a Justiรงa
eterna Horatius bonar
a Justiรงa
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Horatius bonar
A Justiça Eterna – Como o homem será justo diante de Deus? Traduzido do original em inglês The Everlasting Righteousness por Horatius Bonar Publicado originalmente em inglês em 1874. Publicado no Reino Unido por The Banner of Truth em 1993.
Copyright©2012 Editora FIEL. 1ª Edição em Português:2012
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Presidente: James Richard Denham III Presidente emérito: James Richard Denham Jr. Editor: Tiago J. Santos Filho Tradução: Waléria de Almeida Coicev Revisão: Wilson Porte Jr. Diagramação: Layout Capa: Rubner Durais ISBN: 978-85-8132-036-6
Sumário Prefácio....................................................................................................................... 7 Citação..................................................................................................................... 13 • Capítulo 1 • A resposta para a pergunta do homem................................................ 15 • Capítulo 2 • O reconhecimento que Deus faz da substituição......................... 25 • Capítulo 3 • A perfeição da substituição...................................................................... 35 • Capítulo 4 • A declaração da perfeição......................................................................... 51 • Capítulo 5 • Justiça para os injustos............................................................................... 69 • Capítulo 6 • A justiça de Deus atribuída a nós.......................................................... 79 • Capítulo 7 • Não a fé, mas Cristo....................................................................................... 97 • Capítulo 8 • O que a ressurreição do Substituto realizou................................. 111 • Capítulo 9 • A garantia de perdão e paz..................................................................... 123 • Capítulo 10 • A vida santa daquele que foi justificado......................................... 147
Prefácio
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consciência despertada no século XVI concentrou-se na “justiça de Deus” e nela encontrou refúgio, tanto da condenação quanto da impureza. Somente pela justiça, ela poderia ser apaziguada, e nada menos do que algo que fosse divino poderia ser satisfatório. Na cruz, essa “justiça” foi encontrada: humana, entretanto, divina; providenciada para o homem e apresentada a ele por Deus, para o alívio da consciência e a justificação da vida. Na palavra Τετέλεσται, “está consumado”, é como se as almas exaustas se sentassem num lugar celestial de descanso e fossem revigoradas. A voz vinda do madeiro não os convocou a fazer algo, mas a se satisfazerem com o que fora feito. Milhões de consciências esmagadas encontraram a cura e a paz nessa palavra. A crença nessa obra consumada levou o pecador a receber o favor de Deus e não o deixou na incerteza em relação a isso. A obra justificadora do Calvário foi o meio de Deus não somente trazer
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o perdão, mas também de garantir essa certeza. Ela foi a única coisa perfeita que já havia sido apresentada a Deus em favor do homem; e essa perfeição era tão peculiar que poderia ser utilizada pelo homem em seus acordos com Deus como se fosse sua própria perfeição. O conhecimento dessa justificação garantida foi a ressurreição dentre os mortos para as multidões. Por toda a Europa, desde a Cordilheira dos Apeninos até Grampian; desde o Maciço dos Pirineus até os Cárpatos, chegaram as boas-novas de que o homem é justificado gratuitamente, e que Deus deseja que ele saiba que é justificado. Isso não era simplesmente um novo conceito para o intelecto do homem, mas uma nova descoberta para a sua alma: (1) Em relação à verdadeira fonte de saúde espiritual, a saber, uma adequação da consciência do homem com a retidão de Deus, (2) Em relação à continuidade dessa saúde, ou seja, a manutenção de uma consciência reta. O fruto dessa consciência não era apenas uma religião pessoal saudável, mas sim um intelecto renovado e uma literatura nobre e, acima de tudo, uma adoração pura. Essa foi uma era de ressurreição. Os túmulos foram abertos, e a congregação dos mortos tornou-se a igreja dos vivos. A cristandade despertou e ressurgiu. O orvalho da ressurreição desceu em todo lugar, a ainda continua a descer. Durante séculos, o cristianismo rastejou-se no pó, sufocado pelos rituais semipagãos; pronto para morrer, se já não estivesse morto; com mãos e pés atados por um sacerdócio semi-idólatra, incapaz de fazer qualquer coisa por um mundo ao qual havia sido enviado para regenerar. Agora, o cristianismo “foi levantado da terra e posto de pé sob os seus pés como um homem, e um coração de homem foi dado a ele”.
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Uma nova consciência nasceu, e com a nova consciência, veio também uma nova vida e poder. Não se via nada assim desde a época dos apóstolos. A doutrina de que a justiça de outra pessoa foi contada a nosso favor, para a nossa justificação diante de Deus é um dos elos que unem o primeiro e o décimo sexto séculos, os Apóstolos e os Reformadores. Os credos da Reforma transpõem quinze séculos e nos fazem pousar sobre a epístola aos Romanos. O que o homem precisava era de uma purificação judicial e moral; e nessa epístola, temos tanto a justiça imputada quanto a justiça transmitida; sendo a primeira a raiz ou alicerce da última. Uma não anda sem a outra; ambas estão juntas, inseparáveis, mas cada uma em sua própria ordem. Não foi apenas Lutero que adotou o antigo lema: “O justo viverá pela fé”, e dessa forma encontrou a resposta de como ter uma boa consciência para com Deus. Para milhares de corações, isso foi como uma voz vinda do céu, embora eles não soubessem como isso havia acontecido. Raios iluminados, vindos do alto, haviam incidido sobre um grandioso texto, o texto que aquela geração precisava: os homens reconheceram a verdade que foi iluminada de forma sobrenatural. ‘As nações vieram para a luz, e os reis, para o esplendor de sua alvorada’. Os inquiridores daquela época, embora não se apropriassem das ideias uns dos outros, comprometeram-se com essa verdade e com esse texto. De todos os reinos da Europa ressoou a mesma voz, e todas as confissões protestantes deram o testemunho unânime de uma cristandade reavivada. A verdade necessária que a muito se perdera foi encontrada, e εὐρηκα (eureca) era o grito de alegria que anunciava a descoberta. Nossos pais perceberam que esta verdade era a base de uma vida espiritual verdadeira. Aquilo que era superficial, mórbido,
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insignificante e inferior poderia produzir um alicerce menos profundo, menos extenso; mas tudo o que é são, nobre, intrépido, auspicioso e bem-sucedido na religiosidade deve repousar nisto: “O justo viverá pela fé”. A religiosidade está na moda em nossos dias. Mas será que essa religiosidade é a mesma que surgiu, após de séculos de trevas, entre os nossos pais na Europa? É a mesma dos apóstolos e profetas? É essa a serenidade, que embora totalmente religiosa, realizou tamanhos feitos nos dias passados? Ela alcança a profundidade da consciência? Tem saciado o coração? Tem permeado o homem? Ou tem deixado a consciência intranquila, o coração insatisfeito e o homem inalterado, salvo alguns artifícios externos de religiosidade, que o deixam tão vazio quanto antes? Neste momento, há muitas almas entristecidas, amargamente conscientes dessa vacuidade. A doutrina, o credo, a boa reputação, a agitação do trabalho não satisfazem a alma. O próprio Deus deve estar ali, com Sua vestidura de justiça, Seu sangue purificador e Seu Espírito iluminador. Sem isso, a religião é apenas uma capa externa; um serviço sagrado estúpido e enfadonho. A alegria em Deus, que é a alma e a essência da adoração, fica desconhecida. Sacramentos, reuniões de oração, cultos religiosos e obras de caridade não serão uma compensação pelo Deus vivo. O quanto de ilusão pode haver na vida religiosa de nossa época deve ser averiguado por todas as pessoas individualmente, para que não sejam enganadas e nem percam o seu galardão.1 1 Aquele que conhece bem o “mundo religioso” e que passou por sua vacuidade, assim escreve: Havia apenas dois anos que Ele havia se aproximado de um modo certamente tão miraculoso quanto costumava falar com Paulo ou qualquer outro, e revolveu Seu arado em meu coração, rompendo e abrindo sulcos em minha antiga vida de “cristão” e “professo”; revelando-me a morte, a morte em meio a tudo; levando-me, através de lutas terríveis e da oposição do velho coração com seu orgulho, para algo como o conhecimento do próprio Deus, o Jesus pessoal e vivo; embora, infelizmente, esse processo tenha
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Toda ilusão é fraqueza, bem como enfado; e quanto mais cedo formos despojados da ilusão, melhor, tanto em relação à paz quanto em relação à utilidade. Os homens com os pés firmemente fixados na rocha de Lutero, “a justiça de Deus”; cheios do Espírito e permeados com a paz de Deus, fazem as coisas grandiosas na igreja; os outros fazem as insignificantes. Os homens com uma saúde espiritual robusta são aqueles que, como Lutero, têm a certeza de seu relacionamento de filiação com Deus. Eles não fogem de batalha alguma, nem sucumbem com qualquer labor. Os homens que vão para a obra com um relacionamento incerto abandonam a batalha e desfalecem diante do trabalho: suas vidas talvez não sejam um fracasso ou uma derrota; mas também não são uma vitória, um triunfo. sido tão débil, tão lúgubre, tão lento! Antes disso, eu estava numa condição em que acreditava piamente (embora pareça indelicado e mórbido dizê-lo) em grande parte do que a igreja professa é nos dias de hoje, dos ministros, bem como das pessoas. Eu sei o tipo de relacionamento que tive com muitos que se passavam pelos melhores cristãos que podemos encontrar; e sei que muitos dos que podiam falar acaloradamente sobre doutrina; que riam, divertiam-se e sorriam com meus gracejos tolos, não demonstravam a menor inclinação para se reunirem para falar do próprio Senhor, pessoal e vivo, depois que Ele veio com braço forte e poderoso, fazendo-me desejar mais falar sobre Ele. Acho que é bom que eu lhe diga essas coisas. Clama a plenos pulmões, não te detenhas... anuncia à casa de Jacó, os seus pecados. Seria um exagero admitir que, mesmo da parte dos mais fiéis, a maioria de seu rebanho está apenas num estado de degradação, e que o simples fato de chamá-los para fora do mundo seria suficiente. Não. Embora possa haver alguns casos isolados dessa natureza; creio que onde o mundanismo e a incoerência são tão generalizados como o são; onde muitos são conhecidos apenas por serem professos, e não por qualquer outra marca ou fruto distintivo do povo do Senhor, isso nos revela algo pior. Revela que a relha do arado deve penetrar mais fundo. Ela deve trazer para a superfície a terra que ainda não foi escavada. Em meio aos jovens, há um grande número de pessoas interessadas e estimuladas, que mais tarde encontram algum tipo de paz, através de algum tipo de pregação errônea ou pintada com cal, juntamente com a cegueira de seu próprio coração. Mas essa paz não é fundamentada no contato pessoal com o Deus Vivo; e quando as ocupações, a idade avançada ou os embaraços mundanos chegam, o seu vaso não poderá conter essas coisas. Mas a que elas devem recorrer? Elas não gostam de abandonar a sua profissão de fé; além disso, ao redor delas há uma espécie de vida espúria e convulsiva, que as cega. Mas elas não conhecem o Senhor da vida. Que o bom Deus o ajude lidar com essas almas; e que Ele possa ungi-lo novamente, dando-lhe Sua própria sabedoria e discernimento para falar de modo que atraia as almas e as chame para uma nova vida no Senhor’.
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Nós “não militamos segundo a carne” (2Co 10.3) e “as armas da nossa milícia não são carnais” (2Co 10.4). Nossa batalha não é travada no caminho no qual o nosso velho homem a travava. Ela é “o combate da fé” (1Tm 6.12). Não somos salvos por duvidar, mas sim por acreditar; não é por duvidar que vencemos, mas sim por acreditar. A fé nos leva antes de tudo ao ‘mais excelente sacrifício’ de Abel (Hb 11.4). Pela fé, nós saímos de Ur, do Egito e da Babilônia, voltando o nosso rosto para a direção da cidade eterna (Hb 11.16). Pela fé, oferecemos os nossos Isaques e adoramos, ‘apoiados sobre a extremidade do nosso bordão’, e damos ‘ordens quanto aos nossos próprios ossos’. Pela fé, escolhemos ser maltratados junto com o povo de Deus e desprezamos os tesouros do Egito. Pela fé, celebramos a nossa páscoa; atravessamos o Mar Vermelho; derrotamos Jericós; subjugamos reinos; praticamos a justiça; fechamos a boca dos leões; extinguimos a violência do fogo; pomos em fuga exércitos de estrangeiros; e somos torturados, não aceitando resgate, para obtermos superior ressurreição (Hb 11.35). Isso é “fé” do começo ao fim. Nós começamos, continuamos e terminamos na fé. A fé que justifica é a fé que vence (1Jo 5.4). Pela fé, obtemos o ‘bom testemunho’, tanto de Deus como do homem. Pela fé, recebemos o perdão; pela fé, vivemos; pela fé, trabalhamos, perseveramos e sofremos; pela fé, ganharemos a coroa — uma coroa de justiça, a qual será nossa no dia da volta Daquele que é a NOSSA JUSTIÇA. The Grange, Edinbourgh, Novembro de 1872.
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Somos justificados pela fé. Sendo justificados, todos os nossos pecados estão cobertos. Deus nos contempla na justiça que nos é imputada e não nos pecados que temos cometido. Mas a imputação da justiça cobriu os pecados de cada alma que crê. Ao perdoar o nosso pecado, Deus os removeu, de modo que agora, embora as nossas transgressões se multipliquem além dos fios de cabelos de nossa cabeça, todavia, por sermos justificados, somos tão livres e tão purificados como se não houvesse mancha ou mácula alguma de impureza em nós. Agora que o pecado foi removido, fomos feitos justiça de Deus, em Cristo. Nenhum homem é abençoado, exceto na justiça de Deus; todo o homem cujo pecado é removido é abençoado, portanto, todo homem cujo pecado é coberto é feito justiça de Deus, em Cristo. Essa justiça nos leva a comparecer mais santos, mais puros e mais irrepreensíveis diante de Deus. Richard Hooker, “Sermons on Jude” [Sermões sobre Judas] in The Works of Richard Hooker [As Obras de Richard Hooker].
“Aquele que não conheceu pecado, Ele o fez pecado por nós; para que, nEle, fôssemos feitos justiça de Deus”. É assim que somos na visão de Deus, o Pai; como o próprio Filho de Deus o é. Quer isso seja considerado loucura, delírio, impetuosidade ou o que quer que seja, isso é o nosso conforto e nossa sabedoria; não nos importamos com conhecimento algum do mundo, senão este: que o homem pecou; que Deus sofreu; que Deus se tornou o pecado do homem; e que o homens foram feitos justiça de Deus. Richard Hooker, “A Learned Dicourse on Justification” [Um Discurso Erudito sobre a Justificação] in The Works of Richard Hooker [As Obras de Richard Hooker].
capítulo1
A resposta para a pergunta do homem Como o homem será justo em relação a Deus?
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omo posso eu, um pecador, aproximar-me Daquele em quem não há pecado e olhar para Sua face em paz? Esta é a grande pergunta, que em um momento ou em outro, cada um de nós já se perguntou. Esse é um dos problemas terríveis que o homem tem tentado resolver em todas as eras. Não há como fugir; ele deve enfrentá-lo. As respostas do homem a essa pergunta tem sido completamente equivocadas, o que já era de se esperar, porque ele não compreende, de fato, a importância da questão que ele, talvez com muita sinceridade, tem levantado; nem discerne o caráter maligno desse mal que ele ainda sente ser uma barreira entre ele e Deus. Que essas soluções elaboradas do homem para o problema, as quais tem deixado a raça humana perplexa desde a entrada do mal nela, devem ter sido insatisfatórias, não é de se admirar, visto que suas ideias sobre a culpa humana são tão superficiais, seus
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pensamentos a respeito de si mesmo são tão elevados e os seus pontos de vista acerca de Deus são tão deficientes. Mas, quando Deus se interpôs, como um intérprete, para responder à questão e resolver o problema, o fato do homem ter sido tão lento para aceitar a solução divina, conforme oferecida na palavra de Deus, revela uma indocilidade e teimosia difíceis de compreender. A preferência que o homem sempre demonstrou por suas próprias teorias em relação a essa questão é inexplicável, salvo pela suposição de que ele tem pouco discernimento acerca das forças do mal contra as quais ele professa lutar; um conhecimento débil da destruição espiritual que aconteceu nele mesmo; uma percepção muito vaga a respeito do que a lei e a justiça são; uma triste ignorância acerca do Ser Divino, com quem ele tem uma relação, como legislador e juiz; e uma apreciação deficiente da santidade e verdade eternas. O homem sempre tratou o pecado como uma desgraça, não como um crime; como uma doença, e não como culpa; como um caso médico, não como judicial. Nisso reside a essência da imperfeição de todas as religiões ou teologias meramente humanas. Elas falham em reconhecer o aspecto judicial da questão, como aquele do qual a verdadeira resposta deve depender; bem como em reconhecer a culpa ou criminalidade do malfeitor, como aquilo que deve ser tratado em primeiro lugar, antes que qualquer resposta verdadeira ou uma resposta aproximada possa ser dada. Deus é Pai, mas Ele não é menos Juiz. Porventura o Juiz dará lugar ao Pai ou o Pai dará lugar ao Juiz? Deus ama o pecador, mas odeia o pecado. Perderá Ele de vista o Seu amor pelo pecador por causa de Seu ódio pelo pecado, ou perderá o ódio pelo pecado por causa de Seu amor pelo pecador? Deus jurou que Ele não tem prazer na morte do pecador
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(Ez 33.11); no entanto, Ele também jurou que a alma que pecar, essa morrerá (Ez 18.4). Qual dos dois juramentos será mantido? Será que um cederá lugar a outro? Será que ambos podem ser mantidos sem que sejam violados? Essa contradição, aparentemente direta, pode ser conciliada? Qual deles é o mais imutável e irreversível, o voto da compaixão ou o juramento de justiça? A Lei e o amor devem ser conciliados, do contrário, a grande questão do relacionamento entre um pecador com o Santo permanecerá sem resposta. Um não pode dar lugar ao outro. Ambos devem permanecer de pé, caso contrário, os pilares do universo serão abalados. O homem sempre tentou a conciliação, não obstante, sempre teve um vislumbre dessa dificuldade. No entanto, ele falhou; pois seus esforços sempre foram na direção de fazer com que a Lei sucumbisse ao amor. Deus realizou essa conciliação e, ao realizá-la, tanto a lei como o amor triunfaram. Um não deu lugar ao outro. Cada um deles manteve a sua posição, ou melhor, cada um deles voltou do conflito honrado e glorificado. Jamais houve um amor como esse amor de Deus, tão grande, tão sublime, tão intenso, tão autossacrifical. E a Lei jamais fora tão pura, tão abrangente, tão gloriosa e tão implacável. Mas não houve comprometimento de nenhum dos dois. A lei e o amor tiveram seu alcance total. Nenhum “i” ou um “til” teve de se render ao outro. Eles foram satisfeitos totalmente; um, em toda a sua severidade; o outro, em toda a sua ternura. O amor nunca havia sido um amor mais verdadeiro, e a lei jamais havia sido mais verdadeira, do que o são por meio dessa união das duas coisas. Essa foi uma conciliação sem prejuízos. A honra de Deus foi mantida, contudo, os interesses do homem não foram sacrificados.
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Deus realizou tudo isso; e Ele o fez de modo eficaz e irreversível. O homem não poderia ter feito isso, mesmo que o tivesse planejado. Mas, na verdade, ele não poderia fazer nenhuma das duas coisas. Somente Deus poderia planejar e realizar isso. Ele o fez pondo um fim em todo o caso em Seu tribunal de justiça, de modo que ele pudesse ser decidido com uma base justa. O homem não poderia entrar com esse caso no tribunal, a não ser com a certeza de que o perderia. Deus entra no tribunal, levando o homem e todo o seu caso juntamente com Ele, para que através de princípios justos, e de um modo legítimo, o caso possa ser decidido, ao mesmo tempo, em favor do homem e em favor de Deus. É essa decisão judicial do caso que é a resposta única e final de Deus para a pergunta do homem, há muito não respondida: “Como o homem pode ser justo diante de Deus”? “Com que me apresentarei ao SENHOR e me inclinarei ante o Deus excelso?” (Mq 6.6). Deus provê a base para a reconciliação; uma base que demonstra que não há comprometimento entre a lei e o amor, mas a plena expressão de ambos; uma base que estabelece tanto a autoridade quanto a paternidade de Jeová, como Legislador e Pai; uma base que revela o infinito horror da pecaminosidade excessiva do pecado, a pureza imaculada do estatuto, o caráter inflexível das ordenanças do governo de Deus e que ainda garante, na lei e através dela, o transbordar justo de Seu amor ilimitado aos filhos de Adão perdidos. Essa base para a reconciliação entre a lei e o amor, não foi apenas providenciada por Deus, mas também levada ao Seu próprio tribunal de justiça; propondo ao pecador que todas as demandas entre Ele mesmo e o pecador deveriam ser decididas nessa base — tão imparcial, tão amigável, tão segura; e decidida de uma forma judicial, através de um processo legal, no qual o ve-
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redicto é dado em favor do acusado, e ele é totalmente absolvido — “justificado de todas as coisas”. O acordo entre as partes para a aceitação dessa base é exigido no tribunal. A lei concorda; o Legislador concorda; o Pai, o Filho e o Espírito concordam, e o homem, a parte mais interessada, é solicitado a dar o seu consentimento. Se ele concorda, toda a questão é decidida. O veredicto é emitido em seu favor, e daí em diante ele pode triunfar e dizer: “É Deus quem os justifica, quem os condenará”? O pecado é um mal muito grande para que o homem se meta com ele. Suas tentativas de removê-lo nada fazem, senão aumentá-lo, e apesar de seus esforços para aproximar-se de Deus, sua culpa se agrava. Somente Deus pode lidar com o pecado, seja como uma doença ou como um crime, como uma desonra a Ele mesmo ou como um obstáculo para a aproximação do homem com Ele. Ele trata disso não de uma forma arbitrária ou sumária, pela simples ação da vontade ou do poder, mas levando o caso a uma adjudicação em Seu próprio tribunal de justiça. Como juiz, sentado em Seu tribunal, Ele decide o caso, e decide-o em favor do pecador — de qualquer pecador na Terra que concorde com a base que Ele propõe. Cada um pode vir livremente para esse tribunal, na condição de um pecador que necessita de uma conciliação nessa grande questão entre ele e Deus. Essa conciliação não é uma questão de incerteza ou dificuldade; ela será concedida imediatamente a cada requerente; e o homem culpado, juntamente com o seu caso ofensivo, mas legalmente decidido, retira-se do tribunal com seu fardo removido e com seus temores dissipados, confiante de que Ele jamais será novamente intimado a responder por sua culpa. Foi a justiça que reconciliou Deus com o homem e o homem com Deus.
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Assim como o pecado é um mal muito grande para que qualquer um, a não ser Deus, a justiça também é muito elevada para que o homem a alcance; muito elevada para que qualquer outro, senão Deus a faça descer e a coloque à nossa disposição. Deus trouxe a justiça para baixo e para perto de nós. Dessa forma, a culpa que contraímos foi satisfeita pela justiça que Deus providenciou; e a exclusão da comunhão divina, que a culpa havia produzido, é mais do que revogada pela nova aceitação que a justiça coloca à nossa disposição. Eu posso me aproximar de Deus e não morrer? Posso me aproximar e viver? Posso ir até Ele, que odeia o pecado, e ainda assim constatar que o pecado que Ele odeia não é mais uma barreira para a minha vinda, não é uma razão para que Ele me exclua de Sua presença como algo impuro? Eu posso renovar minha comunhão perdida com Aquele que me fez, e me fez para Ele mesmo? Posso adorar em Seu lugar santo, com segurança para mim mesmo, sem desonrá-Lo? Essas são as perguntas com as quais Deus tem lidado, e lidado de forma que assegure uma resposta abençoada a todos; uma resposta que satisfará tanto nossas consciências perturbadas quanto a santa lei de Deus. Sua resposta é conclusiva e efetiva. Ele não dará nenhuma outra resposta, nem lidará com essas questões de modo diferente do que tem feito. Ele introduziu essas questões em Seu tribunal de justiça, para que possam finalmente ser conciliadas; e quem as poderá tirar para fora desse tribunal para onde Deus as levou? Ou, de nossa parte, para que seria útil essa retirada? Isso tornaria a decisão mais fácil, mais agradável, mais segura? Não, não tornaria. Isso aumentaria a incerteza, e deixaria o dilema completamente sem solução.
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Todavia, a tendência do pensamento moderno e da teologia moderna é a de recusar a decisão judicial dessas questões e de retirá-las do tribunal no qual Deus as introduziu. Uma conciliação extrajudicial é buscada. Conquanto o homem se recuse a admitir que sua culpa o torna culpado perante a lei, ao mesmo tempo em que se recusa a reconhecer que o pecado possui uma natureza tal que exige um processo criminal num tribunal formal; todavia, ele admite que há uma necessidade ou um desejo de que esse mal terrível, que pesa sobre toda a humanidade, seja removido, o qual consumirá toda a humanidade caso não seja removido. A história de seis mil anos acerca do mal se perdeu para o homem. Ele se recusa a ler sua terrível lição concernente ao pecado e ao desagrado de Deus contra o pecador, registrada por essa história. Ele se esqueceu da inundação de perversidade que resultou de um único pecado. A morte, a escuridão, a tristeza, a enfermidade, as lágrimas, a fadiga, a loucura, a confusão, o derramamento de sangue, o ódio enfurecido entre homem e homem, fazendo da Terra um subúrbio do inferno — todas essas coisas foram negligenciadas ou mal interpretadas; e o homem rejeita a ideia de que o pecado seja um crime, o qual Deus odeia com um ódio infinito, e o qual Ele, em Sua justiça, deve condenar e punir. Se o pecado for algo tão superficial, tão insignificante, quanto o homem o considera, qual é a importância dessa história tão longa e triste? Será que os milhares de cemitérios, onde os amores humanos encontram-se sepultados, não contam uma narrativa mais sombria? Será que os milhões e milhões de corações em pedaços e olhares abatidos dizem que o pecado é apenas insignificante? Será que os gemidos nos hospitais ou a mortandade dos campos de batalhas, a espada banhada de sangue e artilharia mortal proclamam que o pecado é uma
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simples casualidade, e que o coração humano é, afinal, a sede da bondade? Será que o terremoto, o vulcão, o furacão e a tempestade nada falam do mal irremediável do pecado? Será que a dor de cabeça do homem, o coração vazio, o espírito oprimido, a fronte sombria, o cérebro exausto e as pernas cambaleantes não anunciam com nitidez, de modo inequívoco, que o pecado é uma CULPA, e que essa culpa deve ser castigada — punida pelo Juiz dos juízes — não como uma mera “violação das leis naturais”, mas como uma contravenção da lei eterna, que não admite anulação? “A alma que pecar, essa morrerá”. Porque sem a lei, o pecado não existe. “A força do pecado é a lei” (1 Co 15.56). Aquele que faz do pecado algo trivial está defendendo a confusão moral e a injustiça; e aquele que se recusa a reconhecer o pecado como culpa está anulando a lei do universo ou atribuindo imbecilidade e injustiça ao Juiz de todos os juízes. O mundo tem envelhecido no pecado e hoje, mais do que nunca, tem começado a brincar com ele, quer seja como uma necessidade que não pode ser tratada ou como um desvio parcial da boa ordem que se autocorrigirá em breve. É essa falsificação do mal, essa recusa em ver o pecado como Deus o vê; conforme a lei o declara, e conforme a história de nossa raça tem revelado; que tem sido, em todas as eras, a raiz do erro e do abandono da fé que uma vez por todas foi entregue aos santos. Admita a maldade do pecado, com todas as suas consequências eternas, e você deverá se calar diante do modo divino de lidar com ele. Negue a maldade do pecado e os resultados futuros dessa maldade, e você estará negando toda a revelação de Deus, desprezando a cruz, e ab-rogando a lei. “Pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”. Por essa razão, a ligação entre o pecado e a lei deve ser mantida, tanto na
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condenação quanto no perdão. A intervenção de Deus em favor do homem deve ser uma confirmação, não um relaxamento da lei: porque a lei não pode mudar, assim como Deus não pode mudar ou negar a Si mesmo. Favorecer o pecador deve também ser favorecer a lei. Favorecer o pecador, o que simplesmente comprovaria a lei ou manteria a sua santidade intacta, já seria muito; mas favorecê-lo de modo que aprofunde os alicerces da lei e o torne ainda mais respeitável e sublime é indescritivelmente mais nobre e seguro. No entanto, as coisas têm sido assim. A lei não tem sofrido nas mãos do amor, nem o amor tem sido reprimido e paralisado pela lei. Ambos têm tido alcance total, um alcance ainda maior do que teria se o homem jamais tivesse caído. Sei que o amor não é lei, e que a lei não é amor. O amor não é propriamente inerente à lei. Isso é como uma balança, a qual não sabe se o que foi posto sobre ela é ouro ou ferro. No entanto, nessa combinação entre o judicial e o paternal, na qual o modo de Deus para a salvação é exibido, a lei se tornou a fonte e o canal do amor; e o amor é o que sustenta e exalta a lei; de modo que mesmo nesse sentido e aspecto, “o amor é o cumprimento da lei”.1 A lei, que era contra o pecador, passou a ficar do lado do pecador. Agora ela estava disposta a fazer parte dessa grande controvérsia entre ele e Deus, contanto que ele conduzisse o seu caso de acordo com os novos princípios apresentados por Deus para 1 Não pode haver maior reconhecimento da lei do que o de repousar no coração de Deus, a sua voz é a harmonia do mundo; todas as coisas no céu a homenageiam, o menor de todos sente o seu cuidado, e o maior deles não está isento de seu poder; tanto anjos como homens, e criaturas de condições diversas, embora de maneiras e estilos diferentes; todavia, todos, em unânime consentimento, admiram-na como a mãe de sua paz e alegria — in Richard Hooker, The Laws of Ecclesiastical Polity [As Leis da Política Eclesiástica], B. sec. 16.
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apaziguar toda a dissensão entre o próprio Deus e o pecador; ou melhor, contanto que ele colocasse o caso nas mãos do Advogado Divino, que sabe como ninguém, conduzi-lo corretamente, levando-o a um desfecho bem-sucedido — Aquele que é tanto a propiciação quanto nosso Advogado — a “propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2.2), o “Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo” ( Jo 2.1).
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Esta obra foi composta em Chaparral Pro (11,8/15,3-90%) e impressa por Imprensa da FĂŠ sobre o papel Lux Cream 70g/m2, para Editora Fiel, em novembro de 2012.