelmente ao intelecto, há de se aplicar as [quatro] etapas do método a fim de se chegar ao resultado hipoteticamente almejado. A ciência moderna nasce e se consolida filosoficamente a partir deste prisma! Seguramente, René Descartes desempenhou uma profunda influência na constituição da ciência moderna, não somente pelo desenvolvimento de uma metodologia, mas pelas suas próprias descobertas. Suas teses no campo cosmológico só viriam a ser superadas pela abordagem (e conquistas científicas) de Isaac Newton. Na matemática, destacou-se pelo descobrimento da geometria analítica, jungindo álgebra e geometria emum contexto em que até então eram tomadas como ramos completamente separados. Mesmo Newton, além Gottfried Leibniz, receberam de Descartes a base de seus cálculos. 118
SAIBA MAIS
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As regras do método cartesiano obedecem ainda a um fio condutor importante e que marca sua epistemologia: o ceticismo pautado na dúvida. Seja ela hiperbólica (como veremos à frente), seja estritamente metódica, como propulsora para um conhecimento seguro, livre de superstições ou imposições exteriores.
Autor: Christoph Bernhard Francke (1660–1729)
Gottfried Leibniz (1646-1716) foi um filósofo e matemático alemão. Nasceu em 1 de julho de 1646. Embora o aprendizado primário tenha se dado de forma autodidata, entrou precocemente na Universidade de Leipzig aos quatorze anos de idade. Graduou-se em Filosofia com a tese “Meditação sobre o princípio da individuação”, onde apresentou o conceito de “Mônadas” - unidades primárias do universo. Em 1666, publicou sua tese “Dissertação sobre a arte combinatória”. Obteve o título de Doutor pela Universidade de Altdorf. Leibniz destacou-se no campo da matemática por ter estudado o cálculo binário e integral – algo que no futuro foi uma importante ferramenta para o desenvolvimento de arquiteturas computacionais. Quando residente em Londres, integrou Royal Society, sendo eleito membro exibir a sua invenção: a máquina de calcular. Desenvolveu o teorema fundamental do cálculo, publicado em 1677 e devidamente aplicado na Europa. Durante sua trajetória intelectual, publicou uma série de outras obras, destacando-se Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano (redigidos em 1714 e publicados em 1765) e Monadologia e Princípios da Natureza Humana (1714). Gottfried Leibniz faleceu em Hanôver, Alemanha, no dia 14 de novembro de 1716.
Descartes foi, portanto, o fundador da Filosofia Moderna, sendo por vezes também chamado de “pai da matemática moderna”. Sua vida e obra expressaram a síntese de um movimento de mudanças da vida europeia e de seus paradigmas de pensamento, cultura e comportamento. Para além de uma influência imediata, toda uma geração posterior de filósofos, cosmólogos e matemáticos foram de alguma forma insuflados pelas reflexões e teses cartesianas. Mesmo seus contrapositores imediatos – a tradição empirista – reconhece em Descartes não somente a figura do fundador do racionalismo moderno, como também aquele a levantar questões fundamentais dentro da teoria do conhecimento, operando um salto qualitativo nas discussões científicas, muitas vezes ensombrecidas ou reduzidamente aristotélico-cristianizadas durante o período medieval escolasta.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
BIBLIOGRAFIA ACZEL, Amir D. O caderno secreto de Descartes. São Paulo: Editora Zahar. 2007. BLACHÉ, R. A epistemologia. Lisboa: Presença, 1975. DAMÁSIO, António R. O Erro de Descartes: Emoção, Razão e o Cérebro Humano. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. DESCARTES, René. Princípios da filosofia. 4 ed. Lisboa: Guimarães, 1989. ______. Descartes. Intr. Gilles-Gaston Granger. Pref. e notas: Gérard Lebrun. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Col. Os Pensadores). Contém as traduções de: Discurso do Método, As Paixões da Alma, Meditações e Objeções e Respostas (às Meditações). DUTRA,L. H.de A. Introdução à epistemologia. São Paulo: Unesp, 2010. HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. 2ed. São Paulo: Martins Fontes,2003. SANTOS, M. F. Teoria do Conhecimento (Gnosiologia e Criteriologia). São Paulo: Logos, 1960. SPINELLI, Miguel. A Matemática como paradigma da construção filosófica de Descartes. In: Revista Cadernos de História e Filosofia da Ciência. Unicamp, Campinas, v.2, n.1, 1990, pp. 5–15. ______. Bacon, Galileu e Descartes: O Renascimento da Filosofia Grega. São Paulo: Loyola, 2013. ZILLES, U. Teoria do Conhecimento e teoria da ciência. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2008.
Gabarito questão 01. Em linhas gerais, o Racionalismo é uma corrente filosófica que parte do raciocínio dedutivo como instrumento do pensamento superior no campo da investigação científica e filosófica. Gabarito questão 02. O Platonismo e o desenvolvimento das ciências experimentais/naturais de início da modernidade, a partir de cientistas como Galileu Galilei. Gabarito questão 03. Diferente dos medievos, a via de acesso – para os filósofos racionalistas – rumo ao conhecimento/verdade não era aquela mediada pela fé, antes pela própria Filosofia a se constituir por uma modalidade investigação secundada por um método seguro a se operar a partir de axiomas (tal qual ou conjugada com a própria matemática). Gabarito questão 04. Método é uma palavra derivada do grego Méthodos, que significa ‘caminho para se chegar a um fim’. Entende-se por método a ordem em que se deve dispor os diferentes processos necessários para se alcançar um resultado desejado. Em outras palavras, método é um procedimento (forma), passível de ser repetido para atingir-se algo, seja tangível (material) ou intangível (conceitual). Gabarito questão 05. 1) Regra de EVIDÊNCIA: acolher apenas o que aparece ao espírito como ideia clara e distinta; 2) Regra da ANÁLISE: Dividir as dificuldades em parcelas menores, para resolvê-las por partes; 3) Regra da ORDEM: Conduzir os pensamentos pela ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para só depois lançar-se aos mais complexos; 4) Regra da ENUMERAÇÃO: Fazer revisões gerais para ter a certeza de que nada foi omitido.
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Data de lançamento: 20 de fevereiro de 1974 (mundial) Gênero: Drama/Cinema de arte Direção: Roberto Rossellini Música composta por: Mario Nascimbene Duração: 2h e 42m Elenco: Ugo Cardea, Anne Pouchie, Vernon Dobtcheff, MAIS Roteiro: Roberto Rossellini, Renzo Rossellini, Luciano Scaffa, Marcella Mariani Autores: Roberto Rossellini, Luciano Scaffa, Marcella Mariani
Exercícios de Fixação 01. Explique o conceito de Racionalismo 02. Qual a principal herança intelectual manifestada no pensamento cartesiano? 03. Qual a principal dissociação dos filósofos racionalistas em relação aos medievos?
04. O que significa o termo que recorrentemente aparece nos textos dos filósofos modernos: método? 05. O método cartesiano é dividido em quatro fases. Defina cada uma delas.
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A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
Título: Cartesius Screenshot: Cartesius (1974) A obra filmográfica trata da vida e obra de René Descartes – filósofo e matemático francês responsável pela fundação da corrente racionalista. O diretor Roberto Rossellini extrai trechos inteiros de algumas das obras fundamentais do pensador, como O Discurso do Método (1637) e Meditações (1641), para compor as ações “dramáticas” do personagem.
Filosofia
Exercícios Complementares 01. (UFFS Fepese) Sobre o racionalismo cartesiano, é incorreto afirmar: a) A verdade deve ser afirmada pela razão. b) A razão não pode provar a existência de Deus. c) É possível duvidar da existência de tudo, menos do sujeito que pensa. d) A razão é capaz de fornecer a natureza e as origens do conhecimento. e) O costume não é uma fonte adequada para fundamentar o conhecimento.
A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
02. (UFFS Fepese) A filosofia cartesiana exerceu profundo impacto sobre as reflexões posteriores a respeito do conhecimento. Assinale a alternativa que define um desses impactos. a) O pensamento de Descartes deu profundidade filosófica ao raciocínio indutivo, influenciando gerações de filósofos posteriores. b) O pensamento de Descartes resolveu definitivamente o antigo problema do dualismo entre mente e corpo. c) O pensamento de Descartes, a partir da prova da existência de Deus, permitiu a filósofos cristãos contemporâneos subordinarem a filosofia à teologia. d) O pensamento de Descartes pode ser considerado como uma das origens da corrente racionalista de Spinosa e Leibniz, entre outros. e) O pensamento de Descartes pode ser visto como uma afirmação da autoridade dos dogmas religiosos e dos costumes na fundamentação da moral 03. (UFFS Fepese) Descartes empregou um método universal para o conhecimento. Qual das seguintes alternativas não está de acordo com o método cartesiano? a) Nada pode ser aceito como verdade mesmo quando reconhecido como tal. b) Deve-se dividir os problemas em tantas partes quanto possível. c) A reflexão deve seguir uma ordem definida, começando com o que for mais simples. d) Deve-se ter certeza de que tudo foi examinado, sem omissões. e) A ordem da reflexão pode ser inteiramente fictícia. 04. (Uel PR) O principal problema de Descartes pode ser formulado do seguinte modo: “Como poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?” Como o cético, ele parte da dúvida; mas, ao contrário do cético, não permanece nela. Na Meditação Terceira, Descartes afirma: “[…] engane-me quem puder, ainda assim jamais poderá fazer que eu nada seja enquanto eu pensar que sou algo; ou que algum dia seja verdade eu não tenha jamais existido, sendo verdade agora que eu existo […]” (DESCARTES. René. Meditações Metafísicas. Meditação Terceira, São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 182. Coleção Os Pensadores.)
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Com base no enunciado e considerando o itinerário seguido por Descartes para fundamentar o conhecimento, é correto afirmar: a) Todas as coisas se equivalem, não podendo ser discerníveis pelos sentidos nem pela razão, já que ambos são falhos e limitados, portanto o conhecimento seguro detém-se nas opiniões que se apresentam certas e indubitáveis. b) O conhecimento seguro que resiste à dúvida apresenta-se como algo relativo, tanto ao sujeito como às próprias coisas que são percebidas de acordo com as circunstâncias em que ocorrem os fenômenos observados. c) Pela dúvida metódica, reconhece-se a contingência do conhecimento, uma vez que somente as coisas percebidas por meio da experiência sensível possuem existência real. d) A dúvida manifesta a infinita confusão de opiniões que se pode observar no debate perpétuo e universal sobre o conhecimento das coisas, sendo a existência de Deus a única certeza que se pode alcançar. e) A condição necessária para alcançar o conhecimento seguro consiste em submetê-lo sistematicamente a todas as possibilidades de erro, de modo que ele resista à dúvida mais obstinada. 05. (UFF RJ) O filósofo francês René Descartes escreveu o seguinte em seu Discurso do Método: “Logo que adquiri algumas noções gerais relativas à Física, julguei que não podia mantê-las ocultas, sem pecar grandemente contra a lei que nos obriga a procurar o bem geral de todos os homens. Pois elas me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos que sejam úteis à vida e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. O que é de desejar, não só para a invenção de uma infinidade de utensílios, que permitiriam gozar, sem qualquer custo, os frutos da terra e de todas as comodidades que nela se acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.” Assinale a alternativa que resume o pensamento de Descartes. a) O conhecimento deve ser mantido oculto para evitar que seja empregado para dominar a natureza. b) O conhecimento da natureza satisfaz apenas ao intelecto e não é capaz de alterar as condições da vida humana. c) Nosso intelecto é incapaz de conhecer a natureza. d) Devemos buscar o conhecimento exclusivamente pelo prazer de conhecer. e) O conhecimento e o domínio da natureza devem ser empregados para satisfazer as necessidades humanas e aperfeiçoar nossa existência.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
08. (Ufu MG) Na obra Discurso sobre o método, René Descartes
Não se deve acatar nunca como verdadeiro aquilo que não se
propôs um novo método de investigação baseado em quatro
reconhece ser tal pela evidência, ou seja, evitar acuradamente
regras fundamentais, inspiradas na geometria: evidência, aná-
a precipitação e a prevenção, assim como nunca se deve abran-
lise, síntese, controle.
ger entre nossos juízos aquilo que não se apresente tão clara e
Assinale a alternativa que contenha corretamente a descrição
distintamente à nossa inteligência a ponto de excluir qualquer
das regras de análise e síntese.
possibilidade de dúvida.
a) A regra da análise orienta a enumerar todos os elementos analisados; a regra da síntese orienta decompor o problema
(REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: Do humanismo a Descartes. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. p. 289.)
Após a leitura do texto acima, assinale a alternativa correta.
em seus elementos últimos, ou mais simples. b) A regra da análise orienta a decompor cada problema em seus elementos últimos ou mais simples; a regra da síntese
a) A evidência, apesar de apreciada por Descartes, permanece uma noção indefinível. b) A evidência é a primeira regra do método cartesiano, mas
orienta ir dos objetos mais simples aos mais complexos. c) A regra da análise orienta a remontar dos objetos mais simples até os mais complexos; a regra da síntese orienta pros-
não é o princípio metódico fundamental. c) Ideias claras e distintas são o mesmo que ideias evidentes. d) A evidência não é um princípio do método cartesiano.
seguir dos objetos mais complexos aos mais simples. d) A regra da síntese orienta a acolher como verdadeiro apenas aquilo que é evidente; a regra da análise orienta descartar o que é evidente e só orientar-se, firmemente, pela opinião.
07. (Unioeste PR) Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a filosofia primeira de René Descartes:
09. (Ufu MG) Sobre a filosofia de Descartes, pode-se afirmar, com
“Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primei-
certeza, que as suas mais importantes consequências foram
ros anos, recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e
I.
a afirmação do caráter absoluto e universal da razão que,
de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão mal
através de suas próprias forças, pode descobrir todas as
assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de
verdades possíveis.
modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha
II.
vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo novamente desde os funda-
a adoção do Método Matemático, que permite estabelecer cadeias de razões.
III.
mentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e
a superação do dualismo psicofísico, isto é, a dicotomia entre corpo e consciência.
de constante nas ciências. (…) Agora, pois, que meu espírito
Assinale a alternativa correta.
está livre de todas as preocupações e que obtive um repouso
a) II e III
seguro numa solidão tranquila, aplicar-me-ei seriamente e com
b) III
liberdade a destruir em geral todas as minhas antigas opiniões”.
c) I e III
É correto afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme e certo no conhecimento, já que suas opiniões antigas eram incertas.
d) I e II 10. (Uel PR) É amplamente conhecido, na história da filosofia, como Descartes coloca em dúvida todo o conhecimento, até encontrar um fundamento inabalável; uma espécie de princí-
b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de
pio de reconstituição do conhecimento. Neste processo, Des-
firme e certo nas ciências, pois até então esse objetivo não
cartes elege uma regra metodológica que orientará na busca
foi atingido.
de novas verdades. A regra geral que orientará Descartes na
c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou
busca de novas verdade é
como conhecimento, busca fundamentar nos sentidos uma
a) a possibilidade do mundo esterno
base segura para as ciências.
b) a possibilidade de unirmos corpo e alma
d) ao investigar uma base firme e indestrutível para o conheci-
c) a clareza e distinção
mento, Descartes inicia rejeitando suas antigas opiniões e uti-
d) a certeza dos juízos matemáticos
liza o método da dúvida até encontrar algo de firme e certo.
e) a ideia de que o corpo e a alma são entidades distintas
e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e encontrar entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do conhecimento.
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A14 A questão do método na filosofia de René Descartes
06. (Ufu MG) Em O Discurso sobre o método, Descartes afirma:
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A15
ASSUNTOS ABORDADOS nn A teoria das ideias inatas e a crí-
tica empirista
nn Teoria das ideias inatas nn Crítica de Thomas Hobbes nn Crítica de John Locke nn Crítica de George Berkeley
A TEORIA DAS IDEIAS INATAS E A CRÍTICA EMPIRISTA Nesta aula veremos a teoria das ideias inatas formulada por René Descartes. Em seguida, abordaremos o pensamento de três empiristas: John Locke, Thomas Hobbes e George Berkeley. O objetivo principal desta aula é sintetizar o embate entre o Empirismo e o Racionalismo, que foi central na Filosofia Moderna, e preparar o caminho para David Hume e Immanuel Kant.
Teoria das ideias inatas Descartes chega à primeira certeza através da aplicação do método: penso, logo existo. Este “penso, logo existo” é conhecido por cogito. Então, como podemos conhecer o mundo a partir do cogito? Como fazer para que o saber não se torne solipsisita?
SAIBA MAIS Existem diferentes visões associadas ao termo Solipsismo. Este termo tem origem no latim, solus, só, e ipse, si mesmo, e sugere que a ênfase do conhecimento está no “eu” e em sua realidade.
Na Meditação Quinta, Descartes escreve: (...) referente aos números, às figuras, aos movimentos e a outras coisas semelhantes, cuja verdade se revela com tanta evidência e se acorda tão bem com minha natureza que, quando começo a descobri-las, não parece que aprendo algo de novo, mas, antes que me recordo de algo que já sabia anteriormente, isto é, que percebo coisas que estavam já no meu espírito, embora eu ainda não tivesse voltado meu pensamento para elas. (DESCARTES, R. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979)
Fonte: shutterstock.com/ Por Sergey Nivens
(BORCHERT, D. M. Encyclopedia of Philosophy, Detroit: Macmillan Reference USA, 2005)
Descartes, nas Meditações, divide as ideias em: inatas ou aquelas que se encontram em nós e nasceram conosco; adventícias ou aquelas que vêm fora de nós e nos enviam a coisas que são diferentes de nós; factícias, ou construídas por nós mesmos de forma arbitrária e ilusória.
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Ciências Humanas e suas Tecnologias
Analisando esse texto, ideias inatas são aquelas que possuem clareza e distinção, ou seja, são evidentes e incontestáveis. Além disso, elas surgem junto com a nossa consciência e nosso papel é somente recordar delas ao longo do processo do conhecimento. Por fim, essas ideias (pelo menos nas Meditações) se resumem na Matemática, Geometria e na Ideia de Deus (posteriormente desenvolvida).
riedade, ou seja, depende da vontade de quem pronuncia a palavra e de quem escuta. Raciocinar é conectar ou desconectar os nomes conforme as regras convencionais. Hobbes diz que raciocinar é calcular, isto é, somar e subtrair. Por exemplo: Animal + Racional = Homem
Homem – racional = Animal
Manga + Árvore = Mangueira
Mangueira – Árvore = Manga
Você pode estar pensando: e a multiplicação e a divisão? Hobbes diz que essas duas operações são redutíveis à soma e à subtração. A diferença entre Descartes e Hobbes era que o primeiro partia das verdades primeiras (cogito e ideias inatas), ao passo que o segundo parte do convencionalismo da linguagem, e este convencionalismo é fundamentado na experiência. Veja o que ele disse:
Essa filosofia cartesiana foi recebida com bastante desconfiança pelos ingleses. Thomas Hobbes tinha aversão às “Empusas Metafísicas”, isto é, monstros que assombram a razão com métodos e conjuntos de “verdades” que não estão baseados na realidade.
Esse texto mostra os caminhos da filosofia inglesa que irá se impor de forma mais acentuada através de John Locke.
Hobbes nasceu em Malmesbury, em 1588. Ele aprendeu o grego e o latim, e muitos dos seus escritos foram redigidos em latim. Talvez sua obra mais conhecida seja o Leviatã. Juntamente com John Locke, Hobbes faz parte de um movimento filosófico conhecido como Empirismo.
John Locke foi famoso em vida por causa do apoio a Guilherme De Orange. Ele foi considerado o pai do liberalismo político. Mas o que nos interessa agora é estudar a sua crítica às ideias inatas de Descartes. Para tal, Locke escreveu o Ensaio acercado entendimento humano.
SAIBA MAIS Empirismo é a teoria que a experiência é a fonte do conhecimento, ao invés da razão, e nesse sentido se opõe ao racionalismo (BORCHERT, D. M. EncyclopediaofPhilosophy, Detroit: Macmillan Reference USA, 2005).
Hobbes diz que os pensamentos são meros fluidos, por isso eles devem ser registrados e sistematizados para que possam ser transmitidos para outras pessoas. Assim surgiram os “nomes”. Seguindo esse raciocínio, o filósofo diz que as definições não expressam nada mais que uma significação arbitrária. Por exemplo, se eu digo “homem é animal racional”, eu estou atribuindo essas palavras a uma coisaque poderia ser, por exemplo, uma árvore, mas foi decidido pela vontade de todos que esse conjunto de palavras iria se relacionar com o ser humano. Essa atribuição é uma arbitra-
Crítica de John Locke
#Curiosidades
O filósofo alemão racionalista Gottfried Wilhelm Leibniz escreveu um tratado só para rebater as ideias de Locke, o Novos ensaios sobre o entendimento humano. Nesse livro, ele refuta ponto a ponto as doutrinas de Locke. Ele diz que a mente pode ser uma tabula rasa, mas isso não significa que ela está vazia. Quando as ideias chegam lá, elas encontram uma mente habitada pelo intelecto.
Nesse Ensaio, Locke define ideia como tudo aquilo que pode ser entendido por imagem, noção, espécie ou tudo o que o espírito usa para pensar. A tese dele pode ser sintetizada da seguinte forma: a) não existem ideias inatas; b) nenhum intelecto humano é capaz de forjar ou destruir ideias; c) a experiência é a fonte e o limite do intelecto. Eis o que ele diz: 123
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
Crítica de Thomas Hobbes
Todos os pensamentos se originam naquilo que denominamos sensação, já que não há nenhuma ideia no espírito do homem que não tenha tido origem, total ou parcial, nos órgãos dos sentidos. Dessa origem deriva o restante (HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Claret, 2001).
Filosofia
Suponhamos que o espírito seja uma folha em branco, privada de qualquer escrita e sem nenhuma ideia. De que modo virá a ser preenchida? (...) De onde procede todo o material da razão e do conhecimento? Respondo com uma só palavra: da experiência. É nela que o nosso conhecimento se baseia e é dela que, em última análise, ele deriva (LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1999).
Essa citação é a pedra fundamental do empirismo lockeano. Ele descreve a mente humana como tábula rasa ou papel em branco e determina que as ideias são escritas neste papel. Estas ideias derivam sempre e somente da experiência. Ele continua dizendo que existem dois tipos de experiências: a) externas, ou seja, derivadas dos objetos sensíveis; b) internas ou derivadas das operações na nossa mente. Das primeiras experiências derivam as ideias de sensação e das segundas as ideias de reflexão. Nossa mente recebe ideias simples. Uma vez essas ideias recebidas, nosso intelecto tem o poder de operar sobre elas combinando-as e transformando-as em ideias complexas. Essas ideias complexas podem ser ideias de modo, exemplo gratidão, ideias de substância, e ideias de relação, exemplo, avô, neto.
#DicaCine#DicaCine Filosofi Filosofi Filme: Descartes (1974). Direção: Roberto Rosselini Documentário: Noam Chomsky - EmpiricismandRationalism
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
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Crítica de George Berkeley
O filósofo irlandês George Berkeley nasceu em Kilkenny, em 1685. Aos vinte e cinco anos, ele publicou o Tratado sobre os princípios do conhecimento. Em 1710, ele se tornou pastor anglicano. Em 1713, ele viajou para Londres, onde publicou os Três diálogos entre Hylas e Philoponus. Este diálogo é uma obra-prima da língua inglesa e vale a pena ser lido. O estudo de Berkeley se justifica aqui por causa da sua importância, não só no século XVIII, mas na filosofia contemporânea. Ele foi retomado no século XX por Henri Bergson e por Maurice Merleau-Ponty. Até hoje ele é estudado! 124
Ciências Humanas e suas Tecnologias
O princípio da filosofia de Berkeley é esse est percipi, ou seja, a existência é a percepção. Com isso, ele nega a matéria e a afirma a existência unicamente dos espíritos humanos e de Deus. Berkeley parte do pressuposto de que não se deve usar nenhuma palavra sem uma ideia.Mas o que são estas ideias? de onde elas provêm? e como elas se combinam? No Tratado sobre os princípios do conhecimento, ele responde dizendo que: a) todas as palavras representam ideias; b) todo conhecimento gira em torno das ideias; c) todas as ideias vêm de fora ou de dentro; d) as ideias de fora são as sensações oriundas dos sentidos; e) as de dentro são os pensamentos oriundos das operações da mente; f) não existe sensação em uma coisa sem sentidos; g) não existe um pensamento em uma coisa sem pensamentos; h) todas as ideias são sensações ou pensamentos; i) nenhuma ideia pode aparecer em uma coisa privada de pensamento ou sentidos; j) qualquer coisa que tenha uma ideia deve perceber; k) todas as ideias são simples; l) a coisa que é semelhante a outra coisa deve coincidir com ela em uma ideia simples; m) qualquer coisa que seja semelhante a uma ideia simples deve ser uma ideia simples da mesma espécie; n) nada que se assemelhe a uma ideia deve existir em uma coisa não perceptiva; o) não se pode dizer que duas coisas são semelhantes sem compará-las; p) comparar é ver o que duas coisas são semelhantes ou diferentes; q) a mente só pode comparar ideias; r) nada semelhante a uma ideia pode existir em uma coisa não perceptiva.
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
Vamos exemplificar essa cadeia de pensamentos. O tempo é uma sensação, portanto ele existe só na mente. Quando estamos sem o nosso celular em uma parada de ônibus esperando, vinte minutos parece uma eternidade. Mas quando estamos conversando com os amigos em uma cafeteria, duas horas parecem dois minutos. A conclusão disso é que nada existe fora das nossas mentes. As coisas, tal como este livro que você está lendo, são modos de existência das pessoas. Difícil de entender? Berkeley explica dizendo que na verdade nós não vemos “coisas”, nós vemos “ideias” dentro das quais nós vemos as “coisas”. Em nossa mente existem ideias, por isso a existência é percepção. Mas isso não parece um racionalismo? Não! Berkeley diz em seu Tratado: É da visão que obtenho as ideias da luz e das cores, com seus vários graus e suas diferenças. (...) O olfato me fornece odores; o paladar me dá os sabores; o ouvido transmite os sons à mente, em toda sua variedade de tons e combinações. (BERKELEY, G. Tratado sobre os princípios do conhecimento. São Paulo: Abril Cultural, 1979).
Em outras palavras Berkeley está dizendo que as ideias não somente vêm das sensações, mas elas são sensações e, por conseguinte, provêm dos sentidos. Agora estamos caminhando para os sistemas de Hume e Kant que abordaremos nas próximas aulas.
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Filosofia
Exercícios de Fixação 01. (Enem MEC) Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo,embora nossa memória possua todas as demonstraçõesfeitas por outros, se nosso espírito não for capaz deresolver toda espécie de problemas; não nos tornaríamos filósofos por ter lido os raciocínios de Platão eAristóteles, sem poder formular um juízo sólido sobreo que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos teraprendido, não ciências, mas histórias. DESCARTES, R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera oconhecimento, de modo crítico, como resultado da a) investigação de natureza empírica. b) retomada da tradição intelectual. c) imposição de valores ortodoxos. d) autonomia do sujeito pensante. e) liberdade do agente moral. 02. (Enem MEC) A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que, embora por vezesse encontre um homem manifestamente mais forte decorpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmoassim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com basenela reclamar algum benefício a que outro não possaigualmente aspirar. HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil,quando dois homens desejavam o mesmo objeto, eles a) entravam em conflito. b) recorriam aos clérigos. c) consultavam os anciãos. d) apelavam aos governantes. e) exerciam a solidariedade. 03. (Uem PR) “Porém, logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava.” 01.E 02.C 04.E 08.C 16.C (DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p. 62).
A partir do texto citado, assinale o que for correto. 01. A intenção primeira da filosofia de Descartes era a refutação dos céticos. 02. Descartes buscava um fundamento seguro racionalmente para elaborar sua filosofia. 04. “Eu penso, logo existo” era uma afirmação extravagante dos céticos.
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08. Descartes sempre pensou que tudo era falso, inclusive a ideia “eu penso, logo existo”. 16. O princípio primeiro da filosofia de Descartes está no pensamento individual que fundamenta a existência humana. 04. (Uem PR) “Na introdução ao Princípios, Berkeley lamenta: como garantir a credibilidade da filosofia se, ao invés de responder a esta demanda por fundamentos e satisfazer nossos anseios de paz de espírito, ela nos inunda com uma multiplicidade de teorias que geram disputas e dúvidas sem fim? Depois de fazer levantar uma espessa poeira de palavras, a própria filosofia reclama por não conseguir mais ver com clareza aquilo que aparece claro e sem problemas ao homem comum...” (SKROCK, E. George Berkeley e a terra incógnita da filosofia. In: MARÇAL, J. (org.). Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 103).
A partir do exposto, é correto afirmar que a filosofia 01. identifica-se com o senso comum. 02. propõe questões insolúveis. 04. debate teorias diferentes entre si. 08. proporciona a paz de espírito. 16. estabelece verdades absolutas. 01.E 02.C 04.C 08.E 16.E 05. (Uem PR) “Designar um homem ou uma assembleia de homens como portador de suas pessoas, admitindo-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que assim é portador de sua pessoa praticar ou levar a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e à segurança comuns; todos submetendo desse modo as suas vontades à vontade dele, e as suas decisões à sua decisão. Isto é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, a multidão assim unida numa só pessoa chama-se República, em latim Civitas” (HOBBES, T. Leviatã In: Antologia de textos filosóficos, Curitiba: SEED-PR, 2009, p. 364-365).
A partir do trecho citado, assinale o que for correto. 01. A República proposta pressupõe a renúncia à liberdade política dos homens. 02. O consentimento que funda a República não é mera passividade, mas exige aceitação e participação na comunidade política. 04. A República é como um indivíduo que governa o conjunto ou a assembleia dos contratantes. 08. Essa noção de República funda-se na transferência do direito de autogoverno em nome da assembleia, que terá por missão preservar a união de todos. 16. O pacto social que funda a República não se faz entre indivíduos, mas de cada indivíduo com o restante do corpo político. 01.E 02.C 04.C 08.C 16.C
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
(ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5.ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 968).
Com base nessa definição de Abbagnano e nos conhecimentos sobre o racionalismo, assinale o que for correto. 01. Para o racionalismo, a experiência empírica é o fundamento do real, sem a qual a razão ou não compreende ou distorce a realidade. 02. O pensamento oriental, tal como se apresenta em religiões de orientação budista, está em conformidade com o racionalismo. 04. O ponto de convergência entre Platão, Espinosa, Tomás de Aquino e Edmund Husserl é a religião cristã, a partir da qual o racionalismo se edifica. 08. Segundo o racionalismo, o real e o racional se identificam por meio da inteligibilidade do pensamento. 16. O racionalismo compartilha a tese central das ciências cognitivas, segundo as quais o avanço das pesquisas sobre o processo cerebral esclarecerá os enigmas do pensamento. 01.E 02.E 04.E 08.C 16.E 02. (Uem PR) “É de grande utilidade para o marinheiro saber a extensão de sua linha, embora não possa com ela sondar toda a profundidade do oceano. É conveniente que saiba que era suficientemente longa para alcançar o fundo dos lugares necessários para orientar sua viagem, e preveni-lo de esbarrar contra escolhos que podem destruí-lo. Não nos diz respeito conhecer todas as coisas, mas apenas aquelas que se referem à nossa conduta.” (LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. In: CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia: ensino médio. 4.ª ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 251).
Com base nessa citação em que John Locke considera os conhecimentos do marinheiro, é correto afirmar que 01. o entendimento humano é ilimitado. 02. a profundidade do oceano é maior do que o instrumento de medida do marinheiro.
04. a medida da linha não precisa ser maior do que o necessário para orientar a correta navegação do barco. 08. a linha está orientada apenas em função da pesca. 16. a experiência empírica não é válida. 01.E 02.C 04.C 08.E 16.E 03. (Uem PR) “Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo novamente desde os fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências.” (DESCARTES, R. Meditações sobre a filosofia primeira. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 153).
A partir do texto citado, assinale o que for correto. 01. A verdadeira ciência ou conhecimento verdadeiro deve refutar toda e qualquer crença ou religião. 02. O início do processo filosófico de descoberta da verdade começa com a instauração da dúvida. 04. O espírito de investigação filosófica busca alicerces firmes, que não foram dados pelo modo como se adquiria o conhecimento até então. 08. A dúvida sobre o conhecimento que se tem decorre das opiniões e dos saberes mal apreendidos na escola. 16. Os alicerces firmes do conhecimento devem estar além das opiniões das autoridades acadêmicas. 01.E 02.C 04.C 08.E 16.C 04. (Uel PR) Leia o texto a seguir. O pensamento moderno caracteriza-se pelo crescente abandono da ciência aristotélica. Um dos pensadores modernos desconfortáveis com a lógica dedutiva de Aristóteles – considerando que esta não permitia explicar o progresso do conhecimento científico – foi Francis Bacon. No livro NovumOrganum, Bacon formulou o método indutivo como alternativa ao método lógico-dedutivo aristotélico. Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Bacon, é correto afirmar que o método indutivo consiste a) na derivação de consequências lógicas com base no corpo de conhecimento de um dado período histórico. b) no estabelecimento de leis universais e necessárias com base nas formas válidas do silogismo tal como preservado pelos medievais. c) na postulação de leis universais com base em casos observados na experiência, os quais apresentam regularidade. d) na inferência de leis naturais baseadas no testemunho de autoridades científicas aceitas universalmente. e) na observação de casos particulares revelados pela experiência, os quais impedem a necessidade e a universalidade no estabelecimento das leis naturais.
127
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
01. (Uem PR) “O racionalismo não indica apenas o método de quem confia nos procedimentos ou nas técnicas da razão, mas alude também à tese metafísica segundo a qual o mundo seria um organismo racional estruturado de acordo com modos e objetivos inteligíveis. Entendido nesse sentido, o racionalismo constitui o filão dominante do pensamento ocidental e é próprio de todas as doutrinas que acreditam na racionalidade essencial da realidade: do platonismo (que vê no mundo uma cópia das ideias) ao tomismo (que considera o ser à luz dos transcendentais da Verdade, do Bem e do Belo), do espinosismo (que na base de tudo põe a Substância e a ordem) à fenomenologia (que postula ‛essências ideais’) etc. A expressão mais significativa do racionalismo metafísico ocidental é representada por Hegel e pelo conhecido aforisma: ‘o que é racional é real, o que é real é racional’ ”
Filosofia
05. (Uel PR) O principal problema de Descartes pode ser formulado do seguinte modo: “Como poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?” Como o cético, ele parte da dúvida; mas, ao contrário do cético, não permanece nela. Na Meditação Terceira, Descartes afirma: “[...]
mente verdadeiro, todas as vezes que é por mim proferido ou concebido na mente. (DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução, nota prévia e revisão de Fausto Castilho. Campinas: Unicamp, 2008, p. 25.)
Com base na tira e no texto, sobre o cogito cartesiano, é cor-
engane-me quem puder, ainda assim jamais poderá fazer que
reto afirmar:
eu nada seja enquanto eu pensar que sou algo; ou que algum
a) A existência decorre do ato de aparecer e se apresenta independente da essência constitutiva do ser.
dia seja verdade eu não tenha jamais existido, sendo verdade agora que eu existo [...]” (DESCARTES. René. Meditações Metafísicas. Meditação Terceira, São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 182. Coleção Os Pensadores.)
Com base no enunciado e considerando o itinerário seguido por Descartes para fundamentar o conhecimento, é correto afirmar:
b) A existência é manifesta pelo ato de pensar que, ao trazer à mente a imagem da coisa pensada, assegura a sua realidade. c) A existência é concebida pelo ato originário e imaginativo do pensamento, o qual impede que a realidade seja mera ficção. d) a existência é a plenitude do ato de exteriorização dos objetos, cuja integridade é dada pela manifestação da sua apa-
a) Todas as coisas se equivalem, não podendo ser discerníveis pelos sentidos nem pela razão, já que ambos são falhos e limitados, portanto o conhecimento seguro detém-se nas
rência. e) A existência é a evidência revelada ao ser humano pelo ato próprio de pensar.
opiniões que se apresentam certas e indubitáveis. b) O conhecimento seguro que resiste à dúvida apresenta-se
07. (Uel PR) Leia o seguinte texto de Locke: Aquele que se alimen-
como algo relativo, tanto ao sujeito como às próprias coisas
tou com bolotas que colheu sob um carvalho, ou das maçãs
que são percebidas de acordo com as circunstâncias em que
que retirou das árvores na floresta, certamente se apropriou
ocorrem os fenômenos observados.
deles para si. Ninguém pode negar que a alimentação é sua.
c) Pela dúvida metódica, reconhece-se a contingência do co-
Pergunto então: Quando começaram a lhe pertencer? Quando
nhecimento, uma vez que somente as coisas percebidas por
os digeriu? Quando os comeu? Quando os cozinhou? Quando
meio da experiência sensível possuem existência real.
os levou para casa? Ou quando os apanhou?
d) A dúvida manifesta a infinita confusão de opiniões que se
(LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 98)
pode observar no debate perpétuo e universal sobre o conhecimento das coisas, sendo a existência de Deus a única certeza que se pode alcançar. e) A condição necessária para alcançar o conhecimento seguro consiste em submetê-lo sistematicamente a todas as pos-
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de John Locke, é correto afirmar que a propriedade: I.
que ao acrescentar algo que é seu aos objetos da nature-
sibilidades de erro, de modo que ele resista à dúvida mais obstinada.
Tem no trabalho a sua origem e fundamento, uma vez za o homem os transforma em sua propriedade.
II.
A possibilidade que o homem tem de colher os frutos da terra, a exemplo das maçãs, confere a ele um direito so-
06. (Uel PR) Observe a tira e leia o texto a seguir:
bre eles que gera a possibilidade de acúmulo ilimitado. III.
Animais e frutos, quando disponíveis na natureza e sem a
A15 A teoria das ideias inatas e a crítica empirista
intervenção humana, pertencem a um direito comum de todos. IV.
Nasce da sociedade como consequência da ação coletiva e solidária das comunidades organizadas com o propósito de formar e dar sustentação ao Estado.
Mas há um enganador, não sei quem, sumamente poderoso, sumamente astucioso que, por indústria, sempre me engana. Não há dúvida, portanto, de que eu, eu sou, também, se me engana: que me engane o quanto possa, nunca poderá fazer, porém, que eu nada seja, enquanto eu pensar que sou algo. De sorte que, depois de ponderar e examinar cuidadosamente todas as coisas é preciso estabelecer, finalmente, que este enunciado eu, eu sou, eu, eu existo é necessaria128
Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A16
TEORIA DAS CAUSALIDADES EM HUME E OS PERIGOS DO RELATIVISMO David Hume (1711-1748) foi um filósofo escocês frequentemente ligado ao empirismo e ao ceticismo. A filosofia de Hume despertou a atenção de Kant e da filosofia contemporânea (G.E. Moore, L. Wittgenstein, Gilles Deleuze). O objetivo desta aula é estudar os três pilares do sistema do Hume: epistemologia, causalidade e ética. Assim, estaremos aptos para entender, com maior propriedade, o idealismo kantiano.
ASSUNTOS ABORDADOS nn Teoria das causalidades em Hume
e os perigos do relativismo nn A epistemologia de Hume nn A causalidade de Hume nn A ética de Hume
A epistemologia de Hume Hume nunca conseguiu uma cátedra em uma Universidade por causa de suas ideias céticas. Durante sua vida, ele escreveu várias obras, entre as quais é interessante citar o Tratado da natureza humana (1740), Investigações sobre o entendimento humano (1748), Diálogos sobre a religião natural (1751) e História da Inglaterra (1762). Winston Churchill declarou que a História de Hume foi o manual da sua adolescência.
#Curiosidade Hume quase morreu de tanto estudar! Na adolescência ele estudou muito. Ele preferia ler que se alimentar e dormir. Isso lhe causou uma depressão e ele teve de ser tratado. Por isso, estude bastante, mas se alimente e durma bem.
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Ao contrário de outros empiristas, Hume não aceitou nenhum pressuposto metafísico, ou seja, além da física. Hume se livrou dos pressupostos ontológico-corporeístas de Hobbes, dos resquícios racionalista-cartesianos de Locke e dos interesses apologético-religiosos de Berkeley. Se ele esvazia o empirismo desses pressupostos, sua filosofia foi cada vez mais se aproximando do que nós chamamos de ceticismo.
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Filosofia
Definição de conceitos nn Epistemologia é o estudo do conhecimento, também co-
nhecida como teoria do conhecimento. nn Ontologia é a designação de quetudo tem origem no ser
e no estudo do ser. nn Ceticismo contemporâneo é a defesa da tese deque não há
possibilidade de conhecer a verdade do mundo externo.
O Tratado da natureza humana foi considerado por Hume como o “new sceneofthought”, um verdadeiro golpe de cena. Esse golpe começa com a afirmação que todos os conteúdos da mente humana são percepções, divididos em duas grandes partes: impressões e ideias. As impressões dizem respeito à força e à vivacidade das percepções e as ideias são a ordem e a sucessão temporal das percepções. Hume também diferencia sentir e pensar. Para ele sentir é uma percepção mais viva (sensação) e pensar é uma percepção mais fraca (ideia). Com isso, toda percepção se torna dupla: ela é sentida e pensada. Mais ainda, a impressão é originária e a ideia é dependente. Vamos exemplificar: uma criança tem a ideia da cor vermelha ou laranja, do doce ou amargo pela impressão de objetos que provoquem tais ideias, tais como uma almofada vermelha, um carrinho laranja, uma balinha doce ou uma jurubeba amarga.
A16 Teoria das causalidades em Hume e os perigos do relativismo
Com o princípio de que todas as ideias simples provêm mediata ou imediatamente das suas impressões correspondentes, Hume enterra de uma vez por todas a questão das ideias inatas. Mas ele não para aí. Em seguida, o filósofo divide em dois gêneros os objetos presentes na mente humana: relações de ideias e dados de fato. Relações de ideias são todas as proposições que operam sem se referir àquilo que existe ou pode existir. O exemplo dessas relações pode ser encontrado na aritmética e na geometria. Essas relações estão baseadas no princípio da nãocontradição, ou seja, é contraditório dizer que três vezes cinco não é a metade de trinta. Já os dados de fato admitem a contraditoriedade. Por exemplo, não há uma necessidade lógica na frase “amanhã o sol nascerá”. Existem lugares no mundo onde o sol não nasce todos os dias? O problema dos seres humanos é procurar na natureza uma evidência para os dados de fato.
A causalidade de Hume As impressões podem ser simples, como o vermelho, e complexas, por exemplo, a maçã. As ideias complexas podem reproduzir as impressões complexas, originando a faculdade da memória. Também as ideias complexas podem ser fruto de combinações múltiplas, originando a faculdade da imaginação. 130
Existe uma “força” entre as ideias que as unem. Essa “força” é o princípio da associação. A ideia da sala de aula me faz lembrar as salas vizinhas ou o corredor do colégio, ou o prédio, ou a cantina. Hume está dizendo que nós passamos de uma ideia a outra pela simples semelhança entre elas. Existe, então, certa atração entre as ideias. Algumas dessas ligações nós acreditamos ser causa-efeito, mas Hume nega que exista um efeito que derive de uma causa. Vajamos o que ele diz: Mas quando vemos que uma dada espécie de acontecimentos acompanha sempre e em todos os casos a uma outra, já não temos escrúpulo de predizer uma ao aparecimento da outra e de empregar o único tipo de raciocínio que nos pode garantir qualquer questão de fato ou de existência. (HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultura, 1979).
Vamos explicar esse texto: se eu atinjo uma bola de bilhar com outra bola, digo que a primeira causou o movimento da segunda. Contudo, o segundo movimento é um fato completamente diferente do primeiro, portanto não há como saber a priori que a bola impelida por outra produzirá como efeito o movimento da outra. Então, o que é causa-efeito? O fundamento dessa ideia reside na nossa experiência. Por exemplo, eu sempre comi pão e ele me sustentou, então eu digo que a causa do meu sustento (efeito) é o pão. Mas será que o pão sempre me sustentará? Isso é uma conclusão que eu tiro devido à minha experiência, mas muitos passam mal ao comerem pão. Outra dúvida: por que eu extraio tais conclusões? Porque na relação causa e efeito eu experimento o “antes e o depois”, mas não experimento a “conexão necessária”, pois ela é inferida. Em conclusão, Hume diz que é o costume que nos permite sair do que está presente na experiência, mas não tem fundamento na proposição relativa ao futuro. Esse costume gera em nós uma crença. Essa crença nos dá a impressão de uma conexão necessária e nos provoca a convicção de que aquilo que chamamos de “causa” deve seguir o que chamamos de “efeito”. A ideia de causalidade é muito difícil de ser abandonada porque ela é uma crença, e a crença é um sentimento, ou seja, provém de nossas emoções (transferência da esfera do objetivo para a esfera do subjetivo). Vejamos quais as consequências dessa epistemologia para a ética.
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SAIBA MAIS
Ciências Humanas e suas Tecnologias
A Ética de Hume As paixões são algo próprio da natureza humana, independentes da razão e indomáveis. Elas são impressões derivadas de percepções. As paixões podem ser diretas ou indiretas. As diretas derivam imediatamente do prazer e da dor, por exemplo, o desejo. As indiretas derivam das diretas, por exemplo, a ambição. Essas paixões estão ligadas ao “eu”, uma unidade psicológica. Este “eu”, tão precioso aos racionalistas, Hume diz que é somente um feixe de impressões e lembranças. E este “eu” não tem livre-arbítrio. Para ele, o que nós chamamos de liberdade é uma espontaneidade, ou seja, a não coação externa. Então, ao realizar uma ação o ser humano não está determinado por uma força externa (arma na cabeça, por exemplo), mas interna (prazer e dor). A moral de Hume se resume no fato que a razão nunca pode controlar sozinha a vontade e as paixões. Por exemplo, eu sei (razão) que mentir é errado, mas estou com muito medo (paixão) de contar a verdade porque isso implicaria em um castigo do meu pai. Então eu acabo mentindo, mesmo sabendo que é errado. Isso significa proclamar a vitória das paixões, o que Kant jamais aceitaria.
A moral foi um tema que mais despertou o interesse de Hume. Deve-se lembrar de que a moral dos filósofos analíticos deve muito à Hume. Então, qual o fundamento da moral para o nosso filósofo? Primeiramente, Hume nega que a razão possa ser o fundamento da vida moral, por isso a moral deve ter outro fundamento, ou seja, o sentimento. Ele afirma: Assim, o curso de nossa argumentação nos leva a concluir que, uma vez que o vício e a virtude não podem ser descobertos unicamente pela razão ou comparação de ideias, deve ser por meio de alguma impressão ou sentimento por eles ocasionados que somos capazes de estabelecer a diferença entre os dois. (HUME, D. Tratado da Natureza Humana. São Paulo: Editora Unesp, 2001).
Mas que sentimento é esse? Hume diz que é um sentimento particular de prazer e dor. Por exemplo, o que nós chamamos de virtude ou boa ação nada mais é que um sentimento particular de satisfação quando alguém nos elogia. Esse elogio nos agrada, por isso dizemos que a ação é virtuosa. Outro sentimento que move a moral é a simpatia. Segundo ele, ter simpatia por outras pessoas é uma qualidade notável da natureza humana. Esse sentimento nos faz procurar aquilo que é útil, não somente para si, mas para todos. Com a máxima que a utilidade é a fonte do sentimento moral da sociedade, Hume antecipa as ideias do Utilitarismo de Stuart-Mill.
01. (Enem MEC) Todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a experiência. Quando pensamos em uma montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos capazes de conceber a virtude a partir de nossos próprios sentimentos, e podemos unir a isso a figura e a forma de um cavalo, animal que nos é familiar. HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.
Hume estabelece um vínculo entre pensamento eimpressão ao considerar que a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem nasensação. b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção sensível. c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriaisdeterminadas pelo acaso. d) os sentimentos ordenam como os pensamentosdevem ser processados na memória. e) as ideias tem como fonte específica o sentimento cujos dados são colhidos na empiria.
02. (Uem PR) “Contudo, embora o nosso pensamento pareça possuir essa liberdade ilimitada, notaremos, baseados em um exame mais detalhado, que na realidade ele está confinado dentro de limites muito estreitos, e que todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a experiência. Quando pensamos em uma montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias consistentes, ouro e montanha, que já conhecíamos. [...] Em resumo, todos os materiais do pensamento derivam ou do nosso sentimento exterior ou do interior: a mistura e a composição de ambos dizem respeito à mente e à vontade. Ou seja, para me expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideias, percepções mais débeis, são cópias de nossas impressões, mais vivas.” (HUME, D. Tratado sobre a natureza humana in MARCONDES, D. Textos básicos de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007, p. 104.)
A partir do texto citado é correto afirmar que: 01. A liberdade do pensamento é delimitada pelas impressões sensíveis, pelas percepções que os sentidos captam do mundo. 01.C 02.E 04.C 08.C 16.C 02. Podemos pensar numa montanha de ouro sem ter essas experiências sensíveis, pois a mente humana é criativa. 04. Há uma contradição entre a liberdade infinita do pensamento e suas reais possibilidades de operação a partir da experiência sensível.
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A16 Teoria das causalidades em Hume e os perigos do relativismo
Exercícios de Fixação
Filosofia
08. O pensamento opera de modo infinito com as impressões sensíveis, em inúmeras formas de transposição, composição, mistura de elementos. 16. A capacidade criativa do pensamento não pode conceber coisas sem conexão com as experiências sensíveis. 03. (Uem PR) “É universalmente admitido que a matéria, em todas as suas operações, sofre a atuação de uma força necessária, e que todo efeito natural está tão precisamente determinado pela energia de sua causa que nenhum outro efeito, naquelas circunstâncias particulares, poderia ter resultado dela. A magnitude e a direção de cada movimento estão prescritas com tal exatidão pelas leis da natureza que, do choque de dois corpos, seria tão plausível surgir uma criatura viva quanto um movimento de magnitude ou direção diferentes do que efetivamente se produziu. Se quisermos, portanto, formar uma ideia justa e precisa de necessidade, deveremos considerar de onde surge essa ideia, quando a aplicamos à operação dos corpos.” (HUME, David. Uma investigação sobre o entendimento humano. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 378).
A16 Teoria das causalidades em Hume e os perigos do relativismo
A partir do trecho citado, assinale o que for correto. 01. A magnitude e a direção de cada movimento da matéria, na medida em que estão prescritas nas leis da natureza, não podem sofrer qualquer desvio que resulte em outra criatura ou movimento diferente. 02. O efeito natural de uma força aplicada sobre uma matéria é determinado necessariamente pela energia que o causou. 04. A matéria está imune às operações e às forças naturais, visto ser o princípio primeiro dos corpos. 08. A origem da ideia de necessidade parece nascer da operação dos corpos. 16. Causa e efeito são relações necessárias nos corpos naturais, motivadas pelas forças que atuam sobre eles. 01.E 02.C 04.E 08.C 04. (Uel PR) Leia o texto a seguir: O principal argumento humeano contra a explicação da inferência causal pela razão era que este tipo de inferência dependia da repetição, e que a faculdade chamada “razão” padecia daquilo que se pode chamar uma certa “insensibilidade à repetição”, ou seja, uma certa indiferença perante a experiência repetida. Em completo contraste com isso, o princípio defendido por nosso filósofo, um princípio para designar o qual propôs os nomes de “costume ou hábito”, foi concebido como uma disposição humana caracterizada pela sensibilidade à repetição, podendo assim ser considerado um princípio adequado à explicação dos raciocínios derivados de experiências repetidas. (MONTEIRO, J. P. Novos Estudos Humeanos. São Paulo: Discurso Editorial, 2003, p. 41)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o empirismo, é correto afirmar que Hume
132
a) atribui importância à experiência como fundamento do conhecimento dedutivo obtido a partir da inferência das relações causais na natureza. b) corrobora a afirmação de que a experiência é insuficiente sem o uso e a intervenção da razão na demonstração do nexo causal existente entre os fenômenos naturais. c) confere exclusividade à matemática como condição de fundamentação do conhecimento acerca dos fenômenos naturais, pois, empiricamente, constata que a natureza está escrita em caracteres matemáticos. d) demonstra que as relações causais obtidas pela experiência representam um conhecimento guiado por hábitos e costumes e, sobretudo, pela crença de que tais relações serão igualmente mantidas no futuro. e) evidencia a importância do racionalismo, sobretudo as ideias inatas que atestam o nexo causal dos fenômenos naturais descobertos pela experiência. 05. (Uem PR) “Pois como se supõe que as faculdades da mente são naturalmente iguais em todos os indivíduos – e se assim não fosse, nada poderia ser mais infrutífero que argumentarmos ou debatermos uns com os outros –, seria impossível, se as pessoas associassem as mesmas ideias a seus termos, que pudessem durante tanto tempo formar diferentes opiniões sobre o mesmo assunto, especialmente quando comunicam suas opiniões, e cada uma das partes volta-se para todos os lados em busca de argumentos que possam dar-lhes a vitória sobre seus antagonistas. É verdade que, se os homens tentam discutir questões que estão inteiramente fora do alcance das faculdades humanas, tais como as que concernem à origem dos mundos, ou à organização do sistema intelectual ou da região dos espíritos, eles podem ficar longo tempo golpeando o vazio em suas infrutíferas contendas, sem nunca chegar a qualquer conclusão determinada. Mas se a questão diz respeito a algum assunto da vida e da experiência cotidiana, julgaríamos que nada poderia preservar a disputa indecidida por tanto tempo [...]” (HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento humano. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 377).
A partir do trecho citado, assinale a(s) afirmativa(s) correta(s). 01. Tendo em vista que as faculdades da mente são iguais, os pensamentos produzidos a partir das mesmas impressões sensíveis são também iguais. 02. As controvérsias existem pelo fato de as opiniões serem associações diversas de mesmas ideias a termos diferentes. 04. Disputas que nascem da experiência cotidiana têm sua resolução mais rápida, pois não incorrem na confusão das ideias. 08. O campo da experiência está ao alcance das faculdades humanas, visto que fornece um fundamento empírico para as ideias. 16. Nas contendas intelectuais, vale utilizar-se de toda e de qualquer opinião para obter a vitória. 01.E 02.C 04.C 08.C 16.E
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares 01. (Uem PR) “Entre o conhecimento comum e o conhecimen-
capaz de conciliar as diversasopiniões dos homens no que
to científico, a ruptura nos parece tão nítida que estes dois
diz respeito ao valor de uma obra de arte, por exemplo. Se-
tipos de conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia.
gundo Hume,essa posição coincide com o famoso provérbio
O empirismo é a filosofia que convém ao conhecimento co-
de que gosto não se discute, o qual, por sua vez,parece re-
mum. O empirismo encontra aí sua raiz, suas provas, seu
fletir o pensamento da maior parte das pessoas, ou seja, do
reconhecimento. Ao contrário, o conhecimento científico é
senso comum.
solidário com o racionalismo e, quer se queira ou não, o ra-
a) A partir do que foi dito acima, e com base em outras in-
cionalismo está ligado à ciência, o racionalismo reclama fins
formações contidas no texto, APRESENTE os argumentos
científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece
de Hume que problematizam esse famoso provérbio.
uma atividade dialética que prescreve uma extensão cons-
b) Com base em suas próprias experiências, APRESENTE
tante de métodos”
e JUSTIFIQUE a sua posição pessoal em relação a esse
(BACHELARD, G. A atualidade da história das Ciências. In: Filosofia, Curitiba: Seed-PR, 2006, p. 241).
mesmo provérbio.
01. Segundo o filósofo, há duas formas de conhecimento, científico e comum, ambas válidas. 02. O empirismo não pode ser considerado como filosofia. 04. Para o filósofo, os conhecimentos científicos e comuns possuem bases filosóficas. 08. O racionalismo apresenta-se, em geral, como um conhecimento mais científico em relação ao empirismo. 16. As justificações do empirismo apoiam-se no conhecimento comum dos homens. 01.C 02.E 04.C 08.C 16.C 02. (UFMG) Leia a seguinte passagem do texto de Hume, Do padrão do gosto: Procurar estabelecer uma beleza real, ou uma deformidade real, é uma investigaçãotão infrutífera como procurar determinar uma doçura real ou um amargor real. Conformea disposição dos órgãos do corpo, o mesmo objeto tanto pode ser doce como amargo, e oprovérbio popular afirma com muita razão que gostos não se discutem. É muito natural,e mesmo absolutamente necessário, aplicar este axioma ao gosto men-
03. (Ufu MG) O pensamento mais vivo é sempre inferior à sensação mais embaçada. HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. Tradução de Anoar Alex. In: BERKELY, G.; HUME, D. Berkeley, Hume. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. 55-145. p. 69. Coleção Os Pensadores. A frase de Hume sintetiza uma tese da sua teoria do conhecimento. A posição sustentada pelo filósofo a) somente reafirma o realismo de John Locke, que considera unicamente a experiência como fundamento da autonomia do entendimento. b) adere ao cartesianismo, para dizer que as representações da razão sempre são anteriores à experiência sensível e critério de verdade desta. c) afirma a precedência da impressão sensível para a produção de ideias, com as quais o entendimento humano alcança a sua autonomia. d) defende a noção de causalidade como o fundamento absoluto para o conhecimento humano nos limites da reta razão. 04. (Ufu MG) O texto abaixo comenta a correlação entre ideias
tal, além do gostocorpóreo, e assim o senso comum, que tão
e impressões em David Hume.
frequentemente diverge da filosofia [...], aomenos num caso
Em contrapartida, vemos que qualquer impressão, da men-
está de acordo em proferir idêntica decisão.
te ou do corpo, éconstantemente seguida por uma ideia
(HUME, David. Do padrãodo gosto. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,1992, p. 262).
que a ela se assemelha, e da qual difereapenas nos graus de
O trecho acima corresponde a uma passagem na qual Hume procura descrever a posição de algunsfilósofos seus contemporâneos para os quais o gosto é uma expressão de certos sentimentos e,desse modo, não comporta uma decisão em termos de verdade ou falsidade, como ocorre no caso deoutros juízos nos quais emitimos nossas opiniões. Essa posição, caso fosse correta, impossibilitariao estabelecimento de um padrão de gosto, ou seja, de uma regra
semelhantes é uma prova convincente de que umas são as
força e vividez. A conjunção constante de nossaspercepções causasdas outras; [...]. HUME, D. Tratado da natureza humana. São Paulo: Editora da Unesp/Imprensa Oficial doEstado, 2001. p. 29.
Assinale a alternativa que, de acordo com Hume, indica corretamente o modo como amente adquire as percepções denominadas ideias.
133
A16 Teoria das causalidades em Hume e os perigos do relativismo
A partir do trecho citado, assinale o que for correto.
Filosofia
a) Todas as nossas ideias são formas a priori da mente e, me-
Sobre a multiplicidade de objetos ou campos da filosofia, assi-
diante essas ideias,organizamos as respectivas impressões
nale o que for correto.
na experiência.
01. O misticismo é o campo da filosofia que estuda a metafí-
b) Todas as nossas ideias advêm das nossas experiências e são cópias das nossasimpressões, as quais sempre antecedem nossas ideias.
sica, isto é, o que está oculto e além da física, como é a numerologia, a cosmologia e as ciências místicas. 02. A lógica, na concepção clássica, é o instrumento para se
c) Todas as nossas ideias são cópias de percepções inteligíveis,
proceder de modo correto no exercício do pensamento,
que adquirimos atravésde uma experiência metafísica, que
denunciando falácias, conclusões inválidas, tautologias e
transcende toda a realidade empírica.
contradições.
d) Todas as nossas ideias já existem de forma inata, e são ape-
04. O empirismo, tradição oposta ao racionalismo, é uma ten-
nas preenchidas pelasimpressões, no momento em que te-
dência na teoria do conhecimento. O empirismo parte da
mos algum contato com a experiência.
experiência para fundamentar o conhecimento, o raciona-
05. (Ufu MG) David Hume propôs uma concepção de conhecimento que se fundamenta na distinção entre impressões e ideias. Com base em tal concepção, elabora sua teoria do conhecimento, na qual critica as posições dos inatistas. Assim, sobre a relação entre as impressões e ideias, para Hume, a) para se atingir ideias verdadeiras, deve-se desprezar as impressões dos sentidos. b) as ideias são anteriores e mais intensas do que as impressões. c) as impressões, sendo decorrentes das ideias, são mais intensas. d) as impressões são anteriores e mais intensas do que as ideias.
lismo, das ideias do entendimento. 08. A ontologia é o estudo dos entes e, por isso, utiliza-se do método científico para determinar o seu objeto. 16. A epistemologia é a parte do sistema de Aristóteles que estuda os temas póstumos, como a morte, a eutanásia e o suicídio. 01.E 02.C 04.C 08.E 16.E 08. Afirma o filósofo David Hume (1711-1776): “Todos os objetos da investigação ou razão humana podem ser naturalmente divididos em duas espécies, quais sejam, relações de ideias e questões de fato. Na primeira estão incluídas as ciências da geometria, álgebra e aritmética, ou, em suma, toda afirmação
06. (Ufu MG) Hume descreveu a confiança que o entendimento
intuitiva ou demonstrativamente certa. [...] Questões de fato,
humano deposita na probabilidade dos resultados dos even-
que são a segunda espécie de objetos da razão humana, não
tos observados na natureza. Ele comparou essa convicção ao
são passíveis de uma certificação como essa, e tampouco nossa
lançamento de dados, cujas faces são previamente conhecidas,
evidência de sua verdade, por grande que seja, é da mesma
porém, nas palavras do filósofo:
natureza que a precedente.”
[...] verificando que maior número de faces aparece mais em
(HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. I n: Figueiredo, V. (Org.) Filósofos na sala de aula, São Paulo: Berlendis&Vertecchia, 2008, v. 3, p. 107).
um evento do que no outro, o espírito [o entendimento huma-
A16 Teoria das causalidades em Hume e os perigos do relativismo
no] converge com mais frequência para ele e o encontra muitas vezes ao considerar as várias possibilidades das quais depende o resultado definitivo. HUME, D. Investigação acerca do entendimento humano. Tradução de AnoarAiex. São Paulo: Nova Cultural, 1989, p. 93. Coleção “Os Pensadores”.
Esse tipo de raciocínio, descrito por Hume, conduz o entendimento humano a uma situação distinta da certeza racional, uma espécie de “falha”, representada pelo(a) a) verdade da fantasia, que é superior à certeza racional. b) crença, que ocupa o lugar da certeza racional. c) sentido visual, que é mais verídico que a certeza sensível. d) ideia inata, que atua como o a priori da razão humana. 07. (Uem PR) A filosofia, como o estudo de problemas fundamentais da humanidade, divide-se em várias áreas ou campos do saber, tendo em vista sua multiplicidade de objetos: o ser, a linguagem, o conhecimento, a arte, a ação moral, a práxis política, os entes de razão etc. 134
Sobre essa noção de ciência, é correto afirmar que 01. a filosofia da ciência de Hume trata de objetos, ou seja, de coisas concretas e materiais. 02. as ciências matemáticas para Hume possuem certeza e verdade. 04. as relações de ideias podem ser verdadeiras desde que sejam passíveis de demonstração matemática. 08. há um domínio de objetos de investigação humana – a que pertencem as questões de fato – que não pode ser demonstrado matematicamente. 16. a razão humana deve ter como objeto de investigação apenas aquilo que pode ser matematizável. 01.E 02.C 04.C 08.C 16.E
FRENTE
A
FILOSOFIA
Gabarito questão 01. A experiência ou experimentação é o estudo dos fenômenos em condições que foram determinadas pelo observador e sua importância está no oferecimento de condições privilegiadas para a observação, podendo assim, repetir e várias as experiências, tornar mais rápido ou mais lento os fenômenos e até simplificá-los. No geral a experimentação confirma a hipótese, porém quando isto não ocorre, precisam repeti-la ou modificá-la. A observação científica é rigorosa, precisa, metódica e, portanto, orientada para a explicação dos fatos e para isto, se utilizam de microscópio, telescópio, sismógrafo, balança, termômetro, entre outros instrumentam que proporcionam maior rigor à observação bem como a tornam mais objetiva porque quantificam o que está sendo observado.
Exercícios de Aprofundamento 01. (Enem MEC) (…) Depois de longas investigações, convenci-me
Baseando-se no texto, explique qual deve ser a relação entre
por fim de que o Sol é uma estrela fixa rodeada de planetas que
ciência e verdades absolutas. Explique também a diferença en-
giram em volta dela e de que ela é o centro e a chama. Que,
tre uma visão de mundo baseada em “pedidos” e uma visão de
além dos planetas principais, há outros de segunda ordem que
mundo dogmática.
circulam primeiro como satélites em redor dos planetas principais e com estes em redor do Sol. (…) Não duvido de que os matemáticos sejam da minha opinião, se quiserem dar-se ao trabalho de tomar conhecimento, não superficialmente mas
03. (Ufu MG) “Além disso observei que os filósofos, ao empreenderem explicar, pelas regras da sua lógica, coisas que são manifestas por si próprias, não fizeram mais do que obscurecê-las”.
duma maneira aprofundada, das demonstrações que darei
(Descartes - Princípios de Filosofia - trad. Alberto Ferreira, Lisboa, Guimarães Editores)
nesta obra. Se alguns homens ligeiros e ignorantes quiserem cometer contra mim o abuso de invocar alguns passos da Es-
Explique a concepção de conhecimento em Descartes, e de
critura (sagrada), a que torçam o sentido, desprezarei os seus
como ele articula o seu racionalismo nesta elaboração.
ataques: as verdades matemáticas não devem ser julgadas senão por matemáticos. (COPÉRNICO, N. De Revolutionibus orbium caelestium)
Aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que embarca em um navio sem leme nem bússola. Sempre a prática deve fundamentar-se em boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos efeitos. Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira ciência se não passa por demonstrações matemáticas. (VINCI, Leonardo da. Carnets)
04. (Ufu MG) Leia com atenção a exposição dos preceitos fundamentais do Método, feito por Descartes. “O primeiro era de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que não conhecesse evidentemente como tal; (...). O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las. O terceiro, o de conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, (...) e o último, o de fazer revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.” DESCARTES. Discurso do Método. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1987.
O aspecto a ser ressaltado em ambos os textos para exemplificar o racionalismo moderno é: 02. (Unesp SP) A ciência é uma atividade na sua essência antidogmática. Pelo menos deveria sê-lo. A ciência, em particular a física, parte de uma visão do mundo que é, de acordo com a terminologia utilizada por Arquimedes, um pedido que se faz. É assim porque pedimos para que se admita, à escala a que
A efetivação do método ocorre graças ao esforço do pensamento que objetiva descobrir a verdade das coisas existentes. Tomando o texto de Descartes por referência, indique as quatro operações mentais que cada um deve fazer para executar o método proposto pelo filósofo francês. 05. (Ufu MG) Nas Meditações sobre a filosofia primeira, Descartes
pretendemos descrever os fenômenos, que o mundo assuma
escreveu:
uma determinada forma. Os outros pedidos e postulados têm
Mesmo que dormisse sempre, mesmo que também aquele
de se inserir, tão pacificamente quanto possível, nesse pedido
que me criou me enganasse com todas as suas forças, o que há
fundacional. Mas nunca perderão o estatuto de pedidos. Trans-
nisto que não seja tão verdadeiro como eu existir?
formá-los em dogmas é perturbar a ciência com atitudes que lhe deveriam ser totalmente estranhas. (Rui Moreira. Uma nova visão da natureza. Le Monde Diplomatique, março de 2015. Adaptado.) Gabarito questão 02. A ciência propõe teorias e hipóteses como forma de se produzir conhecimento a partir do exercício da observação da realidade empírica e da experimentação. Tal forma de produção de conhecimento não se situa nas fórmulas prontas e dogmáticas que interpretam o mundo. Arquimedes foi, de fato, um físico e matemático que desconfiava das verdades dogmáticas e absolutas. A ciência “pede” que se admita que o mundo assuma uma determinada forma, isso significa
DESCARTES, R. Meditações sobre a filosofia primeira. Tradução de Gustavo de Fraga. Coimbra: Livraria Almedina, 1988, p. 125.
Tendo em vista as ideias de Descartes, responda: que o conhecimento científico tem um caráter hipotético e dinâmico, diferente da visão dogmática que impõe uma interpretação inflexível, não baseada em experimentos dos fenômenos. Um pedido na concepção metodológica da ciência soa como uma “suponhamos”, abrindo assim portas para o levantamento de hipóteses capazes de se aproximar do mundo real. 135
Filosofia Gabarito questão 04. De acordo com as regras do método cartesiano, é preciso que somente aquilo que se mostra claro e distinto ao intelecto se coloque como objeto a ser investigado. É a primeira premissa de quatro estabelecidas pelo filósofo e matemático francês: 1) Regra de EVIDÊNCIA: acolher apenas o que aparece ao espírito como ideia clara e distinta; 2) Regra da ANÁLISE: Dividir as dificuldades em parcelas menores, para resolvê-las por partes; 3) Regra da ORDEM: Conduzir os pensamentos pela ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para só depois lançar-se aos mais complexos; 4) Regra da ENUMERAÇÃO: Fazer revisões gerais para ter a certeza de que nada foi omitido
a) A afirmação “mesmo que também aquele que me criou me enganasse com todas as suas forças” diz respeito a qual argumento empregado por Descartes para levar a sua dúvida ao extremo? b) Considerando a possibilidade do engano, a partir das forças mencionadas no fragmento, o que tal engano e tais forças não seriam capazes de negar? 06. (Unesp SP) Todas as vezes que mantenho minha vontade dentro dos limites do meu conhecimento, de tal maneira que ela não formule juízo algum a não ser a respeito das coisas que lhe são claras e distintamente representadas pelo entendimento, não pode acontecer que eu me equivoque; pois toda concepção clara e distinta é, com certeza, alguma coisa de real e de positivo, e, assim, não pode se originar do nada, mas deve ter obrigatoriamente Deus como seu autor; Deus que, sendo perfeito, não pode ser causa de equívoco algum; e, por conseguinte, é necessário concluir que uma tal concepção ou um tal juízo é verdadeiro. (René Descartes. Vida e Obra. Os pensadores, 2000.)
Sobre o racionalismo cartesiano, é correto afirmar que a) sua concepção sobre a existência de Deus exerceu grande influência na renovação religiosa da época. b) sua valorização da clareza e distinção do conhecimento científico baseou-se no irracionalismo. c) desenvolveu as bases racionais para a crítica do mecanicismo como método de conhecimento. d) formulou conceitos filosóficos fortemente contrários ao heliocentrismo defendido por Galileu. e) se tratou de um pensamento responsável pela fundamentação do método científico moderno. 07. (Uel PR) Leia o texto a seguir. As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias, mas, como se supõe que as primeiras ideias derivam de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem. HUME, D. Tratado da Natureza Humana. Trad. De Serafim da Silva Fontes. Lisboa: Fundação CalousteGulbenkian, 2001. p.35.
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão da sensibilidade, razão e verdade em David Hume, considere as afirmativas a seguir. I. Geralmente as ideias simples, no seu primeiro aparecimento, derivam das impressões simples que lhes correspondem. II. A conexão entre as ideias e as impressões provém do acaso, de modo que há uma independência das ideias com relação às impressões. III. As ideias são sempre as causas de nossas impressões. IV. Assim como as ideias são as imagens das impressões, é também possível formar ideias secundárias, que são imagens das ideias primárias. 136
Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 08. (Enem MEC) TEXTO I Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez. DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
TEXTO II Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja sendo empregada sem nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa suspeita. HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004 (adaptado).
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do conhecimento humano. A comparação dos excertos permite assumir que Descartes e Hume a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um conhecimento legítimo. b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia na reflexão filosófica e crítica. c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do conhecimento. d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às ideias e aos sentidos. e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo de obtenção do conhecimento. 09. (UFSJ) Analise a seguinte afirmação: “Uma prática pela qual conhecendo a força e as ações do fogo, da água, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diferentes misteres de nossos artesãos, pudéssemos aplicá-los pela mesma forma a todos os usos para os quais são próprios, e tornando-nos assim como senhores e possuidores do Universo”. Essa afirmação refere-se a) à alusão de Descartes acerca do conhecimento que se configura como domínio do Homem sobre a realidade. b) à manipulação conceitual por meio da qual se originam todas as operações lógicas com a finalidade de alcançar o conhecimento. c) à famosa questão dos “universais” que agitou e, dada a posição central que ocupa, atualizou em boa parte, durante séculos, o melhor do pensamento filosófico.
Gabarito questão 05. a) A afirmação diz respeito ao argumento de Descartes sobre o Deus enganador, que se desdobra, no curso da dúvida metódica, naquele do gênio maligno. Descartes pretendia com essas hipóteses exacerbar o exercício da dúvida, tornando-a hiperbólica, isto é, levando-a até aquelas ideias certas, como as da matemática, cuja clareza e distinção ainda careciam de um fundamento sólido. b) O próprio pensamento e, portanto, a existência daquele que pensa. A dúvida acerca da existência do mundo e, mesmo quando levada ao extremo, das representações científicas, revelam que o “eu” que duvida, na medida em que duvida, não pode não existir. Desse modo, Descartes alcança em suas meditações metafísicas a evidência do cogito.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
10. (Unioeste PR) Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a filosofia primeira de René Descartes: “Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até então em minha crença e começar tudo novamente desde os fundamentos, se eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências. (...) Agora, pois, que meu espírito está livre de todas as preocupações e que obtive um repouso seguro numa solidão tranquila, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas antigas opiniões” É correto afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme e certo no conhecimento, já que suas opiniões antigas eram incertas. b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de firme e certo nas ciências, pois até então esse objetivo não foi atingido. c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou como conhecimento, busca fundamentar nos sentidos uma base segura para as ciências. d) ao investigar uma base firme e indestrutível para o conhecimento, descartes inicia rejeitando suas antigas opiniões e utiliza o método da dúvida até encontrar algo de firme e certo. e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e encontrar entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do conhecimento. 11. (Enem MEC) Os produtos e seu consumo constituem a meta declarada do empreendimento tecnológico. Essa meta foi proposta pela primeira vez no início da Modernidade, como expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. No entanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por pensadores como Descartes e Bacon e impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”, “de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar o homem e de enriquecer sua vida, física e culturalmente. CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques, Scientiae Studia. São Paulo, v. 2, n. 4, 2004 (adaptado).
Autores da filosofia moderna, notadamente Descartes e Bacon, e o projeto iluminista concebem a ciência como uma forma de saber que almeja libertar o homem das intempéries da natureza. Nesse contexto, a investigação científica consiste em a) expor a essência da verdade e resolver definitivamente as disputas teóricas ainda existentes.
b) oferecer a última palavra acerca das coisas que existem e ocupar o lugar que outrora foi da filosofia. c) ser a expressão da razão e servir de modelo para outras áreas do saber que almejam o progresso. d) explicitar as leis gerais que permitem interpretar a natureza e eliminar os discursos éticos e religiosos. e) explicar a dinâmica presente entre os fenômenos naturais e impor limites aos debates acadêmicos. 12. (Enem MEC) É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida. SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado).
Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida radical da filosofia cartesiana tem caráter positivo por contribuir para o(a) a) dissolução do saber científico. b) recuperação dos antigos juízos. c) exaltação do pensamento clássico. d) surgimento do conhecimento inabalável. e) fortalecimento dos preconceitos religiosos. 13. (Uel PR) Leia o texto a seguir: Ao empreender a análise da estrutura e dos limites do conhecimento, Kant tomou a física e a mecânica celeste elaboradas por Newton como sendo a própria ciência. Entretanto, era preciso salvá-la do ceticismo de Hume quanto à impossibilidade de fundamentar as inferências indutivas e de alcançar um conhecimento necessário da natureza. Com base no pensamento de David Hume acerca do entendimento humano, é correto afirmar: a) Dentre os objetos da razão humana, as relações de ideias se originam das impressões associadas aos conceitos inatos dos quais se obtém dedutivamente o entendimento dos fatos. b) As conclusões acerca dos fatos obtidas pelo sujeito do conhecimento realizam-se sem auxílio da experiência, recorrendo apenas aos raciocínios abstratos a priori. c) O postulado que afirma a inexistência de conhecimento para além daquele que possa vir a resultar do hábito funda-se na ideia metafísica de relação causal como conexão necessária entre os fatos. d) O sujeito do conhecimento opera associações de suas percepções, sensações e impressões semelhantes ou sucessivas recebidas pelos órgãos dos sentidos e retidas na memória. e) Pelo raciocínio o sujeito é induzido a inferir as relações de causa e efeito entre percepções e impressões acerca da regularidade de fenômenos semelhantes que se repetem na sucessão do tempo.
137
FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
d) ao objeto de que se ocupam os pensadores que levam em consideração o conhecimento, que deriva da metafísica aristotélica.
FRENTE
A
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FILOSOFIA Por falar nisso A filosofia, enquanto amor ao saber, sempre buscou compreender a realidade, seja ela natural, política, econômica, cultural ou histórica. Em sua origem o estudo filosófico teve por princípio a busca pela verdade, mas sempre com a consciência de que nunca a alcançaria na totalidade. Contudo, na atualidade, há um questionamento sobre o possível relativismo acerca dessa verdade. Essa nova tese funda-se na concepção de que cada um tem uma visão de mundo, seja em qual contexto for. Não há uma percepção universal, exata ou homogênea sobre a realidade. Então a realidade não é para nós como existe, mas como a percebemos. Nesta aula vamos analisar teorias sobre essas percepções da realidade, as quais seriam múltiplas ou unas, sempre de acordo com o ponto de vista de cada filósofo. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas
A17 A18 A19 A20
O criticismo kantiano e o pensamento categorial ��������������������������������������������������140 O idealismo hegeliano.............................................................................................145 O positivismo de Auguste Comte e a questão da história �������������������������������������150 O historicismo alemão no crepúsculo da Idade Moderna �������������������������������������155
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A17
ASSUNTOS ABORDADOS nn O criticismo kantiano e o pensa-
mento categorial
nn O criticismo kantiano nn A revolução copernicana na filosofia
O CRITICISMO KANTIANO E O PENSAMENTO CATEGORIAL ImmanueI Kant (1724-1804) nasceu em Konigsberg, na Alemanha. Teve vida longa e tranquila dedicada ao ensino e à investigação filosófica. Os estudos kantianos foram significativos para a filosofia do século XVIII, fato que o coloca entre os grandes pensadores do Iluminismo. Nesta aula, vamos estudar a epistemologia e o pensamento categorial desse autor.
O criticismo kantiano
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A epistemologia kantiana ficou conhecida por criticismo. Tal fato se deu porque esse pensador funda sua teoria a partir das críticas que fez ao racionalismo e ao empirismo. Vamos relembrar os pontos principais dessas duas teorias.
Figura 01 - Immanuel Kant.
aulas A14 e A15 estudamos a teoria racionalista de René Descartes e percebemos a severa crítica desse pensador francês ao conhecimento obtido por meio dos sentidos. Segundo ele, os sentidos podem nos enganar e, por tal motivo, o conhecimento gerado a partir deles é falho, caracterizando a doxa (opinião). Desse modo, o único meio de se chegar à episteme era por meio das ideias inatas ou conhecimento puro.
nn Nas
SAIBA MAIS Epistemologia, vem do grego episteme (que significa conhecimento seguro) e logia (que é normalmente traduzida por estudo). Então, epistemologia é o estudo ou teoria do conhecimento. A episteme se contrapõe à doxa (que significa opinião ou conhecimento não seguro).
140
nn Na aula A16 abordamos a teoria empirista de David Hume, o qual negava, com
seu princípio da “folha em branco”, as ideias inatas. Caso estas fossem possíveis, todos teriam as mesmas ideias. Então, a única fonte de conhecimento seriam os sentidos. Para Hume nossa mente apenas apreende o que é perceptível pelos sentidos, ou seja, as impressões.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Iluminismo é a designação pela qual ficou conhecida, no contexto filosófico, a filosofia na Alemanha no século XVIII, caracterizada por sua valorização da capacidade humana de, por meio da razão, chegar à verdade sobre a realidade.
O Criticismo kantiano, então critica: nn Racionalismo: o conhecimento deve extrapolar a mera análise de um objeto puro, sendo possível gerar conhecimento, novas informações acerca do próprio racionalismo. Não deve apenas ser descritivo. nn Empirismo: o conhecimento é gerado a partir da percepção, sendo apenas a soma de várias experiências, as quais não podem extrapolar o já ocorrido, ou seja, não há produção de conhecimento universal (como vimos na crítica ao hábito e relação de causalidade feita pelo empirismo de Hume). A partir da crítica feita acima, Kant, de certa forma, elabora sua epistemologia e concilia empirismo e racionalismo. Para tanto, ele começa aprofundando sua crítica ao empirismo, pois se Hume estivesse certo e toda ideia fosse uma cópia mental da impressão (percepção/sensação), todas as percepções que tivéssemos, necessariamente, resultariam uma ideia. Contudo, temos várias percepções de uma só vez e não é possível gerar uma ideia consciente sobre tudo que captamos pelos sentidos ao mesmo tempo. Então, o sujeito não é passivo na relação de conhecimento. A partir desse pensamento, notamos que o sujeito tem um papel primordial e até decisivo na formação do conhecimento. A partir desse princípio Kant elabora sua Revolução copernicana na filosofia.
A revolução copernicana na filosofia De certo modo, Kant fez pela filosofia de seu tempo algo análogo ao que Nicolau Copérnico fez nas ciências naturais. Copérnico percebeu que revolucionou ao sair do geocentrismo (admite que a Terra estava no centro e os demais astros giravam em torno dela) e defender a tese heliocêntrica (defende que o Sol está no centro e os demais planetas giram em torno dele).
tra faculdade de conhecimento chamada INTELECTO, na qual temos as categorias, que podemos dizer que são todas as formas possíveis de predicação de um objeto, ou seja, tudo que podemos identificar e dizer sobre um objeto de nossa experiência está contido nas categorias. Portanto, caso percebamos algo que não esteja contido nas categorias não seríamos capazes de identificar e conceituar. Por tal motivo, Kant diz que nossa percepção a posteriori é definida de forma a priori. Após passarmos por esse processo, formamos o conhecimento que é expresso na forma de juízos, que são divididos em: nn JUÍZO
ANALÍTICO: aquele em que o predicado está contido no sujeito, ou seja, a característica está contida (tem identidade) no objeto. É um juízo de elucidação por ser descritivo apenas. nn JUÍZO SINTÉTICO: aquele em que o predicado não está contido no sujeito, ou seja, a característica não está contida (sem identidade) com o objeto. É um juízo de ampliação, pois faz relações nas categorias e produz uma conclusão, que deve ser universal e necessária. O juízo sintético pode ser dividido em: nn A posteriori: conhecimento cuja fonte é somente a experiência. nn A priori: quando o conhecimento independe da experiência. Percebemos até aqui como Kant conciliou o racionalismo e o empirismo. Ele admite que a razão regula conhecimento, mas que este depende, até certo ponto, da experiência como fonte de informações. Donde vimos que extrapola a limitação imposta por Hume ao conhecimento. Contudo, apesar de extrapolar a experiência, Kant diz que esta tem um limite, qual seja: nunca conheceremos a COISA EM SI (ou neumeno), isto é, a coisa ou objeto na sua totalidade, sendo esta incognoscível (não é possível conhecer). A nossa experiência se limita a percepção do FENÔMENO que pode ser conceituado comoaquilo que se dá a experiência, ou seja, o que é perceptível e, portanto cognoscível (possível conhecer).
Em sua epistemologia Kant define bem como formamos nossos conhecimentos. Em primeiro lugar, devemos partir da sensação, a qual é composta por várias percepções ao mesmo tempo. Em seguida, será lançada em nossa mente uma INTUIÇÃO, que, grosso modo, pode ser definida como a sensação que escolhemos em meios a outras tantas que nos afetam ao mesmo tempo. A intuição é formada em nossa faculdade de conhecimento chamada SENSIBILIDADE, a qual impõe à nossa experiência duas formas puras (a priori) de conhecimento, que são espaço e tempo. Em seguida, a intuição passa por ou-
Fonte: Wikimedia Commons
Immanuel Kant, em sua “Revolução Copernicana na Filosofia”, percebe que o determinante para o conhecimento não é o objeto, mas o sujeito como aquele que determina aquilo que vai conhecer e que impõe algo de si a esse conhecimento.
Figura 02 - Em 1929 o artista R. Magritte revolucionou com sua obra “Ceci n’est pas une pipe” (isto não é um cachimbo), que trata não do objeto em si, mas da representação que fazemos dele. Assim como Kant, que admite a ideia de que as coisas são para nós não como existem, mas como as percebemos.
141
A17 O criticismo kantiano e o pensamento categorial
SAIBA MAIS
Filosofia Gabarito questão 01. Kant teria realizado uma Revolução Copernicana na Filosofia por ser o primeiro a perceber que o sujeito, e não o objeto, é o determinante do conhecimento. Tal fato se dá porque o sujeito, pela intuição, escolhe o objeto a ser conhecido e pelas categorias define o que pode ser identificado e, portanto, conhecido sobre objeto percebido.
Exercícios de Fixação 01. (Ufu MG) O comentário abaixo foi feito por Kant (17241804) para justificar o início do novo estágio da filosofia moderna, almejado com a sua obra Crítica da Razão Pura. “Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição.” Kant. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p.14. Coleção “Os Pensadores”
Gabarito questão 03 Porque o juízo analítico, por ser descritivo é meramente informativo e, dessa forma, não extrapola o limite elucidativo, fato que impossibilita a formação de conhecimento novo. Trata-se de um conhecimento mais informativo do que conclusivo.
De acordo com o texto acima, podemos afirmar que a sensibilidade é uma forma de conhecimento a priori ou a posteriori? A sensibilidade, até por ser uma faculdade de conhecimento e, por tal motivo, contida na razão, é uma forma de conhecimento a posteriori. Ela não é obtida a partir dos sentidos e nem se confunde com eles. Contudo, nos auxilia a compreender a realidade apreendida pelos sentidos. 05. Observe a tirinha abaixo e, em seguida, resolva as questões propostas.
A partir dessa citação, explique em que consiste a Revolução Copernicana realizada por Kant na filosofia. 02. Leia atentamente o texto abaixo. “Kant distinguiu duas modalidades de realidade. A realidade que se oferece a nós na experiência e a realidade que não se oferece à experiência. A primeira foi chamada por ele de fenômeno [...]. A segunda foi chamada por ele de nôumeno [...]” [ou coisa em si]. Com base no texto e na epistemologia de Immanuel Kant, responda às questões propostas. a) Diferencie fenômeno de coisa em si. b) Por que não podemos conhecer a coisa em si? 03. Leia atentamente o textoabaixo: “Em todos os juízos em que for pensada a relação de um sujeito com o predicado [...], essa relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo contido (ocultamente) nesse conceito A, ou B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo. No primeiro caso, denomino o juízo analítico, no outro sintético”.
A17 O criticismo kantiano e o pensamento categorial
Fonte: KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p.27.
O texto acima nos apresenta os conceitos de juízo sintético e analítico. A partir de tais conceitos, explique por que o juízo analítico não produz conhecimento, visto ser o que tem identidade entre predicado e sujeito. 04. No texto que se segue, Reali e Antiseri comentam a estrutura da sensibilidade em Kant. A intuição é o conhecimento imediato dos objetos. Segundo Kant, o homem é dotado de um só tipo de intuição: a intuição própria da sensibilidade. O intelecto humano não intui, mas, quando pensa, refere-se sempre aos dados que lhe são
Immanuel Kant admite que o conhecimento gerado é expresso na forma de juízos. Nos analíticos existe identidade entre sujeito e predicado. Nos sintéticos não existe tal relação. A partir dos conceitos de juízos analíticos e sintéticos, podemos admitir corretamente que a conclusão da personagem Mafalda na tirinha acima, pode ser considerada um juízo analítico ou sintético? Justifique. Sintético, pois não é meramente descritivo. Extrapola a experiência de ver apenas Miguelito “esperando alguma coisa da vida” e, a partir dessa percepção, adota tal condição para o mundo ao se questionar se “o mundo está assim porque está cheio de Miguelitos”
fornecidos pela sensibilidade. REALE, G. ANTISRI, D. História da Filosofia: do humanismo a Kant. São Paulo: Paulus, 1990, pág. 873.
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Gabarito questão 02 (Fixação) a) O fenômeno é aquilo que se dá a experiência, ou seja, é a parte perceptível da coisa em si. A coisa em si, por sua vez, consiste na totalidade do objeto, ou seja, o que é perceptível (fenômeno) somado ao que nos é imperceptível.
b) Porque nunca poderemos perceber a totalidade, sempre ficando algo em oculto e, por isso, incognoscível. Para conhecermos a coisa em si deveríamos perceber a totalidade e como não percebemos uma parte a totalidade se torna incognoscível.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
02. (Unioeste PR) “Já desde os tempos mais antigos da filosofia, os estudiosos da razão pura conceberam, além dos seres sensíveis ou fenômenos, que constituem o mundo dos sentidos, seres inteligíveis particulares, que constituiriam um mundo inteligível, e, visto que confundiam (o que era de desculpar a uma época ainda inculta) fenômeno e aparência, atribuíram realidade unicamente aos seres inteligíveis. De fato, se, como convém, considerarmos os objetos dos sentidos como simples fenômenos, admitimos assim que lhes está subjacente uma coisa em si, embora não saibamos como ela é constituída em si mesma, mas apenas conheçamos o seu fenômeno, isto é, a maneira como os nossos sentidos são afetados por este algo desconhecido”. Kant.
Sobre a teoria do conhecimento kantiana, conforme o texto acima, seguem as seguintes afirmativas: I. Desde sempre, os filósofos atribuíram realidade tanto aos seres sensíveis quanto aos seres inteligíveis. II. Podemos conhecer, em relação às coisas em si mesmas, apenas seu fenômeno, ou seja, a maneira como elas afetam nossos sentidos. III. Porque podemos conhecer apenas seus fenômenos, as coisas em si mesmas não têm realidade. IV. Os filósofos anteriores a Kant não diferenciavam fenômeno de aparência, e, assim, consideravam que o fenômeno não era real. V. As intuições puras da sensibilidade e os conceitos puros do entendimento incidem apenas em objetos de uma experiência possível; sem as primeiras, os segundos não têm significação.
Das afirmativas feitas acima: a) apenas II e IV estão corretas. b) apenas II, IV e V estão corretas. c) apenas II, III, IV e V estão corretas. d) todas as afirmativas estão corretas. e) todas as afirmativas estão incorretas. 03. (Enem MEC) Até hoje admitia-se que nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém, todas as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que ampliasse nosso conhecimento, malogravam-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez, experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento. KANT, I. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1994 (adaptado).
O trecho em questão é uma referência ao que ficou conhecido como revolução copernicana na filosofia. Nele, confrontam-se duas posições filosóficas que a) assumem pontos de vista opostos acerca da natureza do conhecimento. b) defendem que o conhecimento é impossível, restando-nos somente o ceticismo. c) revelam a relação de interdependência entre os dados da experiência e a reflexão filosófica. d) apostam, no que diz respeito às tarefas da filosofia, na primazia das ideias em relação aos objetos. e) refutam-se mutuamente quanto à natureza do nosso conhecimento e são ambas recusadas por Kant. 04. (Uel PR) “Em todos os juízos em que for pensada a relação de um sujeito com o predicado [...], essa relação é possível de dois modos. Ou o predicado B pertence ao sujeito A como algo contido (ocultamente) nesse conceito A, ou B jaz completamente fora do conceito A, embora esteja em conexão com o mesmo. No primeiro caso, denomino o juízo analítico, no outro sintético”. Fonte: KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p.27.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a distinção kantiana entre juízos analíticos e sintéticos, assinale a alternativa que apresenta um juízo sintético a posteriori: a) Todo corpo é extenso. b) Todo corpo é pesado. c) Tudo que acontece tem uma causa. d) 7 + 5 = 12. e) Todo efeito tem uma causa.
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A17 O criticismo kantiano e o pensamento categorial
01. (Uncisal AL) No século XVIII, o filósofo Emanuel Kant formulou as hipóteses de seu idealismotranscendental. Segundo Kant, todo conhecimento logicamente válido inicia-se pela experiência, mas é construído internamente por meio das formas a priori da sensibilidade (espaço e tempo) e pelas categorias lógicas do entendimento. Dessa maneira, para Kant, não é o objeto que possui uma verdade a ser conhecida pelo sujeito cognoscente, mas sim o sujeito que, ao conhecer o objeto, nele inscreve suas próprias coordenadas sensíveis e intelectuais. De acordo com a filosofia kantiana, pode-se afirmar que a) a mente humana é como uma “tabula rasa”, uma folha em branco que recebe todos os seus conteúdos da experiência. b) os conhecimentos são revelados por Deus para os homens. c) todos os conhecimentos são inatos, não dependendo da experiência. d) Kant foi um filósofo da antiguidade. e) para Kant, o centro do processo de conhecimento é o sujeito, não o objeto.
Filosofia
05. (Unioeste PR) “Até agora se supôs que todo nosso conhecimento
aconteceu com os pensamentos de Copérnico que, depois das
tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de
coisas não quererem andar muito bem com a explicação dos
mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos,
movimentos celestes admitindo-se que todo exército de astros
através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassa-
girava em torno do espectador, tentou ver se não seria mais
ram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não
bem-sucedido se deixasse o espectador mover-se e, em con-
progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os
trapartida, os astros em repouso.”
objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento a priori, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer
Considerando a leitura do trecho acima, podemos dizer que a
algo sobre os objetos antes de nos serem dados”. (Kant)
De acordo com o pensamento de Kant, é correto afirmar que a) o conhecimento resulta da ação dos objetos sobre nossa capacidade perceptiva, de modo que todo conhecimento deriva da experiência. b) nada pode ser estabelecido sobre os objetos que não seja dado por eles ou por meio deles. c) nosso conhecimento é regulado por princípios que se encontram em nossa mente; como tais, são anteriores e independentes de toda experiência. d) é dispensável fazer uma crítica da Razão e dos limites e possibilidade do conhecimento. e) a Metafísica se constituiu há muito tempo como disciplina que “encetou o caminho seguro de uma ciência” (Kant). 06. (Ufal AL) O pensamento filosófico da modernidade tem em Kant uma das expressões mais atuantes e significativas para o mundo ocidental. De fato, as reflexões de Kant contribuíram para: a) reativar o pensamento cristão, relacionando-o com os princípios medievais. b) rediscutir a História dentro dos paradigmas da dialética hegeliana. c) repensar o conteúdo do conhecimento humano mostrando os limites da racionalidade.
A17 O criticismo kantiano e o pensamento categorial
d) definir a estrutura da democracia contemporânea, seguindo Jean Jacques Rousseau. e) afirmar, com base na filosofia empirista, a simplicidade do conhecimento cientifico. 07. (Ufu MG) “Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém, todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso, tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados. O mesmo 144
KANT, I. Crítica da razão pura.Prefácio à segunda edição. Trad. de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 14. (Os Pensadores)
revolução copernicana de Kant é a) uma revolução filosófica e científica segundo a qual o espectador não pode permanecer fixo em sua posição, aprendendo apenas os fenômenos, mas deve considerar que ele mesmo encontra-se em movimento para poder perceber as coisas em si mesmas. b) uma revolução astronômica que pretendeu mudar o curso da Filosofia Moderna, propondo uma reavaliação da física newtoniana. c) uma revolução filosófica que estabeleceu que o conhecimento da coisa em si só pode ser atingido caso haja um cuidadoso estudo dos fenômenos. d) uma revolução filosófica que afirmou a distinção entre fenômeno e coisa em si, qualificando esta última como incognoscível. 08. (Ufu MG) Imannuel Kant (1724 – 1804) reconheceu a importância dos avanços das ciências naturais, em especial da física, que passou de um conhecimento meramente especulativo para se constituir em ciência. A metafísica, por sua vez, não obteve o mesmo sucesso, pois, continuando a ser especulativa, por mais que os sistemas fossem muito bem elaborados, suas verdades não eram indiscutíveis. Assim, Kant procura dar à metafísica a mesma consistência que possuíam outros campos do saber, fundamentados em juízos sintéticos a priori. Com base nas explicações acima e nos seus conhecimentos, assinale a alternativa que define a concepção kantiana de juízo sintético a priori. a) São universais, necessários e ampliam o conhecimento. b) Não são universais e necessários, mas permitem ampliar o conhecimento. c) São universais e necessários, mas não permitem ampliar o conhecimento. d) Não são nem universais e nem necessários, portanto não permitem ampliar o conhecimento.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A18
O IDEALISMO HEGELIANO Chegamos à outra grande personalidade do idealismo ocidental, Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Suas produções são consideradas as obras-primas da incompreensibilidade. Sua escrita é bem densa, por isso você deve prestar bastante atenção nos conceitos e nos exemplos, sempre indo e voltando.
ASSUNTOS ABORDADOS nn O idealismo hegeliano nn A consciência nn A razão
A consciência
Mesmo assim, sua obra continuou e continua sendo um desafio para o entendimento, tanto para iniciante, quanto para o mais experiente estudioso do idealismo alemão. Muitos resumiram sua ideia com um esquema de tese-antítese-síntese. Hegel nunca disse isso, embora sua dialética não esteja muito longe desse esquema. Vejamos um trecho da Fenomenologia do Espírito que fala sobre a consciência: Sem dúvida que o entendimento suprassumiu com isso sua própria inverdade e a inverdade do objeto; e o que lhe resultou em consequência foi o conceito do verdadeiro: como verdadeiro em-siessente, que não é ainda o conceito, ou seja, ainda está privado do ser para si da consciência. (HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Editora Vozes, 2014)
O texto acima não é difícil de entender! Hegel está se perguntando sobre a realidade. O que é real? Vemos uma laranja diante de nós. Isso nos fala da verdade da percepção, ou seja, existe o esse-como-eu e o esse-como-objeto. Eu percebo a laranja. A laranja não chega diante de mim se apresenta dizendo: “eu sou uma laranja!”. Então a percepção não é imediata, mas mediata (ela precisa do eu).
#Curiosidades
O filósofo Schopenhauer tinha tanta raiva de Hegel que marcou suas aulas no mesmo horário. Ele queria roubar o público de Hegel, mas acabou sendo um verdadeiro fiasco, ninguém ia para suas aulas. Então, no seu livro O mundo como vontade e como representação, Schopenhauer xinga Hegel.
Fonte: shutterstock.com/ Por Sergey Nivens
Hegel nasceu em 1770. Quando ele assumiu a cátedra de professor em Heidelberg, ele tinha só 4 alunos, mas o número foi aumentando até chegar a 70. Em Berlin, ele lecionava para 200 alunos vindos de todo o mundo. Seu curso era das 12 às 13 horas. Esse tempo tornou-se um acontecimento social em Berlin. Quando Hegel completou 56 anos, houve um desfile de Estado dedicado só para ele.
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Filosofia
Agora vamos nos concentrar em dois conceitos centrais para Hegel: o em-si e o para-um-outro. A laranja é em-si. Ela encontra sua negação, ou seja, ao lado dela temos uma maçã e uma pera. A maçã não-é-laranja e a pera também não-é-laranja. A laranja em-si é um esse-como-objeto. Este “esse” nos fala que ela está aqui – na minha mesa – e agora- 25 de outubro de 2017 às 11:45 da manhã. Com esses dados (esse, aqui, agora), eu descubro que existe um universal atrás do particular. Por exemplo, o “aqui” é universal e a “mesa” é um particular. Voltemos à laranja. Ela é um em-si que possui uma negação, ou seja, ela é suprassumida (aufheben). Nessa negação, encontramos a diferença e as propriedades. Em outras palavras, a laranja é diferente da maçã e tem a vitamina C como propriedade. Quando eu percebo a laranja, ela é um para-mim, isto é, um ser-para-um-outro. Assim, o em-si se torna um para-si (cuidado! Hegel também usa o para-si como o em-si do ser humano). Quando a laranja se torna um para-si, a consciência faz um conceito da laranja. Agora, releia a citação acima. Ficou mais claro? A consciência-de-si já não está relacionada com o estranho (laranja), mas tem a ver consigo mesma. Vamos esclarecer: o saber do João relaciona-se com o saber da laranja. Assim, seu saber relaciona-se consigo mesmo. Isso é a consciência-de-si. Assim como a laranja tem a propriedade vitamina C e esta vitamina está nela e pode ser objetivada em mim. Assim, a consciência-de-si quer objetificar-se, surgindo o desejo. O desejo é o lado prático da consciência-de-si.
Agora que a consciência-de-si se reconhece, ela quer se efetivar no mundo. Ela quer se efetivar como livre porque o pensamento é livre. Mas quando ela tenta exercer a liberdade vê que o mundo real não é assim, o que deixou a consciência infeliz. Como superar essa dualidade? Através da razão. A razão vê todo caminho percorrido pela consciência. A consciência infeliz concebeu que havia sido colocada a diferença da própria consciência. Nessa concepção, a consciência se torna razão e fica atônita ao saber que existe a pretensão de se tornar toda a realidade. Em outras palavras, a razão se encontra em uma tensão entre pensamento e realidade. Devemos lembrar que essa realidade não é algo fora da razão. Então, a razão começa a observar toda a natureza. Ao fazer isso, a razão percorre todos os mesmos caminhos que a consciência percorreu acima. A razão descobre o mundo e, no mundo, descobre a si mesma, pois ela é o mundo. Vejamos o que Hegel diz: A razão, tal como vem à cena imediatamente, como a certeza da verdade da consciência de ser toda a realidade, toma essa realidade no sentido de imediatez do ser, e toma também a unidade do Eu com essa essência objetiva no sentido de uma unidade imediata, na qual ainda não separou – e tornou a reunir – o momento de ser e o momento do Eu.
Agora o conflito da consciência infeliz entra em outro nível. A razão busca atuar na moralidade, ou seja, lidar com outra consciência-de-si. O indivíduo quer alcançar sua determinação, mas percebe que existem várias universalidades vazias.
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A interpenetração do universal e da individualidade se processa na consciência-de-si concreta e real. Essa interpenetração é cheia de tensões, confrontos dialéticos. Estamos caminhando em um terreno cheio de abstrações e um labirinto das ideias. Precisamos parar para exemplificar. Imagine um cantor muito famoso chamado Gildo da Silva. Nós queremos conhecer a sua individualidade, mas a própria palavra “individualidade” é uma criação da nossa cabeça: individualidade é o geral do indivíduo.
Figura 01 - Cartoon de Friedrich Hegel.
A18 O idealismo hegeliano
A razão A consciência-de-si reconhece a si mesmo no mundo, não enquanto o autoconhecimento que diz “eu sou eu”. Vamos exemplificar. Eu fiz um amigo na infância que era muito rebelde. Eu era muito sério (e sou até hoje, acreditem!). Somos amigos até hoje. Na juventude, eu me tornei rebelde e ele sério. Quando ele via minhas atitudes rebeldes, ele se reconheceu em mim, e vice-versa.
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Então, a única forma de apresentar a individualidade pura é ir ao show do artista Gildo da Silva, apontar para ele e dizer: “é ele ali”. Mas ao dizer isso diante de milhares de fãs que estão assistindo ao show, a sua pessoa, Gildo da Silva, se torna uma individualidade para os outros. Dessa forma, a individualidade passa a se tornar universalidade. O Gildo da Silva (pessoa) se torna a ideia do Gildo para as pessoas (universal). Existe um processo inverso. A ideia de geral Gildo da Silva, um cantor sertanejo, premiado com disco de ouro, conhecido por G, interpenetram na sua individualidade. A individualidade e a universalidade irão se coincidir na ação moral. Na terceira e última fase da Fenomenologia do Espírito, a saber, o Espírito. Esse assunto será abordado na próximaaula juntamente com a história. Para finalizar, leia novamente a aula apresentada e tente não prosseguir com dúvidas.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
#DicaCine #DicaCine Filosofi#DicaCine Filosofi #DicaCine Filosofi#DicaCine #DicaCine Filosofi Filosofi Filosofi Para melhor compreensão do pensamento ético e filosófico de Hegel, assista ao documentário Grandes Filósofos Hegel, no Youtube.
Exercícios de Fixação
02. (Uem PR) “A filosofia de Hegel constitui, assim, exemplo de um grandioso e radical investimento especulativo, qualificado como Ideia de liberdade. Ao mesmo tempo em que tem a pretensão de analisar a liberdade segundo um modo conceitual (lógico-ontológico), quer, também, compreendê-la como uma forma histórica de sua manifestação. Ou, dito de outro modo, sem abandonar o seu caráter autorreferencial (subjetivo), o filósofo pretende efetivá-la na sua necessária forma institucional (objetiva). (...) Se a liberdade subjetiva não alcançar essa dimensão e se circunscrever no âmbito dos interesses e desejos particulares dos indivíduos nas suas relações privadas, o próprio princípio da liberdade se vê ameaçado.” (MARÇAL, J. [org.] Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED-PR, 2009. p. 309). 01.E 02.C 04.E 08.C 16.E
Com base na citação anterior, assinale o que for correto. 01. O livre arbítrio constitui uma ameaça para a realização da liberdade. 02. A liberdade deve ser pensada em dois planos distintos: o primeiro, autorreferencial ou subjetivo, e o segundo, institucional ou objetivo. 04. A efetividade do Estado e das instituições sociais constitui um obstáculo para os desejos particulares dos indivíduos. 08. O exercício da liberdade é característico de um processo historicamente definido. 16. A liberdade é uma síntese da religião com o autoconhecimento. 03. (Ufu MG) O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-
-se como sua verdade em lugar da flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si [...]. HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Petrópolis: Vozes, 1988.
Com base em seus conhecimentos e na leitura do texto acima, assinale a alternativa correta segundo a filosofia de Hegel. a) A essência do real é a contradição sem interrupção ou o choque permanente dos contrários. b) As contradições são momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contradizerem, todos são igualmente necessários. c) O universo social é o dos conflitos e das guerras sem fim, não havendo, por isso, a possibilidade de uma vida ética. d) Hegel combateu a concepção cristã da história ao destituí-la de qualquer finalidade benevolente. 04. (UEG GO) Para Hegel, a razão é a relação interna e necessária entre as leis do pensamento e as leis do real. Assim, ela é a unidade entre a razão subjetiva e a razão objetiva. Hegel denominou essa unidade de espírito absoluto.Dessa forma, um evento real pode expressar e ser resultado das ideias que o precedem. Um exemplo da objetivação dessas ideias é o seguinte evento: a) a subida de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, representando os ideais sionistas germânicos. b) a Queda de Dom Pedro I do trono brasileiro, representando a crise do sistema colonial português. c) a ascensão de Napoleão Bonaparte ao poder, representando o ideal iluminista de igualdade social. d) a coroação de Dom Pedro II no trono brasileiro, representando a vitória dos ideais puritanos de moral. 05. (UEG GO) Hegel, prosseguindo na árdua tarefa de unificar o dualismo de Kant, substituiu o eu de Fichte e o absoluto de Schelling por outra entidade: a ideia. A ideia, para Hegel, deve ser submetida necessariamente a um processo de evolução dialética, regido pela marcha triádicada a) experiência, juízo e raciocínio. b) realidade, crítica e conclusão. c) matéria, forma e reflexão. d) tese, antítese e síntese.
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A18 O idealismo hegeliano
01. (Ufu MG) A dialética de Hegel a) envolve duas etapas, formadas por opostos encontrados na natureza (dia-noite, claro-escuro, frio-calor). b) é incapaz de explicar o movimento e a mudança verificados tanto no mundo quanto no pensamento. c) é interna nas coisas objetivas, que só podem crescer e perecer em virtude de contradições presentes nelas. d) é um método (procedimento) a ser aplicado ao objeto de estudo do pesquisador.
Filosofia
Exercícios Complementares 01. (Uem PR) Hegel criticou o inatismo, o empirismo e o kantismo. Endereçou a todos a mesma crítica, a de não terem compreendido o que há de mais fundamental e essencial à razão: o fato de ela ser histórica. 08-16 Com base nessa afirmação, assinale o que for correto. 01. Ao afirmar que a razão é histórica, Hegel considera a razão como sendo relativa, isto é, não possui um caráter universal e não pode alcançar a verdade. 02. Não há para Hegel nenhuma relação entre a razão e a realidade. Submetida às circunstâncias dos eventos históricos, a razão está condenada ao ceticismo, isto é, “ao duvidar sempre”. 04. A identificação entre razão e história conduz Hegel a desenvolver uma concepção materialista da história e da realidade, negando entre ambas a possibilidade de uma relação dialética. 08. No sistema hegeliano, a racionalidade não é mais um modelo a ser aplicado, mas é o próprio tecido do real e do pensamento. O mundo é a manifestação da ideia, o real é racional, e o racional é o real. 16. Karl Marx, ao afirmar, na Ideologia alemã, que não é a história que anda com as pernas das ideias, mas as ideias é que andam com as pernas da história, critica, ao mesmo tempo, o idealismo e a concepção da história de Hegel e dos neo-hegelianos.
A18 O idealismo hegeliano
02. (UFPA) No início do século XIX, mais precisamente com Hegel, a arte é concebida no interior do domínio do absoluto, isto é, da verdade enquanto tal e dos elementos que a expõem. Tendo em vista essa concepção, é correto afirmar: a) O absoluto não se expressa, de uma vez por todas, no domínio artístico. b) Ao apresentar o absoluto sob forma sensível, isto é, concreta e singular, a obra de arte não efetiva a transfiguração da realidade. c) Na atividade artística, apenas alguns de seus traços essenciais estão ligados ao ser verdadeiro. d) A beleza é, enquanto produto da arte, manifestação sensível do absoluto. e) Na arte, a totalidade que se torna aparição cumpre suficientemente suas determinações. 03. (Ufu MG) Qual é a diferença entre o conceito de movimento histórico, em Hegel, e o de processo histórico, em Marx? a) Para Hegel, através do trabalho, os homens vão construindo o movimento da produção da vida material e, assim, o movimento histórico. Para Marx, a consciência determina cada época histórica, desenvolvendo o processo histórico.
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b) Para Hegel, a História pode sofrer rupturas e ter retrocessos, por isso utiliza-se do conceito de movimento da base econômica da sociedade. Marx acredita que o modo de produção encaminhe para um objetivo final, que é a concretização da Razão. c) Para Hegel, a História tem uma circularidade que não permite a continuidade. Para Marx, a História é construída pelo progresso da consciência dos homens que formam o processo histórico. d) Para Hegel, a História é teleológica, a Razão caminha para o conceito de si mesma, em si mesma. Marx não tem uma visão linear e progressiva da História, sendo que, para ele, ela é processo, depende da organização dos homens para a superação das contradições geradas na produção da vida material, para transformar ou retroceder historicamente. 04. (Ufu MG) Hegel, em seus cursos universitários de Filosofia da História, fez a seguinte afirmação sobre a relação entre a filosofia e a história: “O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação da história”. HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. 2 ed. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 17.
De acordo com a reflexão de Hegel, é correto afirmar que I. a razão governa o mundo e, portanto, a história universal é um processo racional. II. a ação dos homens obedece a vontade divina que preestabelece o curso da história. III. no processo histórico, o pensar está subordinado ao real existente. IV. a ideia ou a razão se originam da força material de produção e reprodução da história. Assinale a alternativa que contém somente assertivas corretas. a) III e IV. b) I e II. c) II e III. d) I e III. 05. (Uem PR) “O princípio motor do conceito, enquanto ele não só dissolve as particularizações do universal, mas, também, enquanto os produz, eu chamo de dialética – dialética, portanto, não no sentido de que ela dissolve, confunde e conduz daqui para lá e de lá para cá um objeto, uma proposição, dados ao sentimento, à consciência imediata em geral, e só tem a ver com a derivação do seu contrário –, uma modalidade negativa de dialética, tal como ela frequentemente aparece também em Platão. [...] A dialética superior do conceito não consiste em produzir e apreender a determina-
Ciências Humanas e suas Tecnologias
(HEGEL, F., Fenomenologia do Espírito in MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009, p. 315).
A partir do texto citado, é correto afirmar: 02-04-08-16 01. A dialética platônica é negativa por não redundar em desenvolvimento e progredir imanente do conceito. 02. A dialética hegeliana não é confusão e nem dissolução de uma proposição. 04. As determinações de um objeto não são obstáculos ao conhecimento, mas um dado a partir do qual se apreendem os conteúdos positivos desse objeto. 08. Por ser oposição de teses, a dialética hegeliana não redunda em desenvolvimento do conceito. 16. Dialética é o princípio motor dos conceitos desenvolvimento e progredir imanente. 06. (Ufu MG) De acordo com a filosofia de Hegel, é INCORRETO afirmar que a) a dialética envolve um diálogo entre dois pensadores ou entre um pensador e o seuobjeto de estudo. b) a dialética envolve três etapas: na primeira delas, um ou mais conceitos ou categoriassão considerados fixos, definidos e distintos. c) a terceira etapa da dialética envolve uma nova categoria, superior, que abarca asanteriores e dissolve as contradições nelas envolvidas. d) a dialética não é apenas uma característica de conceitos, mas se aplica também acoisas e processos reais. 07. (Unicentro PR) Analise as assertivas e assinale a alternativa que aponta a(s) correta(s). Em seu livro História da Filosofia, Hegel (1770-1831) declara que a filosofia moderna pode ser considerada o nascimento da filosofia propriamente dita, porque nela, segundo Hegel, pela primeira vez, os filósofos afirmam que I.
II.
III.
a filosofia é independente e não se submete a nenhuma autoridade que não seja a própria razão como faculdade plena de conhecimento. Isto é, os modernos são os primeiros a demonstrar que o conhecimento verdadeiro só pode nascer do trabalho interior realizado pela razão, graças a seu próprio esforço. Só a razão conhece e somente ela pode julgar a si mesma. a filosofia moderna realiza a primeira descoberta da subjetividade propriamente dita porque nela o primeiro ato do conhecimento, do qual dependerão todos os outros, é a reflexão e consciência de si reflexiva. a filosofia moderna é a primeira a reconhecer que, sendo todos os seres humanos seres conscientes e racionais, todos têm igualmente o direito ao pensamento e a verdade.
Segundo Hegel, essa afirmação do direito ao pensamento, unida à ideia da recusa de toda censura sobre o pensamento e palavra, seria a realização filosófica do princípio da individualidade como subjetividade livre que se relaciona livremente com a verdade. IV. a filosofia moderna está tão intimamente vinculada aos fundamentos da práxis humana que a ação não pode ser ignorada na determinação de seus critérios filosóficos. Para Hegel, os modernos foram os primeiros a entender que esta prática, no entanto, não deve ser considerada apenas no sentido restrito da conduta pessoal, mas na acepção mais abrangente de experiência humana em seus vários aspectos, desde histórico até o nível psicológico. a) Apenas I, III e IV. d) Apenas II, III e IV. b) Apenas I, II e III. e) Apenas IV. c) Apenas I. 08. (Ufu MG) Tal é o eterno equivoco da liberdade, o de conhecer apenas o sentimento formal, subjetivo, abstraído dos objetos e fins que lhe são essenciais. Desse modo, a limitação dos instintos, da cobiça e da paixão, que só pertence ao indivíduo, é tida como uma limitação da liberdade. Mas antes de mais nada, tal limitação é pura e simplesmente a condição da qual surge a libertação, sendo a sociedade e o Estado as condições nas quais a liberdade se realiza. HEGEL, G. W. F. Filosofia da história. 2. ed. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília/DF: Editora da UnB, 1998. p. 41.
Com base no texto acima, responda: a) Quais são os impedimentos para a liberdade enquanto tal? b) Por que o Estado é a condição para a liberdade em sua realidade concreta? a) Hegel contrapõe ao conceito abstrato e subjetivo de liberdade, o conceito de liberdade concreta. De acordo com Hegel, a liberdade, em sua realidade concreta, significa mais doque a possibilidade de satisfazer os instintos, paixões e desejos. Por isso, a limitação dosinstintos, tida como limitação da liberdade, só o é em certo sentido. Para Hegel, a astúcia da razão se vale dos instintos e desejos humanos para realizar fins universais. Hegelafirma inclusive que “sem paixão nada de grande foi realizado no mundo”. A razão faz com que os pequenos interesses, necessidades e paixões humanas, que surgem a cadapasso no cenário da história, sirvam de instrumento à realização do interesse universal.Seus instrumentos são os grandes indivíduos históricos, os homens cujo fim individual inclui o fim universal da Ideia, do Espírito. Tais homens históricos não tinham consciênciade que seus fins particulares eram só momentos do fim universal. O indivíduo perece, mas a ideia se salva. Dessa forma, os impedimentos para a liberdade, enquanto tal, são defato a ausência da organização do Estado e da Sociedade, que representam amanifestação do Espírito; e a ausência, nos sujeitos, de uma necessidade de se libertarem do determinismo natural que os leva a identificar a liberdade apenas com a satisfaçãoplena dos instintos. Hegel, no entanto, não defende a eliminação dos instintos, mas a sua purificação pela reflexão. b) Para Hegel, a instituição que assegura a efetivação do fim a que se dirige a história é o Estado. O Estado é o material com o qual se constrói na história o fim último doEspírito/Ideia. O verdadeiro protagonista da história é o espírito e o fim que o move é a conquista da liberdade. A história é o processo de desenvolvimento da liberdade e o que está em jogo é o progresso do homem na consciência dessa liberdade. Segundo Hegel, asucessão dos vários estágios percebidos na história da humanidade são necessários, racionais e progressivos; são momentos da ideia, em sua marcha para a liberdade. Assim, o Estado é a realização da liberdade, da união da vontade universal do Espírito e davontade subjetiva, particular, dos indivíduos. Por isso os grandes personagens históricos,como Napoleão, César, também foram criadores de grandes Estados. A história universalse reconhece nos povos que formam um Estado. A realização da liberdade, por intermédio do Estado, também está presente na dialética hegeliana:Tese – a meta da história universal é o progresso na consciência da liberdade. Antítese – os meios para alcançar o seu fim são as paixões e o egoísmo dos indivíduos. Síntese – A união de ambos os momentos é a efetivação (realização) da liberdade no Estado.
149
A18 O idealismo hegeliano
ção meramente como barreira e como contrário, mas, sim, em produzir e apreender a partir dela o conteúdo e o resultado positivos, enquanto por essa via, unicamente, a dialética é desenvolvimento e progredir imanente”.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A19
ASSUNTOS ABORDADOS nn O positivismo de Auguste Comte
e a questão da história
nn O positivismo de Auguste Comte nn A física social nn Positivismo e história
O POSITIVISMO DE AUGUSTE COMTE E A QUESTÃO DA HISTÓRIA Auguste Comte (1798-1857) nasceu em Montpellier, na França. Estudou na Escola Politécnica de Paris e foi, por algum tempo, discípulo de Saint-Simon, com o qual desenvolveu seu interesse pela filosofia e história. Dedicou-se então ao estudo dessas duas áreas a partir de um ideário cientificista que pressupunha possibilidade de se conhecer o objeto de investigação e a neutralidade ao fazê-lo. Percebemos a diferença com Kant (aula A17) no que concerne a possibilidade de conhecimento. Comte foi considerado o fundador do positivismo francês e também da “sociologia”, por voltar seus estudos para o âmbito social. Nesta aula vamos estudar a teoria positivista em seu conceito e sua repercussão no estudo da história na perspectiva desse autor.
Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825) foi um pensador que exerceu influência sobre grandes pensadores da filosofia, sociologia, história e política do século XIX. Em meio a conflitos ideológicos e revoluções, ele propôs que a crise vivida pela sociedade moderna de seu tempo só seria resolvida quando fossem colocados à frente dela os grandes industriais e os homens de ciência, pois o interesse da indústria corresponde ao interesse de todos. O desenvolvimento industrial deve conduzir ao bem-estar, eliminando os ociosos e gerando uma sociedade de trabalhadores. A propriedade privada deveria ser suprimida para que o Estado possa dividir segundo a capacidade e “rendimento” de cada um. Posteriormente Saint-Simon foi elencado como um dos socialistas utópicos.
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#BIOGRAFIA
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O Positivismo de Auguste Comte O positivismo francês, apesar de já ter indícios em autores anteriores, como Saint-Simon, foi em Auguste Comte que encontrou maior expressão. Influenciado pelo cientificismo de sua época percebeu a necessidade e a possibilidade de se criar uma ciência social, mais tarde denominada física social, que analisasse, compreendesse e explicasse o modo como a realidade social se desenvolve. Mas com qual intuito? Se conhecer como algo se desenvolve, consigo prever possíveis consequências e, com tal conhecimento, agir em prol do benefício social evitando o mal. Para criar tal ciência social, Comte admite alguns princípios que são a base para esta ser considerada uma ciência enquanto tal. Quais sejam: nn Todo
objeto é dado à experiência enquanto tal. Não é apenas uma representação que o sujeito faz dele. Tem realidade objetiva. nn O conhecimento não é uma interpretação subjetiva da realidade. Logo pode ser conhecido em sua totalidade por meio da experiência. 150
Ciências Humanas e suas Tecnologias
nn Há
uma dualidade entre fatos e valores, o que nos remete a ideia de que fatos não têm valores. Então, não devemos impor valores a eles, visando uma neutralidade na análise.
Percebemos acima a importância dada por Comte à cientificidade da nova ciência social. A associação desta com as ciências naturais a ponto de quase equivaler o modo de investigação nos deixa evidente o rigor que esse pensador francês quer dar ao estudo das sociedades.
cípios que pressupõem uma relação causal necessária. O cientificismo pressupõe o organicismo para ter o darwinismo social como consequência. Em outros termos, só é possível fazer ciência porque a sociedade funciona segundo um modelo físico invariável (organicismo) cuja ordem pode gerar o desenvolvimento da sociedade que é o darwinismo social.
Ciência só é possível nessas condições, com uma forma de desenvolvimento invariável. Se admitirmos que a realidade se desenvolve de forma aleatória não é possível ciência, pois não haveria como criar teorias ou leis que expliquem e prevejam as consequências para que possamos agir. Então a física social pressupõe três fundamentos, que foram assim denominados: nn Cientificismo:
as realidades natural e social se desenvolvem da mesma forma. Portanto, a sociedade é um objeto que existe independente do observador, o qual deve analisá-la de forma imparcial e objetiva. É possível observar, compreender e explicar a sociedade assim como a biologia explica as leis gerais da vida.
nn Organicismo: remete a ideia de corpo político defendi-
da pelos gregos do período clássico, na qual a sociedade é como um organismo vivo em que cada cidadão é como um órgão ou célula desse corpo político. Trazia a ideia de partes integradas e coesas, interdependentes para o funcionamento da “máquina social”. Era pensar a realidade social segundo um modelo mecânico ou físico e, por isso, possível de estudar. nn Darwinismo
social: admite que toda sociedade se desenvolve progressivamente, ou seja, de forma positiva. Tal progresso se dá de acordo com o grau de organização social alcançado pela sociedade em questão. Sempre de um estágio menos avançado para o mais avançado.
O positivismo ou física social foi pensado por Comte como um sistema metódico de investigação bem coeso e com prin-
O lema ordem e progresso estampado na bandeira do Brasil teve influência do positivismo de Auguste Comte cujo lema era L’amour pour principe, l’ordre pour base, le progrès pour but, que significa “O amor como princípio e a ordem como base; o progresso como meta”. Quando falamos em desenvolvimento, Comte diz que existem dois movimentos: o estático e o dinâmico. O primeiro é constituído por elementos permanentes na organização da sociedade, como família, religião, leis, linguagem, convenções; o segundo trata do progresso e desenvolvimento, como industrialização, meios de produção, relações de produção etc. Comte não admite que o movimento estático deva ser descartado, mas que se adapte às necessidades que vão surgindo, pois colaboram na coesão da sociedade e, consequentemente, com seu desenvolvimento. O movimento estático gera a ordem necessária para o movimento dinâmico, intrínseco à sociedade, gerar progresso.
Positivismo e história Como vimos até aqui, Comte percebe a possibilidade de se estudar o homem e a sociedade por meio da ciência, de um método que produza resultados e um conhecimento que nos propicie antever consequências e evitá-las ou objetivá-las. Contudo, ciência trabalha com nexo causal, ou seja, se tenho a “causa X” devo esperar o “resultado Y”. As leis das ciências de forma geral pressupunham isso. O método indutivo (várias experiências particulares, submetidas a condições diversas, geram uma lei geral) leva-nos a essa conclusão. Nas ciências sociais não seria diferente. O que vivemos hoje é consequência causal do que ocorreu anteriormente. Então, ao analisar a história, Comte identifica três estágios. 151
A19 O positivismo de Auguste Comte e a questão da história
A física social de Auguste Comte, enquanto ciência, tem o homem e seu contexto social como objeto de estudo. Tal fato poderia nos levar à ideia de um subjetivismo ou relativismo pelo fato de envolver cultura, tradições, política, economia, meios de produção etc., visto serem esses fatores variáveis de acordo com cada sociedade. Contudo, Comte admite que a forma como a sociedade se desenvolve é invariável, assim como a realidade natural. É como se retomasse o ideal grego de cosmos, no qual o mundo natural é ordenado e organizado, sendo essas condições invariáveis naturalmente.
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A física social
Filosofia Gabarito questão 04 Elementos gerais: a influência de Comte no pensamento social brasileiro, que submetia à sociedade brasileira ao crivo das interpretações presentes na lei dos três estados, destacando a marca teoGabarito questão 01 Elementos gerais: A partir de tal frase, Comte situa o papel do conhecimento sociológico (física social) como responsável pelo conhecimento prévio dos fenômenos sociais, na intenção de controlar os mesmos, em busca da ordenação da vida coletiva. Gabarito questão 02 Auguste Comte admite que a mesma metodologia empregada nas ciências naturais poderia ser utilizada nas ciências sociais, pois ambas se desenvolveriam de forma semelhante. Então, dever-se-ia observar, compreender e explicar por meio de uma lei geral a forma como a sociedade se desenvolve. Gabarito questão 03 A política pode ser considerada de ordem estática, pois faz parte da sociedade tê-la. Ela deve garantir a ordem para que a sociedade alcance o progresso (dinâmico) que lhe é natural.
lógica profunda que modela a formação social da nação brasileira, implicando no “atraso social” do país por meio dos seus elementos sincréticos fundadores (a forte imersão teológica presente entre índios, africanos e portugueses).
nn Teológico:
estágio em que os fenômenos naturais ou sociais são vistos como consequência da vontade e ação direta de algo sobrenatural. nn Metafísico: estágio em que os fenômenos físicos e sociais são analisados a partir de conceitos abstratos como essência, idealizações da condição natural e social. Como se partíssemos do conceito para a experiência e não o contrário. nn Positivo: estágio em que os fenômenos físicos e sociais são explicados por meio de leis naturais, pautadas na experiência, que explicam por si mesmas (sem recorrer a fatores externos, como Deus ou abstrações) o objeto de análise. Os três estágios acima expostos caracterizam as fazes de desenvolvimento histórico do homem e da sociedade. Sendo uma ordem cronológica e causal que, se compreendida, nos conduziria a melhor compreensão da sociedade estudada. É importante ressaltar que o desenvolvimento de cada sociedade se dá de acordo com a organização alcançada. Então nem toda sociedade estará no mesmo estágio e/ou nível de progresso. Mas uma lei universal fica e toda sociedade que alcançar a ordem terá progresso, sendo essa relação diretamente proporcional.
Exercícios de Fixação 01. (Ufu MG) Tendo em vista o contexto do surgimento do pensamento positivista, disserte sobre o significado desta formulação de Auguste Comte (1798-1857), quanto ao papel que a física social deveria ter: ... ciência, daí previdência, previdência daí ação. 02. Leia atentamente o texto abaixo. Vivendo na época de efervescência política e social que marcou os primórdios da industrialização europeia, Comte (17981857) impôs-se a tarefa de fundar uma ciência social positiva, que desfrutaria de prestígio e rigor semelhantes às demais ciências experimentais. Na sua opinião, somente com a Física Social completar-se-ia o edifício por ele denominado de “sistema das ciências da observação”, integrado pela astronomia, pela física, pela química e pela fisiologia (ou Biologia).
A19 O positivismo de Auguste Comte e a questão da história
SCHNEIDER, S.; SCHIMITT, C. J. O uso do método comparativo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87, 1998.
De acordo com o contexto histórico do desenvolvimento da sociologia e seu impacto no intelectual Auguste Comte, exponha a relação entre a Física social comteana e o método de estudos das ciências naturais como Física, química e biologia. 03. Leia atentamente o texto abaixo: “A sã política não deveria ter por objeto fazer avançar a espécie humana, que se move por impulso próprio, seguindo uma lei tão necessária quanto a lei da gravidade, embora mais modificável, a política tem por finalidade facilitar a marcha evolutiva das sociedades, iluminando-as no caminho do progresso, impulsionando o processo de expansão da ciência positiva, regulando os caminhos da sociedade”. COMTE, Auguste. Prospectos científicos necessários para a reordenação do social. São Paulo: Ed. Escala, 2007.
O texto anterior nos mostra o papel da política no desenvolvimento social. Desse modo, a política pode ser considerada um elemento de ordem estática ou dinâmica de acordo com o pensamento do Auguste Comte. 152
Gabarito questão 05 Elementos gerais: numa perspectiva positivista, Comte destaca nas suas obras, a preocupação com a dissolução do modelo familiar integrativo – típico das sociedades pré-industriais – tendo em vista a possível desintegra-
04. Leia o texto abaixo e, em seguida, faça o que se pede. “A expansão definitiva das ideias de Comte no Brasil ganharia força com o enfraquecimento do poder imperial. Ele se apresentara como uma solução ideal para a elite intelectual da nova burguesia, uma das maiores responsáveis pela difusão do positivismo no país. Esses positivistas, em geral, eram jovens estudantes brasileiros que forma terminar seus estudos na França e retornavam ao Brasil trazendo na bagagem os livros e os conceitos da obra de Comte. Isso passou a simbolizar uma necessidade de explicar o Brasil a partir das lutas entre uma cultura que deita raízes na vida religiosa e a necessidade de uma sociedade científica”. MESQUITA, A.C. Auguste Comte: sociólogo e positivista. São Paulo: Escala, 2011.
De que maneira a concepção comteana a respeito da lei dos três estados pode ser aplicada aos dilemas da evolução social do Brasil? Leia o texto para responder à questão 05 “Segundo Auguste Comte, certo tipo de sociedade, teológica e medieval, está em vias de desaparecer, o cimento do mundo medieval era a fé transcendental, interpretada pela igreja católica. O modo de pensar teológico era típico das sociedades medievais. Mas outro tipo de sociedade, científica e industrial, está em vias de nascer. A sociedade que nasce é científica, no sentido em que a sociedade que morre, é teológica, para Comte, os cientistas substituem os teólogos como base moral e intelectual das sociedades industriais, como muitos de seus contemporâneos, Comte considera que a sociedade moderna está em crise, e a função do sociólogo é ordená-la”. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes,1995.
Segundo Comte, a crise da modernidade é originada pela transição de uma sociedade teológica para outra científica. Dentro de tal contexto, responda: Quais são os problemas sociais trazidos por essa transição e, qual o papel do sociólogo frente à “desordem” criada por estes problemas? ção social advinda de tal ocorrência. Destaca-se também, a dissolução da vida religiosa como reflexo do avanço das formas de consciência científicas, acarretando uma ruptura nas formas de estabilização da ordem social.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares 01. (IF SP) Segundo a Lei dos Três Estados, conceito fundamen-
d) O reconhecimento da validade do conhecimento teoló-
tal na obra de Auguste Comte, a evolução das concepções
gico para explicar a realidade social é um ponto comum
intelectuais da humanidade percorreu três estados teóricos
entre o Iluminismo e o Positivismo. e) Os limites e as contradições do progresso para a liberdade humana foram apontados pelo Iluminismo e aceitos
b) Teológico, metafísico e científico.
pelo Positivismo.
c) Metafísico, abstrato e positivo. d) Fetichista, teológico e positivo. e) Mitológico, filosófico e científico.
04. (Unimontes MG) As preocupações intelectuais de Auguste Comte (1798-1857) decorrem, principalmente, da herança do Iluminismo e da Revolução Francesa. Inspirado no mé-
02. (UFPA) Auguste Comte identificou os movimentos vitais da
todo de investigação das ciências da natureza, procurava
sociedade como dinâmicos e estáticos. Em relação a esses
identificar os princípios da vida social assim como outros
movimentos, é correto afirmar que o movimento dinâmico
cientistas explicavam a vida natural. Além de cunhar o nome
a) se refere à velocidade na produção industrial da Europa
da nova ciência de Sociologia, foi dele a primeira tentativa
do século XIX. b) representa mudanças nos modos de vida em sociedade para formas mais complexas. c) preserva a base de todas as instituições sociais totalizantes. d) proporciona a coesão das instituições e a competição entre os indivíduos. e) incentiva a manutenção da ordem, valendo-se de modos
de definir-lhe o objeto, seus métodos e problemas fundamentais, bem como a primeira tentativa de determinar-lhe a posição no conjunto das ciências. Considerando as reflexões e definições de Auguste Comte sobre a natureza da Sociologia, analise as afirmativas a seguir: I.
tradicionais de viver em sociedade. 03. (Uel PR) Leia o texto a seguir. Até o século XVIII, a maioria dos campos de conhecimen-
está sujeito, em sua evolução, a passar por três estados diferentes: o teológico, o metafísico e o positivo. II.
dade, pela ordem, matemática/astronomia, física, quí-
como na Antiguidade Clássica, parte integral dos grandes mos, organizados em disciplinas específicas, como a Bio-
mica, biologia e sociologia. III.
tornam-se modos dominantes para se acumular co-
de outra, a progressiva reflexão filosófica, como a liberAdaptado de: QUINTANEIRO, T.; BARBOSA, M. L. O.; OLIVEIRA, M. G. M. Um Toque de Clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2002. p.12.
Com base nos conhecimentos sobre o surgimento da Socio-
Defendeu que a observação cuidadosa dos fatos empíricos e o teste sistemático de teorias sociológicas
logia ou a própria Sociologia, envolverá, de uma forma ou dade e a razão.
Propôs classificação das ciências, que tratam do pensamento sobre cada domínio do universo e da socie-
to, hoje enquadrados sob o rótulo de ciências, era ainda, sistemas filosóficos. A constituição de saberes autôno-
Definiu a lei dos três estados, na qual o conhecimento
nhecimento metafísico. IV.
Preocupou-se em definir a Sociologia como ciência da humanidade, capaz de desvendar as leis da organização humana, cujo conhecimento deveria ter utilidade prática a fim de melhorar a vida das pessoas.
logia, assinale a alternativa que apresenta, corretamente, a
Estão CORRETAS as afirmativas
relação entre conhecimento sociológico de Auguste Comte
a) I, II e III, apenas.
e as ideias iluministas.
b) I, III e IV, apenas.
a) A ideia de desenvolvimento pela revolução social foi de-
c) I, II e IV, apenas.
fendida pelo Iluminismo, que influenciou o Positivismo.
d) II, III e IV, apenas.
b) A crença na razão como promotora do progresso da sociedade foi compartilhada pelo Iluminismo e pelo Positivismo. c) O Iluminismo forneceu os princípios e as bases teóricas da luta de classes para a formulação do Positivismo.
05. (Unioeste PR) A filosofia da História – o primeiro tema da filosofia de Augusto Comte – foi sistematizada pelo próprio Comte na célebre Lei dos Três Estados e tinha o objetivo de
153
A19 O positivismo de Auguste Comte e a questão da história
distintos e consecutivos, a saber: a) Mitológico, teológico e filosófico.
Filosofia
mostrar por que o pensamento positivista deve imperar entre
Sobre as ideias de evolução e progresso e seu impacto no pen-
os homens. Sobre a Lei do Três Estados formulada por Comte,
cias e o espírito humano desenvolvem-se na seguinte ordem
samento sociológico, podemos afirmar que: a) A ideia de progresso, apesar de ter grande influência na área das ciências naturais, não teve impacto decisivo na constituição da sociologia.
em três fases distintas ao longo da história: a positiva, a teo-
b) A ideia de evolução foi uma das palavras de ordem do pe-
é correto afirmar que a) Augusto Comte demonstra com essa lei que todas as ciên-
lógica e a metafísica. b) na Lei dos Três Estados a argumentação desempenha um papel de primeiro plano no estado teológico. O estado teológico, na sua visão, corresponde a uma etapa posterior ao estado positivo. c) o estado teológico, segundo está formulada na Lei dos Três Estados, não tem o poder de tornar a sociedade mais coesa e nenhum papel na fundamentação da vida moral.
no mundo social. c) A explicação sociológica procurou, desde o seu início, afastar-se de qualquer forma de determinismos, fossem biológicos ou geográficos, pois se contrapunha fortemente às explicações de cunho evolucionista. d) Em sua busca por constituir-se como disciplina, a Sociologia passou pela valorização e incorporação dos métodos das ci-
como o momento em que a observação prevalece sobre a
ências da natureza, utilizando metáforas organicistas, assim
imaginação e a argumentação, e na busca de leis imutáveis
como conferindo ênfase à noção de função.
nos fenômenos observáveis. estado teológico, pois somente o estado metafísico procura soluções absolutas e universais para os problemas do homem. 06. (Unicentro PR) Para Augusto Comte, uma das funções da So-
08. (Unicentro PR) “O nome “positivismo” tem sua origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro, definitivo. Como escola filosófica, derivou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder dominante e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob a forma de leis que seriam a base da regulamentação da vida do homem, da natureza e do
ciologia ou Física Social era encontrar leis sociais que conduzis-
próprio universo. Com esse conhecimento pretendia-se subs-
sem o progresso da humanidade. Sobre os estágios do progres-
tituir as explicações teológicas, filosóficas e de senso comum
so social discutidos pelo autor, é correto afirmar:
por meio das quais - até então - o homem explicaria a realida-
a) O estágio teológico nega a existência de apenas uma explica-
de e a sua participação nela”
ção divina para os fenômenos naturais e sociais. b) O positivismo é o estágio superior do progresso social, porque se sustenta nos métodos científicos. c) O estágio mais simples é o mítico, seguido pelo teológico e pelo científico, que é o mais elaborado. d) O primeiro estágio do conhecimento é o metafísico, em que A19 O positivismo de Auguste Comte e a questão da história
qualquer comparação entre seus efeitos no reino natural e
d) o estado positivista apresenta-se na Lei dos Três Estados
e) para Comte, o estado metafísico não tem contato com o
conceitos abstratos explicam o mundo. e) A Europa exemplificava uma sociedade em estado de desenvolvimento teológico. 07. (Ufu MG) A Sociologia surge em um período em que o fazer científico encontrava-se influenciado por algumas teses desenvolvidas durante o século XIX. Herbert Spencer, Charles Darwin e Auguste Comte, por exemplo, tiveram grande importância para o pensamento sociológico. O primeiro, por aplicar às ciências humanas o evolucionismo, mesmo antes das teses revolucionárias sobre a seleção das espécies do segundo. Com relação a Comte, houve a influência de seu “espírito positivo” na formação dos muitos intelectuais do período.
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ríodo, mas a sociologia rejeitou a sua adoção, assim como
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo, 2005, p.72.
Sobre o positivismo assinale a alternativa correta. a) O positivismo, teoria criada por Auguste Comte, pregava a cientifização do pensamento e do estudo humano, visando à obtenção de resultados claros, objetivos e completamente correto. b) O positivismo não derivou de nenhum método de investigação das ciências da natureza e sim criou o seu próprio método investigativo. c) O positivismo foi uma teoria criada por Émile Durkheim para explicar os fatos sociais. d) O positivismo baseava suas explicações nas explicações teológicas, filosóficas e de senso comum. e) O positivismo não busca a certeza de nada e se baseia em explicações abstratas.
FRENTE
A
FILOSOFIA
MÓDULO A20
O HISTORICISMO ALEMÃO NO CREPÚSCULO DA IDADE MODERNA
ASSUNTOS ABORDADOS nn O historicismo alemão no crepús-
O historicismo teve maior expressão na Alemanha e foi responsável, em grande parte, para que a história se tornasse uma ciência específica. Pelo fato de propor que o estudo da história pressupõe uma metodologia própria, ao contrário do positivismo que considerava que as ciências sociais e naturais poderiam ter o mesmo método de investigação. O historicismo nega a possibilidade de uma relação causal que nos conduza a uma previsão de fatos futuros. Leopold Von Ranke afirmava que há a necessidade do estudo documental rigoroso, mas que este não está livre da interpretação do historiador, que é influenciado por seus ideais e pelo próprio contexto histórico no qual está inserido. Então, não há um saber absoluto e exato no estudo da história e/ou ciências sociais. Nesta aula, vamos nos dedicar ao estudo de duas teorias que também dão uma importância essencial para a história da humanidade como pressuposto para a compreensão do ser social-político-cultural. Tais teorias não são consideradas propriamente ditas como parte do historicismo, pois elas partem de um estudo filosófico sobre a história. Em outros temos, dedicaremo-nos ao estudo de duas vertentes filosóficas que tinham uma perspectiva mais universalista sobre a história, quais sejam: o idealismo-histórico dialético de Georg Wilhelm Friedrich Hegel e o materialismo-histórico dialético de Karl Marx.
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Idealismo histórico-dialético de Hegel
Na aula A18 estudamos o idealismo hegeliano, bem como sua dialética. Analisamos que Hegel percebe a realidade como dinâmica e não estática. Toda a realidade natural se desenvolve em um eterno devir (como vimos em Heráclito – aula A03), sendo este verificado em um processo dialético de superação de estágios (tese, antítese e síntese) que determina a mudança/transformação.
culo da Idade Moderna
nn Idealismo histórico-dialético de Hegel nn A história nn Visão teleológica da história nn Materialismo histórico-dialético de Marx nn Crítica ao idealismo hegeliano nn História
#Curiosidade
Fonte: Wikimedia Commons
No final do século XVIII e início do XIX, sob influência das ciências naturais e até do iluminismo, ficou clara a necessidade da formação de uma ciência que estudasse o homem em seu contexto histórico-político e social. Vimos, com a teoria de Auguste Comte (vide aula A19), a forma como a ciência social foi constituída a partir do molde cientificista. Em contrapartida ao positivismo comteano, temos a formação de uma nova perspectiva de estudo sobre o homem e a formação da sua realidade social-política que ficou conhecida como historicismo.
Leopold Von Ranke (1795-1886) nasceu em Wiehe na Alemanha. Teve educação cristã e, ao entrar na universidade de Leipzig, dedicou-se aos estudos clássicos e teologia luterana. Ainda no meio acadêmico desenvolveu seu interesse pelo estudo da história. Contudo, demonstrou descontentamento com os livros de história de seu tempo, os quais seriam apenas uma aglomeração de fatos, sem criticidade e análise contextual. Foi considerado o precursor do historicismo alemão, por propor uma nova forma de estudo histórico. Esta deveria basear-se em documentos verídicos, mas também levar em conta a análise do contexto histórico, político e social em que o fato estudado ocorreu.
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Filosofia
Agora vamos estudar como Hegel aplica os conceitos de idealismo e dialética no contexto histórico.
A história Diz Hegel: “A história é o desdobramento do Espírito no tempo, do mesmo modo que a Natureza é o desdobramento da Ideia no espaço.” REALE, G. ANTISERI, D. História da Filosofia: do romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991,Vol 3, pág. 151.
O idealismo hegeliano pode ser percebido em sua teoria em dois momentos. O primeiro fica evidente na frase acima, pois nos mostra que o Espírito, que pode ser considerado como a manifestação da razão, é o fator determinante da história. Poderíamos entender o seguinte dessa citação: a história é composta por fatos, estes são determinados pelas ações humanas, as quais são determinadas pela razão. Em última instância a razão é o motor da história. Contudo, a manifestação do espírito se dá em momentos e de forma distintas para a formação da história. Temos a seguinte divisão na teoria hegeliana: nn Espírito subjetivo: refere-se ao indivíduo e sua cons-
ciência individual. nn Espírito
objetivo: refere-se às instituições historicamente construídas pelos homens, como família, sociedade e Estado.
absoluto: refere-se à liberdade, que se manifesta nas artes, religião e filosofia como o espírito que compreende a si mesmo.
A20 O historicismo alemão no crepúsculo da idade moderna
nn Espírito
Para compreenders melhor poderíamos analisar da seguinte maneira: O espírito (razão) é a capacidade de o homem buscar meios para alcançar seus fins (finalidade, objetivo). Desse modo, primeiramente estabelecemos uma meta ou finalidade, depois a razão subjetivamente raciocina e calcula os melhores meios/ações para alcançá-la, para só então colocar em prática a ação. Se relacionarmos as “fases” da manifestação do espírito (razão) acima descritas, percebemos os momentos da dialética hegeliana que estudamos na aula A18. O espírito subjetivo é tese, o espírito objetivo é a antítese e o espírito absoluto é a síntese. Fica clara a superação de estágios: planejar, colocar em prática e depois alcançar a meta.
Visão teleológica da história Segundo Hegel, a história deve ser estudada de forma teleológica. Tal fato se dá porque, segundo ele, só é possível entender a história se compreendermos seu “fim”, finalidade.Em outros termos, ao saber a finalidade de uma ação, compreendo melhor o porquê , quando e como foi realizada. 156
Ele identifica o telos da história como sendo a liberdade, ou seja, o “fim” para o qual todas as ações convergem historicamente de forma quase inconsciente.
SAIBA MAIS Teleologia vem da junção de dois temos gregos: telos que significa “fim”, finalidade; e logia (que vem de logoσ) que é traduzido por estudo.Termo criado por Wolff para indicar “a parte da filosofia natural que explica os fins das coisas” (Dicionário de Filosofia: Nicola Abbagnano)
A frase anterior pode nos conduzir ao erro de achar que a história é formada ao acaso, por falar de ações que visam a um “fim” inconsciente. Contudo, não é o que acontece. O indivíduo tem plena consciência de suas ações e “fins” individuais e imediatos. Não se podem calcular precisamente quais consequências de suas ações e de outros vão ter ou quais proporções vão tomar no contexto histórico futuro. O que move as ações humanas são seus interesses e necessidades individuais. Porém, mesmo sem a consciência, a razão conduz a humanidade historicamente ao um “fim” maior que é a liberdade. A esse fenômeno Hegel chama de astúcia da razão. A astúcia da razão é o modo como cada indivíduo, buscando alcançar objetivos individuais e imediatos, contribui quase inconscientemente para a formação da história universal. A história, nesse ponto, é o percurso de ações humanas na busca pela liberdade, a qual, para Hegel, só pode ser alcançada na eticidade do Estado. Aqui é possível perceber a relação entre as manifestações do espírito: o espírito subjetivo (como várias consciências subjetivas buscando “fins” individuais) produzem ações que formam a história nos conduzindo à manifestação do espírito objetivo (Estado em sua eticidade e moralidade) o qual proporciona o espírito absoluto (que é a manifestação da liberdade). É importante ressaltar que a história é dinâmica. Não existe uma liberdade fixa, pois senão haveria um limite para a razão. Enquanto a razão se desenvolve, concepções de liberdade vão se formando, fato que requer novas formas de Estado, que nos remete ànecessidade de mudança. Para Hegel, crises, guerras e manifestações são positivas, pois geram mudanças na história. Esses momentos são as antíteses que possibilitam a mudança e dinamicidade. Admitir que o homem fosse chegar a uma concepção de liberdade plena, absoluta pressupõe que um dia a história será estática porque não haverá mais um “fim” a alcançar, porque já estará conquistado. Vemos aqui o segundo ponto do idealismo hegeliano: a ideia de que a razão não para de desenvolver e progredir e, com ela, a história.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Fonte: Wikimedia Commons
Materialismo histórico-dialético de Marx
Karl Heinrich Marx (1818-1883) nasceu em Trier, na Renânia, então província da Prússia. É considerado um dos pensadores que mais influenciaram o pensamento da filosofia contemporânea. Dedicou-se ao estudo da filosofia, história, política e economia. Na universidade começou seus estudos sob influência do idealismo alemão, inclusive de Hegel. No decorrer e com o desenvolvimento de seus estudos acaba discordando da corrente idealista, fato que o leva a construir uma crítica contundente acerca do idealismo hegeliano e a constituir sua própria filosofia. Vamos agora expor, primeiramente a crítica feita por Marx ao idealismo alemão, para em seguida expor sua teoria sobre a história. Outros aspectos da teoria de Marx, como capitalismo, socialismo, comunismo e fetichismo, serão tratados posteriormente em uma aula específica.
Crítica ao idealismo hegeliano
Karl Marx, ao criticar o idealismo hegeliano, afirma que Hegel fez uma inversão na forma como a realidade histórica se desenvolve. Hegel afirma que a história é produto das ações humanas, as quais são fruto da razão. Então, a realidade objetiva e material seria determinada pela manifestação subjetiva da razão humana. Toda a realidade material se desenvolveria de acordo com o progresso da razão, isto é, na medida em que a forma de pensar muda, a realidade objetiva e material se altera por meio das ações humanas que visam à adequação da realidade histórica ao novo modo de pensar. Segundo Marx, o processo é inverso. É a produção objetiva da vida material que determina a consciência. O ser humano se molda a partir de suas relações sociais, as quais já existem. Os indivíduos agem sempre com vistas a um fim, que é a produção da sua vida material. E a partir desse intuito, as consciências se adaptamàs necessidades, se submetendo ou vão se impondo de acordo com as relações sociais de produção da vida material. O estudo histórico deve ser feito a partir de bases factuais postas e não de uma pré-condição subjetiva.A essa visão da realidade denominou-se materialismo.
História Como vimos anteriormente, Marx admite que as relações sociais de produção determinam o modo de pensar. Essas relações caracterizam o caráter dialético da filosofia desse pensador, pois são fundadas no antagonismo de classes. Temos, então, o embate entre classes sociais com papéis diferentes na sociedade.
A relação entre realidade objetiva e subjetiva fica mais clara ao abordar os conceitos de infraestrutura e superestrutura propostos por Marx. São eles:
Fonte: Wikimedia Commons
nn Infraestrutura: consiste na base material de toda so-
https://marxismocritico.com/+2014/06/02/lenins-encounter-with-hegel/
ciedade, a qual trata do conjunto das forças produtivas (força de trabalho humano e os meios de produção, como máquinas e ferramentas, ou seja, as condições para a produção da vida material) e das relações sociais de produção (que são as formas de organização do homem ao produzir). As relações sociais de produção no modo de produção capitalista são evidenciadas pela relação entre proletário e burguesia. nn Superestrutura:
consiste na base ideológica de toda sociedade, a qual é manifesta em vertentes políticas, religiosas, artísticas, bem como na moral e direito. 157
A20 O historicismo alemão no crepúsculo da idade moderna
Na sociedade capitalista, a burguesia, que detém a propriedade privada dos meios de produção, é a opressora. O proletariado, que constitui a força produtiva, é a classe oprimida. Essa relação é o motor da história, pois produz a realidade objetiva e material dos homens e ainda determina o aspecto subjetivo que é a consciência.
Filosofia Gabarito questão 01 a) É a formação do Estado, mais especificamente o Estado moderno se admitirmos o contexto em que Hegel está inserido. A realização efetiva da consciência é o Estado porque este é a manifestação do espírito do povo, ou seja, a concretização da astúcia da razão na busca pela liberdade por meio do Estado. b) A história é a manifestação das ações humanas em busca da liberdade, a qual só pode ser alcançada por meio da eticidadedo Estado. Então, este é a síntese gerada a partir das contradições (antíteses) fruto dos interesses individuais de cada um, que movem a história. Gabarito questão 02 a) O impedimento para a liberdade enquanto tal é a “limitação dos instintos, da cobiça e da paixão”. É necessário ressaltar que limitação aqui é entendida como a anulação de tais condições que motivam o homem a pensar, agir e, consequentemente, produzir a história. A astúcia da razão se serve dos instintos para conduzir o home a um bem maior: a liberdade. b) Porque o Estado propicia as condições ético-morais paraque a liberdade se realize. As limitações descritas no texto, como condição social e política, não consiste na anulação do instinto e cobiça. Mas na moderação das ações como condição para a liberdade de todos. Tal moderação converge com a consciência de liberdade dos indivíduos.
A superestrutura é determinada pela infraestrutura. Para Marx, as relações sociais de produção tendem a um desenvolvimento natural. Na medida em que as necessidades e interesses humanos vão se alterando, as forças produtivas têm que acompanhar. De acordo com o seu desenvolvimento, as relações sociais de produção, que são consequências daquelas, também se desenvolvem. Esse processo é uma reação em cadeia que afeta a superestrutura, gerando, assim, o que Marx denomina revolução. Contudo, esse processo é lento e só ocorre efetivamente quando todas as forças produtivas e relações sociais de produção tenham se desenvolvido e, portanto, se alterado. A história, então, se desenvolve de acordo com a forma como a infraestrutura está organizada, pois ela determina diretamente a superestrutura. Em outros termos, as relações sociais de produção (antagonismo de classes: opressor X oprimido) direcionam a consciência e modo de pensar dos indivíduos, que propiciam as mudanças na história.
Exercícios de Fixação 01. (Ufu MG) Para Hegel “a história universal representa a evolução da consciência do espírito no tocante à sua liberdade e à realização efetiva de tal consciência.” Filosofia da História. 2ª.ed. Trad. Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 60.
A20 O historicismo alemão no crepúsculo da idade moderna
A partir do texto acima e de seus conhecimentos sobre o pensamento de Hegel, responda: a) O que é a realização efetiva da consciência? b) Qual é a relação entre Estado e História em Hegel? 02. (Ufu MG) Tal é o eterno equivoco da liberdade, o de conhecer apenas o sentimento formal, subjetivo, abstraído dos objetos e fins que lhe são essenciais. Desse modo, a limitação dos instintos, da cobiça e da paixão, que só pertence ao indivíduo, é tida como uma limitação da liberdade. Mas antes de mais nada, tal limitação é pura e simplesmente a condição da qual surge a libertação, sendo a sociedade e o Estado as condições nas quais a liberdade se realiza. HEGEL, G. W. F. Filosofia da história. 2. ed. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília/DF: Editora da UnB, 1998. p. 41.
Com base no texto acima, responda: a) Quais são os impedimentos para a liberdade enquanto tal? b) Por que o Estado é a condição para a liberdade em sua realidade concreta? 03. (Ufu MG) “Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção.” MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1987, p. 27-28.
158
Gabarito questão 03 a) Significa dizer que a consciência é produto das relações sociais de produção, ou seja, de como o indivíduo produz objetivamente sua vida material. O ser social do homem não é uma condição natural, fruto de uma condição subjetiva. Mas de condição objetiva que se volta paras as rela-
Considerando o trecho acima e a teoria marxiana, responda: a) O que significa, para Marx, afirmar que é o ser social dos homens que determina a consciência? b) A dialética marxista é idealista ou não? Explique. 04. (Unimontes MG) Segundo a concepção dialética, a passagem doseraonão sernão é aniquilamento, destruição ou morte pura e simples, mas movimento para outra realidade.A dialética guarda três momentos que podem ser denominados de a) tese, antítese, contradição. b) lógica, antítese, síntese. c) tese, antítese, síntese. d) lógica, contradição, síntese. 05. Leia a citação a seguir. [...] o homem não é um ser abstrato, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Esse Estado e essa sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, p. 151 – grifos do autor.
Responda: a) Quando Marx afirma que “o homem não é um ser abstrato”, ele aponta para a condição efetiva da existência humana e para a sua historicidade. Então, quais relações são responsáveis pela vida concreta do homem? b) Explique o que é a “consciência invertida do mundo”, segundo Marx. a) São as relações sociais de produção da vida material que determinam a consciência do homem. Então temos como exemplo a luta de classes e as relações de trabalho (produção). b) É a ideia de que a superestrutura determinaria todas as relações sociais de produção. Ideia muito parecida com a de Hegel, que admitia que a razão determinaria a vida material e não o contrário como defendia Marx. ções antagônicas existentes na infraestrutura de opressão e oprimido. b) Nao, ela é materialista. A dialética de Marx pressupõe condiçõesfactuais da realidadeobjetiva de produção da vida material, naqualtemosumarelação dialética entre as classes sociais. Não se trata do idealismoquecondiciona a realidadeobjetivaaumacondiçãosubjetiva.
Ciências Humanas e suas Tecnologias
Exercícios Complementares
HEGEL. Filosofia da História. 2.ed. Brasília: Editora da UnB, 1998, p. 39-40.
A interpretação do trecho citado permite afirmar que a) o Estado é realidade espiritual, que ao mesmo tempo é a garantia dos valores humanos, sendo a liberdade a realização suprema da existência humana, pois ela é a síntese da vontade universal e da vontade subjetiva. b) o Estado resulta da ação abstrata produzida por uma força divina absoluta e superior às vontades humanas que a ela se submetem. c) o Estado é a limitação da liberdade, que é cerceada para que o Estado se coloque acima e à frente dos cidadãos no curso da história. d) o Estado é a recondução do indivíduo e da espécie às condições naturais de existência, únicas capazes de garantir a liberdade como valor absoluto. 02. (Ufu MG) A expressão “astúcia da razão” foi utilizada por Hegel para explicar o desenvolvimento da História Universal. A respeito do significado dessa expressão, marque a alternativa correta. a) Essa expressão significa o irracional governando o mundo, porque as ações humanas são movidas pelos interesses mesquinhos que só encontram a sua satisfação na destruição do Estado, fazendo a humanidade regredir ao estado de natureza. b) Essa expressão significa a fraude característica das ações dos indivíduos históricos universais que estão empenhados na aquisição do poder, sem se envolverem com a vida cotidiana e com a esfera da moralidade subjetiva dos povos. c) Essa expressão significa a ilusão de que as coisas realmente acontecem, quando na verdade a História Universal é conduzida pela força do destino traçada pela ordem da Providência Divina, que está acima da vontade dos homens. d) Essa expressão significa a força da razão, isto é, o universal que se manifesta por intermédio das ações humanas, as quais buscam a satisfação imediata e realizam algo mais abrangente, constituindo historicamente o Estado e a vida ética dos indivíduos em sociedade civil. 03. (Ufu MG) A respeito do conceito de dialética, Hegel faz a seguinte afirmação:
“O interesse particular da paixão é, portanto, inseparável da participação do universal, pois é também da atividade do particular e de sua negação que resulta o universal.” HEGEL, G. W. F. Filosofia da História. 2. ed. Tradução de Maria Rodrigues e Hans Harden. Brasília: Editora da UnB, 1998. p. 35.
Com base no pensamento de Hegel, assinale a alternativa correta. a) O particular é irracional, por isso é a negação do universal, portanto, a História não é guiada pela Razão, mas se deixa conduzir pelo acaso cego dos acontecimentos que se sucedem sem nenhuma relação entre eles. b) O universal é a somatória dos particulares, de modo que a História é tão só o acumulado ou o agregado das partes isoladas, e assim elas estão articuladas tal como engrenagens de uma grande máquina. c) O particular da paixão é a ação dos indivíduos, sempre em oposição à finalidade da História, isto é, do universal da Razão que governa o mundo, mas esta depende da ação dos indivíduos, sem os quais ela não se manifesta. d) O universal é a vontade divina que por intermédio da sua ação providente preserva os homens de todos os perigos, evitando que se desgastem com suas paixões, assim, o humano é preservado desde o seu surgimento na Terra. 04. (Unicentro PR) Analise as assertivas e assinale a alternativa que aponta a(s) correta(s). Em seu livro História da Filosofia, Hegel (1770-1831) declara que a filosofia moderna pode ser considerada o nascimento da filosofiapropriamente dita, porque nela, segundo Hegel, pela primeira vez, os filósofos afirmam que I.
II.
III.
a filosofia é independente e não se submete a nenhuma autoridade que não seja a própria razãocomo faculdade plena de conhecimento. Isto é, os modernos são os primeiros a demonstrar que oconhecimento verdadeiro só pode nascer do trabalho interior realizado pela razão, graças a seupróprio esforço. Só a razão conhece e somente ela pode julgar a si mesma. a filosofia moderna realiza a primeira descoberta da subjetividade propriamente dita porque nela o primeiro ato do conhecimento, do qual dependerão todos os outros, é a reflexão e consciência de sireflexiva. a filosofia moderna é a primeira a reconhecer que, sendo todos os seres humanos seres conscientes e racionais, todos têm igualmente o direito ao pensamento e a verdade. Segundo Hegel, essa afirmação do direito ao pensamento, unida à ideia da recusa de toda censura sobre o pensamento e palavra, seria a realização filosófica do princípio da individualidade como subjetividade livre que se relaciona livremente com a verdade.
159
A20 O historicismo alemão no crepúsculo da idade moderna
01. (Ufu MG) Segundo Hegel, “Na história universal só se pode falar dos povos que formam um Estado. É preciso saber que tal Estado é a realização da liberdade, isto é, da finalidade absoluta, que ele existe por si mesmo; além disso, deve-se saber que todo valor que o homem possui, toda realidade espiritual, ele só o tem mediante o Estado.”
Filosofia Questão 08. a) O Estado é, para Marx, uma superestrutura jurídica e ideológica que surge a partir do desenvolvimento das relações sociais de produção da vida material (infraestrutura), a qual executa a função de legislar as relações de produção e reprodução da vida e acaba por legitimar a dominação de uma classe sobre a outra. b) Sim, pois a visão dialética de Marx admite oscilações entre avanços e regressos nas relações de dominação. Então, o Estado está suscetível a tais variações e, mesmo privilegiando a classe opressora, acaba, por vezes, permitindo avanços como o previsto na lei acima, que garante a responsabilidade do Estado sobre a saúde.
IV.
a filosofia moderna está tão intimamente vinculada aos fundamentos da práxis humana que a ação não pode ser ignorada na determinação de seus critérios filosóficos. Para Hegel, os modernos foram os primeiros a entender que esta prática, no entanto, não deve ser considerada apenas no sentido restrito da conduta pessoal, mas na acepção mais abrangente de experiência humana em seus vários aspectos, desde histórico até o nível psicológico. a) Apenas I, III e IV. b) Apenas I, II e III. c) Apenas I. d) Apenas II, III e IV. e) Apenas IV.
05. (Unicentro PR) “Na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais.” IN: Karl Marx, Contribuição à crítica da economia política.São Paulo: Martins Fontes, 1977, p. 23. APUD: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando – introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 4. ed., 2009.
A20 O historicismo alemão no crepúsculo da idade moderna
A partir da análise desse fragmento de texto, é correto afirmar: a) A existência para Marx se reduz à transcendência. b) O pensamento marxista pode ser denominado de materialista mecanicista. c) As relações de produção para Marx determinam a produção social da existência. d) As forças produtivas materiais não têm importância para o pensamento marxista. e) O conceito de relações de produção, em Marx, está restrito às classes dominantes. 06. (Ufu MG) Para Marx, o materialismo histórico é a aplicação do materialismo dialético ao campo da história. Conforme Aranha e Arruda (2000) “Marx inverte o processo do senso comum que pretende explicar a história pela ação dos ‘grandes homens’ ou, às vezes, até pela intervenção divina. Para o marxismo, no lugar das ideias, estão os fatos materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes”. Assim, para compreender o homem é necessário analisar as formas pelas quais ele reproduz suas condições de existência, pois são estas que determinam a linguagem, a religião e a consciência. ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2000, p. 241.
A partir da explicação acima e dos seus conhecimentos sobre o pensamento de Karl Marx, assinale a alternativa que indica, corretamente, os dois níveis de “condições de existência” para Marx. a) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações dos homens entre si e com a natureza; e superestrutura, caracterizada pelas estruturas jurídico-políticas e ideológicas. 160
b) Infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações dos homens entre si e com a natureza; e materialismo dialético, que é na verdade a forma pela qual o homem produz os meios de sobrevivência. c) Modos de produção, caracterizados pelo pensamento filosófico dos socialistas utópicos; e o imperialismo, característica máxima do capitalismo industrial. d) Imperialismo, característica do capitalismo industrial; e infraestrutura (ou estrutura), caracterizada pelas relações dos homens entre si e com a natureza.
07. (Ufu MG) Conforme Arruda e Aranha, o materialismo de Karl Marx diferencia-se do materialismo mecanicista. Analisando estas diferenças as autoras concluem: [...] segundo o materialismo dialético, o espírito não é consequência passiva da ação da matéria, podendo reagir sobre aquilo que determina. Ou seja o conhecimento do determinismo liberta o homem por meio da ação deste sobre o mundo, possibilitando inclusive a ação revolucionária. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo, Ed. Moderna, 2000, p. 241.
Com base em seus conhecimentos e nas informações acima, assinale a alternativa correta. a) Diferentemente dos idealistas, Marx considera que as manifestações espirituais humanas derivam da estrutura material ou econômica da sociedade, mas não de modo absoluto, pois o espírito pode se libertar. b) Como em Marx, a estrutura material ou econômica determina as manifestações do espírito, que será, em consequência, sempre passivo diante desta estrutura. c) Marx entende que o espírito é resultado da estrutura material ou econômica da sociedade, por isso jamais pode modificá-la. d) A dialética materialista de Marx sintetiza os momentos da realização da razão na história e não o agir histórico que realiza os conteúdos da razão. 08. (Ufu MG) As disposições gerais da Lei nº 8.080, de 1990, responsável por regulamentar o Sistema Único de Saúde (SUS), e as mobilizações populares nos anos 1980, refletem a necessidade de legalizar o direito universal à saúde, obrigando o Estado a se comprometer com a prestação do serviço e deslocando o patamar em que se encontrava a cidadania. De acordo com a referida lei: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. a) Diante do exposto, defina Estado para Marx. b) As transformações na legislação acima guardam relação com a dinâmica da luta de classes? Justifique sua resposta.
FRENTE
A
FILOSOFIA
Exercícios de Aprofundamento 01. (Ufu MG) Leia atentamente o texto abaixo.
03. (Ufu MG) Kant, filósofo alemão do séc. XVIII, realiza uma “revo-
“Kant distinguiu duas modalidades de realidade. A realidade
lução copernicana”, ao afirmar que
que se oferece a nós na experiência e a realidade que não se
I.
oferece à experiência. A primeira foi chamada por ele de fenô-
não uma subjetividade pessoal e psicológica, pois é sujei-
meno [...]. A segunda foi chamada por ele de nôumeno[...]” [ou coisa em si].
to conhecedor. II.
experiência; sua estrutura é a “priori”.
São Paulo: Ática, 1995. p. 233.
formulados por Kant, marque a alternativa correta. a) Kant designa por coisa em si a parte da experiência que pode ser conhecida pelo intelecto no tempo e no espaço. b) A coisa em si designa exatamente aquilo que uma ciência deve conhecer em um objeto empírico. c) A crítica kantiana dirige-se contra as aparências. É por isso que Kant afirma ser impossível conhecer os fenômenos.
por ser inata e não depender da experiência para existir, a razão, do ponto de vista do conhecimento, é anterior à
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia.
Em relação aos conceitos de fenômeno e coisa em si, conforme
o sujeito do conhecimento é a própria razão universal e
III.
a experiência determina o conhecimento para a razão e fornece a forma (universal e necessária) do conhecimento.
Assinale a) se as afirmações I e II são corretas. b) se as afirmações I e III são corretas. c) se apenas a afirmação I é correta. d) se as afirmações II e III são corretas.
d) O mundo fenomenal contém os objetos que podem ser cap-
04. (Unesp SP) A genuína e própria filosofia começa no Ocidente.
tados pela nossa sensibilidade e ser apresentados no espaço
Só no Ocidente se ergue a liberdade da autoconsciência. No
e no tempo.
esplendor do Oriente desaparece o indivíduo; só no Ocidente a
02. (Uem PR) O filósofo alemão Hegel (1770-1831) afirma que “É
luz se torna a lâmpada do pensamento que se ilumina a si própria, criando por si o seu mundo. Que um povo se reconheça
tarefa da filosofia conceber o que é, pois, aquilo que é a razão.
livre, eis o que constitui o seu ser, o princípio de toda a sua vida
No que concerne ao indivíduo, cada um é, de todo modo, um
moral e civil. Temos a noção do nosso ser essencial no sentido
filho de seu tempo; do mesmo modo que a filosofia é seu tem-
de que a liberdade pessoal é a sua condição fundamental, e de
po apreendido em pensamentos”. 01-02-04-16
que nós, por conseguinte, não podemos ser escravos. O estar
(HEGEL, G. W. F. Excertos e parágrafos traduzidos. In: Antologia de Textos Filosóficos. MARÇAL, J. (org.). Curitiba: SEED-PR, 2009, p. 314).
às ordens de outro não constitui o nosso ser essencial, mas sim o não ser escravo. Assim, no Ocidente, estamos no terreno da verdadeira e própria filosofia.
A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). 01. A razão de algo é o conceito desse algo concebido filosoficamente pelo seu tempo. 02. Aquilo que é, a essência de algo, é para o filósofo um conceito racional. 04. O indivíduo, que é filho de seu tempo, do ponto de vista filosófico, pensa os seus problemas a partir de seu momento histórico. 08. Os conceitos filosóficos, por serem determinados historicamente, estão restritos ao seu tempo e à sua época, não sendo, pois, universais. 16. A reflexão filosófica está intimamente ligada ao seu momento histórico, visto que leva esse mundo ao plano do
(Hegel. Estética, 2000. Adaptado.)
De acordo com o texto de Hegel, a filosofia a) visa ao estabelecimento de consciências servis e representações homogêneas. b) é compatível com regimes políticos baseados na censura e na opressão. c) valoriza as paixões e os sentimentos em detrimento da racionalidade. d) é inseparável da realização e expansão de potenciais de razão e de liberdade. e) fundamenta-se na inexistência de padrões universais de julgamento.
conceito. 161
Filosofia
05. (UEG GO) A sociologia nasce no séc. XIX após as revoluções
a) Marx afirma que a superestrutura projeta falsamente as re-
burguesas sob o signo do positivismo elaborado por Augusto
lações sociais de produção como justas, e que uma socie-
Comte. As características do pensamento comtiano são:
dade igualitária somente poderá surgir com a revolução da
a) a sociedade é regida por leis sociais tal como a natureza é
b) Marx afirma que a superestrutura jurídica é o fundamento
os mesmos métodos das ciências naturais e a ciência deve
da divisão social do trabalho, e que toda revolução deve
ser neutra.
principiar com a alteração da legislação que regulamenta a
b) a sociedade humana atravessa três estágios sucessivos de evolução: o metafísico, o empírico e o teológico, no qual predomina a religião positivista.
uma imagem transparente das relações sociais de produção, e que somente a alteração da consciência de cada in-
ciências naturais, não pode ser neutra porque tanto o su-
divíduo pode conduzir à revolução dessas relações sociais
jeito quanto o objeto são sociais e estão envolvidos reci-
de produção. d) Marx afirma que a democracia burguesa e os partidos po-
d) o processo de evolução social ocorre por meio da unidade
líticos são o motor da história. Logo, toda revolução social
entre ordem e progresso, o que necessariamente levaria a
principia no domínio político, que é a esfera em que podem
uma sociedade comunista.
se manifestar legitimamente os conflitos de interesses.
06. (Ufu MG) Na história do surgimento da Sociologia, a primeira corrente teórica consolidada foi o positivismo. Assinale a alternativa incorretasobre essa corrente de pensamento.
08. (Ufu MG) Marx, no Prefácio de 1859 de Para a crítica da economia política, afirma que: “(...) na produção social da própria vida, os homens contra-
a) O positivismo tinha uma perspectiva bastante otimista quan-
em relações determinadas, necessárias e independentes de
to ao desenvolvimento das sociedades humanas e colocava
sua vontade, relações de produção estas que correspondem
como fundamentos da dinâmica social, das mudanças para
a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas for-
estágios superiores, a busca da ordem e do progresso.
ças produtivas materiais.”
b) No positivismo, reconhecia-se que os princípios reguladores do mundo físico e da sociedade humana eram diferentes em essência, mas a crença na origem natural de ambos os aproximava e, por isso, deviam ser estudados sob o mesmo método. c) O positivismo concebia a sociedade como um organismo constituído de partes integradas e harmônicas, segundo um modelo físico e organicista, que levou o próprio Augusto Comte a chamar a Sociologia de “Física Social”, inicialmente. d) No positivismo, os conflitos e a luta de classes observados na sociedade humana eram inerentes à vida social, tal FRENTE A Exercícios de Aprofundamento
atividade econômica. c) Marx afirma que os homens retêm em sua consciência
c) a sociologia como ciência da sociedade, ao contrário das
procamente.
como na desordem da cadeia alimentar de outros animais, pois todos os seres vivos estavam submetidos às mesmas leis da natureza. 07. (Ufu MG) Em Marx, o conceito de ideologia designa uma forma de consciência invertida, que distorce e encobre as formas de dominação existentes nas relações sociais. Tomando isso em consideração, marque a alternativa que apresenta corretamente a relação entre os conceitos de estrutura e superestrutura no pensamento de Marx.
162
estrutura econômica da sociedade.
regida por leis naturais; as ciências humanas devem utilizar
Nesse sentido, desenvolve também seu conceito de consciência, que define como sendo determinada: a) pela Filosofia. Assim, é o pensamento filosófico que forma as consciências dos homens. b) pela produção espiritual dos homens. Assim, é a consciência que determina a produção social da vida e não a produção social da vida que determina a consciência. c) pela religião. Assim, é toda a ética religiosa que determina a consciência humana. d) pelo ser social dos homens. Assim, é a produção social da vida que determina a consciência e não a consciência que determina a produção social da vida.