“As introduções ao Novo Testamento destinadas a seminaristas são abundantes. Esta, porém, fornece o que outras não oferecem: uma orientação hermenêutica consistente, articulada por uma lista de nove estudiosos diferentes associados ao Reformed Theological Seminary ao longo de sua história. Além dos capítulos que cobrem todos os livros do Novo Testamento, valiosos apêndices tratam do cânon, do texto, do problema sinótico e muito mais. Abordando questões espirituais e acadêmicas com vistas a equipar os pastores e a ajudar na exposição bíblica, este abrangente compêndio beneficiará os leitores tanto em sala de aula quanto em contextos pessoais.” Robert W. Yarbrough, Professor de Novo Testamento, Covenant Theological Seminary “Esta introdução aos livros do Novo Testamento tem várias características que a recomendam como uma das melhores do mercado editorial no Brasil e no exterior: (1) ela tem uma abordagem solidamente reformada e aliancista, bastante consciente da História da Redenção; (2) a organização interna faz que o livro seja útil não somente para estudantes de teologia, mas também para pastores ministrarem estudos introdutórios aos livros bíblicos, bem como para cristãos em geral se tornarem mais familiarizados com os livros do Novo Testamento; (3) como o livro tem vários autores, do presente e de um passado recente, cada um escreve sobre um livro em que se especializou e oferece um material de qualidade comprovada; (4) os apêndices acrescentados à obra são muito oportunos e de grande qualidade, de forma que não devem ser ignorados pelo leitor. Saúdo e parabenizo a Editora Fiel por mais esta ótima contribuição à Igreja brasileira e recomendo com entusiasmo a leitura a todos os cristãos que têm interesse pela Palavra de Deus.” João Paulo Thomaz de Aquino (PhD, Trinity Evangelical Divinity School), Professor de Novo Testamento, Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper “Com a combinação certa de integridade acadêmica e acessibilidade proposital, esta introdução ao Novo Testamento servirá a pastores com pouco tempo, alunos com mentalidade de ministério e membros da igreja que procuram entender melhor a Bíblia. O que torna este novo volume único é a ênfase no exame dos temas teológicos em cada livro do Novo Testamento, em vez de se concentrar em debates arcanos instigados pela erudição liberal. O resultado é um recurso perspicaz e impressionante que usarei em meus próprios estudos e recomendarei a outras pessoas com frequência.” Kevin DeYoung, Pastor Sênior, University Reformed Church (East Lansing, Michigan, EUA) “Este volume é um grande presente à Igreja de fala portuguesa em todos os níveis. Nele, temos uma combinação rara e saudável de erudição, confessionalidade e acessibilidade. Todos os estudantes de teologia encontrarão neste livro as mais recentes discussões exegéticas e teológicas. Pastores e todos os que estão envolvidos com o ensino nas igrejas desfrutarão com alegria da confessionalidade reformada e da erudição dos autores, que não perdem tempo com questões vazias postas
pelos liberais, mas nos levam à teologia bíblica de cada livro do Novo Testamento. Como pastor e professor, não tenho como exagerar a importância desta introdução para toda a Igreja lusófona.” Willian Orlandi, Pastor, Igreja Batista Reformada de Indaiatuba, SP; Professor de Novo Testamento, Seminário Teológico Jonathan Edwards “Esta introdução bíblico-teológica conduz os leitores através de temas e questões bíblicas centrais sobre o pano de fundo dos 27 livros do Novo Testamento. É judicioso, informativo e bastante acessível, tornando-o benéfico para alunos e pastores.” Darrell L. Bock, Diretor Executivo de Engajamento Cultural, Hendricks Center, e Professor Pesquisador Sênior de Estudos do Novo Testamento, Dallas Theological Seminary “Destinada a pastores e leitores cristãos interessados, esta Introdução Bíblico-Teológica ao Novo Testamento é uma soma bem-vinda à literatura introdutória ao Novo Testamento. O volume, um empenho colaborativo de nove autores diferentes, foi escrito dentro de uma estrutura de teologia bíblica e baseou-se em um compromisso com a inerrância bíblica e a teologia reformada. Altamente recomendado!” Andreas J. Köstenberger, Professor Pesquisador Sênior de Novo Testamento e Teologia Bíblica, Southeastern Baptist Theological Seminary “Estudantes e pastores, para não mencionar os leigos, geralmente acham as introduções aos escritos do Novo Testamento bastante áridas e estéreis. Mas esta introdução dos autores do Reformed Theological Seminary tem uma qualidade diferente, pois se concentra na teologia e no conteúdo do Novo Testamento. Aqueles que estudam o Novo Testamento querem obter uma melhor compreensão de sua mensagem, de maneira que este volume provará ser uma imensa ajuda para pastores, estudantes, leigos e até eruditos.” Thomas R. Schreiner, Professor de Interpretação do Novo Testamento que ocupa a cátedra James Buchanan Harrison e Diretor Associado da Escola de Teologia, The Southern Baptist Theological Seminary “Neste livro, autores sólidos constroem uma teologia bíblica fornecendo resumos temáticos de cada livro do Novo Testamento. Embora eu não concorde com todos os pontos apresentados pelos autores, muitos leitores acharão esta introdução extremamente útil e proveitosa ao ensino do Novo Testamento.” Peter J. Gentry, Professor de Interpretação do Antigo Testamento, The Southern Baptist Theological Seminary; Diretor, Hexapla Institute
Introdução bíblico-teológica ao
NOVO TESTAMENTO Michael J. Kruger Editor
Contribuições de William B. Barcley, Robert J. Cara, Benjamin Gladd, Charles E. Hill, Reggie M. Kidd, Simon J. Kistemaker, Michael J. Kruger, Bruce A. Lowe, Guy Prentiss Waters
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Introdução bíblico-teológica ao Novo Testamento / organização Michael J. Kruger ; coordenação Gisele Lemes ; tradução Willian Orlandi. -- São José dos Campos, SP : Editora Fiel, 2023. Título original: A biblical-theological introduction to the New Testament ISBN 978-65-5723-318-4 1. Bíblia - Estudo 2. Bíblia. N. T. - Crítica e interpretação 3. Teologia bíblica I. Kruger, Michael J. II. Lemes, Gisele.
23-174356
CDD-225.486 Índices para catálogo sistemático:
1. Bíblia : Novo Testamento : Crítica e interpretação 225.486 Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415 Introdução bíblico-teológica ao Novo Testamento Traduzido do original em inglês A biblical-theological introduction to the New Testament: the Gospel realized
Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte. Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.
Copyright © 2016 por Michael J. Kruger. Todos os direitos reservados. Originalmente publicado em inglês por Crossway, Wheaton, Illinois, EUA.
Copyright © 2022 Editora Fiel Primeira edição em português: 2023 Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária.
Editor-chefe: Tiago J. Santos Filho Supervisor Editorial: Vinicius Musselman Pimentel Coordenador Gráfico: Gisele Lemes Editor: André Soares Tradutor: Willian Orlandi Revisor: Larissa Malkomes Diagramador: Rubner Durais Capista: Rubner Durais ISBN brochura: 978-65-5723-318-4 ISBN e-book: 978-65-5723-319-1 Caixa Postal 1601 CEP: 12230-971 São José dos Campos, SP PABX: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br
Sumário Preâmbulo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 J. Ligon Duncan III Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Abreviaturas.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Michael J. Kruger 1. Mateus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 8. Gálatas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 Reggie M. Kidd Guy Prentiss Waters 2. Marcos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 9. Efésios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 357 Benjamin Gladd Guy Prentiss Waters 3. Lucas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 10. Filipenses.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 381 Robert J. Cara Bruce A. Lowe 4. João. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 11. Colossenses.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403 Michael J. Kruger Benjamin Gladd 5. Atos.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 12. 1 Tessalonicenses.. . . . . . . . . . . . . . 429 Robert J. Cara Robert J. Cara 6. Romanos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223 13. 2 Tessalonicenses.. . . . . . . . . . . . . . 451 Guy Prentiss Waters Robert J. Cara 7. 1-2 Coríntios. . . . . . . . . . . . . . . . . . 259 14. Introdução às Epístolas Pastorais.. 467 Guy Prentiss Waters William B. Barcley
15. 1 Timóteo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 479 21. 1 Pedro.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 605 William B. Barcley William B. Barcley 16. 2 Timóteo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 505 22. 2 Pedro.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 629 William B. Barcley Simon J. Kistemaker 17. Tito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 525 23. 1–3 João.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 645 William B. Barcley Charles E. Hill 18. Filemom. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 535 24. Judas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 681 Benjamin Gladd Simon J. Kistemaker 19. Hebreus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 549 25. Apocalipse.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 693 Simon J. Kistemaker Charles E. Hill 20. Tiago.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 583 Bruce A. Lowe Apêndice A: O cânon do Novo Testamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 745 Michael J. Kruger Apêndice B: O texto do Novo Testamento: uma introdução à crítica textual do Novo Testamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 761 Charles E. Hill Apêndice C: O problema sinótico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 781 Guy Prentiss Waters Apêndice D: O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento: confiando na hermenêutica do Novo Testamento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 797 Robert J. Cara Colaboradores. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 813 Índice geral.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 815 Índice bíblico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 839
Preâmbulo Ao nos aproximarmos dos 500 anos do início da Reforma Protestante da igreja cristã, o Reformed Theological Seminary (RTS) está entrando em seu 50º ano. O seminário existiu apenas por uma pequena fração desse importante período da história cristã, mas o RTS teve e continua a ter um papel significativo nessa época em que a teologia reformada desfrutou de uma renovação e uma influência amplamente reconhecida no mundo cristão. O RTS surgiu em uma época em que as principais denominações e seminários estavam administrativamente nas mãos de teológos moderados, neo-ortodoxos e liberais, mas a curva de crescimento já estava com os evangélicos, tanto dentro quanto fora da linha principal. Enquanto os apparatchik1 denominacionais tentavam manter um status quo que já estava em declínio, um número crescente de cristãos ficava frustrado com educadores teológicos que eram indiferentes ou hostis à ortodoxia confessional cristã histórica e despreocupados com o trabalho evangélico da Igreja. O RTS foi criado para fornecer uma educação teológica robusta, reverente e rigorosa para pastores e líderes de igrejas, particularmente em igrejas presbiterianas e reformadas, mas também, de forma mais ampla, na família evangélica maior, partindo de um compromisso com a inerrância bíblica, com a teologia reformada e com a Grande Comissão. Como o RTS foi definido de forma confessional, embora não seja controlado por alguma denominação, o seminário pode exercer influência em vários ambientes denominacionais e em uma variedade de tradições da Igreja. Além disso, como os fundadores do RTS estavam conectados com uma rede evangélica global, o seminário pôde ter um alcance mundial desde o início. Ao longo dos anos, o RTS atendeu mais de 11 mil alunos de cerca de 50 denominações: presbiteriana, reformada, batista, 1 N.T.: Apparatchiks são os membros da estrutura do Partido Comunista na antiga União Soviética. Além disso, pode ser um termo usado depreciativamente em referência a uma pessoa que trabalhe de forma dedicada e acrítica para a estrutura de uma organização.
Preâmbulo
anglicana, congregacional e muito mais. Um seminário que começou com 14 alunos de uma denominação em 1966 agora tem cerca de dois mil alunos anualmente em oito cidades dos Estados Unidos, em sua educação global à distância e em um programa de doutorado em São Paulo, no Brasil. Alunos de todos os continentes representam dezenas de denominações. Trata-se do maior seminário evangélico reformado do mundo. Durante esse tempo, a reputação acadêmica e as contribuições do corpo docente do Reformed Theological Seminary cresceram. Nos estudos bíblicos, o corpo docente do RTS estabeleceu um padrão de excelência amplamente apreciado nos campos do Antigo e do Novo Testamento. Para dar apenas alguns exemplos, considere o ex-professor de Antigo Testamento do RTS, O. Palmer Robertson, que desempenhou um papel significativo no ressurgimento contemporâneo da teologia da aliança por meio de seu livro O Cristo das Alianças. John Currid, ex-professor de Antigo Testamento do RTS-Jackson e atual do RTS-Charlotte, produziu um comentário completo sobre o Pentateuco e fez um trabalho importante na área de arqueologia e estudos do Antigo Oriente Próximo. Richard Pratt, professor de Antigo Testamento de longa data do RTS-Orlando, não é apenas um autor prolífico conhecido por sua excelente erudição acerca do Antigo Testamento — tendo produzido, sozinho, artigos em tópicos para uma Bíblia de estudo inteira —, mas também é conhecido por seu trabalho em apologética e oração. Miles Van Pelt, do RTS-Jackson, talvez seja o melhor professor de línguas bíblicas que já conheci, com uma paixão contagiante pela teologia bíblica canônica e centrada em Cristo. O ex-professor de Novo Testamento do RTS-Jackson e atual do RTS-Orlando, Simon Kistemaker, foi secretário de longa data da Sociedade de Teologia Evangélica e completou o comentário em vários volumes do Novo Testamento iniciado por William Hendriksen. O professor do RTS-Orlando, Charles Hill, não é apenas um aclamado especialista em Novo Testamento, mas também um dos maiores estudiosos do mundo na escatologia do cristianismo primitivo. Além disso, o reitor do RTS-Charlotte e professor de Novo Testamento, Michael Kruger, é um reconhecido estudioso do cristianismo primitivo e fez grandes contribuições para discussões recentes sobre o cânon das Escrituras. De fato, Kruger e Hill, juntamente com John Frame, professor do RTS-Orlando, foram citados por D. A. Carson, em um recente discurso plenário na Sociedade de Teologia Evangélica, como responsáveis por contribuições notáveis no campo da doutrina das Escrituras. O estudioso do Novo Testamento do 8
Preâmbulo
RTS-Jackson, Guy Waters, fez prolíficas publicações sobre vários tópicos, incluindo eclesiologia, e ajudou a reformular os debates atuais sobre a teologia de Paulo. Na tentativa de passar para a próxima geração essa erudição mundialmente afamada, fiel e consagrada, os professores de Antigo e Novo Testamento do RTS — tanto do passado quanto do presente — reuniram dois novos volumes: Uma Introdução Bíblico-Teológica ao Antigo Testamento, editado por Miles V. Van Pelt, e Uma Introdução Bíblico-Teológica ao Novo Testamento, editado por Michael J. Kruger. Existem várias características e aspirações únicas nesses volumes. Primeiro, eles são direcionados a pastores e leitores cristãos interessados, e não a colegas acadêmicos. Nós, do RTS, valorizamos e produzimos recursos destinados a um público acadêmico, mas o objetivo desses volumes é a edificação da Igreja, de forma que foram projetados para ser acessíveis. Em segundo lugar, eles são escritos por estudiosos da Bíblia que não têm medo da dogmática e, de fato, a apreciam muito. Em muitos seminários, mesmo seminários evangélicos, existe uma relação não saudável entre teologia bíblica e teologia sistemática, mas, no RTS, valorizamos ambas e queremos que nossos alunos entendam seu valor necessário e complementar. Para entender a Bíblia e a fé cristã, são necessários tanto os insights de uma abordagem histórico-redentiva quanto os do estudo doutrinário-tópico. Em terceiro lugar, esses volumes descaradamente partem do ponto de vista da inerrância bíblica e da teologia reformada. Uma visão elevada das Escrituras e um abraço caloroso da teologia reformada confessional são marcas registradas do RTS, e esses ideais brilham ao longo desses livros. Em quarto lugar, essas introduções são projetadas para ser pastorais e úteis. Têm-se em vista pregadores, líderes de ministérios, professores de Bíblia, estudantes e outros envolvidos no discipulado cristão. Queremos edificá-los e ajudá-los a edificar outros. Espero que, ao longo das próximas gerações, estes dois volumes abençoem a Igreja de Jesus Cristo, enquanto ela busca conhecer melhor sua Palavra e proclamá-la às nações. J. Ligon Duncan III Reitor e CEO Professor de Teologia Sistemática e Histórica que ocupa a cátedra John E. Richards Reformed Theological Seminary
9
Agradecimentos Um projeto como este certamente não é um assunto individual. Como editor, sou grato pela ajuda que recebi de várias fontes. Sem dúvida, os próprios colaboradores merecem uma palavra de agradecimento. Foi um privilégio trabalhar com uma seleção tão boa de acadêmicos, todos professores excepcionais e especialistas em seus respectivos campos. Como a rotina deles é sobrecarregada com outras responsabilidades de ensino e redação, sou grato por terem reservado tempo para contribuir com este volume. Estou confiante de que seu trabalho contido aqui deixará a verdade como legado para as futuras gerações de pastores, professores de Bíblia e seminaristas. Também quero expressar meu apreço por Justin Taylor e a equipe da Crossway. Como sempre, foi um prazer trabalhar com eles, e o grande interesse que tiveram neste projeto foi um ótimo incentivo. Guy Waters merece uma palavra especial de agradecimento por sua disposição em fornecer contribuições e feedbacks em vários momentos críticos. Seu espírito generoso e seu intelecto aguçado foram de grande ajuda para mim. Meus assistentes de ensino Aaron Gray e Aaron Ingle foram indispensáveis, pois passaram muitas horas editando e revisando o manuscrito deste volume. E, é claro, o próprio Reformed Theological Seminary merece uma palavra de agradecimento, uma vez que a publicação deste volume é uma homenagem ao seu cinquentenário. É um privilégio servir em uma instituição tão comprometida com a autoridade das Escrituras e a supremacia de Cristo em todas as coisas. Que esses traços permaneçam verdadeiros por mais 50 anos e além. Acima de tudo, quero agradecer à minha esposa, Melissa, e meus três filhos, Emma, John e Kate. Tal como aconteceu com cada um dos meus livros anteriores, eles sacrificaram muito enquanto trabalhei neste projeto, mas sempre com alegria e gratidão. Minha oração é que este volume seja uma bênção para cada um deles enquanto estudarem as Escrituras nos próximos anos. Michael J. Kruger
Abreviaturas 1 Apol
Primeira Apologia (Justino Mártir)
1 Clem
1 Clemente
1 QS
Serek Hayahad ou Regra da Comunidade
1–2 Mac
1–2 Macabeus
2 Bar.
2 Baruque (Apocalipse Siríaco)
3–4 Mac
3–4 Macabeus
AB
Anchor Bible
ABD
Anchor Bible Dictionary. Editado por David Noel Freedman. 6 vols. Nova York: Doubleday, 1992
Abr.
De Abrahamo (Sobre a vida de Abraão, Filo)
ABRL
Anchor Bible Reference Library
ACCS
Ancient Christian Commentary on Scripture
ACNT
Augsburg Commentary on the New Testament
AGJU
Arbeiten zur Geschichte des antiken Judentums und des Urchristentums
AJT
American Journal of Theology
An.
De anima (A alma, Tertuliano)
ANF
The Ante-Nicene Fathers. Organizado por Alexander Roberts e James Donaldson. 1885–1887. 10 vols. Reimpr., Peabody, MA: Hendrickson, 1994
Ant.
Antiguidades Judaicas (Josefo)
ANTC
Abingdon New Testament Commentaries
Abreviaturas
Antichr.
De antichristo (Sobre Cristo e o Anticristo, Hipólito)
Ant. rom.
Antiquitates romanae (Antiguidades Romanas, Dionísio de Halicarnasso)
Att.
Epistulae ad Atticum (Cartas a Ático, Cícero)
AYB
Anchor Yale Bible
Barn.
Epístola de Barnabé
BBR
Bulletin for Biblical Research
BDAG
Bauer, Walter, Frederick W. Danker, William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich. Greek English Lexicon of the New Testament And Other Early Christian Literature. 3ª ed. Chicago: University of Chicago Press, 2000
BCW
Breve Catecismo de Westminster
BECNT
Baker Exegetical Commentary on the New Testament
BETL
Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium
Bib
Biblica
BJRL
Bulletin of the John Rylands University Library of Manchester
BNTC
Black’s New Testament Commentaries
BR
Biblical Research
BST
Bible Speaks Today
BTNT
Biblical Theology of the New Testament
BZNW
Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft
Cass.
Cassiodoro
CBET
Contributions to Biblical Exegesis and Theology
CBQMS
Catholic Biblical Quarterly Monograph Series
CFW
Confissão de Fé de Westminster
Cher.
De cherubim (Sobre o Querubim, Filo)
CMW
Catecismo Maior de Westminster
Comm. Apoc. Commentarius in Apocalypsin (Comentário sobre Apocalipse, Vitorino) 14
Abreviaturas
Comm. Jo.
Commentarii in Evangelium Joannis (Comentário Sobre o Evangelho de João, Orígenes)
ConcC
Concordia Commentary
Conf.
Confissões (Agostinho)
CTR
Criswell Theological Review
Cult. fem.
De cultu feminarum (O vestuário feminino, Tertuliano)
CurBS
Currents in Research: Biblical Studies
Dial.
Diálogo com Trifão (Justino Mártir)
DJG
Dictionary of Jesus and the Gospels. Organizado por Joel B. Green e Scot McKnight. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1992
DJG2
Dictionary of Jesus and the Gospels. Organizado por Joel B. Green, Jeannine K. Brown e Nicholas Perrin. 2ª ed. Downers Grove, IL: IVP Academic, 2013
DPL
Dictionary of Paul and His Letters. Organizado por G. F. Hawthorne e R. P. Martin. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1993
ECC
Eerdmans Critical Commentary
EDNT
Exegetical Dictionary of the New Testament. Organizado por Horst Balz e Gerhard Schneider. ET. 3 vols. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990–1993
Efs.
Aos Efésios (Inácio)
EGGNT
Exegetical Guide to the Greek New Testament
EKKNT
Evangelisch-katholischer Kommentar zum Neuen Testament
Ep.
Epistulae morales (Epístolas morais, Sêneca)
EPSC
EP Study Commentary
Escorp.
Antídoto para a Picada do Escorpião (Tertuliano)
Esm.
Aos Esmirniotas (Inácio)
EvQ
Evangelical Quarterly 15
Abreviaturas
ExAud
Aud Ex Auditu
FB
Focus on the Bible
Fil.
Aos Filipenses (Policarpo)
Fif.
Aos Filadelfos (Inácio)
fr.
fragmentum, fragmenta
Fug.
De fuga in persecutione (Fuga da perseguição, Tertuliano)
GCS
Die griechischen christlichen Schriftsteller der ersten [drei] Jahrhunderte
G.J.
Guerras judaicas (Josefo)
Haer.
Refutatio omnium haeresium (Refutação de todas as heresias, Hipólito) (Hipólito)
Haer.
Adversus haereses (Contra as heresias, Irineu) (Irineu)
Hist. eccl.
Historia ecclesiatica (História eclesiástica, vários autores)
HNTC
Harper’s New Testament Commentaries
Hom. Gen.
Homilias sobre Gênesis (Orígenes)
Hom. Jos.
Homilias sobre Josué (Orígenes)
Hom. Num. Homilias sobre Números (Orígenes) HTR
Harvard Theological Review
ICC
International Critical Commentary
Inv.
De inventione rhetorica (Cícero)
IVPNTC
IVP New Testament Commentary
JBL
Journal of Biblical Literature
JETS
Journal of the Evangelical Theological Society
JSJ
Journal for the Study of Judaism in the Persian, Hellenistic and Roman Periods
JSNT
Journal for the Study of the New Testament
JSNTSup
Journal for the Study of the New Testament: Supplement Series 16
Abreviaturas
JTS
Journal of Theological Studies
Jub.
Jubileus
LCL
Loeb Classical Library
LEC
Library of Early Christianity
Leg.
De legibus (Sobre as leis, Cícero)
LSJ
Liddell, Henry George, Robert Scott e Henry Stuart Jones. A Greek-English Lexicon. 9ª ed. com suplemento revisado. Oxford: Clarendon, 1996
LTPM
Louvain Theological and Pastoral Monographs
LXX
Septuaginta
Marc.
Contra Marcião (Tertuliano)
MNTC
Moffatt New Testament Commentary
Mos.
De vita Mosis (Sobre a Vida de Moisés, Filo)
MSS
manuscritos
NAC
New American Commentary
NCB
New Century Bible
NCBC
New Cambridge Bible Commentaries
Neot
Neotestamentica
NICNT
New International Commentary on the New Testament
NIDNTT
New International Dictionary of New Testament Theology. Organizado por Colin Brown. 4 vols. Grand Rapids, MI: Zondervan, 1975–1985
NIDNTTE New International Dictionary of New Testament Theology and Exegesis. Organizado por Moisés Silva. 5 vols. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2014 NIGTC
New International Greek Testament Commentary
NIVAC
New International Version Application Commentary
NovT
Novum Testamentum 17
Abreviaturas
NovTSup
Supplements to Novum Testamentum
NPNF1
Nicene and Post-Nicene Fathers, Series 1. Organizado por Philip Schaff. 1886–1889. 14 vols. Reimpr., Peabody, MA: Hendrickson, 1994
NPNF2
Nicene and Post-Nicene Fathers, Series 2. Organizado por Philip Schaff. 1886–1889. 14 vols. Reimpr., Peabody, MA: Hendrickson,1994
NSBT
New Studies in Biblical Theology
NTC
New Testament Commentary
NTL
New Testament Library
NTOA
Novum Testamentum et Orbis Antiquus
NTS
New Testament Studies
NTT
New Testament Theology (série de Cambridge University Press)
NTTS
New Testament Tools and Studies
NTTSD
New Testament Tools, Studies, and Documents
Od.
Odisseia (Homero)
Opif.
De opificio mundi (Sobre a criação do mundo, Filo)
OTL
Old Testament Library
PNTC
Pillar New Testament Commentary
Praescr.
De praescriptione haereticorum (Prescrições contra heréticos, Tertuliano)
Princ.
Primeiros Princípios (Orígenes)
RBL
Review of Biblical Literature
Rhet. Her.
Rhetorica ad Herennium
Rom.
Aos Romanos (Inácio)
Sl. Sal.
Salmos de Salomão
SBLECL
Society of Biblical Literature Early Christianity and Its Literature
SBLMS
Society of Biblical Literature Monograph Series
SBLStBL
Society of Biblical Literature Studies in Biblical Literature 18
Abreviaturas
SBLSymS
Society of Biblical Literature Symposium Series
SD
Studies and Documents
SNTSMS
Society for New Testament Studies Monograph Series
SOTBT
Studies in Old Testament Biblical Theology
SP
Sacra Pagina
SUNT
Studien zur Umwelt des Neuen Testaments
SWBA
Social World of Biblical Antiquity
T. 12 Patr.
Testamentos dos doze patriarcas
T. As.
Testamento de Aser
T. Benj.
Testamento de Benjamim
T. Dã
Testamento de Dã
T. Gd.
Testamento de Gade
T. Isq.
Testamento de Isaque
T. Iss.
Testamento de Issacar
T. Jc.
Testamento de Jacó
T. Jó
Testamento de Jó
T. Js.
Testamento de José
T. Jd.
Testamento de Judá
T. Lv.
Testamento de Levi
T. Ms.
Testamento de Moisés
T. Naf.
Testamento de Naftali
T. Rb.
Testamento de Rúbem
T. Sim.
Testamento de Simeão
T. Zeb.
Testamento de Zebulom
TBC
Torch Bible Commentaries 19
Abreviaturas
TDNT
Theological Dictionary of the New Testament. Organizado por Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich. Traduzido por Geoffrey W. Bromiley. 10 vols. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1964–1976
Them
Themelios
TNTC
Tyndale New Testament Commentaries
TPINTC
TPI New Testament Commentaries
TrinJ
Trinity Journal
TynBul
Tyndale Bulletin
VC
Vigiliae Christianae
VTSup
Supplements to Vetus Testamentum
WBC
Word Biblical Commentary
WTJ
Westminster Theological Journal
WUNT
Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament
ZECNT
Zondervan Exegetical Commentary on the New Testament
ZNW
Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft und die Kunde der älteren Kirche
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Introdução Michael J. Kruger
Como professores do Reformed Theological Seminary (tanto do passado quanto do presente), todos os colaboradores deste volume dedicaram a maior parte de seus esforços acadêmicos, ao longo de muitos anos, ao estudo dos 27 livros que formam esse corpus que chamamos de Novo Testamento. O presente estudo foi motivado não apenas pelo desejo de avançar nosso conhecimento pessoal da Palavra de Deus (embora isso seja importante por si só), mas principalmente pelo compromisso de transmitir os frutos que dele derivam para a próxima geração de pastores, líderes, missionários e pensadores cristãos. O futuro da Igreja depende de seu conhecimento e compromisso com os ensinamentos da Palavra de Deus. Essa “transmissão” do que aprendemos ocorre principalmente no ambiente de sala de aula. Nossas aulas de Novo Testamento são projetadas para apresentar aos alunos as obras que compõem o cânon sagrado a partir de vários ângulos — histórico, exegético, teológico — e ajudá-los a ensiná-las, pregá-las e aplicá-las a seus respectivos públicos. Contudo, a configuração da sala de aula tem suas limitações. Nem todos têm a oportunidade de estar em uma classe do seminário. Além disso, nem todos estão em condições de estudar o material com a profundidade exigida pelo seminário. Este volume, portanto, é simplesmente uma tentativa de pegar o material central desses cursos e colocá-lo em uma mídia diferente — um livro. Nosso objetivo é produzir uma introdução ao Novo Testamento que capture o material fundamental em nossas aulas e o apresente de uma forma que seja facilmente acessível a líderes de ministério, pregadores, professores de estudos bíblicos e, é claro, seminaristas.
Introdução
É desnecessário dizer que houve muitas introduções ao Novo Testamento antes desta — desde a enorme obra de dois volumes Einleitung in das Neue Testament (Leipzig, 1897), de Theodor Zahn, até o muito famoso An Introduction to the New Testament, de D. A. Carson e Douglas Moo, 2ª ed. (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2005).2 Assim, o leitor pode se perguntar se realmente precisamos de outra introdução. O que distingue este volume em particular? Em um sentido, por óbvio, este novo volume não é distinto. Como muitos dos volumes que vieram antes, ele foi projetado para realizar a mesma tarefa básica, ou seja, apresentar ao leitor as principais questões históricas, exegéticas e teológicas acerca de cada um dos 27 livros. Em outro sentido, no entanto, este volume é distinto. Aqui estão alguns recursos notáveis que diferenciam esta introdução de outras anteriores: É acessível. De um modo geral, as introduções ao Novo Testamento tendem a se concentrar principalmente em questões histórico-críticas relacionadas ao pano de fundo de cada um dos 27 livros. Embora muitas introduções gastem um tempo considerável em discussões altamente técnicas sobre datação, autoria e história textual, elas geralmente dedicam pouco espaço aos aspectos teológicos, doutrinários e práticos desses livros. No entanto, deve-se notar que essas questões de pano fundo são muito importantes em si mesmas. Os autores deste volume lidaram com muitas delas em outros momentos (por exemplo, veja a monografia altamente técnica de Charles Hill sobre as origens do corpus joanino).3 No entanto, para o líder comum de estudo bíblico ou para o pastor local, essas discussões nem sempre são sua principal necessidade ao preparar suas aulas ou sermões. Por certo, eles precisam ser apresentados às principais questões de fundo, mas não de forma que fiquem atolados em discussões excessivamente técnicas. Por essas razões, o presente volume tentou tornar a discussão de questões relacionadas ao pano de fundo mais simplificada e acessível. A título de exemplo, algumas das discussões mais técnicas que normalmente aparecem no início das introduções do Novo Testamento — discussões relacionadas 2 Para uma visão geral da história da pesquisa sobre o Novo Testamento, incluindo suas muitas introduções, veja: William Baird, History of New Testament Research, 3 vols. (Mineápolis: Augsburg Fortress, 1992–2013). 3 Charles E. Hill, The Johannine Corpus in the Early Church (Oxford: Oxford University Press, 2004).
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Introdução
ao texto do Novo Testamento, ao seu cânon e ao problema sinótico — agora aparecem no final desta. Assim, esses apêndices importantes estão disponíveis se e quando forem necessários, mas não são, se você preferir, a história principal. Além disso, eles são direcionados não para o erudito, mas para o pastor ou aluno comum. É teológico. Além de gastar menos tempo em questões históricas, este volume está conscientemente comprometido em gastar (comparavelmente) mais tempo em questões teológicas e doutrinárias. Como este volume é projetado sobretudo para ajudar pastores e líderes de estudos bíblicos a preparar seus sermões ou lições, uma prioridade maior é dada à exploração da mensagem de cada livro do Novo Testamento. É essa prioridade que levou ao título: Uma Introdução Bíblico-Teológica ao Novo Testamento. Evidentemente, a expressão teologia bíblica evoca muitas ideias para as pessoas.4 Historicamente, alguns defensores da teologia bíblica viam o Novo Testamento como uma coleção repleta de teologias diversas e contraditórias, as quais meramente refletiam os diferentes segmentos da Igreja Primitiva.5 De acordo com tal abordagem, não existe uma teologia do Novo Testamento, mas apenas, digamos, a teologia de Paulo, de João ou dos Sinóticos — e essas diferentes teologias estão frequentemente em conflito umas com as outras. Tal visão da teologia bíblica não é a defendida neste volume. Os colaboradores reconhecem que cada autor bíblico faz sua própria contribuição distinta, mas, ao mesmo tempo, reconhecem que essas diferentes contribuições são consistentes umas com as outras e ainda podem ser vistas como um todo unificado. As teologias distintas de livros individuais e a teologia geral do Novo Testamento são totalmente harmoniosas, visto que Deus é o autor final dos escritos do Novo Testamento.6 4 Para uma visão geral do estado da disciplina de teologia bíblica, veja: Scott J. Hafemann, ed., Biblical Theology: Retrospect and Prospect (Downers Grove: InterVarsity Press, 2002); e D. A. Carson, “Current Issues in Biblical Theology: A New Testament Perspective”, BBR 5. 1995, p. 17-41. 5 J. D. G. Dunn, Unity and Diversity in the New Testament: An Inquiry into the Character of Early Christianity, 3ª ed. (Londres: SCM, 2006); Ernst Käsemann, “The Problem of a New Testament Theology”, NTS 19. 1973, p. 235-45. 6 Alguns autores expressam seu compromisso com a unidade e coerência geral do Novo Testamento organizando suas teologias do Novo Testamento tematicamente, e não de acordo com cada livro individual. Por exemplo, Thomas Schreiner, New Testament Theology: Magnifying God in Christ (Grand Rapids: Baker Academic, 2008).
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Introdução
Outros veem a teologia bíblica como um corretivo (e substituição) da teologia sistemática. A dogmática tradicional, alguns argumentariam, é um empreendimento ilegítimo que força as Escrituras a se encaixarem em categorias artificiais e feitas pelo homem. A teologia bíblica, por outro lado, é apresentada como algo que preserva, com maior integridade, a mensagem da Bíblia. Tal abordagem, novamente, não é compartilhada pelos colaboradores deste volume. Reconhecemos que a teologia sistemática pode ser mal utilizada; alguns desenvolveram métodos sistemáticos que são, de fato, contrários às Escrituras. Mas esse uso indevido não torna o empreendimento ilegítimo. Existem muitos exemplos positivos de teologias sistemáticas que refletem fielmente o ensino das Escrituras, em vez de substituí-lo. Além disso, os colaboradores deste volume apreciam profundamente o valor e as percepções da teologia bíblica. A mensagem de cada livro pode (e deve) ser estudada dentro do contexto da própria situação histórica do autor. Porém, a teologia bíblica e a teologia sistemática não devem ser colocadas uma contra a outra. Ambas desempenham um papel crítico e não devem ser vistas como mutuamente excludentes.7 Como Geerhardus Vos observou, “a teologia bíblica [...] difere da teologia sistemática, não por ser mais bíblica ou aderir mais intimamente às verdades das Escrituras, mas devido ao fato de seu princípio de organizar o material bíblico ser histórico e não lógico.”8 Como exemplo de como este volume busca desenvolver a rica teologia dos autores do Novo Testamento, veja o excelente capítulo sobre Efésios, de Guy Waters. Observando como Efésios está centralmente focado na mensagem do Evangelho, Waters primeiro explora os “indicativos” do Evangelho, destacando como Paulo revela a obra redentora de cada membro da Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo. Em seguida, ele explora os “imperativos” do Evangelho, ou seja, o argumento de Paulo de que, à luz da graça de Cristo, devemos andar de maneira digna de nosso chamado (Ef 4.1). Tal vida digna de nosso chamado inclui o compromisso de servir 7 A harmonia entre os dois pode ser demonstrada pelo fato de que Geerhardus Vos, que é celebrado principalmente por seu trabalho em teologia bíblica (Biblical Theology [Edimburgo: Banner of Truth, 1975]) também ter escrito uma teologia sistemática (Reformed Dogmatics, vol. 1, Theology Proper [Bellingham, Washington: Lexham, 2014]). Veja também a discussão equilibrada e útil de Robert J. Cara, “Redemptive-Historical Themes in the Westminster Larger Catechism”, em The Westminster Confession into the 21st Century: Essays in Remembrance of the 350th Anniversary of the Westminster Assembly, ed. J. Ligon Duncan, vol. 3 (Fear: Mentor, 2009), p. 55-76. 8 Vos, Biblical Theology, p. v.
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Introdução
à Igreja, despojar-se do velho eu, revestir-se do novo e submeter-se às várias autoridades em nossas vidas. Assim, quando o capítulo termina, o leitor sai com mais do que apenas uma compreensão da controvérsia sobre se Paulo escreveu ou não Efésios (embora saia com essa compreensão). O leitor também sai com um entendimento profundo, completo e minucioso do Evangelho de Jesus Cristo e suas implicações para a vida cotidiana. É histórico-redentivo. Este volume está comprometido não apenas com a exploração da mensagem teológica de livros individuais do Novo Testamento, mas também em colocar a mensagem de cada um deles dentro do desdobramento do plano redentor de Deus. O objetivo é mais do que extrair verdades atemporais desses livros. Também queremos descobrir como esses livros funcionaram dentro da linha do tempo da história canônica maior — como a mensagem de um autor contribui para nossa compreensão geral da obra de Cristo. Embora muitos estudiosos ainda descrevam essa abordagem como um aspecto da teologia bíblica,9 pode ser mais simples dizer, por uma questão de clareza terminológica, que estamos interessados em examinar cada um dos livros do Novo Testamento através das lentes da história da redenção.10 Queremos mostrar como cada livro contribui para o cumprimento do plano salvífico de Deus. Em particular, tal abordagem se concentraria em como a história, os tipos e as sombras do Antigo Testamento encontram seu cumprimento na pessoa e obra de Cristo.11 Certamente, alguns colaboradores deste volume se concentram nesses temas histórico-redentivos mais do que outros. Alguns se contentam em observar os temas teológicos de seu livro específico em categorias sistemáticas tradicionais, enquanto outros estão mais interessados na maneira como esse livro se encaixa na 9 Vos usa a expressão teologia bíblica dessa maneira, mas ele admite que é “realmente insatisfatória, por causa de sua suscetibilidade à má interpretação” (ibid.). 10 Os termos bíblico-teológico e histórico-redentivo são vistos por muitos como virtualmente sinônimos: por exemplo, Edmund P. Clowney, Preaching and Biblical Theology (Nutley, New Jersey: P&R, 1975), p. 16; e R. B. Gaffin, Biblical Theology and the Westminster Standards, em The Practical Calvinist: An Introduction to the Presbyterian and Reformed Heritage, ed. Peter A. Lillback. (Fearn: Mentor, 2002), p. 425-42, esp. 425. Para uso adicional da frase histórico-redentivo, veja: Herman Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), p. 39, 45. 11 Para um exemplo útil de tal abordagem, consulte G. K. Beale, A New Testament Biblical Theology: The Unfolding of the Old Testament in the New (Grand Rapids, Michigan: Baker Academic, 2011).
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Introdução
linha do tempo da história bíblica mais ampla. Um excelente exemplo disso é o capítulo de Benjamin Gladd sobre o Evangelho de Marcos. Gladd explora como a atividade redentora de Jesus é realmente o cumprimento de um tema do “segundo êxodo” do livro de Isaías. Ele demonstra como o autor Marcos constrói partes de sua narrativa em torno do tema do êxodo para destacar Jesus como o grande libertador que traz a redenção final ao seu povo Israel. Ao fazer isso, Gladd ajuda o leitor a ver como Jesus completa a história da narrativa do Antigo Testamento e como o Evangelho de Marcos faz uma contribuição fundamental para nossa compreensão do plano de salvação de Deus. Outro exemplo de um foco útil em temas históricos da redenção é o capítulo sobre Mateus, de Reggie Kidd. Uma vez que Mateus é um Evangelho impregnado do Antigo Testamento, um Evangelho provavelmente escrito para um público judaico-cristão, Kidd ajuda o leitor a ver como Mateus apresenta Jesus como o cumprimento dos tipos do Antigo Testamento e o estágio superior (e final) da atividade redentora de Deus. Em particular, Kidd destaca como Jesus é apresentado como o novo Moisés (já que o Evangelho de Mateus é apresentado em cinco seções), maior que o templo, maior que Jonas e maior que Salomão. É reformado. Para qualquer introdução ao Novo Testamento — particularmente aquela que se concentra amplamente na teologia e na mensagem de cada livro —, é importante que os autores sejam teológica e doutrinariamente sólidos. Embora várias introduções disponíveis sejam escritas por autores altamente competentes (academicamente falando), muitas delas carecem da integridade doutrinária necessária para preparar sermões ou estudos bíblicos. Tais introduções geralmente têm uma visão baixa da autoridade das Escrituras e se contentam em afirmar muitas visões da alta crítica, como a crença de que muitos dos livros do Novo Testamento são falsificações, e não escritos pelos indivíduos a quem são atribuídos. Em contraste, os colaboradores deste volume — todos os quais são ou foram professores de Novo Testamento no Reformed Theological Seminary — têm uma visão elevada da autoridade das Escrituras e estão comprometidos com as doutrinas fundamentais nascidas da Reforma. Essas verdades estão incorporadas na Confissão de Fé de Westminster e nos cinco solas da Reforma: 26
Introdução
• Sola Scriptura (somente as Escrituras): somente a Bíblia é a autoridade máxima. • Sola fide (somente a fé): a fé é o único instrumento de nossa justificação. • Sola gratia (somente graça): somos salvos somente pela graça de Deus, não por obras. • Solus Christus (somente Cristo): Cristo é o único Mediador entre Deus e o homem. • Soli Deo gloria (para a glória de Deus somente): toda a vida é vivida somente para a glória de Deus. O compromisso de cada um dos colaboradores com a autoridade das Escrituras significa, entre outras coisas, que eles afirmam e defendem a autoria tradicional desses livros. A título de exemplo, veja o excelente capítulo de Simon J. Kistemaker sobre 2 Pedro — um livro que os estudiosos críticos veem como forjado por um autor posterior que finge ser Pedro. Dr. Kistemaker rejeita essa abordagem e oferece uma defesa robusta do apóstolo Pedro como autor. A reivindicação autoral da carta, ele ressalta, vai muito além da linha de abertura. O autor realmente se apresenta como Pedro ao relembrar sua presença na transfiguração de Jesus (2Pe 1.16-18). Sugerir que o autor não é Pedro significaria que o texto está fazendo uma afirmação falsa — e isso seria inconsistente com uma visão elevada das Escrituras. Para outro exemplo de como os colaboradores provêm de uma perspectiva consistentemente reformada, veja o excelente capítulo de Robert Cara sobre 1 Tessalonicenses. Lá ele cobre três questões teológicas críticas: o senhorio de Cristo, a escatologia e a eleição/chamado. Cada uma dessas questões é controversa por si só e ocasionou muita discussão e desacordo. No entanto, com caridade e clareza, Cara classifica as questões complexas e remete o leitor de volta a uma visão que seja consistente não apenas com o texto, mas também com a perspectiva reformada histórica em cada uma dessas questões significativas. No entanto, é importante notar que esses compromissos teológicos não vêm à custa da competência acadêmica. Alguns assumem que qualquer estudioso deve escolher entre os dois. Todavia, o objetivo deste volume é unir erudição de alta qualidade com um profundo compromisso com a autoridade das Escrituras e os distintivos da 27
Introdução
teologia reformada. A academia moderna insistirá que essas duas características não podem ser combinadas. Nós discordamos. É multiautoral. A maioria das introduções do Novo Testamento são escritas por um único autor. Mesmo que algumas introduções tenham vários autores, raramente suas contribuições são identificadas singularmente.12 Este volume se distingue pela quantidade de autores individuais (nove) e porque se informa ao leitor os nomes dos autores que compuseram cada parte. É claro que livros com vários colaboradores têm várias fraquezas potenciais (e reais). Existe o perigo de estilos de escrita díspares, inconsistência de abordagem e diferentes interesses acadêmicos e teológicos. Tentamos minimizar alguns desses perigos fazendo com que cada capítulo siga a mesma estrutura quíntupla: (1) introdução, (2) questões de pano de fundo, (3) estrutura e esboço, (4) mensagem e teologia e (5) bibliografia selecionada. Mas, mesmo dentro dessa estrutura, tentamos nos permitir alguma liberdade quanto à forma como abordamos cada livro. Por exemplo, na seção “Mensagem e teologia”, alguns autores preferiram descrever a mensagem do livro de acordo os principais temas teológicos, enquanto outros a descreveram capítulo por capítulo — quase como um comentário. Portanto, mesmo uma estrutura formal não pode fazer com que todos os capítulos pareçam exatamente iguais. Como resultado — apesar de nossos melhores esforços —, este volume ainda corre o risco de parecer uma coleção de capítulos sem a consistência de um volume de um único autor. Com tantos escritores diferentes, um nível de diversidade e multiplicidade é simplesmente inevitável. Porém, temos a esperança de que os pontos fracos de um volume de vários autores sejam superados por seus pontos fortes. Um volume de vários autores permite que o leitor seja exposto a uma variedade de perspectivas e origens diferentes — algo que volumes de autoria única não conseguem alcançar. O leitor não está preso a apenas uma única voz, mas é capaz de ouvir uma gama de vozes. Certos leitores farão coro com algumas vozes mais do que com outras. Além disso, uma multiplicidade de colaboradores permite que cada um se concentre em sua área de especialização. 12 Exemplos de introduções bem conhecidas com vários autores: D. A. Carson & Douglas J. Moo, An Introduction to the New Testament (Grand Rapids: Zondervan, 2005); Paul J. Achtemeier, et al., ed., Introducing the New Testament and Its Literature (Grand Rapids: Eerdmans, 2001); e Andreas J. Köstenberger, L. Scott Kellum & Charles L. Quarles, The Cradle, the Cross, and the Crown: An Introduction to the New Testament (Nashville: B&H Academic, 2009).
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Introdução
Tal especificidade dá ao leitor a oportunidade de ouvir um estudioso cuja pesquisa se especializa na própria área sobre a qual escreve. Dois bons exemplos de como tal volume dá espaço para a especialização acadêmica são os capítulos de Charles Hill sobre as cartas joaninas e o livro do Apocalipse. Além da extensa pesquisa de Hill sobre o corpus joanino (veja novamente The Johannine Corpus in the Early Church), ele também fez uma pesquisa primária intensiva sobre visões escatológicas cristãs primitivas em seu livro Regnum Caelorum: Patterns of Millennial Thought in Early Christianity, 2ª ed. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2001. Esse último volume ajuda Hill a analisar as várias visões acerca de Apocalipse a partir da perspectiva da história da Igreja. Além disso, deve-se notar que a natureza de vários autores do volume é impulsionada pela ocasião para a qual foi escrito. Como Ligon Duncan observa no prefácio, o volume foi escrito em comemoração ao cinquentenário do Reformed Theological Seminary, em 2016. Por esse motivo, quase todos os professores de Novo Testamento ao longo da história do seminário foram inclusos. Como resultado, este volume não apenas fornece um vislumbre do pensamento de estudiosos individuais; ele fornece um vislumbre do ministério do Reformed Theological Seminary como um todo e seu compromisso com a autoridade da Bíblia, a teologia reformada e o amor pela Igreja. É pastoral. Como observado acima, o propósito real deste volume é ajudar líderes de estudos bíblicos, pastores e líderes cristãos a ensinar e aplicar a Palavra de Deus a seus respectivos públicos. Essa é, naturalmente, a razão da ênfase na mensagem desses livros (e não apenas em questões técnicas de pano fundo). Além disso, este volume procurou pegar a mensagem desses livros e aplicá-la, de maneira prática e pastoral, às questões que a Igreja enfrenta. Por exemplo, o capítulo de William Barcley sobre 1 Pedro aborda a discussão da vida como estrangeiro e peregrino e, com um toque pastoral, encoraja os leitores a manterem os olhos fixos na Nova Jerusalém e em nossa herança eterna. Bruce Lowe, em seu capítulo sobre Tiago, faz um excelente trabalho pegando a discussão de Tiago sobre fé e obras e aplicando-a à luta prática diária que os cristãos travam pela santificação. E, em meu próprio capítulo sobre o Evangelho de João, exponho maneiras práticas pelas quais a mensagem de João pode ser aplicada a uma audiência em um sermão ou série de estudos bíblicos. 29
Introdução
Essa dimensão pastoral que se deu a esta introdução ao Novo Testamento é impulsionada por dois fatores. Primeiro, quase todos os colaboradores também são ministros ordenados, e muitos deles têm anos de experiência pastoral. Consequentemente, há uma inclinação natural entre esses estudiosos para ensinar o texto bíblico de uma maneira prática e pastoral. Em segundo lugar, todos os colaboradores estão comprometidos com a ideia de que o propósito principal do estudo bíblico é ensinar e abençoar a Igreja. Isso não significa, evidentemente, que alguém esteja proibido de fazer estudos voltados para seus pares acadêmicos. De fato, muitos dos colaboradores escreveram trabalhos acadêmicos impressionantes, interagindo com a comunidade acadêmica mais ampla. Porém, esses mesmos estudiosos reconhecem que esse não é o único propósito de sua erudição. Em última análise, a Palavra de Deus foi dada para a edificação e desenvolvimento do povo de Deus. Um estudioso pode fazer uma contribuição significativa para seu campo e, ao mesmo tempo, aplicar seus esforços acadêmicos ao ambiente da igreja local. Este volume, esperamos, é uma demonstração de que os dois não são mutuamente excludentes. Nesse sentido, seus colaboradores são realmente pastores-acadêmicos. Com esses distintivos em mente, podemos agora voltar nossa atenção para cada livro do Novo Testamento. Nossa esperança, nas palavras do apóstolo Paulo, é que “a Palavra do Senhor se propague e seja glorificada” (2Ts 3.1) como resultado do conteúdo deste volume. Soli Deo Gloria.
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Capítulo 1
Mateus Reggie M. Kidd
INTRODUÇÃO Dos quatro evangelhos canônicos, Mateus é o único a usar o termo “igreja” (ἐκκλησία, 16.18; 18.17). Por essa e outras razões, sempre se recomendou o relato de Mateus como especialmente útil para a “igreja” que Jesus funda nesse Evangelho. Uma razão é que, como um mestre artesão — ou, em seus próprios termos, um escriba do velho e do novo (13.52) —, Mateus estrutura seu Evangelho de uma maneira que une o Antigo e o Novo Testamento como a história de Israel e sua continuação na história da Igreja que acabara de emergir. Para esse fim, Mateus fornece padrões ricamente sugestivos para o ensino (veja abaixo os seus cinco blocos de ensino: o Sermão da Montanha [caps. 5–7], a missão a Israel [cap. 10], parábolas do reino [cap. 13], vida na igreja [cap. 18] e preparação para o julgamento [caps. 23–25]). Outra razão pela qual o Evangelho de Mateus provou ser tão útil para o ensino e a pregação da Igreja é seu senso bem equilibrado da missão de Jesus, isto é, seu senso de que Deus esteve entre nós — primeiro, para perdoar e curar e, depois, para refazer e remodelar. Emanuel veio para levar nosso pecado à cruz e, depois, trabalhar em nós para que, no âmago de nosso ser, reflitamos o caráter de nosso Pai celestial no que
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fazemos. Assim, desde Irineu no segundo século, os cristãos associaram o Evangelho de Mateus com a figura do “homem” em Ezequiel 1 e Apocalipse 4.1 Essa profunda intuição parte do fato de que Mateus começa com a genealogia humana de Jesus. As primeiras palavras de Mateus em grego — literalmente, “Um livro de gênese” — indicam que ele quer que entendamos que a nova gênese da raça humana ocorre agora em Jesus. E, no final, não há nada que torne os seres humanos mais radiantemente vivos do que refletir o caráter do Deus cuja imagem eles carregam.
QUESTÕES DE PANO DE FUNDO Autoria O “Evangelho segundo Mateus” nunca circulou sem esse título, de maneira que, há muito, se acredita que tenha sido escrito pelo apóstolo Mateus. Segundo Eusébio (século IV), Papias (século II) recebeu de João, o Presbítero (século I), o entendimento de que Marcos escreveu seu Evangelho como “intérprete de Pedro” (ἑρμενευτὴς Πέτρου), embora “não de forma ordenada”. Então, Mateus “reuniu a logia [um termo que pode se referir tanto a palavras quanto a ações] em um arranjo ordenado no dialeto hebraico” (Ἑβραΐδι διαλέκτῳ τὰ λόγια συνετάξατο).2 Escritores da Igreja Primitiva e estudiosos modernos pensavam que Papias referia-se à língua hebraica ou aramaica ao aludir ao “dialeto hebraico”. Contudo, o grego de Mateus é um dos mais suaves do Novo Testamento; mais provavelmente, Papias quis dizer que o “arranjo ordenado” de Mateus estava de acordo com o senso de estilo hebraico.3 Assim, por exemplo, seu arranjo (veja abaixo) dos atos e palavras de Jesus em cinco blocos lembram a estrutura da Torá. Além disso, Orígenes (século III) entendia que Mateus fora “um cobrador de impostos outrora, mas, posteriormente, um apóstolo de Jesus Cristo; ele o publicou [isto é, o seu Evangelho] para aqueles que vieram do judaísmo à fé”.4 É difícil saber com base em qual autoridade Orígenes identifica Mateus como o cobrador de 1 Irineu, Haer. 3.11.8. 2 Eusébio, Hist. Eccl. 3.39.14-17 (Tradução do autor; doravante T.A). 3 Ou, segundo Craig Evans, “uma maneira hebraica (ou judaica) de apresentar material ou argumentar” (Matthew [Cambridge: Cambridge University Press, 2012], p. 2). Veja G. Scott Gleaves, Did Jesus Speak Greek? The Emerging Evidence of Greek Dominance in First-Century Palestine (Eugene: Pickwick, 2015), para um argumento persuasivo de que o Evangelho de Mateus é, provavelmente, uma composição originalmente grega, e não uma tradução do aramaico. 4 De acordo com Eusério, Hist. Eccl. 6.25.3-6 (T.A).
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impostos — se ele se baseia em alguma autoridade externa, ou se infere a sua afirmação da observação (como muitos têm feito desde então) de que somente o Evangelho de Mateus o chama de “o cobrador de impostos” ao listá-lo como um dos 12 apóstolos (Mt 10.3).5 Independentemente disso, a tradição da Igreja Primitiva atribuiu a Mateus o símbolo de três bolsas. A sugestão de C. F. D. Moule de que Mateus 13.52 é autobiográfico é atraente: “Por isso, todo escriba versado [μαθητεύεσθαι, nesse contexto, é cognato tanto da palavra “discípulo” (μαθητής) quanto do nome de Mateus (Μαθθαῖος)] no Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas”. É impossível provar, apesar da proposta de E. J. Goodspeed, que Mateus está apontando para o tipo de anotações ou habilidades de secretariado que seu ofício teria exigido, agora colocado a serviço de Jesus. No entanto, é tão plausível quanto (e sugiro mais do que) teorias modernas que ignoram o Mateus histórico — por exemplo, “Mateus” como um projeto escrito por um grupo colaborativo (semelhante aos escritos da comunidade essênica)6 ou uma obra produzida por “um judeu de segunda geração (helenizado)”.7 Além disso, se a intenção, nesses exemplos teóricos, fosse apropriar-se do nome de um dos Doze como autor para dar legitimidade ao ensinamento, seria de esperar o uso do nome de um apóstolo mais ilustre.8
Público Por causa da familiaridade deste Evangelho com o mundo judaico de sua época, o consenso acadêmico é que Mateus foi escrito para uma comunidade judaico-cristã de origem grega, um grupo que tinha dificuldades para entender a missão de Israel para as nações por meio de Jesus, o Messias. Essa comunidade poderia ser qualquer uma dentre as igrejas da época, de Alexandria a Jerusalém, Antioquia, Sidom, Tiro etc. O próprio Evangelho de Mateus não fornece muitas pistas — excetuado, talvez, o fato de que, quando Mateus observa a propagação da fama de Jesus no início de 5 Compare Marcos 2.14 e Lucas 5.27, que nomeiam “Levi” como o cobrador de impostos a quem Jesus chama; a história paralela em Mateus o chama de “Mateus” (Mt 9.9-13). Todos os três Sinóticos e Atos (veja At 1.13) listam Mateus entre os apóstolos; o Evangelho segundo Mateus, sozinho, o chama de “o cobrador de impostos”. 6 Krister Stendahl, The School of St. Matthew, and Its Use of the Old Testament (Uppsala: Gleerup, 1954). 7 Rudolf Schnackenburg, The Gospel of Matthew (Grand Rapids: Eerdmans, 2002), p. 6. 8 Evans, Matthew, p. 4.
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Reggie M. Kidd
seu ministério, o escritor do Evangelho observa que essa fama se estendia além da Galileia de Marcos (Mc 1.39) ou mesmo da Judeia de Lucas (Lc 4.44), para incluir, de todos os lugares, a Síria (Mt 4.23-24). Esse foi o lugar, de acordo com o livro de Atos (veja especialmente At 11.19-30; 13–14), onde a Igreja Primitiva aprendeu a superar o abismo entre suas raízes judaicas e a missão gentia, assim como onde “a igreja” vinha ganhando uma identidade independente como uma comunidade composta de “cristãos”. Foi lá que o Evangelho de Mateus foi citado pela primeira vez — e veementemente — por um líder da igreja pós-bíblica, a saber, Inácio (século II), bispo de Antioquia da Síria (por exemplo, ao usar Mt 3.15, “para cumprir toda a justiça”, para descrever o batismo de Jesus).9
Data A maioria dos estudiosos modernos tem certeza de que Mateus foi escrito depois de 70 d.C., isto é, após a guerra judaica que levou à destruição de Jerusalém e do templo em 70 d.C. Mateus 22.7 presumivelmente prevê a destruição de Jerusalém após o fato: “O rei ficou irado e, enviando as suas tropas, exterminou aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade”. Além disso, há o fato de que, de todos os quatro Evangelhos, apenas Mateus usa a palavra “igreja” para se referir aos seguidores de Jesus. Esse fato, em combinação com o indicativo da destruição de Jerusalém, é considerado decisório em uma datação pós-70 d.C. de Mateus. É somente então, supõe-se, que os cristãos judeus adquirem a autoconsciência de que “a Igreja” é uma entidade distinta da sinagoga e do templo. Por outro lado, afirma J. A. T. Robinson, as referências de Mateus (bem como dos outros Evangelhos) à destruição de Jerusalém são restritas o suficiente para nos fazer pensar se elas não são mais bem interpretadas como anteriores aos eventos. Mateus 22.7, diz Robinson, poderia pressupor uma datação posterior a 70 d.C., mas não o requer, especialmente quando o texto é comparado com referências, por exemplo, nos Oráculos Sibilinos, que claramente são posteriores a 70 d.C.10 Ademais, as profecias no Sermão das Oliveiras de Mateus (cap. 24) são decididamente voltadas para o futuro; a inclusão de um “imediatamente” entre a destruição (24.29) e “o fim [consumação] da era” (24.3) a seguir é especialmente reveladora. E, como afirma 9 Inácio, Esm. 1.1. 10 John A. T. Robinson, Redating the New Testament (Filadélfia: Westminster Press, 1976), esp. p. 19-26.
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Robinson, a partir de “referências às condições em Jerusalém ‘até hoje’ (27.8; cf. 28.15), seria de esperar que ele, de todas as pessoas, chamasse a atenção para a atual devastação do local”.11 Essas considerações, juntamente com outras indicações de que a prática do templo continuava nos dias de Mateus (por exemplo, deixar sua oferta no altar, pagar o imposto do templo, jurar pela oferta no altar — Mt 5.23-24; 17.24-27; 23.16-22), sugerem que Irineu acertou: Mateus escreveu “na época em que Pedro e Paulo estavam pregando o Evangelho e fundando a igreja em Roma”.12 É verdade que um dos fatos mais distintivos sobre o Evangelho de Mateus é ser o único a usar a palavra “igreja”. Por essa razão, muitos estudiosos assumem erroneamente que esse Evangelho releu um ensinamento no ministério de Jesus que não poderia ter vindo dele, mas deve ter sido atribuído a ele após sua morte e (suposta) ressurreição.13 Ao contrário, se o senso unânime do Novo Testamento da missão de Jesus está correto (morte e ressurreição, seguidas pela ascensão e a proclamação do Evangelho), é totalmente razoável vê-lo antecipando uma encarnação comunitária de sua obra na sequência de sua morte, ressurreição e ascensão. Além disso, o preparo que Jesus deu aos seus seguidores para o surgimento da “Igreja” leva em consideração, de maneira mais satisfatória, a profunda judaicidade de sua percepção da natureza corporativa da autoexpressão de Deus na história humana. Deus projeta sua vida no mundo por meio da díade de homem e mulher, por meio da família de Abraão, por meio da “posse peculiar” dos filhos de Israel, por meio da nação que se reúne sob Davi e Salomão e por meio do “remanescente” através de quem ele atua mesmo no exílio. Não é argumento para uma data tardia o fato de Mateus mencionar Jesus falando sobre a “Igreja”.
Propósito Independentemente da localização precisa da audiência e da data de composição, o propósito do Evangelho de Mateus parece ser pelo menos triplo: 11 Ibid., p. 23. Veja também a excelente defesa da autenticidade das profecias de Jesus contra o templo em Craig S. Keener, The Historical Jesus of the Gospels (Grand Rapids: Eerdmans, 2009), p. 250-53. 12 Irineu, Haer. 3.1.1 (T.A). 13 Veja a defesa da autenticidade dos ditos ἐκκλησία de Mateus (16.18; 18.17) em K. L. Schmidt, “ἐκκλησία”, TDNT, p. 3:518-26.
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1. Demonstrar que as Escrituras Hebraicas sempre apontam para Jesus como Messias e inaugurador do Reino de Deus “já e ainda não”. 2. Mostrar que Jesus trouxe perdão e renovação pessoal, permitindo um entendimento e uma observância verdadeiros da intenção da Torá. 3. Explicar como Jesus, que está “convosco todos os dias até à consumação do século”, está formando uma comunidade — isto é, a “Igreja” — de seguidores judeus e gentios para servir de modelo para a presença do Reino de Deus na era presente e levar a missão de Deus às nações. É nessa instrução, mostrando aos crentes judeus e não judeus como viver juntos, por meio da vida transformada de dentro para fora, que o Evangelho de Mateus fornece um material de pregação profundo e rico para o pastor que deseja ajudar uma congregação a desenvolver uma fé autêntica e um testemunho amoroso para um mundo cético.
Historicidade Para a maioria dos estudiosos, o fato de o Evangelho de Mateus depender muito de Marcos é inquestionável: pelo menos 90% de Marcos aparece aqui, embora, em Mateus, as histórias sejam compactadas e mais claras. Consistentemente, Mateus mostra um uso mais claro, conciso e correto do grego do que Marcos. Os eventos geralmente são contados na sequência de Marcos, mas há exceções. Quando Mateus se afasta da cronologia de Marco, Lucas tende a concordar com Marcos. De fato, é geralmente aceito por estudiosos conservadores e liberais que Marcos e Lucas são mais governados pela cronologia, enquanto Mateus está mais interessado no desenvolvimento temático. A despeito disso, é mais fácil para a maioria dos que analisam o assunto supor que, se houver uma relação literária, é mais provável que Mateus use Marcos como parte de sua estrutura do que que Marcos trabalhe a partir de Mateus. Isso é verdade porque, caso contrário, Marcos abandonaria por completo 50% do material contido em Mateus e ainda expandiria, sem elegância literária, as histórias e ditos bem elaborados de Mateus. Vale a pena mencionar que, na erudição moderna, sempre houve um relato minoritário argumentando que, se houver uma relação literária, Mateus veio primeiro e Marcos adaptou seu material. No entanto, junto com Leon 36
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Morris, observamos: “Não é fácil entender por que Marcos, ao abreviar Mateus, ficaria com narrativas mais longas e mais verossímeis de forma tão consistente”.14 Estudiosos ofereceram vários cenários para explicar as diferenças entre Mateus, Marcos e Lucas. Muitos especulam a existência de um escrito adicional separado, o documento “Q” (“Q” é a abreviação do alemão Quelle, isto é, “fonte”), como a fonte subjacente do material didático compartilhado por Mateus e Lucas (por exemplo, o Sermão da Montanha e o Sermão da Planície de Lucas). Juntamente com um documento hipotético “M” para explicar o material exclusivo de Mateus (por exemplo, as ovelhas e as cabras) e um documento hipotético “L” para explicar o material exclusivo de Lucas (por exemplo, o Bom Samaritano), Marcos e “Q” formam os elementos da teoria dos “quatro documentos” por meio da qual a maioria dos estudos se propõe a explicar os três Evangelhos Sinóticos. Devo discordar da facilidade com que a erudição moderna insiste em que as relações entre os Evangelhos sejam explicadas pelo apelo a meros documentos (sejam reais, como os de Marcos, sejam hipotéticos, como “M”, “L” e “Q”). Há todas as razões para se pensar que cada um dos quatro Evangelhos é, direta (para Mateus, veja 13.52; para Marcos, veja 14.51-52; e para João, veja 19.35; 21.24-25) ou indiretamente (para Lucas, veja 1.1-4), um produto de relatos de testemunhas oculares — e, além disso, testemunhas oculares que participaram de uma complexa rede relacional de experiências compartilhadas e perspectivas variadas. Algumas das diferenças entre os Evangelhos dizem respeito à sequência (a ordem das tentações de Cristo) ou ao tempo (Jesus purificou o templo no início de seu ministério, no final ou em ambos?). Para a presente abordagem panorâmica de Mateus, o que importa é reconhecer que Mateus, por suas razões, organizou seu material tematicamente. Como John H. Walton e D. Brent Sandy apontam: “Os evangelistas se sentiram à vontade para reorganizar a ordem dos eventos de acordo com os pontos que estavam apresentando”.15 E, apenas para esclarecer, é apenas segundo as mais questionáveis hipóteses que arranjo temático e historicidade são considerados incompatíveis. 14 Leon Morris, The Gospel according to Matthew, PNTC. (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), p. 16. 15 John H. Walton & D. Brent Sandy, The Lost World of Scripture: Ancient Literary Culture and Biblical Authority (Downers Grove: InterVarsity Press, 2013), p. 148.
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ESTRUTURA E ESBOÇO Mateus é “o arquiteto entre os evangelistas”, diz Herman Ridderbos.16 Com perfeita maestria, Mateus alterna entre as palavras e os atos de Jesus. De fato, ele enquadra todo o seu retrato de Cristo em torno de cinco séries de narrativas, cada uma culminando em um dos cinco grandes discursos respectivos. Ele termina cada seção que contém uma narrativa e um discurso com a mesma fórmula, bem preservada na ARA: “Quando Jesus acabou de proferir estas palavras...” (7.28; 11.1; 13.53; 19.1; 26.1). I. Narrativas de genealogia, nascimento e infância (1.1–2.23) II. Série 1: da coroação à tônica (3.1–7.29) A. Narrativa (3.1–4.25) B. Discurso: Bem-aventuranças e Sermão da Montanha (5.1–7.27) C. Ponte: “Quando Jesus terminou estas palavras” (7.28-29) III. Série 2: Chamado ao discipulado e missão (8.1–11.1) A. Narrativa (8.1–10.4) B. Discurso: Missão dos discípulos (10.5-42) C. Ponte: “Quando Jesus acabou de ordenar” (11.1) IV. Série 3: A Sabedoria do Reino dos Céus (11.2–13.53) A. Narrativa (11.2–12.50) B. Discurso: Parábolas do Reino (13.1-52) C. Ponte: “Tendo Jesus proferido estas parábolas” (13.53) V. Série 4: A forma da Igreja (13.54–19.2) A. Narrativa (13.54–17.27) B. Discurso: Vivendo no Reino/Igreja (18.1-35) C. Ponte: “Quando Jesus terminou estas palavras” (19.1-2) VI. Série 5: Preparação para o julgamento (19.3–26.1) A. Narrativa (19.3–22.46) B. Discurso: Aflições e o perigo e o julgamento por vir (23.1–25.46) C. Ponte: “Quando Jesus terminou todas estas palavras” (26.1) VII. Crucificação, ressurreição e grande comissão (26.2–28.20) 16 Herman Ridderbos, Matthew’s Witness to Jesus Christ: The King and the Kingdom, World Christian Books (Nova York: Association Press, 1958), p. 19. Ridderbos segue um esquema amplamente aceito e, para mim, altamente satisfatório, não obstante as objeções de Werner Georg Kümmel, Introduction to the New Testament (Nashville: Abingdon, 1973), p. 106.
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As narrativas de nascimento e morte-ressurreição, juntamente com as cinco séries entre elas, formam um quiasmo. a Narrativas de genealogia, nascimento e infância (1.1–2.23) b Série 1: Da coroação à tônica (3.1–7.29) c Série 2: Chamado ao discipulado e missão (8.1–11.1) d Série 3: A sabedoria do Reino dos Céus (11.2–13.53) c’ Série 4: A forma da Igreja (13.54–19.2) b’ Série 5: Preparação para o julgamento (19.3–26.1) a’ Crucificação, ressurreição e grande comissão (26.2–28.20) A primeira parte de Mateus (caps. 1–7: linhagem, nascimento e narrativas da infância, somados à série 1) consiste em um movimento que parte da genealogia de Jesus e passa por seu nascimento e resgate de Herodes, seguindo para seu batismo, que foi realizado por João Batista, e para os primórdios de seu ministério público (caps. 1–4). O clímax da seção de abertura é o Sermão da Montanha (caps. 5–7), a tônica do ministério de ensino de Jesus. Mateus começa a segunda parte (8.1–11.1, série 2) agrupando nos capítulos 8–9 várias histórias de milagres portentosos (e que também envolviam cura) que estão espalhadas por Marcos. Aqui é apresentado o chamado de Mateus, o cobrador de impostos (Mt 9.9-13, que muitos pensam ser a assinatura autoral de Mateus). Os 12 discípulos são mencionados em um único parágrafo antes de Jesus incumbi-los da missão em Israel (cap. 10), o clímax da segunda seção. Na terceira seção (11.2–13.53, série 3), Mateus fornece ilustrações narrativas da natureza peculiar e do tempo do Reino dos Céus — desde a pergunta de João Batista sobre a identidade de Jesus (11.2-19) até a colheita de grãos dos discípulos no sábado (12.1-8) e o conflito de Jesus com Belzebu (12.22-32). Em seguida, ele reúne parábolas — com foco na parábola do semeador (13.1-9, 36-43) — nas quais Jesus ensina que o reino é “já e ainda não”, assim como oculto e revelado. A quarta seção (13.54–19.2, série 4) marca a preparação de Jesus para a cruz e para a criação da Igreja. Apropriadamente, a porção narrativa começa com a rejeição de Jesus em Nazaré (13.54-58) e a morte de João Batista pelas mãos de Herodes, o tetrarca (14.1-12). Essa seção abrange toda a intenção que Jesus tinha de: 39
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1. Fornecer comida celestial para Israel (14.13-21) — a alimentação dos cinco mil em Israel. 2. Remodelar o povo de Deus, fazendo da fé o marcador de fronteira entre “puro” e “impuro” (15.1-28). 3. Fornecer pão para as nações bem como para Israel (15.32-39) — a alimentação dos quatro mil, após o ministério de Jesus na Decápolis e antes de seu retorno a Israel. A confissão de Pedro em Filipos (nas profundezas do Líbano gentio) torna-se a ocasião para Jesus explicar a maneira irônica pela qual ele salvará seu povo e construirá sua Igreja. A seção culmina com o que Frederick Dale Bruner chama apropriadamente de “O Sermão da Congregação”.17 Aqui está o ensinamento de Jesus sobre a forma da Igreja, a comunidade que sua cruz criará, marcada pela humildade, cuidado mútuo e perdão (Mt 18). A quinta seção (19.3–28.20: série 5 e as narrativas da paixão e ressurreição) começa com Jesus se aproximando de Jerusalém e entrando em conflito cada vez mais profundo com “os principais sacerdotes e os fariseus” (por exemplo, 21.45). A narrativa de sua Entrada Triunfal (21.1-17), bem como os relatos de suas ações (como a maldição da figueira, 21.18-22) e seus ensinamentos ao redor do recinto do templo (como a parábola dos inquilinos iníquos [21.33-45] e do banquete de casamento [22.1-14]) deixam claro que a profecia deve se cumprir: A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular. (21.42)
A seção culmina num longo discurso que, de muitas maneiras, reflete o Sermão da Montanha: as bênçãos do reino (5.1-12) dão lugar aos “ais” do contrarreino (23.136). A cidade sobre uma colina que torna visível a luz de Deus (5.14-16) dá lugar a uma cidade condenada por ter apagado a luz divina (cap. 24). A escolha de construir na rocha ou na areia (7.24-27) provará ter sido feita por aqueles que, sem saber, serviram ou não ao Rei, cuidando “do menor destes meus irmãos” (25.31-46). Segue-se o 17 Frederick Dale Bruner, Matthew: A Commentary: The Churchbook, Matthew 13–28, ed. rev. (Grand Rapids: Eerdmans, 2007), livro eletrônico [versão Kindle].
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julgamento, a morte, a ressurreição e a missão de Jesus para as nações. Características particulares de Mateus incluem o enforcamento de Judas, a ressurreição de “muitos [...] dos santos que adormeceram” por ocasião da morte de Jesus (27.52), a conspiração para encobrir a ressurreição de Jesus e a outorga da Grande Comissão.
MENSAGEM E TEOLOGIA Temas teológicos
Emanuel, “Deus conosco” No relato de Mateus sobre a “gênese” de Jesus, encontramos a linhagem de Abraão, a quem Deus prometeu que todas as famílias da terra seriam abençoadas. Deus dirige seus propósitos de recriação para a raça humana através dessa família — e, então, através do reino que Deus estabelece por meio de um dos descendentes de Abraão, Davi. As histórias de Abraão e Davi não foram contadas no vácuo nem tinham a intenção de servir ao orgulho étnico e nacional. Elas foram contadas para “todas as famílias da terra” (Gn 12.3; cf. Sl 22.27, um dos salmos mais davídicos). É nessa linhagem humana — mesmo através, precisamente através, do tortuoso caminho do exílio (Mt 1.11-12) — que Jesus, ele mesmo humano e a esperança singular da humanidade, aparece. Depois que Mateus ancora a vida de Jesus na substância de nossa humanidade, ele se volta para a divindade de Jesus. O nome do Cristo é Jesus, que significa “Yah salva”. Embora o nome Jesus tenha servido (e ainda sirva) como um nome normal, Mateus insiste no fato de que, para essa criança, ele tem um significado maior. Primeiro, a origem de Jesus (sua “gênese”) não é meramente humana, mas também divina: “ela [Maria] achou-se grávida pelo Espírito Santo” (1.18). Em segundo lugar, a razão pela qual ele leva o nome “Yah salva” é porque sua missão é “salvar seu povo de seus pecados” (1.21), uma tarefa que somente o próprio Deus pode realizar. Terceiro, seu nome também é “Emanuel (que significa Deus conosco)” (1.23). Tampouco o título “Deus conosco” deve ser tomado de forma meramente metafórica, pois o Jesus de Mateus sustenta:
1. que, quando seus seguidores se reúnem, “eu estou no meio deles” (18.20). 2. que, quando seus seguidores batizam, fazem-no em seu nome, bem como no do Pai e do Espírito Santo. 3. que, aonde quer que eles vão para fazer discípulos, “eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (28.20). 41
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Alguns eventos são difíceis de colocar em um lado do registro divino-humano. Embora Mateus esteja profundamente interessado na autoridade de Jesus (7:29; 8:9; 9:6; 10:1; 21:23; 28:18), ele também abraça a verdade complementar: a verdadeira humanidade de Jesus, claramente expressa nas passagens de “ignorância”: (1) o Pai decide quem estará à direita e à esquerda do Filho do Homem (20.23); (2) Jesus não sabe o tempo do fim do mundo (24.36); e (3) ele morre com o questionamento “por quê?” em seus lábios (27.46). Depois, há a filiação de Jesus. Na medida em que ele é o foco da declaração: “Do Egito chamei meu filho” (2.15), Jesus é a personificação de Israel, a humanidade em relação correta com a divindade. Na medida em que ele vive a obediência no deserto, em contraste com a rebelião de Israel no deserto, ele mostra o que é para o “homem” (ὁ ἄνθρωπος) viver de mais do que mero pão. E, é claro, a genealogia se esforça para mostrar a sua procedência humana. Então, novamente, o enigma final que Jesus apresenta a seus interlocutores depende do enigma (derivado das Escrituras!) do Messias ser tanto o Filho de Davi quanto o Senhor de Davi (22.41-46) — isto é, Jesus se entende como o Filho divino de Deus. Em sua visão de Cristo como Deus-homem, Mateus se junta às outras vozes do Novo Testamento que se destacam como teólogos cristológicos: Em sua visão de Cristo como Deus-homem, Mateus se junta às outras vozes do Novo Testamento que se destacam como teólogos cristológicos: • João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus” (Jo 1:1); e observe os sete “Eu sou” de João. • Hebreus: “Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1.3). • Paulo: “Embora ele estivesse na forma de Deus...” (Fp 2.6). Não é difícil entender por que o consenso da Igreja veio a ser que Jesus é totalmente divino e totalmente humano — ou, como o artista cristão Shai Linne expressa, “Jesus, tanto Deus quanto homem, 200%”. O que marca a cristologia de Mateus como especial é a maneira como ele desdobra organicamente a humanidade e a divindade de Jesus Cristo para um leitor judaico-cristão. Ele o faz aludindo à história de Israel. Em outras palavras, Jesus é a nova Torá; é “maior que o templo” (12.6); é “maior que 42
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Jonas” (12.41); é “maior que Salomão” (12.42); é aquele em quem o Reino de Deus veio e está vindo; é o único Mestre de Israel; e, finalmente, é “Deus conosco”, o qual, porém, é totalmente conhecido, ironicamente, “no menor destes” (25.45). Jesus como a nova Torá Mateus apresenta a vida e o ministério de Jesus em cinco seções distintas de material, lembrando os cinco livros de Moisés, a Torá ou o Pentateuco. Tematicamente, o Evangelho de Mateus segue o arco da Torá. Exatamente como o livro de Gênesis, o relato de Mateus trata de “princípios”. A narrativa de Mateus sobre o nascimento e o ministério inicial de Jesus ecoa a história de libertação de Êxodo (veja abaixo). Levítico é dominado pelo tema da “santidade”, tanto por meio de sacrifícios santificadores (por exemplo, Lv 16.30) quanto por meio de instrução (por exemplo, Lv 19.2: “Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo”). Da mesma forma, no relato de Mateus, Jesus oferece seu próprio “sangue da aliança [...] para o perdão dos pecados” (Mt 26.28) e ensina seus seguidores a serem “perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial” (Mt 5.48). Se o livro de Números é a história do povo de Deus se tornando uma comunidade na jornada para a Terra Prometida, Mateus assume a tarefa de dar instruções sobre como ser a “Igreja” enquanto “vamos e fazemos discípulos”. Por fim, assim como o livro de Deuteronômio coloca uma escolha de vida e morte diante do povo de Deus no Monte Gerizim e no Monte Ebal, Jesus pronuncia bem-aventuranças (Mt 5) e ais (Mt 23),18 além de dizer, com efeito: “Construa com sabedoria” (Mt 7.24) — em outras palavras: “Escolha a vida” (Dt 30.19). De fato, Mateus sugere que Jesus corrige ideias erradas sobre o que a Torá deveria fazer e ser. Os judeus contemporâneos de Jesus pensavam na Torá como “o jugo do Reino dos Céus”.19 Assim, como afirmou Simão, o Justo, “[s]obre três coisas o mundo repousa: sobre a Torá, sobre o serviço do templo e sobre a prática de atos de bondade”.20 De forma extraordinária — e arrogante, caso ele não fosse divino de fato —, Jesus afirma que as pessoas encontrariam nele o que buscavam na Torá: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis 18 N. T. Wright, The New Testament and the People of God (Mineápolis: Fortress, 1992), p. 386-87. 19 Sifra, Kedoshim sobre Lv 20.26. 20 Pirke Aboth 1.2
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descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.28-30). Assim, com as nove bem-aventuranças, Jesus permanece como Senhor da aliança, pronunciando bênçãos promissórias, como se estivesse no Monte Gerizim de Deuteronômio. Com os sete ais, Jesus pronuncia ais de advertência, como se estivesse no Monte Ebal de Deuteronômio. Jesus é o que a Torá era. No entanto, existem duas grandes diferenças: primeiro, adorar a Torá é, na pior das hipóteses, idolatria ou, na melhor das hipóteses, bibliolatria; adorar a Jesus não é idolatria, pois ele é “Deus conosco” (Mt 1.23). Em segundo lugar, Jesus pode “salvar o seu povo dos seus pecados” (1.21); a Torá não. A Torá pode fornecer o que Paulo chamará de uma providencial “propiciação” (Rm 3.25) dos pecados por meio do “sangue da aliança” (Êx 24.8); Jesus, todavia, provê “meu sangue da aliança” (Mt 26.28). O livro Torá, inspirado por Deus, pode antecipar o perdão; o Deus-homem Jesus pode fornecer perdão. Mateus quer que os leitores saibam que a Torá é cumprida em Jesus. A Sagrada Escritura sempre disse respeito a algo e Alguém além de si mesma. Repetidamente, Mateus cita fórmulas bíblicas para que seus leitores saibam que Jesus está atualizando a história de Israel. • Mateus 1.23. O nascimento de Jesus cumpre a promessa de que Deus seria Emanuel, “Deus conosco” (cf. Is 7.14). • Mateus 2.15. Jesus é o Filho obediente e fiel que Israel deveria ter sido (Os 11.1). Assim, sua vida, especialmente os primeiros eventos, são um relato da história do êxodo de Israel: nascimento milagroso; resgate da trama de um rei maligno; peregrinação no Egito e convocação para sair de lá; passagem pelas águas batismais e recepção do Espírito Santo; tentação durante 40 dias (em vez de 40 anos) no deserto; obediência quando Israel não obedeceu (como as citações de Deuteronômio quando Jesus confronta o Diabo); e o início da conquista dos inimigos de Deus (exorcismos, curas, confronto com autoridades espirituais malignas e caóticas). • Mateus 8.16-17. As curas de Jesus cumprem a profecia do Servo sofredor (Is. 53.5). • Mateus 12.6. Jesus é maior do que o templo, o lugar onde Deus viveu (mesmo que, por enquanto, Jesus aceite o arranjo provisório — 17.24-27). 44
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• Mateus 12.41. Jesus é maior do que Jonas (aquele que esteve “morto” três dias e três noites e que partiu em uma missão relutante aos pagãos). • Mateus 12.42. Jesus é maior que Salomão (o primeiro filho da linhagem de Davi a herdar o trono). • Mateus 12.15-21. O silêncio de Jesus cumpre a profecia sobre o Servo que não esmagará a cana quebrada (Is 42.1-4). • Mateus 13.10-17. As parábolas de Jesus cumprem a comissão de Isaías de confundir e instruir (Is 6.9-10, LXX). • Mateus 21.10-17. Jesus purifica o templo como parte da restauração da mensagem do Salmo 8 acerca da restauração do papel da humanidade de levar a glória de Deus e liderar a sua criação em louvor (Sl 8.3, LXX). Ao citar a afirmação de Jesus de que ele é maior que o templo (Mt 12.6), maior que Jonas (12.41) e maior que Salomão (12.42), Mateus força a pergunta: este não é o Sacerdote, Profeta e Rei para quem tudo na história de Israel foi dirigido? “Maior que o templo” Sob a administração de Moisés, Deus estabeleceu sua presença entre seu povo. Ele fez isso resgatando-os não apenas dos egípcios, seus inimigos, mas também do anjo da morte que, não menos que os egípcios, eles mereciam. Deus estabeleceu sua presença “fazendo uma aliança” com eles, pela qual ele se tornou seu Deus, e eles, seu povo. Os Dez Mandamentos formaram a base de um documento pactual que unia o Senhor a seu povo da aliança. A Torá — os cinco livros de Moisés — serviu como desenvolvimento e explicação desse relacionamento de aliança. Deus estabeleceu sua presença entre seu povo proporcionando sacrifícios de expiação e comunhão, oferecendo oráculos que revelavam seu caráter e descreviam o que significava ser semelhante a ele, e constituindo-os como seu “povo peculiar” — isto é, como uma vitrine de como deveria ser uma comunidade redimida. O lugar simbólico da vida da aliança sob Moisés era o tabernáculo; sob Salomão, o tabernáculo deu lugar ao templo. Mateus descreve a outorga da Torá e do templo a Emanuel. A razão pela qual Jesus é “maior que o templo” (Mt 12.6) é que ele transformou duas realidades: em primeiro lugar, o sistema sacrificial e, em segundo, o local de reunião. 45
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Mateus é o único dos Evangelhos que cita Isaías 53.4: “Ele tomou sobre si nossas enfermidades e as nossas dores” (Mt 8.17). Também de maneira única, na instituição da Última Ceia, o Jesus de Mateus usa a linguagem de Moisés do “sangue da aliança” (Mt 26.28; cf. Êx 24.8), com duas adições surpreendentes: (1) o pronome “meu” para qualificar o sangue; e (2) o explicativo “derramado em favor de muitos, para remissão de pecados”. O verbo “derramar” também é um apelo exclusivo de Mateus a Isaías 53 — nesse caso, um eco da antecipação que Isaías fez da esperança de que o Servo sofredor “derram[aria] sua alma na morte” (Is 53.12). Quase como se fornecesse um suporte para a explicação de que o nome de Jesus indica que “ele salvará o seu povo dos pecados deles” (Mt 1.21), Mateus diz que, após a morte de Jesus, “eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo” (27.51). A morte daquele que carrega o pecado marca o fim da separação entre um Deus santo e seu povo. A suspensão temporária dos sacrifícios que Jesus forçou quando purificou o templo acabou constituindo, por meio do sacrifício expiatório realizado por ele, uma promessa do fim permanente da imolação de animais. Como ele diz, “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (20.28). Junto com o cumprimento do templo como sede do sacrifício, vem o cumprimento do papel do templo como local de encontro. O que os sacrifícios uma vez forneciam de forma meramente antecipatória — mediação para os pecadores — Jesus agora fornece de forma final e completa. O que o templo já foi — um lugar de encontro para o povo de Deus — Jesus agora é em si mesmo, na medida em que reúne os seus em sua Igreja. Quando Jesus purifica o templo, ele objeta que o edifício foi desviado de sua intenção original: ser uma “casa de oração” (Mt 21.13). Em outras palavras, o templo é o lugar para o encontro de Deus com os homens, o lugar de encontro entre o Senhor Redentor e seu povo redimido. Durante a consagração do templo de Salomão, a presença shekinah de Deus era tão intensa que era insuportável (2Cr 6). Agora, a presença shekinah é o próprio Jesus: “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20). O templo, por sua vez, era a peça central de uma cidade na qual Deus pretendia mostrar seu caráter, sua santidade e seu amor pela raça humana: 46
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Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado na cidade do nosso Deus! Seu santo monte, belo e sobranceiro, é a alegria de toda a terra; o monte Sião, para os lados do Norte, a cidade do grande Rei. (Sl 48.1-2)
Agora, essa cidade são os seguidores de Cristo: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte” (Mt 5.14). Emanuel, “Deus conosco”, uma vez viveu entre nós em carne e osso. Agora, no grande período entre seu ministério terreno e a restauração de tudo, Emanuel vive entre nós na Igreja. “Maior que Jonas” Em Jesus Cristo, a missão profética de Israel para as nações ganha vida — literalmente — após os três dias e noites do Filho do Homem “no coração da terra” (Mt 12.40). Dos quatro escritores canônicos dos Evangelhos, Lucas é conhecido por sua atenção à missão aos gentios. Lucas estrutura o corpus maior de Lucas-Atos, começando com a promessa do nascimento de João Batista no templo judaico e terminando com o ministério de Paulo em uma prisão romana. Dentro dessa estrutura, Lucas emoldura seu Evangelho colocando, em uma extremidade, as alusões de Isaías à missão aos gentios no cântico de Simeão (“luz para revelação aos gentios”, Lc 2.32; veja Is 42.6) e o prólogo do ministério de João Batista (“e toda a carne verá a salvação de Deus”, Lc 3.6; veja Is 40.5); já na outra extremidade, ele coloca o Jesus ressuscitado enviando os discípulos a Jerusalém para esperar o derramamento do Espírito Santo, para que pudessem proclamar o arrependimento e o perdão dos pecados “a todas as nações” em seu nome (Lc 24.47). Apenas Lucas nomeia outros oficiais romanos além de Pilatos (por exemplo, Lc 2.1-2; 3.1), e o Jesus de Lucas provoca seus companheiros galileus, lembrando-os do interesse do Senhor pelos gentios durante os ministérios dos dois grandes profetas Elias e Eliseu (Lc 4.25-27). Por outro lado, Mateus impressiona muitos como o mais judaico dos Evangelhos. No capítulo 10, por exemplo, Jesus envia os discípulos não para “entre os gentios”, mas sim para “as ovelhas perdidas da casa de Israel” (10.5-6), enquanto, no capítulo 15, ele sustenta, ainda que ironicamente, que foi enviado “somente às ovelhas perdidas da casa de Israel” (15.24). 47
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Mesmo assim, a compreensão de Mateus sobre a missão aos gentios é especialmente notável. Mateus inclui mulheres pagãs na genealogia de Jesus. Ele relata a homenagem que os magos pagãos prestam ao recém-nascido Rei de Israel (Mt 2). Ele observa como a Galileia do ministério de Jesus é a “Galileia dos gentios” (Mt 4.15; citação de Is 9.1). Ele sustenta que as curas de Jesus trazem a marca do servo de Isaías, que “proclamará justiça aos gentios” e em cujo “nome os gentios esperarão” (Mt 12.15-21, esp. 18, 21; citação de Is 42.1-4). Mateus atribui à mulher siro-fenícia pagã a fé para pedir misericórdia a Jesus como “Filho de Davi” (15.22), enquanto os discípulos se mostram abjetamente obtusos sobre o assunto que Jesus lhes ensinaria naquele território pagão para onde os havia levado. Mateus prevê o “fim dos tempos” culminando com os anjos trazendo fogo purificador para todo o mundo (13.38-39) e com o Filho do Homem reunindo “todas as nações” para separar as ovelhas dos bodes (25.31-46). O mais impressionante é que Mateus encerra seu Evangelho com a comissão de Jesus de fazer discípulos de todas as nações (pagãs), batizando-as e ensinando-lhes tudo o que ele havia ordenado. Mateus compartilha o ditado “maior que Jonas” com Lucas (Mt 12.41; Lc 11.32), bem como o protesto de Jesus de que o único sinal que será dado é “o sinal do profeta Jonas” (Mt 12.39). Talvez pareça algo pequeno; no entanto, apenas Mateus duplica o dito, especificando que Jonas era um “profeta” que “esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe”. Da mesma forma, Jesus afirma, “o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra” (12.39-40). Deus havia chamado Jonas para morrer para a falta de amor pelos pagãos. Quando Jonas recusou essa morte, Deus lhe deu outra — uma morte simbólica no ventre do grande peixe. Mesmo após sua ressurreição figurada, Jonas só profetizou com relutância. Jesus toma o lugar de Jonas (e, espero, chamaria todos os seus irmãos israelitas a fazê-lo também) na vida e na morte, para que a missão de Israel de falar às nações acerca da misericórdia de Deus fosse vivenciada nele e através dele (assim como neles e através deles). “Maior que Salomão” Jesus é o verdadeiro Rei de Israel. Clara e especificamente, o Jesus de Mateus é o verdadeiro Filho de Israel. Chamando José de filho de Davi (1.20), a genealogia de Mateus enfatiza que Jesus pertence à linhagem davídica (1.6). Ele é o novo Rei de Israel que os magos procuram. De fato, Miquéias diz que é em Belém, cidade de Davi, 48
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que o governante de Israel deve nascer (Mq 5.2). A identidade davídica de Jesus é declarada em várias passagens distintamente mateanas (9.27; 12.3, 23; 15.22; 20.3031). De maneira mais incisiva, no Domingo de Ramos, o fato de ele ser saudado como Filho de Davi é ocasionado por um cumprimento mais literal de Zacarias 9.9: Jesus monta tanto um jumentinho quanto uma jumenta (Mt 21.2, 7). Porém, ele também é mais do que o último rei humano de Israel. Ele encerra a inquisição de 22.15-38 perguntando como, no Salmo 110, o “Senhor” de Davi também poderia ser Filho de Davi. Eis aqui o próprio Deus, o qual veio para pastorear seu rebanho, como o profeta Ezequiel prometera que se daria (veja Ez 34.11-16). Precisamente aqui reside o mistério cristológico que teólogos e escritores de hinos têm explorado por dois mil anos. Assim ouvistes que Cristo é tanto o Filho de Davi quanto o Senhor de Davi: Senhor de Davi sempre, Filho de Davi no tempo; Senhor de Davi, nascido da substância de seu Pai; Filho de Davi, nascido da Virgem Maria, concebido pelo Espírito Santo. Afirmemos os dois... Ele foi feito aquilo que fez, para que o que ele fez não pereça. Verdadeiramente Homem, Verdadeiramente Deus; Deus e homem, o Cristo todo. Esta é a fé católica.21
Finalmente, ao ressuscitar da sepultura como Filho e Senhor de Davi, Jesus recebe “toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28.18). Ele é, portanto, Christus Victor, o soberano divino-humano legítimo do mundo, o qual enviou seus seguidores aos confins da terra para proclamar seu senhorio e se alistar em seu serviço. O mistério do reino que veio e ainda virá
O Rei Jesus proclama e incorpora um reino que é “já” e “ainda não” — um reino “veio” e “está vindo”. Albert Schweitzer acreditava que o reino era inteiramente futurista. Ele imaginou Jesus morrendo como um profeta fracassado que procurou 21 Agostinho, Sermons 42 (NPNF1 3:401).
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forçar a vinda do reino.22 C. H. Dodd acreditava que o reino era inteiramente presente.23 Ele imaginou Jesus vivendo, ministrando e ensinando de forma a tornar o reino totalmente presente na ética do perdão vivenciada por seus seguidores. Cada um deles estava certo, mas também errado. O resumo de Mateus seria dizer que a vida, morte e ressurreição de Jesus efetuaram no presente o reino do Filho do Homem (Mt 13.41) e que, no futuro, o Filho do Homem efetuará uma consumação que culminará no reino do Pai (Mt 13.43). Oscar Cullmann oferece uma analogia convincente para a natureza dupla da perspectiva de Jesus sobre o reino: o que Cristo já efetuou é como o estabelecimento de uma “cabeça-de-praia”24 na Normandia por parte dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial. O Dia D significava que o Dia V estava assegurado, embora ainda houvesse muita luta pela frente”.25 Por meio do Filho, o governo de Deus foi inaugurado mesmo no meio desta “era” e será consumado na “era vindoura” (12.32). Durante o atual reino do Filho do Homem, os seguidores de Jesus experimentam as realidades simultâneas do sofrimento e da vitória, ao passo que rejeitam os becos sem saída alternativos da resignação e do triunfalismo. Talvez em nenhum outro lugar a sutil nuance da percepção que Jesus tinha do reino como “presente e futuro” ocupe o centro do palco mais do que em suas parábolas do reino em Mateus 13 (com alguns paralelos em Marcos e Lucas). O que George Eldon Ladd diz sobre as parábolas em geral é especialmente verdadeiro para as parábolas do reino de Mateus: Nossa tese central é que o Reino de Deus é o reino redentor de Deus dinamicamente ativo para estabelecer seu domínio entre os seres humanos e que esse Reino, o qual aparecerá como um ato apocalíptico no fim dos tempos, já entrou na história humana na pessoa e missão de Jesus para vencer e libertar 22 Veja especialmente, Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus (Londres: Adam & Charles Black, 1911). 23 Veja especialmente C. H. Dodd, The Parables of the Kingdom, ed. rev. (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1961). 24 N.E.: “Posição ocupada por uma força militar em território litoral inimigo, para assegurar acesso, avanço ou desembarque” (“cabeça-de-praia”, em Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008–2021, https:// dicionario.priberam.org/cabe%C3%A7a-de-praia [consultado em 25/04/2023]). 25 Oscar Cullmann, Christ and Time: The Primitive Christian Conception of Time and History, ed. rev. (Filadélfia: Westminster Press, 1964).
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o povo do mal e trazê-lo para as bênçãos do Reino de Deus. Dois grandes momentos envolvem o Reino de Deus: o cumprimento na história e a consumação no final da história. É precisamente esse pano de fundo que fornece o cenário para as parábolas do Reino.26
Vemos na parábola do semeador que o reino opera silenciosa e secretamente. Já que ele não se impõe às pessoas, deve ser recebido de boa vontade (Mt 13.1-9, 18-23).27 A parábola do joio nos alerta que, embora o mal ainda não tenha sido expurgado de forma apocalíptica da sociedade, o Reino de Deus, no entanto, irrevogavelmente criou raízes (13.24-28, 36-42). As parábolas do grão de mostarda e do fermento nos comunicam que, embora o reino esteja presente no mundo no que parece ser uma forma pequena e significativa, um dia o reino será uma presença grande e dominante (13.31-33).28 As parábolas do tesouro escondido e da pérola de grande valor nos desafiam a não deixar de ver o valor desse reino, conquanto ele apareça de uma maneira surpreendentemente inesperada — quer ele pareça surgir do chão, quer ele chame a sua atenção de alguma forma, qual um Stradivarius pendurado por engano na parede de uma loja de penhores (13.44-46). Por fim, a parábola da rede (13.47-50) nos informa que um aspecto importante do Reino de Deus em sua forma “já e ainda não” é que, apesar de nossos melhores e mais fiéis esforços, “mesmo a comunidade criada pela operação do reino no mundo não será uma comunidade pura até a separação escatológica”.29 “Vós tendes um mestre”
Mateus retrata Jesus como o “mestre” (Mt 23.8) a quem seus discípulos deveriam olhar. Em Marcos, com significativamente menos material de ensino do que em Mateus, Jesus nos chama para um estilo de vida focado e relativamente menos adornado: tomar nossa cruz (Mc 8.34). Em João, Jesus nos chama para um tipo de 26 George Eldon Ladd, A Theology of the New Testament, ed. Donald A. Hagner, ed. rev. (Grand Rapids: Eerdmans, 1993), p. 89-90; quanto ao parágrafo seguinte, veja a seção convincente de Ladd, The Mystery of the Kingdom, p. 89-102. 27 Com paralelos em Marcos 4.1-9, 13-20 e Lucas 8.4-8, 11-15. 28 A parábola do grão de mostarda encontra paralelo em Marcos 4.30-32 e Lucas 13.18-19; a parábola do fermento, em Lucas 13.20-21. 29 Ladd, Theology of the New Testament, p. 99.
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comunidade com foco semelhante: amar uns aos outros como fomos amados. Em Mateus, Jesus nos chama a uma identidade mais plena como comunidade, tocando nas exigências de Marcos com relação ao discipulado e no chamado de João ao amor abnegado uns pelos outros. As dimensões do pleno discipulado que Jesus ensina em Mateus podem se enquadrar em vários títulos: (1) interioridade, (2) perdão, (3) rigor e flexibilidade no discernimento, além de (4) fé e obras. Interioridade. Em primeiro lugar, Jesus, o mestre, embora de modo algum recuse a normatividade dos mandamentos de Deus, manifesta a lei escrita nos corações.30 Nas bem-aventuranças, observa Thomas W. Ogletree, “Mateus está expressando na linguagem da lei e do mandamento o que poderia ser declarado de forma mais apropriada na linguagem das virtudes”.31 O Jesus de Mateus está preocupado, primeiro, com quem somos e, segundo, com o que fazemos. Pois “o homem bom tira do tesouro bom coisas boas” (Mt 12.35). Não há necessidade de ter escrúpulos em afirmar que o propósito redentor de Jesus para nós é nos tornar bons. Ele veio para que nossas vidas pudessem trazer a marca de sua humildade, seu choro, mansidão, fome e sede de justiça, misericórdia, pureza de coração e paz (5.3-9). Ele veio a fim de que nossas vidas sejam a apologética para seu governo e reinado (5.14-16). Perdão. Em segundo lugar, a chave para a vida que Jesus ensina é o perdão. É por isso que Jesus ancora seu extenso ensino sobre a forma da Igreja (Mt 13.54–20.34) na parábola do credor incompassivo (18.21-35). Embora a parábola coloque o assunto em termos negativos (“Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão”, 18.35), seu objetivo é ensinar algo positivo: a lógica da redenção. Simplificando, as pessoas perdoadas perdoam. De forma mais abrangente, as pessoas amadas amam. A abordagem de Mateus à ética nem sempre é comparada à de Paulo. Contudo, uma vez que Mateus e Paulo promovem o discernimento ético baseado na lógica da 30 Veja Mateus 5–7 como ilustração de “a lei cumprida, não abolida” e “uma justiça que excede...”; veja, em particular, 5.17, 20 tendo em vista 15.1-28. 31 Thomas W. Ogletree, The Use of the Bible in Christian Ethics (Filadélfia: Fortress, 1983), p. 111.
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redenção, seu pensamento é surpreendentemente semelhante. É claro que eles aprenderam com seu Salvador em comum. Paulo diz aos antinomianos de Corinto, os quais defendiam uma escatologia excessivamente realizada, que o importante é “guardar as ordenanças” (1Co 7.19).32 Mas, em vez de ilustrar seu ponto com uma lista de especificidades ou aplicações comportamentais, Paulo apela para seu senso do que é ser redimido: “Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens.” (1Co 7.23). A partir dessa nova autocompreensão, eles devem discernir a forma de viver como propriedades de Cristo — quer livres, quer não; quer circuncidados, quer não; quer casados, q uer não. Da mesma maneira, Mateus pede uma “corretamentividade superabundante” (se eu puder ajustar a linguagem ligeiramente para salientar o meu ponto), mas não é uma “corretamentividade” de mérito. Em vez disso, é uma fome e sede de estar “corretamente” sincronizado com a misericórdia que veio do céu. É receber “corretamente” a medida do perdão que é oferecido no sangue da nova aliança. É reconhecer “corretamente” o custo da própria dívida impagável que foi desconsiderada. É desconsiderar “corretamente” as dívidas de outros, as quais são sempre menores. Rigor e flexibilidade no discernimento. Devido à mesma razão pela qual ele se dirige às pessoas que sabem que o próprio “sangue da aliança” de Cristo (Mt 26.28) garantiu seu perdão, Mateus pode retratar um Jesus com a intenção não apenas de levar os mandamentos para os lugares mais profundos das vidas delas, mas também de pastoreá-las em situações difíceis — aquelas que exigem menos aplicação mecânica de verdades e mais discernimento de sabedoria guiado pelo Espírito. “Aprendei de mim” (11.29), diz Jesus, que foi ungido com o Espírito de Deus em seu batismo (3.16; e veja 12.18-20; de Is 42.1-4) e que, conforme nos promete, “o Espírito de vosso Pai é quem fala[rá] em vós” (Mt 10.20; compare com 11.25). Assim, ao longo de Mateus, Jesus mostra como as pessoas redimidas pelo Espírito de Deus aprendem a se relacionar com os mandamentos de Deus. Por exemplo, como demonstra Frederick Dale Bruner, as instruções de Mateus 18 sobre o amor na comunidade devem ser vistas como um tratamento estendido do sexto mandamento 32 Dificilmente algo que ele teria dito aos legalistas que defendiam uma escatologia excessivamente realizada na Galácia, a propósito! Paulo quer que os gálatas entendam que a única coisa que conta é “a fé que atua pelo amor” (Gl 5.6).
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(“Não matarás”). As instruções de Mateus 19.1-15 sobre o divórcio devem ser vistas como um tratamento estendido do sétimo mandamento (“Não adulterarás”). E o relato de Mateus 19.16-30 sobre o jovem rico deve ser visto como um tratamento estendido do oitavo e décimo mandamentos (“Não furtarás” e “Não cobiçarás”).33 Jesus nos adverte a não apresentar nossa oferta quando nosso irmão tem algo contra nós, mas a buscar a reconciliação primeiro. Mateus quer que entendamos que essa é a atitude das pessoas que foram reconciliadas com Deus. Jesus prescreve o que fazer quando os relacionamentos terminam. Enquanto, no final, o Jesus de Mateus conclama os indivíduos a perdoarem 70 vezes sete (18.22), ele também exorta a comunidade a não deixar o irresponsável se revoltar contra todos os outros (18.15-18). Todos recebem o procedimento para lidar com relacionamentos que terminaram (cap. 18). E os líderes são chamados para serem administradores de um tesouro (13.52) e porteiros para a integridade da comunidade. Sua função é proteger “os pequeninos” (por exemplo, 18.6). Até mesmo a proibição do divórcio é mencionada de uma forma mais atenuante — menos romântica e perfeccionista — do que em Marcos ou Lucas. Em Mateus, Jesus aborda a questão: e quando a porneia violou o relacionamento? Há um realismo social extraordinário — ou melhor, uma combinação de rigor e realismo — subjacente ao ensino de Jesus em Mateus. A vinda de um reino que é “já e ainda não” exige o máximo de sabedoria — aqui, exatidão; ali, flexibilidade. No meio de um mundo que continua como se nada tivesse acontecido, os discípulos de Cristo vivem como “uma cidade situada sobre um monte” e “a luz do mundo” (Mt 5.14). Ao mesmo tempo, eles continuam mostrando respeito tanto às autoridades civis (“dai a César”, 22.21) quanto às autoridades religiosas que podem não ser completamente dignas, que podem, de fato, ser antagônicas (“toma-o e entrega-lhes [pagamento do imposto do templo] por mim e por ti”, 17.27). Eles podem fazer isso porque sabem que “o tempo em que Deus vai renovar tudo e o Filho do Homem se sentar no seu trono glorioso” chegará no devido momento (19.28, NTLH). Enquanto isso, como Bruner observa, Mateus 7 se opõe a um cristianismo de censura (“Não julgueis, para que não sejais julgados”, 7.1), e Mateus 13 se opõe a um cristianismo coercitivo (“Deixai-os [joio e trigo] crescer juntos até a colheita”, 13.30). Por outro lado, Mateus 18 representa um cristianismo consciencioso 33 Bruner, Matthew 13–28, ad loc.
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(“Se teu irmão pecar contra ti...”, 18.15), garantindo que a acomodação da igreja de Mateus 7 e 13 não flerte com o pecado. Mateus 7 e 13 impedem que a Igreja seja puritânica,34 observa Bruner, enquanto Mateus 18 impede que a Igreja seja epicurista.35 E, para Mateus, há muito em jogo quanto a aprendermos com Jesus tanto a crer quanto como a viver bem. Fé e obras. Como observado acima, Mateus une sua voz a outras grandes vozes do Novo Testamento que atestam a dupla identidade de Jesus como Deus e homem. Outra característica marcante do Evangelho de Mateus é a maneira como ele também se junta a outras vozes do Novo Testamento proclamando o grande “tanto um quanto o outro” da fé e das obras. Vários escritores do Novo Testamento usam seus próprios termos e matizam a relação entre fé e obras de maneira única. Paulo escreve sobre “a fé que opera pelo amor” (Gl 5.6) e uma “obediência da fé” (Rm 1.5; 16.26). Ele evita as obras como contribuições para a salvação, mas insiste nas “boas obras” como constitutivas da vida para a qual fomos salvos (Ef 2.10). Assim, Paulo proclama uma “graça” que traz o dom da justiça e do perdão (Rm 5.15, 17; Ef 1.7; Tt 3.7). ademais, ele proclama uma “graça” que ensina uma nova maneira de viver (Tt 2.11-14) — graça consoladora e transformadora, se você quiser. De forma congruente (embora nem sempre visto assim), Tiago escreve sobre a fé e as obras que se pertencem, como corpo e espírito (Tg 2.26). João diz que é vital “confessar a vinda de Jesus Cristo em carne” (2Jo 7) e andar segundo o(s) mandamento(s) (2Jo 5-6). O escritor aos Hebreus pede que nos aproximemos “com sincero coração, em plena certeza de fé”, assim como que nos “estimulemos uns aos outros ao amor e às boas obras” (Hb 10.22, 24). Em sua primeira epístola, Pedro nos promete que “sois guardados pelo poder de Deus mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo” (1Pe 1.5). Ao mesmo tempo, Pedro nos exorta a entender que, quando as pessoas virem nossas “boas obras”, “glorificarão a Deus no dia da visitação” (1Pe 2.12). Assim, Pedro nos convida a santificar Cristo em nosso coração e estarmos prontos para oferecer uma apologia — uma razão para crer — quando as pessoas perguntarem acerca da esperança que veem em nós (1Pe 3.15). 34 N.E.: Para um correto entendimento do sentido pejorativo aqui atribuído ao neologismo “puritânico”, veja Guilhermino Cunha, “Os Herdeiros de Carl McIntire”, Fides Reformata, n. 6/1, São Paulo, 2001. 35 Bruner, Matthew 13–28, ad loc.
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No Evangelho de Mateus, incisivamente, é esse mesmo Pedro que confessa: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (16.16), encarnando o tipo de fé que salva. Essa é uma confissão que só pode vir como uma bênção que procede do alto, a única que pode servir como fundamento para a Igreja que o próprio Cristo edificará (Mt 16.18). Mais tarde, isso levaria Pedro a escrever sobre o poder preservador da fé (novamente, 1Pe 1.5). E, curiosamente, é Pedro quem lembra como as “boas obras” da Igreja vindicarão o caráter de Deus, como Jesus havia ensinado (novamente em Mateus): “Assim brilhe também a vossa luz diante dos outros, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem ao vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.16). Talvez em nenhum outro lugar do Novo Testamento haja uma afirmação tão descarada da necessidade tanto de fé quanto de obras como no Evangelho de Mateus. Duas parábolas de Mateus resumem a preocupação. Na parábola dos dois filhos, aprendemos que não é tão importante que você diga as palavras certas (“‘eu vou, senhor’, mas [ele] não foi”), mas que você faça o que é certo, independentemente se você usa as palavras certas (“‘Não quero’, mas depois ele mudou de ideia e foi”, Mt 21.28-32). E, na parábola das bodas, vemos o rei graciosamente instruindo seus servos a arrastar todos para a festa, “todos os que encontraram, maus e bons” (22.10); mas, então, notamos que ele espera que todos tenham roupas para a ocasião: “Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial?” (22.12). Deus espera que tenhamos fé para aceitar o convite gracioso para a festa do Rei e prontidão para aprender o comportamento para essa festa — uma combinação de “fé e obras” que será vista nos exemplos abaixo. Fé: O Sermão da Montanha de Mateus começa nos dizendo que, em primeiro lugar, devemos reconhecer a pobreza e o vazio de nosso espírito (a primeira bem-aventurança, 5.3). Devemos acreditar naquele que veio “não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (20.28). E obras: o preâmbulo do sermão conclui: “Vós sois [...] a cidade edificada sobre um monte” — para que o mundo veja quem é Deus — e “o sal da terra”, a fim de que, através de nossa vida, a dissolução e a decadência não tenham a última palavra na história humana (compare com Mt 5.3, a primeira bem-aventurança, com 5.13-14). Fé: A segunda e a terceira bem-aventuranças nos convidam a lamentar à medida que reconhecemos o horror do mundo e nossa participação nele; a fazer isso com mansidão e, portanto, sem amargura; e a nos submeter às realidades que estão além de nossa capacidade de controle. Tudo isso é a postura adotada por aqueles que 56
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acreditam que Cristo “não veio chamar justos, mas pecadores” (Mt 5.4-5; 9.9-13). E obras: a quarta bem-aventurança muda de direção rapidamente, incitando-nos a ter “fome e sede de justiça” (5.6). Ela promete satisfação para aqueles que se apoiam no plano de Deus para restaurar toda a “justiça” — pessoal, social e cósmica (veja Is 42.1-4; Os 12.6; Am 5.24; Mq 6.8). Da mesma forma, a sétima bem-aventurança (“Bem-aventurados os pacificadores”, Mt 5.9) nos chama a restaurar relacionamentos rompidos. Mostramos, assim, que somos descendentes do Deus da paz e pessoas que tanto oram quanto realmente vivem em congruência com a oração para que a vontade de Deus seja feita “na terra como no céu” (compare 5.6, 9 com 6.10). Fé: Reconhecemos que, como o jovem rico deveria ter reconhecido, em vez de possuir bens, podemos ser possuídos por eles (19.16-22). Acreditamos que Jesus veio para nos introduzir no “já” do Reino dos Céus, que ele compara a um “tesouro escondido em um campo” e uma “pérola de grande valor” (13.44-46). Acreditamos que o banquete do reino do Pai é prefigurado cada vez que comemos do pão e bebemos do “fruto da videira” (26.26-29). E obras: aprendemos o caminho da misericórdia — do cuidado descarado para com os pobres, de não apenas dar o dízimo das especiarias do nosso jardim, mas praticar a justiça, misericórdia e fidelidade, que são “as coisas mais importantes da lei” (compare 5.7, a quinta bem-aventurança, com 23.23). Fé: Confessamos, como o leproso que clama: “Torna-me limpo!”, que somos impuros. Acreditamos que o “sangue da aliança” de Jesus (Mt 26.28) restaura a inocência aos caídos. E obras: Buscamos a pureza de coração (compare 8.2 com 5.8, a sexta bem-aventurança). Fé: Acreditamos que Jesus é a própria presença de Deus entre nós, que ele nos oferece descanso de todo cansaço e esforço — do moralismo, da justiça pelas obras, da autojustificação do “meu povo” (11.28). Acreditamos que aquele que nos salvou de nossos pecados está diretamente conosco quando nos reunimos em adoração e oração (18.8-20). E obras: também cremos que ele está conosco quando vamos e fazemos discípulos (28.18-20), quando damos comida e bebida ao faminto e sedento, quando acolhemos o estrangeiro, vestimos o nu, cuidamos dos doentes e visitamos os presos que são “os menores” — especialmente, talvez, quando os menores são aqueles que são “perseguidos por causa da justiça”. Pois, quando tivermos feito isso, Jesus, “Deus conosco”, diz: “a mim o fizestes” (compare 25.31-46 com 5.10-11, a oitava e nona bem-aventuranças). 57
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Visão geral da cronologia
Narrativas da genealogia, nascimento e infância (Mateus 1–2)
Mateus 1. Um fator na colocação de Mateus no início do Novo Testamento é o aparecimento da palavra grega γένεσις, “princípio” ou “origem”, duas vezes no capítulo de abertura. Mateus começa com “A genealogia [γένεσις] de Jesus Cristo” (1.1) e dá prosseguimento a genealogia com um relato do “nascimento [γένεσις] de Jesus” (1.18). A origem de Jesus está, primeiro, na linhagem paterna de José e, segundo, na palavra celestial que vem a José sobre o fato de a criança que estava dentro de Maria ser “do Espírito Santo” (1.18). Então, em certo sentido, Mateus é o livro de Gênesis do Novo Testamento, seu livro dos primórdios. Os “princípios” da Igreja estão na fidelidade de Deus em desfazer a maldição do jardim do Éden apresentado em Gênesis através da linhagem de Abraão, a qual é, por sua vez, canalizada através da linhagem de Davi — com as seguintes duas cláusulas: primeiro, assim como o chamado original a Abraão veio enquanto ele era um pagão na terra dos caldeus, e assim como esse chamado tinha em vista a bênção final de todas as nações, a linhagem do Messias também incluiu quatro mulheres de origem ou casamento pagão: Tamar, de Canaã; Raabe, de Jericó; Rute, de Moabe; e a “mulher de Urias”, o heteu (Mt 1.3, 5, 6). Em segundo lugar, a destruição da bagunça do jardim realizada por Deus não segue uma linha reta de Abraão a Davi; antes, ela pega o desvio do exílio decorrente do pecado, “a deportação para a Babilônia” (1.17). Daí vem a explicação do nome dado ao filho adotivo de José — “Jesus” (que, no hebraico, significa “Yah salva”), “porque ele salvará seu povo dos pecados deles” (1.21). Mateus 2. Os astrônomos pagãos percebem o que o rei Herodes não percebe: o Messias-Rei de Israel nasceu, e ele merece ser honrado tanto por gentios quanto por judeus. Sempre com inveja dos rivais que aspiravam ao seu trono (fontes nos dizem que Herodes matou seus próprios filhos para proteger seu governo), Herodes finge que também deseja honrar o rei recém-nascido. Os magos apresentam presentes que são dignos da divindade (incenso) e realeza (ouro) da criança e que (quer percebam, quer não) profetizava sua morte sacrificial (mirra). A mão de Deus é evidente em seu uso dos sonhos (1) para advertir os magos a não retornarem a Herodes antes de voltar 58
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para casa e (2) para enviar a sagrada família ao Egito. A mão de Deus é evidente também no fato de que tudo está profetizado: desde Belém — como o local de nascimento do Rei-Pastor de Israel — até o Egito — como o lugar de onde Deus, como ele fizera anteriormente com Israel, chamaria seu Filho — e a lamentação feita pelos inocentes. Série 1: Da coroação à tônica (Mateus 3–7) Mateus 3. No deserto da Judeia, João Batista prepara o caminho para a vinda do Reino dos Céus. Essa preparação é de arrependimento antes do julgamento. João chama uma nação circuncidada, que já se considera povo de Deus, a uma humilde confissão de seu pecado e necessidade de purificação. Surpreendentemente, o Rei vem para ser batizado nas águas do arrependimento, não (ainda!) para trazer o batismo de julgamento. Como Herman Ridderbos diz: “Jesus não batizará pelo fogo até que ele próprio tenha estado primeiro com todos os pecadores nas águas do Jordão”.36 A fim de “cumprir toda a justiça” (Mt 3.15) e, assim, sustenta Ridderbos, permitir que o reino venha em bênção, e não em maldição, Jesus levará sobre si os pecados do povo como Servo do Senhor (Is 53). Uma vez que Jesus se identificou com os pecadores em seu batismo, o Espírito Santo cai sobre ele para ungi-lo como Rei e capacitá-lo a vencer o pecado, a morte, o mal e o Diabo. O Pai pronuncia a filiação real de Jesus (veja Sl 2.7).
Mateus 4. Israel foi chamado “do Egito” como filho de Deus (Os 11.1). No deserto, o povo de Israel colocou a barriga acima da palavra de Deus, testou o Senhor nas águas de Meribá e adorou um bezerro de ouro. Jesus, o grandioso Filho chamado do Egito, vai para o deserto sob a orientação do Espírito para reverter o fracasso de Israel. O Diabo tenta desviar Jesus de sua missão de sofrer obedientemente com a glória em vista. Jesus se recusa a colocar sua fome à frente da voz de seu Pai. Jesus não testará o Senhor ao lançar-se do muro do templo. Pelo bem dos próprios “reinos do mundo” (Mt 4.8), Jesus não adorará ninguém além do Pai. Sua obediência sinaliza a morte do Diabo. Agora, Jesus dá um passo à frente para empreender sua missão de salvar o mundo. Profeticamente, ele centraliza sua missão na “Galileia dos gentios” (4.15), onde Israel faz fronteira com as nações. Ele reúne discípulos e os nomeia apóstolos, algo como 36 Ridderbos, Matthew’s Witness to Jesus Christ, p. 26.
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embaixadores em treinamento. Na pregação e nas curas efetuadas por Jesus, o grande futuro da plenitude do reino começa a irromper no mundo. Mateus 5–7. O Sermão da Montanha de Jesus (Mt 5–7) fornece o resumo mais nítido das promessas e exigências do reino vindouro. As bem-aventuranças dão a tônica do sermão (5.1-11). As declarações de Jesus sobre o que conduz à felicidade devem ser tomadas, ao mesmo tempo, como convites ao arrependimento, como esboços do próprio caráter de Jesus e como promessas de sua obra transformadora em seus discípulos. O Rei declara que seu povo é “sal da terra” e uma “cidade edificada sobre um monte”, além de anunciar que, nele e em seus ensinamentos, nem mesmo “a menor letra ou o menor traço” (NVI) da lei se perderá; tudo isso será cumprido (5.13-18). De fato, seu povo — o povo do reino — será marcado por uma justiça que excede os mais altos padrões (5.19-20). A título de ilustração, ele aponta para uma leitura mais profunda dos requisitos dos mandamentos éticos sobre ira, luxúria, divórcio, juramentos, retaliação e inimigos (5.21-48). Então, no capítulo 6, Jesus aborda práticas mais comumente consideradas “religiosas”. Dar esmolas (“praticar [...] justiça”) é dar aos necessitados, não construir o portfólio espiritual de alguém (6.1-4). A oração não se trata de conjurar divindades mortas nem de construir uma reputação de devoção; trata-se de recordar o caráter e o nome do Pai e declarar, de forma sucinta, a necessidade de sustento, perdão e proteção (6.5-13). A fé que ora por perdão será rápida em perdoar (6.12, 14-15). A fé que pede provisão diária (6.11) estará pronta para praticar a abnegação — não publicamente, apenas para ser exibida, mas em particular, diante do Pai (presumivelmente, em busca de uma relação mais próxima com o Pai ou por causa da súplica pelos outros — 6.1618; compare com Is 58.6-8). A fé que sabe que o pão de cada dia virá de Deus também entende que os verdadeiros tesouros são celestiais (Mt 6.11, 19-24). E a fé que clama por proteção celestial (6.13) experimenta a liberdade em relação à ansiedade e a liberdade de “buscar primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (6.25-34). Na seção final do Sermão da Montanha, Jesus ordena generosidade no julgamento daqueles que conhecem o generoso perdão de Deus por si mesmos (7.1-5). Ele garante a seus seguidores que não precisam — na verdade, não devem — forçar “o que é santo” sobre aqueles que não sabem o que fazer com isso (7.6). Ele promete a seus discípulos que seu Pai responderá mais generosamente às suas orações do que 60
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eles respondem aos pedidos de seus próprios filhos (7.7-11). Ele resume para eles a Lei e os Profetas: fazer pelos outros o que você gostaria que fizessem por você (7.12). E ele adverte seus seguidores contra a presunção despreocupada de que todos desejarão seguir o mesmo caminho que eles (7.13-14). Além disso, ele os adverte contra a tendência de ficarem excessivamente impressionados com profetas e exorcistas que reivindicam o nome e o poder de Jesus, mas que são dele de fato, como se mostrará no fim (7.21-23). A tarefa de seus seguidores é bem simples: construir sua vida com sabedoria sobre a “rocha” — que consiste em ouvir as palavras de Jesus e cumpri-las —, e não sobre a “areia” — que significa ouvir suas palavras e não as cumprir (7.24-27). Série 2: Chamado ao discipulado e missão (Mt 8.1–11.1) Mateus 8–9. Nos próximos dois capítulos, em um ritmo narrativo vertiginoso, Mateus fornece nove narrativas de milagres que ilustram o poder de Jesus sobre a lepra (8.14), a doença (8.14), o demoníaco (8.16, 28–34; 9. 32-34), a natureza (8.23-28), paralisia (9.1-8), pecado (9.5-8), “hemorragia” crônica feminina (9.20-22), morte (9.1819, 23-26) e cegueira (9.27-31). As respostas a Jesus variam muito: da “pouca fé” dos discípulos (8.26) à “grande fé” do centurião (8.10); desde a vociferação verborrágica de um escriba e a desculpa esfarrapada de um aspirante a discípulo (8.19-22) até a pronta aceitação de Mateus do chamado: “Segue-me” (9.9); desde o pedido educado de uma cidade para que Jesus fosse embora (8.34) até o temor de uma multidão que glorificou a Deus, “que dera tal autoridade aos homens” (9.8). Talvez o mais intrigante seja a variedade de respostas dos inimigos de Jesus: os escribas o descrevem como um blasfemador (9.3), enquanto os fariseus o julgam presunçosamente por se associar com pecadores (9.11). Mas os demônios sabem exatamente quem ele é e por que veio: “O que você tem a ver conosco, ó Filho de Deus?” E eles sabem que a sua vinda significa a sua ruína. O que os confunde é que eles pensam que Jesus veio “antes do tempo” (8.29). De fato, é essa questão de tempo que torna a vinda de Jesus mais urgente. Mateus disse a seus leitores que Emanuel é seu nome, Deus conosco. Estamos vendo o que o fato de Deus estar conosco em forma humana traz. O Mestre da natureza veio com poder para acalmar tempestades (8.23-28), o que significa que finalmente há esperança de que a rendição da natureza à corrupção de Gênesis 3 seja revertida. O Servo 61
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sofredor prometido veio para pegar as doenças de seu povo e levá-las sobre si (Mt 8.17). É por isso que os leprosos impuros podem ser purificados novamente (8.1-4). Agora, o homem anda na terra com a prerrogativa divina de tornar a eliminação do pecado no último dia uma realidade presente (9.2-8). Um médico misericordioso veio para os doentes que sabem que seus próprios sacrifícios nunca podem curar (9.12-13). Mateus 10.1–11.1. Jesus designa doze discípulos que serão enviados em missão às “ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10.6). O ministério dos discípulos deve precisamente espelhar o dele: proclamar a proximidade do reino e manifestar o poder de Deus sobre a doença, a morte, a lepra e os demônios (10.7-8). A princípio, Jesus parece falar sobre uma missão sobremodo limitada, tanto geográfica quanto temporalmente (10.5, 23). No entanto, os versículos 17 e 18 implicam que ele espera que essa missão seja um prelúdio para uma missão mais ampla e mais longa: “por minha causa sereis levados à presença de governadores e de reis, para lhes servir de testemunho, a eles e aos gentios”. Porque “um discípulo não está acima de seu mestre” (10.24), os Doze (e nós que os seguimos) podem esperar experimentar o mesmo que Jesus: resistência tanto das autoridades quanto da família, capacitação pelo Espírito e uma vida cruciforme (formada pela cruz). Em consonância com isso, também devemos esperar ver a recompensa de Deus àqueles que nos recebem da maneira como recebem seu Filho (10.40-42). Série 3: A sabedoria do Reino dos Céus (Mt. 11.2–13.53) Mateus 11.2–30. João Batista está agora na prisão. Ele enunciou expectativas ardentes para Jesus e está intrigado com o fato de que os atos de Jesus não tragam a libertação que ele imaginara. Jesus responde aos emissários de João apontando para as maneiras como seus atos cumprem as profecias de Isaías sobre o dia da salvação (Mt 11.2-6). Porém, o caminho de Jesus para a realeza o levará pelo vale do sofrimento. Antes de trazer o fogo do julgamento, ele suportará o fogo do sofrimento e do fardo de carregar o pecado. A confusão de João acerca da forma do ministério messiânico de Jesus não reverte o fato de que a mensagem de João é a mais importante que um profeta já carregou: preparar o caminho do Messias (11.7-11). A prisão de João pelas mãos de Herodes é o próximo exemplo de resistência satânica à vinda do reino (11.12). Além disso, os sinais salvíficos da identidade messiânica de Jesus encontram uma espantosa 62
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letargia espiritual na Galileia, onde Jesus fora criado (11.20-24). No entanto, o reino está avançando, pois o “Deus conosco” está entre nós. Assim, Jesus abre uma janela para sua majestade divina ao declarar seu relacionamento com seu Pai celestial (11.2526) e convidar os cansados e sobrecarregados a virem até ele (11.28-29). Mateus 12. Mateus continua a revelar a identidade de Jesus como Emanuel, “Deus conosco” (1.23). A liberdade de Jesus com as leis do sábado mostra que ele é “maior que” o templo (12.6). Sua morte e ressurreição iminentes mostrarão que ele é “maior que” Jonas (Mt 12.41). Sua sabedoria mostra que ele é “maior que” Salomão (Mt 12.42). Nele convergem os ofícios de sacerdote, profeta e rei. Além disso, ele é o Servo que Isaías prometeu, ungido pelo Espírito de Deus para trazer cura aos quebrantados, justiça aos gentios e libertação a todos quanto ao domínio de Satanás (12.15-21; veja Is 42.1-4). Seus milagres são um sinal de que “certamente é chegado o Reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28). Deixar de reconhecer a obra do Espírito nele é a pior das blasfêmias (12.31-32). E deixar de reconhecer a maneira como Jesus reconfigura a membresia familiar é deixar-se estar no mais ermo lugar (12.46-50). Mateus 13.1-53. Em sete parábolas, Jesus apresenta a sabedoria do reino: as parábolas do semeador (com explicação), do trigo e do joio (com explicação), do fermento, do grão de mostarda, do tesouro escondido, da pérola de grande valor e da rede. Duas passagens do Antigo Testamento fornecem a justificativa para o ensino de Jesus em parábolas: a mensagem sóbria de Isaías 6 ao profeta, segundo a qual suas palavras apenas confirmariam a rebelião de muitos, bem como o Salmo 78, que fala sobre a maneira como as parábolas expressam verdades ocultas. A parábola do semeador é proeminente e destaca a irresistibilidade do reino, apesar do aparente fracasso. Com certeza, dos quatro tipos diferentes de solo, apenas um produz frutos. No final, porém, haverá um campo cheio de plantas que produziram uma grande quantidade de frutos (Mt 13.8, 23). Isso dá alguma perspectiva à segunda parábola mais proeminente, a do trigo e do joio. O dono do campo está perfeitamente disposto a permitir que as ervas daninhas recebam tanto cuidado quanto o trigo até o tempo determinado para fazer tudo certo. Quando chegar a hora do julgamento final, os anjos, não os trabalhadores, farão a triagem final. 63
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Série 4: A forma da Igreja (Mt 13.54–19.2)
Mateus 13.54–14.36. Seguem-se sinais poderosos da ocultação do Reino dos Céus: Jesus sofre rejeição em Nazaré, a cidade onde foi criado (Mt 13.54-58); Herodes, o tetrarca, decapita João Batista, levando Jesus a buscar a solidão em “um lugar desolado” (14.1-13a). Quando uma multidão persegue Jesus, relata Mateus, ele “compadeceu-se dela e curou os seus enfermos” (14.13b-14). De fato, o que emerge nesse e nos três capítulos seguintes é um desdobramento sustentado de sua missão divina de compaixão redentora. Ele alimenta os cinco mil (14.14-21), com um retorno de 12 cestas (e ele repetirá as quatro ações idênticas de tomar, abençoar, partir e dar o pão na Ceia do Senhor — 26.26). Enquanto os discípulos estão cruzando o Mar da Galileia de barco durante uma tempestade, Jesus caminha até eles sobre a água, permite que Pedro se junte a ele e, em seguida, resgata Pedro, quando a dúvida o vence; a tempestade cessa ao comando de Jesus. Essa foi a primeira ocasião em que seus discípulos confessam: “Verdadeiramente és Filho de Deus” (14.22-33). Mateus 15. Os doentes correm até Jesus na Galileia, mas os líderes religiosos vêm de Jerusalém e questionam sua negligência acerca dos costumes tradicionais de pureza nas refeições. Ele responde com uma acusação de que eles substituem os decretos dados por Deus por tradições egoístas (por exemplo, dizendo que dar a Deus supera a provisão para pais idosos). É a maldade do coração que contamina uma pessoa, explica Jesus, e não comer sem lavar as mãos (Mt 15.1-9). Imediatamente — como se tivesse o intuito de prolongar o assunto das coisas impuras —, Jesus leva os discípulos a Tiro e Sidom (a Filistia clássica, a noroeste da Galileia), povoada por pessoas que os judeus considerariam impuras. Lá, uma mulher cananeia o saúda como “Filho de Davi”, reconhece seu poder sobre o demoníaco e implora a misericórdia de cura para sua filha. Em uma repreensão tácita e irônica de seus discípulos, que a mandariam embora, Jesus elogia sua grande fé e cura sua filha (15.21-28). Em seguida, Jesus ensina e cura no lado leste do Mar da Galileia (em grande parte, povoado por gentios — veja o paralelo em Marcos 7.31). Aqui ele alimenta os quatro mil (antecipando novamente a Ceia do Senhor, com o seu tomar, dar graças, partir e dar os pães e peixes), com um retorno de sete cestos (alguns comentaristas sugerem que os 64
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12 cestos anteriores simbolizavam as 12 tribos de Israel, enquanto essas sete cestas simbolizam as sete nações deslocadas durante a conquista — veja Dt 7.1b; At 13.19). Então Jesus retorna a Magadã, na Galileia propriamente dita (Mt 15.29-39). Mateus 16. Os fariseus, orientados pela doutrina, e os saduceus, preocupados com a liturgia, estão unidos: nada do que Jesus fez ou ensinou é impressionante a ponto de determinar sua credibilidade (Mt 16.1). Jesus responde que a única credencial extra que está disposto a fornecer será sua ressurreição dos mortos (16.4). Enquanto isso, ele adverte seus discípulos contra o cinismo tóxico da descrença de seus oponentes (16.5-12). Em Cesareia de Filipe, Jesus finalmente pergunta aos discípulos sobre a fé deles (16.13-15). Pela graça de Deus, Pedro recebe a resposta certa sobre quem é Jesus: “o Cristo, o Filho do Deus vivo” (16.16-17). Enquanto Pedro recebe a resposta errada sobre o que o Messias veio fazer, Jesus, no entanto, fará da confissão de Pedro acerca de sua identidade messiânica o fundamento da Igreja que ele veio estabelecer. Ao mesmo tempo, Jesus começa a informar Pedro e os discípulos sobre o ministério em forma de cruz de seu Messias-Rei (16.21-23) — e a forma cruciforme que suas próprias vidas devem assumir (16.24-28). Mateus 17.1-21. Seis dias depois, no Monte da Transfiguração, três dos discípulos provam a glória do “Filho do Homem vindo em seu reino” (Mt 16.28) e veem a prova de que há uma dispensação da graça unindo a Antiga Aliança (Moisés e Elias) e a Nova; Jesus experimenta uma transformação luminosa que antecipa o fruto do seu sofrimento; e o Pai reafirma (relembrando o batismo) a identidade e a missão do Filho. Na descida do monte, Jesus reafirma a dura verdade de que o caminho para a glória envolverá rejeição e sofrimento, além de pedir silêncio sobre a transfiguração até que a ressurreição torne toda a mensagem compreensível (17.9-13). Ao pé do monte, Jesus cura um menino endemoninhado — algo que os discípulos poderiam ter feito se tivessem fé suficiente (17.14-21). Mateus 17.22–19.2. Em seu “Sermão sobre a congregação”, Jesus esboça seu mandato para a vida na Igreja. Ele diz a seus discípulos que não quer um boicote ao imposto do templo, indicando que a Igreja deve mostrar certa flexibilidade para com os de fora. Voltando-se para a vida interior da Igreja, ele pede abnegação: uma recusa à exaltação 65
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do próprio eu (Mt 18.1-5), uma recusa a ser prejudicial aos pequeninos (18.5-6) e uma recusa à lassidão pessoal quanto ao pecado (18.7-9). Em seguida, ele pede atos positivos de amor: buscar irmãos que se afastam (18.10-14), responsabilizar uns aos outros por pecados flagrantes (18.15-17) e, como é apropriado para pessoas que entendem quão prodigamente seu Pai celestial as perdoou, perdoar prontamente uns aos outros quando houver lamento pelos pecados (18.23-35). No centro de seu ensino sobre a forma da vida da Igreja, Jesus promete sua própria presença (lembrando a promessa do Antigo Testamento da presença da glória shekinah; lembre-se, por exemplo, da dedicação do templo em 2 Crônicas 6). No entanto, agora, de modo notável, ele promete estar presente mesmo nas menores reuniões de crentes que sejam regadas a oração (18.19-20). Série 5: Preparação para o julgamento (Mt 19.3–26.1)
Mateus 19.3-30. Curiosamente, enquanto Jesus viaja em direção a Jerusalém e seu conflito final com seus inimigos, seu ensino passa da congregação cristã para o lar cristão, especificamente para o casamento e as finanças. Em resposta a uma pergunta sobre o divórcio, Jesus afirma a santidade do casamento monogâmico entre “homem e mulher” (Mt 19.1-8) e limita a permissão do divórcio a questões de impropriedade sexual (19.9). Ao mesmo tempo, ele também enobrece um chamado à solteirice (19.10-12). Quando seus discípulos tentam impedir que as pessoas lhe tragam criancinhas, ele insiste que é precisamente a esses pequeninos que o Reino dos Céus pertence (19.13-15). Um jovem rico pergunta o que deve fazer para que possua a vida eterna. Jesus responde apontando-lhe os mandamentos. O jovem afirma ter guardado os mandamentos, mas sente que ainda lhe falta algo. Jesus lhe ordena que venda tudo, dê-o aos pobres e o siga. O jovem vai embora triste. Podemos inferir que ele, de fato, não ama a Deus ou ao próximo mais do que suas a “muitas propriedades” (19.22). Mateus 20. As duas histórias principais de Mateus 20 abordam duas tentações predominantes dos líderes cristãos: inveja e orgulho. Os que trabalharam o dia inteiro na vinha se ressentem do fato de que alguns trabalharam menos e receberam o mesmo salário. O antídoto para tal inveja é reconhecer a generosidade soberana do mestre 66
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(20.1-16). O que liga adequadamente essa história sobre inveja com a próxima história sobre orgulho é a terceira previsão de Jesus de sua morte e ressurreição (20.17-19). Sem dúvida, lembrando que Jesus falou de “doze tronos” para seus discípulos (19.28), a mãe dos irmãos Zebedeu pede uma promessa de um lugar de destaque para seus filhos quando o reino chegar. Primeiro, Jesus responde com uma pergunta humilhante a Tiago e João: “Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber?” (20.22). Segundo, Jesus os lembra de que cabe ao Pai dar as recompensas do reino, não a ele. Terceiro, vendo a inveja que a ambição de Zebedeu provocou entre os outros discípulos, Jesus aponta para a forma servil de sua missão e diz a seus discípulos que seu padrão deve ser também o deles. Ele explica, pela primeira, vez o significado de sua morte que se aproximava: é um “resgate por muitos” (20.28). Jesus conclui sua jornada para Jerusalém curando dois cegos fora de Jericó e permitindo que eles (diferentemente de um par no início de sua jornada — veja 9.2731) o seguissem (20.29-34). Mateus 21.1-27. Três eventos lançam mais luz sobre a pessoa e obra de Jesus como Rei, Profeta e Sacerdote. Primeiro, ele entra em Jerusalém montado em um jumento e acompanhado de um potro, aceitando o reconhecimento como o profetizado Rei-Servo de Israel (Mt 21.1-9). Segundo, ele profeticamente proclama e, de maneira simbólica, encena o desagrado do Pai quanto à corrupção do templo (21.10-13). E, terceiro, ele purifica o culto do templo, curando os cegos e coxos que ali estão e defendendo o louvor das crianças (21.14-16). A maldição que ele impetra à figueira é uma repreensão ao Israel infiel por não reconhecer seu Rei-Profeta-Sacerdote (21.18-21). Jesus expõe o cinismo covarde dos principais sacerdotes e anciãos que lhe perguntam sobre a autoridade por trás de suas ações (21.23-27). Mateus 21.28–22.14. Em três parábolas, Jesus insiste na questão da fé. Cobradores de impostos e prostitutas acreditaram em João Batista durante seu ministério. Jesus os compara a um filho que, primeiro, se recusa a cumprir as instruções de seu pai, mas que, depois, lhes obedece. Enquanto isso, os principais sacerdotes e anciãos rejeitaram o “caminho da justiça” de João. Na parábola dos dois filhos, Jesus os compara a um filho que afirma que fará a vontade de seu pai, mas cujas ações desmentem esse compromisso (Mt 21.28-32). A fé está no fazer, mais do que no dizer. 67
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A parábola dos lavradores maus é praticamente uma recapitulação de todo o enredo da Bíblia. Deus prepara cuidadosamente sua vinha, Israel. A maioria em Israel rejeita uma delegação após a outra enviada por Deus, de sorte que, por fim, mata o Filho de Deus em uma vã tentativa de ganhar autonomia em relação a ele. (Misericordiosamente, a parábola anterior nos lembra que a minoria crente sempre se pronunciou). De maneira irônica, Deus, no entanto, cumprirá sua intenção de abençoar o mundo através (para mudar a metáfora) da rejeição da pedra angular pelos construtores (21.33-46; esp. 42). A parábola das bodas antecipa a dupla responsabilidade da Igreja: primeiro, convidar todos à união de Deus com o seu povo; segundo, certificar-se de que aqueles que aceitam o convite usem as vestes nupciais apropriadas (presumivelmente, ao se tornarem discípulos, serem batizados e aprenderem a observar os mandamentos de Cristo — veja Mt 28.16-20). Mateus 22.15-46. Quatro perguntas (três feitas por outros, uma feita por Jesus) enquadram quatro das questões mais críticas pelas quais seus seguidores terão de lutar. Primeiro, quando perguntam sobre o pagamento de impostos a César, Jesus insiste que, porque Deus é a autoridade preeminente no universo, devemos a ele obediência primária; no entanto, temos uma obrigação secundária de apoiar as autoridades governamentais e lhes obedecer (Mt 22.15-22). Em segundo lugar, quando perguntam sobre a ressurreição, Jesus afirma que a morte não é o fim para nós, tampouco um mero portal para uma consciência não física permanente. Nosso estado final será, de fato, a ressurreição, isto é, corpos renovados, com uma condição física diferente de tudo que já experimentamos, uma condição em que não há casamento e ninguém é dado em casamento (22.23-33). Terceiro, quando perguntam sobre o grande mandamento, Jesus reconhece que há um grande mandamento — o qual, na verdade, é duplo — ao qual todos os outros podem ser subordinados: amar a Deus e amar ao próximo (22.34-40 – veja Lv 19.18; Dt 6.5). Quarto, Jesus pergunta como, no Salmo 110, Davi poderia ter-se referido a alguém que era seu Senhor e seu Filho. Israel, Jesus sugere, deveria esperar um Filho messiânico de Davi que fosse mais do que meramente humano. Como Bruner (ad loc.) resume: “Mais do que Davi está aqui [...] O filho de Davi como homem, o Senhor de Davi como Deus” (22.41-46). 68
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Mateus 23. Mateus encerra o ministério de ensino de Jesus com três capítulos (Mateus 23–25) que espelham o Sermão da Montanha (Mateus 5–7), começando com sete ais — reminiscências notáveis das bem-aventuranças —, pelos quais Jesus ilustra o que não quer dos seus seguidores.37 Ele censura aqueles que não lamentam as falhas dos outros em relação à lei, mas, em vez disso, fazem mais exigências (23.4); aqueles cuja religião tem mais a ver com prestígio do que com pobreza de espírito (23.5-12). “Ai”, ele pronuncia, daqueles que não contam a história de Deus com mansidão, mas, em vez disso, fazem prosélitos “duas vezes mais filhos do inferno do que [eles]” (23.13-15). “Ai” daqueles cuja doação excessivamente escrupulosa revela uma ruptura preguiçosa com a justiça, misericórdia e fé que o dízimo foi instituído para promover. “Ai” dos mestres que deveriam ser modelos de pureza de coração, mas são corruptos no âmago de seu ser. “Ai” daqueles cujo fingimento de serem filhos da paz disfarça sua hostilidade aos verdadeiros profetas de Deus — aqueles que, quando chamados a ficar ao lado dos profetas perseguidos por falarem a verdade, em vez disso, se juntam aos assassinos. Mateus 24. Mateus 6 tratou das disciplinas da religião: oração, jejum e confiança. Mateus 24 trata da residência da religião: para o povo judeu, o templo. Em 24.1-26, 29-35 (texto em que o linguajar de “vinda” [ἔρχεσθαι] evoca a imagem do Filho do Homem vindo adiante do “Ancião de Dias” em Daniel 7), Jesus explica o significado da destruição de Jerusalém e do templo. A atribuição celestial de autoridade a Jesus em virtude de seu batismo, morte e ressurreição terá consequências terrenas para a antiga administração: a destruição do templo. Os discípulos verão essa “vinda” de Cristo à sua autoridade celestial porque ela envolverá alguns eventos. Os discípulos terão oportunidade de se preparar (Mt 24.15-26). Em outros versículos, Jesus usa a linguagem da “presença” (παρουσία, que, infelizmente, a ARA traduz como “vinda” — 24.27, 36-41) para se referir ao seu retorno futuro (ainda futuro para nós) na consumação das eras. Sua παρουσία, ele afirma, ninguém verá com antecedência (24.27). O trabalho é simples: esteja pronto (24.36-51). 37 Para os paralelos dos “ais” com as bem-aventuranças, veja Reggie M. Kidd, “Tithing in the New Covenant? ‘Yes’ as Principle, ‘No’ as Casuistry”, em Perspectives on Tithing: Four Views, ed. David Croteau (Nashville: B&H Academic, 2011), p. 97-121
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Mateus 25. Mateus 7 coroou o Sermão da Montanha com um desafio a ser fiel e frutífero; a viver de acordo com a chamada Regra de Ouro (7.12), em vez de com um espírito de julgamento (7.1-5); e, ouvindo e praticando “estas minhas palavras” (7.24), a construir com sabedoria, e não de maneira tola. Da mesma maneira, em Mateus 25, Jesus agora fornece uma parábola que ressalta a necessidade de fidelidade na espera da παρουσία (25.1-13, dez virgens) e outra que sublinha a necessidade de frutificação durante a espera (25.14-30, os talentos). Em seu ensinamento final, ele reafirma a necessidade de decidir como viver — a serviço dele ou não (25.31-46, as ovelhas e os bodes). Ironicamente, porém, a realidade é que todos descobrirão que a maneira como servem ou não ao “irmão” faminto, sedento, alienado, nu, doente e preso (25.34-40, 41-46) provará se serviram ao próprio Jesus e, portanto, se suas vidas foram construídas na rocha ou na areia (lembrando 7.24-27).
Narrativas da crucificação, ressurreição e Grande Comissão (26.2–28.20) Mateus 26.2-75. Enquanto uma mulher unge Jesus com unguento caro (Mt 26.612), Judas concorda em traí-lo por 30 moedas de prata (26.14-16). Jesus converte a observância da Páscoa em uma refeição de ação de graças que celebra o ato de ele se derramar “para o perdão dos pecados” (26.28) e que antecipa o dia escatológico em que ele “beberá de novo, convosco no reino de meu Pai” (26.29; veja também 13.43). Enquanto Jesus ora no Getsêmani, Pedro e os irmãos Zebedeu dormem. Judas o trai com um beijo, e um discípulo, cujo nome não é mencionado, corta a orelha do servo do sumo sacerdote. Jesus responde: “Todos os que lançam mão da espada à espada perecerão” (26.52). Embora seus discípulos o abandonem, ainda que Pedro o negue, e conquanto falsas testemunhas o acusem de blasfêmia, Jesus promete aos membros da alta corte judaica que as Escrituras serão cumpridas — sua morte resultará em sua entronização como o Filho do Homem, “sentado à destra do Poder e vindo sobre as nuvens do céu” (26.64).
Mateus 27. Jesus aparece diante de Pôncio Pilatos, o governador romano (Mateus enfatiza o silêncio absoluto de Jesus — lembre-se de Mateus 12.19), enquanto Judas se enforca, em remorso por sua traição. Apesar de a esposa de Pilatos ter tido um sonho estranho, ele liberta Barrabás em lugar de Jesus e protesta sua própria inocência 70
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quanto ao sangue de Jesus (27.15-26). Após a morte deste na cruz (o relato de Mateus é especialmente moldado pelo Salmo 22 — veja Mt 27.37, 43), não apenas a cortina do templo é rasgada (como em Marcos e Lucas), mas “tremeu a terra, fenderam-se as rochas; abriram-se os sepulcros” (Mt 27.51-52). Somos levados a entender que a morte encontrou seu par na morte de Jesus, e a tentativa dos principais sacerdotes e fariseus de encobrir o caso não pode refutar essa nova realidade. José de Arimatéia (simplesmente chamado de “homem rico [...] que também era discípulo”) enterra Jesus em seu próprio túmulo, enquanto três das discípulas de Jesus observavam e uma unidade da guarda do templo achava-se presente, a fim de garantir que os discípulos de Jesus não se valeriam de ardil algum ao lidarem com o corpo (27.57-61). Mateus 28. As duas Marias vão ao túmulo no domingo antes do amanhecer. Lá elas encontram um anjo. Ele moveu a pedra que cobria o túmulo e está sentado sobre ela. Os guardas jazem no chão “como mortos” (Mt 28.4). O anjo informa às mulheres que Jesus ressuscitou dos mortos e que foi adiante delas para a Galileia, onde deseja que seus discípulos se reúnam. No caminho para contar as novas aos discípulos, as mulheres se encontram com o próprio Jesus. Enquanto isso, os líderes do templo conspiram com os guardas revividos para culpar os discípulos pelo corpo desaparecido; eles supostamente o roubaram no meio da noite enquanto os guardas dormiam. Finalmente, Jesus se encontra com seus 11 discípulos restantes na Galileia. Lá ele anuncia seu senhorio sobre o céu e a terra e instrui seus discípulos: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”. Ele promete sua própria presença com eles “até à consumação do século” (28.19-20).
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