DEUS DESEJA QUE
TODOS SEJAM SALVOS?
DEUS DESEJA QUE
TODOS SEJAM SALVOS?
JO HN PI P ER
Deus deseja que todos sejam salvos? Traduzido do original em inglês Does God Desire All to Be Saved?, por John Piper Copyright © 2013 by John Piper
Publicado por Crossway Books, Um ministério de publicações de Good News Publishers 1300 Crescent Street Wheaton, Illinois 60187, USA. Copyright©2014 Editora FIEL. 1ª Edição em Português 2014
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.
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Diretor: James Richard Denham III. Editor: Tiago J. Santos Filho Tradução: Francisco Wellington Ferreira Revisão: Márcia Gomes Diagramação: Rubner Durais Capa: Rubner Durais ISBN: 978-85-8132-182-0
SUMÁRIO
Introdução — 7
1 Meu alvo — 15 2 Ilustrações das duas vontades em Deus — 27 3 Quão extensiva é a vontade soberana de Deus? — 49 4 Faz sentido? — 59
INTRODUÇÃO
Quando alguém escala de terras baixas para topos de montanhas, frequentemente tem de passar por nuvens. Isso tem acontecido comigo, em toda a minha vida, à medida que tento obter melhores visões da glória de Deus. Quando você entra em uma camada de nuvens, é bom ter um guia para ajudá-lo a permanecer longe dos precipícios e no caminho certo para o outro lado da obscuridade. Essa é uma maneira de ver este livro. Espero que ele
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sirva como um guia para o alto, por entre o nevoeiro e a confusão sobre a vontade eletiva e salvadora de Deus. Admito que alguns dos caminhos neste livro são íngremes. E alguns dos lugares mais íngremes passam pelas nuvens mais densas. A escalada não é para todos. Todos possuímos dons diferentes, e nem todo cristão é chamado a esse tipo de escalada intelectual. Não estou dizendo que os não escaladores verão menos glória ou que adorarão com menos paixão. Há glórias nos vales. E há caminhos menos intelectuais para certas belezas de Deus. Não ouso afirmar que aqueles que fazem este tipo de escalada sempre veem ou experimentam mais glória do que aqueles que têm olhos mais abertos para a glória que está na campina. No entanto, alguns de nós são programados para fazer isto. Não temos outra escolha. Não devemos nos vangloriar disto, assim como ninguém deve se vangloriar de não ser uma pessoa assim. Quase toda vez que abrimos nossa Bíblia, vemos desafios. Enigmas, mistérios, paradoxos. Vemos caminhos que nos atraem, mas parecem levar-nos em direções opostas. Seguimos em direção a estes caminhos como abelhas em direção às glórias da manhã. 8
Introdução
Portanto, se você é como eu, gostaria de convidá-lo a fazer uma escalada. Não estou afirmando que sou superior, mas, nesta montanha, talvez já tenha subido e descido vezes suficientes para oferecer alguma ajuda. Há nuvens. E talvez a jornada fique realmente escura até chegarmos ao outro lado, à claridade. Eu gostaria de ajudar, se puder. Os caminhos que nos atraem nesta montanha são os caminhos da eleição e da vontade de Deus de que todas as pessoas sejam salvas. A eleição parece dizer que Deus tem um povo que lhe pertence e que ele cuida para que venham a Cristo e sejam salvos. Mas o outro caminho parece dizer que Deus ama todos, convida todos a virem a Cristo e quer que todos sejam salvos. Sobre o caminho da eleição, Jesus disse: “Manifestei o teu nome aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles têm guardado a tua palavra” (Jo 17.6). E, noutra ocasião, ele disse: “Ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido”. Ou, como Deus afirma em Romanos 9.15-16: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão”. E Paulo extraiu a inferência: “Assim, pois, não depende de 9
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quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”. No entanto, sobre o caminho do desejo de Deus quanto a todos, Jesus disse à cidade que estava para matá-lo: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Lc 13.34). E oferece um convite livre e gratuito a todo aquele que está sobrecarregado, sedento e perecendo: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). “No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7.37). “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). É um velho paradoxo. Não escalo esta montanha sozinho. Escaladores mais experimentados têm me ajudado ao longo do caminho. Eu os apresentarei à medida que prosseguimos. O alvo da escalada não é satisfação intelectual. O alvo é adoração a Deus. Ele recebe mais honra quando o 10
Introdução
adoramos com base no que sabemos a seu respeito do que quando o adoramos com base no que não sabemos. Se nosso esforço de conhecer a Deus mais claramente não visa amá-lo com mais intensidade, esse esforço será fatal. “O saber ensoberbece, mas o amor edifica” (1Co 8.1). Isto significa que, em última análise, o único conhecimento digno é aquele que leva ao amor: amor a Deus e amor às pessoas. Isto nos conduz a um segundo alvo desta escalada: missões e ministério. O alvo de conhecer é amar. Amar pessoas – todas as pessoas do mundo e todas as pessoas na vizinhança. Se ficarmos confusos quanto à eleição de Deus e aos convites universais de Deus para a salvação, não amaremos o mundo como devemos. Estes são dias difíceis e perigosos em missões mundiais. Centenas de povos não alcançados que Jesus nos ordenou evangelizar pertencem a culturas e religiões que não querem que os alcancemos. Mas Jesus não disse: “Vão e façam discípulos onde vocês são queridos”. Ele disse: “Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10.3). Sem uma convicção firme e clara sobre a vontade salvadora de Deus para estes povos, não teremos a determinação de alcançá-los. 11
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E o mesmo é verdade quanto aos nossos vizinhos. Próximos e distantes. Há uma miséria suburbana que nenhum dinheiro pode curar. A ruína pode estar oculta, mas é real. Os ricos estão perecendo, e a maioria deles não quer que lhes digamos que não está tudo bem. E, nos sempre crescentes centros urbanos pobres do mundo, o sofrimento, a miséria, a enfermidade, a disfunção, a desesperança e o ódio parecem ser resistentes a todo tipo de remédio. Mas os cristãos se inclinam para a necessidade e não para o conforto. Pelo menos, deveriam. O alvo deste livro é oferecer tal clareza sobre a vontade de Deus para nós mesmos e para os perdidos, que não vacilaremos em mover-nos em direção aos necessitados com o evangelho de Cristo. Deus está nos enviando ao mundo – todos nós, de uma maneira ou de outra. Não pertencemos a nós mesmos. Fomos comprados por preço. Pertencemos a Cristo. Seu desígnio para o mundo é o nosso destino. Temos um tesouro inestimável para o mundo – o evangelho de Jesus Cristo. Não o merecemos, como eles não o merecem. O fato de que Deus nos escolheu para conhecê-lo e amá-lo nos torna devedores a cada pessoa. Se este livro for bem 12
Introdução
sucedido em ajudá-lo a atravessar as nuvens de confusão e chegar à luz da gloriosa vontade salvadora de Deus, a evidência será que você se dedicará como nunca antes a propagar estas boas novas: Ah! Todos vós, os que tendes sede, vinde às águas; e vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite (Isaías 55.1). Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus (2Coríntios 5.20).
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CAPÍTULO 1
MEU ALVO
Meu alvo neste pequeno livro é mostrar, com base na Escritura, que a existência simultânea da vontade de Deus de que todas as pessoas sejam salvas e da sua vontade de escolher algumas pessoas para a salvação, incondicionalmente, antes da criação,1 não é um sinal de esquizofrenia divina ou de confusão exegética. Um alvo 1 Mt 22.14; Jo 6.37, 44, 65; 8.47; 10.26-29; Rm 8.29-30; 9.6-23; 11.5-10; 1Co 1.26-30; Ef 1.4-5; 1Ts 1.4; 2Ts 2.13; Tg 2.5.
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correspondente é mostrar que a eleição incondicional não contradiz expressões bíblicas da compaixão de Deus para todas as pessoas e não anula as ofertas sinceras de salvação a todos que estão perdidos, entre todos os povos do mundo. OS TEXTOS QUE CAUSAM PERPLEXIDADE Os textos de 1Timóteo 2.4, 2Pedro 3.9, Ezequiel 18.23 e Mateus 23.37 são os mais comumente citados para mostrar que a vontade de Deus é que todas as pessoas sejam salvas e que ninguém se perca. • Em 1Timóteo 2.1-4, Paulo diz que a razão por que devemos orar pelos reis e por todos que se acham em altas posições é que isto pode produzir uma vida tranquila e mansa, o que “é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador, o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade”. • Em 2Pedro 3.8-9, o apóstolo diz que a demora da segunda vinda de Cristo se deve ao fato de que, para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil 16
Meu Alvo
anos, como um dia. “Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.” • Em Ezequiel 18.23 e 32, o Senhor fala sobre o seu amor para com os que perecem: “Tenho eu prazer2 na morte do perverso? – diz o Senhor Deus; não desejo eu, antes, que ele se converta dos seus caminhos e viva?... Não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor Deus. Portanto, convertei-vos e vivei.” • Em Mateus 23.37, Jesus disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” 2 O enfático emprego duplo do infinitivo absoluto com o verbo finito que significa “tenho prazer” é outra maneira de expressar o juramento feito em Ezequiel 33.11: “Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso”. A intensificação da negação “tenho prazer”, por parte de Deus, tenciona enfatizar que ele quer dizer realmente o que está dizendo, e não que a ausência de toda forma possível de prazer é absoluta – como veremos depois neste livro.
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É possível que a interpretação meticulosa de 1Timóteo 2.4 nos leve a crer que o desejo de Deus de que todas as pessoas sejam salvas não se refira a cada pessoa individual no mundo, mas, antes, a todos os tipos de pessoas, visto que “todos os homens”, no versículo 1, pode muito bem significar grupos como “reis e todos os que se acham investidos de autoridade” (v. 2).3 Também é possível que o “vós” em 2Pedro 3.9 (“Ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça”) se refira não a cada pessoa no mundo, mas a “vós” cristãos professos, entre os quais, como disse Adolf Schlatter, “estão pessoas que somente por meio do arrependimento podem obter a graça de Deus e a herança prometida”.4 No entanto, o argumento em favor desta limitação da vontade universal salvadora de Deus nunca foi convin3 John Gill, The Cause of God and Truth (London: W. H. Collingridge, 1855, orig. 1735-1738), pp. 49-52. 4 Adolf Schlatter, Die Briefe des Petrus, Judas, Jakobus, des Brief an die Hebraeer, Erläuterungen zum Neuen Testament, Vol. 9 (Stuttgart: Calver Verlag, 1964), p. 126. Isto é especialmente verdadeiro em vista do versículo 15, que exorta os próprios leitores a terem “por salvação a longanimidade de nosso Senhor” e em vista do fato de que a demora da segunda vinda parece resultar não em mais indivíduos sendo salvos ao redor do mundo, e sim em mais indivíduos sendo perdidos quando o amor de muitos esfria (Mt 24.12).
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Meu Alvo
cente para os arminianos.5 E, para os nossos propósitos, este argumento não é decisivo, porque outros textos são mais convincentes. Ezequiel 18.23, 32; 33.11 e Mateus 23.37 apontam certamente para o desejo de Deus de que todas as pessoas sejam salvas. Portanto, como alguém que crê, de coração, na eleição individual e incondicional, também me alegro em afirmar que há um sentido real em que Deus não tem prazer em que o impenitente pereça, que ele desejou reunir todos os habitantes rebeldes de Jerusalém 5 Os arminianos têm seu nome derivado de Jacob Arminius, que viveu de 1560 a 1609. Sua teologia é frequentemente contrastada com a teologia reformada (ou calvinismo) dentro do âmbito mais amplo do evangelicalismo. Como os reformados, os arminianos creem que a humanidade é caída e incapaz de salvar a si mesma. Deus tem de dar graça preveniente que nos torna capaz de crer. Mas, diferentemente dos reformados, os arminianos não creem que esta graça preveniente seja decisiva em produzir a salvação pessoal e que, em vez disso, os seres humanos têm o poder decisivo de autodeterminação; e isso é o que, por fim, decide quem é salvo e quem não é. Outro distintivo doutrinário é resumido em The Global Dictionary of Theology: “Para Arminius, a predestinação, em vez de ser incondicionalmente fundada apenas na vontade de Deus, é condicional à fé de um indivíduo. Deus escolhe para a salvação aqueles que não resistem, mas aceitam, seu dom gracioso de fé e perseverança; Deus rejeita aqueles que se recusam obstinadamente receber seu dom de salvação”. Assim, perseverar na fé até ao fim e ser salvo não é garantido. Os cristãos podem usar seu poder de autodeterminação para rejeitar a fé e perder sua salvação. K. D. Stanglin, “Arminianism”, em The Global Dictionary of Theology, editado por William A. Dyrness e Veli-Matti Kärkkäinen (Downers Grove: Inter-Varsity Press, 2008), p. 61. Ver Roger E. Olson, Arminian Theology (Downers Grove: Inter-Varsity Press, 2006).
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e que ele tem compaixão de todas as pessoas. Meu alvo é mostrar que isto não é discurso ambíguo. Meu propósito não é defender a doutrina de que Deus escolhe incondicionalmente aqueles que ele salvará. Tentei fazer isso em outras obras,6 e outros já o fizeram mais extensivamente do que eu mesmo.7 Entretanto, tentarei formular um argumento plausível, no sentido de que, embora os textos citados antes possam realmente ser pilares para o amor universal de Deus e o seu desejo salvador universal, eles não são armas contra a eleição incondicional. 6 Ver, especialmente, The Justification of God: an Exegetical and Theological Study of Romans 9.1-23 (Grand Rapids: Baker Book House, 1993); The Pleasures of God: Meditations on God’s Delight in Being God, 3rd edition (Colorado Springs: Multnomah, 2012), pp. 33-59, 105-139; “How does a Sovereign God Love?”, Reformed Journal, Vol. 33, Issue 4, April, 1983, pp. 9-13; “Universalism in Romans 9-11? Testing the Exegesis of Thomas Talbott”, Reformed Journal, Vol. 33, Issue 7, July, 1983, pp 11-14. 7 Thomas Schreiner, “Does Romans 9 Teach Individual Election unto Salvation?”, em Thomas Schreiner e Bruce Ware, editors, Still Sovereign: Contemporary Perspectives on Election, Foreknowledge, and Grace (Grand Rapids: Baker Books, 2000), pp. 89-106; Robert W. Yarborough, “Divine Election in the Gospel of John”, em Still Sovereign, pp. 47-62; Donald J. Westblade, “Divine Election in the Pauline Literature”, Still Sovereign, pp. 63-88; Samuel Storms, Chosen for Life: The Case for Divine Election (Wheaton: Crossway Books, 2007); R. C. Sproul, Chosen by God: Knowing God’s Perfect Plan for His Glory and His Children (Carol Stream, Illinois: Tyndale House Publishers, 2010).
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Meu Alvo
IDENTIFICANDO A MANEIRA DO QUERER DE DEUS Afirmar a vontade de Deus de salvar todos e afirmar a eleição incondicional de alguns implica, pelo menos, que há duas “vontades” em Deus ou duas maneiras de querer. Significa que Deus decreta um estado de coisas, enquanto, também, deseja e ensina que um estado diferente de coisas deve acontecer. Esta distinção na maneira como Deus quer tem sido expressa de várias maneiras através dos séculos. Não é um artifício novo. Por exemplo, os teólogos têm falado de vontade soberana e vontade moral, vontade eficiente e vontade permissiva, vontade secreta e vontade revelada, vontade de decreto e vontade de preceito, vontade decretiva e vontade preceptiva, voluntas signi (vontade de sinal) e voluntas beneplaciti (vontade de bom prazer) etc.8 CRÍTICA ÀS DUAS VONTADES EM DEUS Clark Pinnock se referiu com repúdio à “noção excessivamente paradoxal de duas vontades divinas concer8 Quanto à maneira como os teólogos reformados dos séculos XVI e XVII falaram sobre o relacionamento entre os decretos de Deus e a sua lei moral, ver Henrich Heppe, Reformed Dogmatics (Grand Rapids: Baker Book House, 1978, orig. 1860), pp. 143-149.
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nentes à salvação”.9 No livro editado de Pinock, A Case for Arminius (Um Argumento em favor de Armínio), Randall Basinger argumenta que “se Deus decretou todos os eventos, então, as coisas não podem e não devem ser de alguma maneira diferentes do que elas são”.10 Em outras palavras, ele rejeita a noção de que Deus poderia decretar que uma coisa fosse de uma maneira e ensinar que deveríamos agir para fazê-la de outra maneira. Basinger diz que é muito difícil “conceber coerentemente um Deus em quem esta distinção realmente exista”.11 Na mesma obra, Fritz Guy argumenta que a revelação de Deus em Cristo produziu uma “mudança de paradigma” na maneira como devemos pensar sobre o amor de Deus – ou seja, “mais fundamental do que – e anterior a – justiça e poder”. Esta mudança, ele diz, torna possível pensarmos sobre a “vontade de Deus” como “deleitar-se mais do que decidir”. A vontade de Deus não é seu propósito 9 Clark Pinnock, Grace Unlimited (Minneapolis: Bethany Fellowship, Inc., 1975), p. 13. 10 Randal l G. Basinger, “Exhaustive Divine Sovereignty: A Practical Critique”, A Case for Arminianism: The Grace of God, the Will of Man (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1989), p. 196. (Ênfase dele.) 11 Randal G. Basinger, “Exhaustive Divine Sovereignty: A Practical Critique”, p. 203.
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Meu Alvo
soberano, que ele estabelece infalivelmente, e sim, antes, “o desejo do amante pelo amado”. A vontade de Deus é sua intenção e anseio geral, não o seu propósito eficaz. O Dr. Guy prossegue e diz: “À parte de uma pressuposição de predestinação, torna-se evidente que a ‘vontade’ de Deus deve sempre ser entendida em termos de intenção e desejo [opostos a propósito soberano e eficaz]”.12 Estas críticas não são novas. Há 250 anos, Jonathan Edwards escreveu: Os arminianos ridicularizam a distinção entre a vontade secreta e a vontade revelada de Deus ou, expressando de maneira mais apropriada, a distinção entre o decreto e a lei de Deus; porque dizemos que ele pode decretar uma coisa e ordenar outra. E, assim, eles argumentam, nós afirmamos uma contradição em Deus, como se uma de suas vontades contradissesse a outra.13 12 Fritz Guy, “The Universality of God’s Love”, em A Case for Arminianism: The Grace of God, the Will of Man (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1989), p. 35. 13 Jonathan Edwards, “Concerning the Decrees in General, and election in Particular”, The Works of Jonathan Edwards, Vol. 2 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1974), p. 526. E, é claro, a distinção teológica entre os dois tipos
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NORTEADA POR TEXTOS E NÃO POR LÓGICA No entanto, apesar destas críticas, a distinção permanece, não por causa de uma dedução ou necessidade lógica ou teológica, e sim porque ela é inescapável nas Escrituras. O mais cuidadoso exegeta, que escreveu em Case for Arminianism, de Clark Pinnock, admite a existência de duas vontades em Deus. I. Howard Marshall aplica seu dom exegético às Epístolas Pastorais. A respeito de 1Timóteo 2.4, ele disse: Para evitarmos todas as concepções erradas, deveríamos deixar claro que o fato de que Deus deseja que todas as pessoas sejam salvas não significa necessariamente que todos responderão ao evangelho e serão salvos. Certamente, temos de distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecendo e o que ele quer realmente que aconteça, e ambas essas coisas podem ser referidas como vontade de Deus. A pergunta em debate não é se todos serão salvos, mas se Deus, em Cristo, fez provisão de querer em Deus é mais antiga. Na quarta parte de seu livro The Cause of God and Truth (ver nota 3), John Gill apresenta 100 páginas de colunas duplas com referências desde os primeiros pais (de Clemente a Jerônimo) a respeito deste e de outros distintivos “reformados”.
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Meu Alvo
para a salvação de todos, contanto que cressem, sem limitar o escopo potencial da morte de Cristo apenas àqueles que Deus sabia que creriam.14
Neste livro, gostaria de apoiar este ponto de Marshall: “Certamente, temos de distinguir entre o que Deus gostaria de ver acontecendo e o que ele quer realmente que aconteça, e ambas essas coisas podem ser referidas como vontade de Deus”. Talvez o modo mais eficiente de fazermos isto é começarmos por 14 I. Howard Marshall, “Universal Grace and Atonement in the Pastoral Epistles”, A Case for Arminianism: The Grace of God, The Will of Man (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1989), p. 56 (ênfase acrescentada). Uma das coisas que enfraquecem seriamente o argumento do artigo de Marshall é a omissão de qualquer discussão ou mesmo menção de 2Timóteo 2.24-26, que diz: “Ora, é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade”. Marshall pergunta se há algum texto das Epístolas Pastorais nos leva a crer que “a fé e o arrependimento são os dons de Deus, que os dá somente ao grupo dos eleitos previamente escolhidos” (p. 66). Ele conclui que não há nenhum texto, embora o texto que chega bem perto de afirmar tal coisa seja ignorado. O texto é ainda mais significativo porque a sua fraseologia é usada em 1Timóteo 2.4. Compare o desejo de Deus de que “todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4) com o dom do “arrependimento”, da parte de Deus, para pessoas “conhecerem plenamente a verdade” (2Tm 2.25). Estes dois textos talvez ensinem, sozinhos, que há “duas vontades” em Deus: a vontade de que todos sejam salvos e a vontade de dar o arrependimento a alguns.
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focar a atenção na maneira como a Escritura retrata a Deus querendo, em um sentido, algo que ele desaprova em outro sentido. Em seguida, após notarmos algumas evidências bíblicas, podemos voltar e ponderar sobre como devemos entender isto em relação aos propósitos salvadores de Deus.
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