Nome acima de todo nome - Alistair Begg e Sinclair Ferguson

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“Nenhum assunto bíblico ou teológico fascina meu coração e estimula minha mente mais do que a glória de Cristo. Um dia, todo joelho se dobrará à menção de seu nome. Se você quiser entender o porquê (e ter seu próprio coração conquistado, cheio de gratidão e estimulado a adorar), alimente sua alma com esta síntese simples, mas profunda, de quem Jesus é e do que ele realizou.”

John MacArthur, pastor na Igreja Grace Community; presidente do Master’s College and Seminary; palestrante no ministério Grace to You; autor de Escravo, O Evangelho segundo Jesus e A Verdade Permanece

“Quem é Jesus? Não há nenhuma questão mais importante que os seres humanos tenham de enfrentar. Alistair Begg e Sinclair Ferguson fornecem uma riqueza de conhecimento sobre Cristo, observando como Cristo é apresentado no Novo Testamento através de uma coleção de imagens requintadas. Todo cristão se alegrará com este livro conforme esses dois autores talentosos nos levarem a uma compreensão ainda mais profunda de quem Cristo é e quem ele é para nós.”

R. Albert Mohler Jr., presidente do Southern Baptist Theological Seminary; autor de Desejo e Engano e Ateísmo Remix

“Bons livros sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo nunca são demais. E este é um ótimo livro. Alistair Begg e Sinclair Ferguson tratam das doutrinas mais importantes da fé com clareza, fidelidade, perspicácia pastoral e bom humor. Cristãos novos, não cristãos e cristãos de longa data se beneficiarão destas magníficas explicações.”

Kevin DeYoung, pastor titular na Igreja Reformada University (East Lansing, Michigan, EUA); autor de O que a Bíblia Ensina sobre a Homossexualidade?, Brecha em Nossa Santidade, Super Ocupado e Levando Deus a Sério

“Para todos aqueles que, como eu, passaram a vida inteira na igreja ouvindo as histórias bíblicas, mas apenas começaram a compreender a história central da Bíblia, O Nome acima de Todo Nome liga os pontos de maneira cativante e clara. Dois guias sábios nos ajudam a ver Jesus em toda a Escritura — desde a promessa de sua vinda como a semente da mulher, em Gênesis, até a promessa de sua nova vinda como o Cordeiro no trono, em Apocalipse.”

Nancy Guthrie, professora de teologia; autora de As Bênção de Apocalipse e Ainda Melhor que o Éden

“Como cristãos, achamos fácil falar sobre a obra de Deus em nossas comunidades e em todo o mundo. É fácil descrever o nosso crescimento em Cristo e o que aprendemos dele. Mas quantos de nós simplesmente temos prazer em falar sobre Jesus? A arte de contemplar a beleza de Cristo — e de incutir essa admiração nas conversas cotidianas — é uma disciplina em extinção. Contudo, em O Nome acima de Todo Nome, meus amigos Alistair Begg e Sinclair Ferguson nos convidam a refletir novamente sobre nosso maravilhoso Salvador e sobre tudo o que o torna belo e louvável. Eu recomendo muito este livro extraordinário!”

Joni Eareckson Tada, fundador e CEO do Joni and Friends International Disability Center

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Begg, Alistair

Nome acima de todo nome : O retrato bíblico de Jesus / Alistair Begg, Sinclair B. Ferguson ; [tradução Paulo Sartor, Gabriel Lago]. -- 1. ed. -- São José dos Campos, SP : Editora Fiel, 2024.

Título original: Name above all names.

ISBN 978-65-5723-368-9

1. Cristianismo - Essência, natureza, etc. 2. Jesus Cristo - Aparições e milagres 3. Jesus Cristo - Biografia - Ensinamento bíblico 4. Jesus Cristo - Ensinamentos 5. Jesus Cristo - Historicidade I. Título.

24-220934 CDD-232.901

Elaborado por Aline Graziele Benitez - CRB-1/3129

Nome acima de todo nome: o retrato bíblico de Jesus

Traduzido do original em inglês Name above All Names

Copyright © 2013 por Alistair Begg e Sinclair Ferguson. Todos os direitos reservados.

• Originalmente publicado em inglês por Crossway, Wheaton, Illinois, EUA.

Copyright © 2023 Editora Fiel Primeira edição em português: 2024

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária.

PROIBIDA A REPRODUÇÃO

DESTE LIVRO POR QUAISQUER MEIOS, SEM A PERMISSÃO

ESCRITA DOS EDITORES, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Os textos das referências bíblicas foram extraídos da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª ed. (Sociedade Bíblica do Brasil), salvo indicação específica.

Diretor: Tiago J. Santos Filho

Editor-chefe: Vinicius Musselman

Pimentel

Coordenadoras Gráficas: Gisele

Lemes e Michelle Almeida

Editor: André G. Soares

Tradutor: Paulo Sartor (livro) e Gabriel Lago (guia)

Revisor: Gabriel Lago

Diagramador: Caio Duarte

Capista: Caio Duarte

ISBN brochura: 978-65-5723-368-9

ISBN e-book: 978-65-5723-367-2

Caixa Postal, 1601

CEP 12230-971

São José dos Campos-SP PABX.: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br

Derek Prime — Cristão Pastor Exemplo

Incentivador

Amigo

Com Carinho e Gratidão

Para

Prefácio

Como o título sugere, este livro é uma breve exposição daquilo que os cristãos muitas vezes chamam de “a pessoa e a obra de Cristo”. O seu foco está em algumas das diferentes maneiras pelas quais a Bíblia retrata a identidade de Cristo e descreve o seu ministério. Os capítulos não são de forma alguma exaustivos. Eles cobrem apenas sete das muitas descrições de Jesus encontradas na Bíblia, e nenhuma dessas descrições é tratada exaustivamente. Assim, estas páginas pretendem ser uma amostra, uma exploração inicial. A nossa oração é que elas ajudem alguns que ainda não são cristãos, sejam uma grande surpresa para aqueles que já o são, sirvam de incentivo para os cristãos maduros e sejam um prazer para todos os que amam a Cristo.

Não podemos afirmar que este é um livro “especial”. Há, porém, duas coisas especiais sobre ele que podem despertar interesse em sua leitura.

Por um lado, é uma expressão concreta de uma amizade, iniciada na década de 1970, quando éramos ambos ministros muito jovens na Escócia, e que já se estende por cinco décadas. Nascemos e vivemos os primeiros anos de nossa vida na mesma cidade. Conhecíamos os mesmos lugares; aprendíamos os mesmos salmos, hinos e cânticos espirituais; ouvíamos os mesmos pregadores; desenvolvemos uma rede de amigos em comum; até torcemos pelo mesmo time de futebol; e jogamos em

alguns dos mesmos campos de golfe. Ambos viemos ministrar nos Estados Unidos com poucos meses de diferença um do outro, em 1983.

É claro que temos personalidades distintas e vivemos dentro de nossos próprios mundos (um se tornou cidadão norte-americano, o outro não; um toca violão, o outro não; um é batista, o outro é presbiteriano; um mora em Cleveland, Ohio, o outro em Columbia, Carolina do Sul, e assim por diante). Ambos temos nosso próprio círculo de amigos, bem como círculos de amigos que se conhecem. Todavia, ao longo destes muitos anos, temos desfrutado o tipo de amizade, consideração e afeição mútuas que nos faz sentir que somos irmãos. Um de nós nunca teve um irmão; o outro perdeu o seu. Portanto, em parte, este livro e seu tema são expressões de nossa gratidão conjunta ao Salvador, em quem desfrutamos de tanta amizade e do amor que compartilhamos por seu povo.

Mas, além disso, O Nome acima de Todo Nome nos dá a oportunidade de fazer algo sobre o qual falamos ao longo dos anos: expressar de alguma forma tangível nossa gratidão conjunta a Derek Prime, que tem sido para nós um pastor exemplar, amigo e incentivador. Isso é verdade especialmente para Alistair, que serviu o ministério com Derek Prime em Charlotte Chapel, Edimburgo, de 1974 a 1976. Nosso sentimento de gratidão pelo tamanho da centralidade de Cristo e pela semelhança com ele que vimos demonstrados em sua vida e ministério torna muito natural dedicarmos a ele este pequeno livro sobre nosso Salvador e Senhor. O material destas páginas começou a ser reunido em sua forma atual enquanto nos preparávamos para uma conferência na Segunda Igreja Presbiteriana em Memphis, Tennessee. Somos gratos a essa congregação e ao seu ministro titular, Sandy Willson, por nos dar a oportunidade de servi-los juntos e de compartilhar parte do material aqui em forma falada. Também somos gratos à senhora Eve Huffman pela ajuda como secretária, sem a qual este projeto nunca teria sido concluído.

Esperamos que estas páginas encorajem, instruam, atualizem e renovem todos os leitores. A fim de tornar este livro mais útil de forma prática para aqueles que têm apenas um conhecimento inicial da Bíblia, incluímos referências às passagens ou textos bíblicos que mencionamos. Essas referências estão em notas de rodapé, para que o livro possa ser lido sem a constante interrupção do material entre parênteses.

Queremos pedir um favor aos nossos leitores. Quando estivemos em vários púlpitos na nossa terra natal, a Escócia, muitas vezes vimos palavras que eram visíveis ao pregador, mas estavam escondidas da congregação: “Senhor, queremos ver Jesus” (Jo 12.21). Pedimos que vocês façam dessa a sua oração ao começarem a folhear estas páginas.

Alistair Begg Sinclair B. Ferguson

1 Jesus Cristo, a Semente da Mulher

Jesus Cristo recebeu o nome que está acima de todo nome.1 Os nomes atribuídos a ele começam em Gênesis e terminam em Apocalipse. Juntos, expressam o caráter incomparável de Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor. Refletir sobre eles nos prepara melhor para responder às exortações das Escrituras, para focar nele o nosso olhar e para meditar sobre o quanto ele é grandioso.

Ser capaz de pensar longa e carinhosamente sobre o Senhor Jesus é uma arte que está desaparecendo. A disciplina necessária para refletir sobre ele por um período prolongado e ser cativado por ele foi relegada a um lugar secundário na vida cristã contemporânea. A ação, e não a meditação, está na ordem do dia. Infelizmente, muitas vezes essa ação não está impregnada da graça e do poder de Cristo.

Como é diferente o exemplo do apóstolo Paulo, para quem “o viver é Cristo”,2 ou do autor da Carta aos Hebreus, que nos exorta a “considerar Jesus”3.

1 Filipenses 2.9.

2 Filipenses 1.21.

3 Hebreus 3.1.

Precisamos aprender a recuperar essa centralidade de Cristo em nossa era agitada e repleta de atividades. Muitos de nós somos, por natureza, bastante impacientes. As ferramentas mais comuns da vida, usadas todos os dias — nossos computadores e toda a nossa tecnologia —, simplesmente aumentam essa impaciência.

Sendo assim, só nos pode fazer bem gastar as poucas horas que serão necessárias para ler estas páginas concentradas e fixadas na pessoa e na obra de nosso Senhor Jesus Cristo.

Começar do princípio, como nos lembra Julie Andrews no filme

A Noviça Rebelde, “é sempre o melhor lugar”.4 Gênesis é o livro dos começos. Ali encontramos o primeiro indício da vinda de um redentor.

Ele é a Semente da mulher.

NO JARDIM

O título deste capítulo foi tirado das palavras que Deus disse no jardim do Éden. Ele se dirigiu à Serpente, que havia, com sucesso, tentado Adão e Eva ao pecado:

Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência [semente] e o seu descendente [semente].

Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.5

O contexto é familiar.

Deus colocou Adão e Eva em um lindo jardim. Toda árvore daquele jardim é bonita de ver, e seus frutos são deliciosos. Mas há uma árvore no

4 N.T.: na canção Dó-Ré-Mi. 5 Gênesis 3.15.

jardim sobre a qual Deus disse: “da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”6

Aparentemente, a questão não era que houvesse algo inerentemente venenoso nessa árvore em particular. Na verdade, ela é descrita exatamente nos mesmos termos que qualquer outra árvore. Ela não dá frutos feios e venenosos. Não. A característica distintiva dessa árvore é o que Deus disse sobre ela. Pois o Deus todo-generoso, que dera a Adão e Eva tudo o que havia no jardim para desfrutarem, também lhes disse:

Agora, provem seu amor por mim; mostrem sua confiança e sua obediência a mim como um Deus generoso, não porque vocês saibam a diferença entre essa árvore e qualquer outra, mas simplesmente porque eu, como seu Pai, lhes disse em relação a esta árvore: “Confiem em mim e me obedeçam”.

É um chamado à vida de fé que vai do início ao fim da Bíblia:

Crer e observar

Tudo quanto ordenar;

O fiel obedece

Ao que Cristo mandar!7

Mas, então, a Serpente apareceu cantando uma canção diferente:

Creiam em mim e observem

Tudo quanto eu ordenar;

Os pecadores obedecer não devem

Nada do que Deus mandar!

“Deus colocou vocês neste jardim cheio de todas essas árvores gloriosas e todos esses frutos deliciosos e, então, disse: ‘Vocês não devem comer do fruto de nenhuma das árvores’?”

6 Gênesis 2.17.

7 Daniel B. Towner/John H. Sammis, Crer e Observar, hino 301 do Cantor Cristão, 37. ed.

Claro que Eva tentou discutir com ela, mas falhou e acabou sendo atraída pelo seu ardil. Ela avaliou o significado da árvore através dos olhos, e não através dos ouvidos. Em vez de ouvir o que Deus dissera sobre a árvore, ela pensou apenas naquilo que se podia ver nela. Afinal, parecia deliciosa e atrativa. Ela não tinha compreendido o princípio divino de que os crentes “veem” com os ouvidos, não com os olhos, ao ouvirem a Palavra de Deus.8

Essa, claro, é sempre a artimanha da Serpente.9

Além disso, que melhor maneira de provocar a queda de Adão senão — como a própria Eva admitiu mais tarde — enganando a mulher e, depois, utilizando-se dela? Satanás usou a melhor das dádivas de Deus a Adão para ganhar vantagem sobre ele e atraí-lo ao pecado. E assim, por sua vez, Adão levou o universo à ruína.

Deus aparece e expõe o casal pecador. Eles dão suas desculpas patéticas. O homem culpa a mulher. A mulher culpa a Serpente.

Então, Deus pronuncia três palavras de julgamento.10

1) Há um julgamento sobre Adão relacionado à sua tarefa de tomar conta do jardim e ao seu chamado para transformar o mundo inteiro em um jardim para Deus.

2) Há um julgamento sobre Eva relacionado particularmente à gravidez e à sua atitude para com seu marido.

3) Há um julgamento sobre a Serpente.

Surpreendentemente, esse julgamento sobre a Serpente contém uma semente da gloriosa esperança do Evangelho:

Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência [semente] e o seu descendente [semente].

8 O rei Davi acabou cometendo o mesmo erro (2Sm 11.1-2).

9 Veja Josué 7.18, 20-21 e 2Samuel 11.2 para mais exemplos nos casos de Acã e Davi. 10 Gênesis 3.15-17.

Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.11

A PASSAGEM DA ESTRADA DE EMAÚS

Quando traçamos o modo como o Antigo Testamento desenvolve esse tema, estamos, de certa forma, tentando alcançar o próprio Jesus enquanto ele conversava com dois de seus discípulos no caminho para Emaús, na tarde da sua ressurreição.12 Estamos tentando ouvir secretamente o que ele disse.

Os discípulos ficaram confusos, perplexos e angustiados por causa da morte de Jesus. Ele lhes mostrou as Escrituras: “Vocês não veem como estas Escrituras mostram que o Messias sofreria, morreria, ressuscitaria, entraria no seu reino e, depois, estenderia esse reino a todo o mundo?”

Pelo jeito, eles não conseguiam ver.

Como gostaríamos de estar lá com um iPhone ou outro celular prontos para gravar e poder reproduzir todas as passagens do Antigo Testamento para as quais Jesus chamou a atenção. Ele sem dúvida as tinha memorizado! Talvez ele simplesmente foi dizendo uma após a outra naquela curta jornada.13 Mais tarde, por um período de várias semanas, ele continuou voltando aos discípulos e mostrando-lhes todas as maneiras pelas quais o Antigo Testamento apontava para ele.14

Quando nosso Senhor Jesus fez isso — e sempre que ele faz isso através da sua Palavra e do seu Espírito —, três coisas acontecem:

11 Gênesis 3.15.

12 Lucas 24.13-35.

13 Lucas diz: “[ele] expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27; veja também 24.44-47).

14 Atos 1.3.

• Primeiro, ele fornece uma exposição das Escrituras.

• Segundo, ele traz iluminação à mente.

• Terceiro, ele cria uma paixão por ele mesmo no coração.

“Não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?”15 Essa foi a reação dos dois discípulos quando ele os deixou.

Essa é a função de qualquer estudo da Bíblia. É o que queremos que aconteça sempre que lemos o que a Bíblia tem a nos ensinar sobre Jesus. Lemos ou ouvimos as Escrituras e recorremos ao Espírito Santo para iluminá-las. Quando ele o faz, nosso coração arde dentro de nós. Este é “estranhamente aquecido” (para usar as palavras de John Wesley). Se já experimentamos esse tipo de ardor no coração, queremos que nosso coração arda assim, repetidas vezes, de amor pelo Salvador e por seus ensinamentos.

Se isso acontecer, não há melhor lugar para começar do que onde suspeitamos que Jesus começou, em Gênesis 3.15 — aqui nesta promessa do conflito entre as duas sementes.

Os antagonistas são descritos pela primeira vez como a semente da mulher e a semente da Serpente. Mas o ápice do conflito está destinado a ser mais pessoal e individual — entre a semente da mulher e a própria Serpente. O antagonista final do mal não é mais a semente da Serpente, mas a própria Serpente. De forma implícita, então, a semente final da mulher é também um indivíduo. Um esmagaria o outro. Porém, enquanto a Serpente esmagaria apenas o calcanhar da semente da mulher, a semente da mulher esmagaria a cabeça da Serpente — um golpe que seria fatal.

Se déssemos a você um cartão em branco de 8x12 cm, convidando-o a responder à pergunta: “Por qual razão o Filho de Deus se manifestou?”, qual seria sua resposta? Aqui está a resposta do apóstolo João:

15 Lucas 24.32.

Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.16

Essa é a primeira dimensão do Evangelho registrada na Bíblia. João viu a profecia de Gênesis 3 cumprida em nosso Redentor, Jesus Cristo. Quando Cristo se manifestou, veio para desfazer o que a Serpente havia feito. Pela sua vida e ministério, bem como, acima de tudo, através da sua morte e ressurreição, ele destruiu todas as obras do diabo.

Como essas palavras iluminam o ministério de nosso Senhor Jesus Cristo?

Quando pensamos na salvação, usamos palavras como perdão e justificação — e com razão. Mas observe que não há menção em Gênesis 3.15 de perdão ou justificação. Isso não importa? Claro que sim! Mas as palavras de Deus aqui colocam toda a ênfase no conflito (“Porei inimizade…”) e, portanto, na nossa necessidade de sermos libertos da escravidão do Maligno, para não sermos mais prisioneiros do “príncipe da potestade do ar, o espírito que agora atua nos filhos da desobediência”.17

Assim, essas palavras, quase no início de Gênesis, nos dão uma visão importante de toda a mensagem da Bíblia. Ela é uma biblioteca que traça um conflito cósmico de longa data entre as duas “sementes”.

O PROTOEVANGELHO

Gênesis 3.15 tem sido chamado há muito tempo de “Protoevangelho”, o primeiro anúncio das Boas Novas do Evangelho. Ele contém a promessa mais antiga da vinda de Cristo — uma profecia de que a sua manifestação será o clímax de um conflito prolongado. Observe como isso é expresso:

16 1João 3.18.

17 Efésios 2.2.

a. Porei inimizade entre ti e a mulher,

b. entre a tua descendência e o seu descendente;

c. este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

• Na primeira afirmação (a), Deus declara inimizade entre a Serpente e a mulher.

• Na segunda afirmação (b), Deus indica que isso continuará para além da vida de Eva e envolverá a descendência (semente) da Serpente e a semente da mulher.

• Na terceira afirmação (c), Deus diz que a inimizade chegará ao clímax quando o descendente (“este”) da mulher ferir (ou esmagar) a cabeça da Serpente. O conflito termina com a vitória da semente da mulher.

Logo, há um desenvolvimento nesse versículo, da inimizade entre dois indivíduos (a Serpente e Eva) à inimizade entre duas linhagens familiares (seus descendentes), até um desfecho final: o descendente ou semente da mulher (singular) esmagará a cabeça da Serpente.

SATANÁS?

Não há referência a Satanás em Gênesis 3. Contudo, quando o restante das Escrituras reflete sobre o que aconteceu ali, fica claro que, por trás da Serpente, está a figura de Satanás. Paulo ecoa Gênesis 3.15 quando diz aos cristãos em Roma que “o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás”.18 Ele pega essa antiga promessa e a aplica aos cristãos em Roma. A implicação é que a Serpente em Gênesis 3 é o porta-voz de Satanás e que

18 Romanos 16.20.

o conflito ali referido chegou agora ao ápice. Cristo o vence — e ali, portanto, nós também.

Isso é expresso ainda mais intensamente no livro de Apocalipse. Apocalipse 12 nos dá uma imagem dramática do clímax desse conflito que dura séculos. João vê um grande dragão vermelho que devora a humanidade. Esse dragão é “a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo”.19 Tendo devorado espiritualmente tantas pessoas da raça humana, a Serpente do Éden tornou-se um grande dragão.

Na verdade, a visão de Apocalipse 12 é quase como uma versão cinematográfica de Gênesis 3.15. Somos convidados a assistir, de forma dramática, em alta definição, em cores vívidas e efeitos especiais, ao profetizado conflito contínuo entre a semente da mulher e a semente da Serpente, bem como ao seu resultado final.20

Esse é o enredo subjacente de toda a Bíblia. Aparece em estado rudimentar logo no capítulo seguinte do livro de Gênesis. Um irmão (Caim) está em conflito com outro irmão (Abel) porque o sacrifício deste último foi aceitável a Deus.21 A inveja e o assassinato decorrem quando a semente da Serpente (Caim) procura destruir a semente da mulher (Abel).

O mesmo enredo atravessa a história da torre de Babel, enquanto o ser humano procura construir o seu reino contra o de Deus. Todavia, com poder soberano, Deus derruba esse reino e destrói a sua unidade.22 Essa é também a história do Egito contra Israel.23 É a história de Golias contra Davi.24 É a história da Babilônia contra Jerusalém, de

19 Apocalipse 12.9.

20 Em outra parte, por implicação, o Novo Testamento faz esta mesma identificação da Serpente com Satanás: João 8.44b.

21 Gênesis 4.1 e ss.

22 Gênesis 11.1-9.

23 Êxodo 1–12.

24 1Samuel 17.10, 45.

Nabucodonosor contra Daniel.25 É a história de Satanás contra Jesus,26 assim como de Pôncio Pilatos e Herodes tentando destruir o Salvador.27 É a história que permeia os Evangelhos e além. Os judeus procuram destruir Jesus durante o seu ministério: “Vós sois do diabo, que é vosso pai”, diz ele.28 É a história de como a inimizade, então, se volta contra a igreja cristã.29

Assim, a história das eras já começa a se desenrolar aqui, em Gênesis 3.15.

UM CONFLITO CONTÍNUO

Precisamos nos lembrar desse conflito quando lermos os Evangelhos. É um tema subjacente importante na vida e ministério do Senhor Jesus. Sua presença permeia cada página da história. Os Evangelhos são a história do conflito de Jesus com a semente da Serpente — seja esta na forma de demônios, seja incitando hostilidade contra ele, seja em seus esforços para recrutar ao seu serviço os discípulos Pedro e Judas. Na linguagem concisa e resumida do experimentado João: “Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.”30

E, assim, do início ao fim, desde o Jardim do Éden, transformado em deserto por causa do pecado, até Apocalipse 21 e 22, quando aquele deserto é transformado novamente em jardim, toda a Bíblia é a história desse conflito, o qual, conforme a promessa, continuaria através dos séculos até a vinda de Cristo. Então, durante o ministério de Jesus, o conflito entra na sua fase crítica.

25 Daniel 1.1 e ss.

26 Mateus 16.21-23; Lucas 4.1-13, 28-29, 31-37; 22.53; João 12.27-33; 13.2; 21-32.

27 Atos 4.23-28.

28 João 8.44.

29 Atos 7.54–8.3.

30 1João 3.8.

O Novo Testamento reflete isso de muitas maneiras diferentes. Lembre-se de como Paulo diz que, quando o tempo chegou, Deus enviou seu Filho. Ele descreve Jesus em duas frases impressionantes: “nascido de mulher, nascido sob a lei.”31 “Nascido de mulher” — ele está ecoando Gênesis 3.15? Sem dúvida, pois a linhagem, em outras partes das Escrituras, é traçada através do lado masculino.32 Mas Deus havia dito: “A semente da mulher esmagará a cabeça da serpente.” Paulo está, por assim dizer, nos afirmando: “Agora vocês veem na encarnação quem a semente da mulher — aquele nascido dela — realmente é? Não é outro senão o Senhor Jesus Cristo.”

Poderia ser essa a razão pela qual o Senhor Jesus se dirige à sua mãe, Maria, como “mulher”? Ele faz isso em dois momentos muito marcantes registrados exclusivamente no Evangelho de João.

Primeiro, no casamento ao qual Jesus compareceu em Caná da Galileia, ele responde à insistência de Maria para que ele “faça algo” a respeito de uma tragédia iminente. O vinho estava acabando. Jesus, porém, responde: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora.” Entretanto, pouco depois, ele transformou água em vinho — seu primeiro milagre, sua primeira demonstração de sua glória!33

Mais tarde, durante a última hora de sua vida, Jesus novamente se dirigiu à sua mãe como “mulher”. Ele está prestes a terminar seu trabalho na terra. Nessa obra, Deus, “despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo”.34 Ao fazer isso, ele se volta para João e entrega a própria mãe, Maria, aos cuidados dele. E, então, lhe diz: “Mulher, eis aí teu filho.”35

Os comentaristas sempre acharam difícil explicar a nuance precisa das palavras de Jesus. Elas parecem chocar um pouco. Afinal, quando foi a

31 Gálatas 4.4.

32 Veja, por exemplo, Gênesis 5.1; 6.9; 10.1; Mateus 1.1-7; Lucas 4.23-38.

33 Veja João 2.1-11.

34 Colossenses 2.15.

35 João 19.26.

última vez que você se dirigiu à sua mãe dessa forma impessoal? E, se você fez isso, o que ela disse? Ela lhe lembrou quem ela é? Aos nossos ouvidos, há algo de ríspido nessa linguagem quando usada por um filho de uma mãe amorosa. Alguns comentaristas não medem esforços para dizer: “Ora, não há hostilidade aqui. Isso é algo muito normal para Jesus dizer.”

Mas será mesmo? Esse estilo de tratamento entre um filho e sua mãe não aparece em nenhum outro lugar dos Evangelhos. Poderia haver uma razão mais profunda pela qual João registra essa linguagem tanto no início como no fim do ministério público de Jesus? Ele está dizendo: “Vocês não veem o que está acontecendo aqui? Jesus vê que ele é a semente da mulher que feriria a cabeça da Serpente.” Estaria ele simplesmente lembrando a sua mãe sobre os seus destinos dados por Deus? Afinal, o Evangelho de João nos ensina que, na cruz do Calvário, nosso Senhor Jesus Cristo, de fato, esmagou a cabeça da Serpente. “Chegou”, afirma ele, quando os gentios pediram para vê-lo: “Chegou o momento de ser julgado este mundo, e agora o seu príncipe será expulso.”36

JESUS ENCONTRA O INIMIGO

Outra passagem do Evangelho de João parece enquadrar-se nessa perspectiva geral, embora também esteja longe de ser fácil de interpretar. No meio do Discurso de Despedida de nosso Senhor (Jo 13–17), ele diz aos seus discípulos: “Levantai-vos, vamo-nos daqui” (14.31). No entanto, não há indicação no texto de qualquer relocação física ou mesmo de qualquer movimento. A linguagem que João usa aqui, contudo, foi empregada fora do Novo Testamento, num contexto militar, em referência à marcha contra o inimigo. Talvez, então, Jesus não esteja dizendo: “Vamos, sigamos daqui”, mas sim: “À luz de tudo o que tenho

36 João 12.31.

dito e de tudo o que está acontecendo, é hora de marcharmos para a fase final do conflito contra os poderes das trevas.”37 Pois “esta é a vossa hora e o poder das trevas”.38 Quer o grupo de discípulos tenha saído fisicamente da sala naquele momento, quer não, Jesus decerto estava entrando em território ocupado pelo inimigo.

Logo, os Evangelhos parecem estar nos dizendo: “Vocês veem como essa promessa de conflito está chegando a um ponto culminante no ministério do Senhor Jesus?”

Apocalipse 12 é uma forma dramática dessa promessa de Gênesis 3.15. Na sua visão, João vê que uma criança que governará as nações está prestes a nascer.39 Mas um grande dragão espera que ela saia do ventre da sua mãe. O dragão pretende devorá-la. O dragão é explicitamente identificado com o diabo e a Serpente no Éden.40 Isso lembra muito o massacre cruel e imoral que Herodes arquitetou contra as crianças na região de Belém.41 Havia algo profundamente satânico naquele ataque, concentrado como foi na pessoa do Senhor Jesus Cristo. A História da Salvação é uma história de guerra.

As mesmas realidades foram expressas na tentação de nosso Salvador no deserto.42

O SEGUNDO ADÃO VEM PARA LUTAR

Às vezes cometemos um erro básico ao ler as narrativas sobre a tentação de Jesus. Presumimos que seu principal objetivo é ensinar-nos sobre as nossas tentações e como devemos resistir a elas.

37 Veja João 14.31. Veja C. H. Dodd, The Interpretation of the Fourth Gospel (Cambridge: Cambridge University Press, 1953), p. 407-9 [Edição em português: C. H. Dodd, A interpretação do quarto Evangelho (São Paulo: Paulus, 2033)].

38 Lucas 22.53.

39 A linguagem dele deixa claro que ele vê essa criança através das lentes do Salmo 2.9. Ele é o rei messiânico prometido.

40 Apocalipse 12.9.

41 Mateus 2.16-18.

42 Mateus 4.1-11; Marcos 1.12-13; Lucas 4.1-13.

É verdade que o exemplo de nosso Senhor de resistir às suas tentações nos ajuda a resistir às nossas. Mas o objetivo delas não é dizer: “Jesus foi tentado, e vocês são tentados exatamente como ele; então, reajam à tentação assim como ele fez.” Isso transformaria as tentações dele em um mero exemplo a ser imitado. Não! Somos informados de que o Espírito Santo guiou Jesus — na verdade, “o impeliu” — ao deserto para ser tentado.43

As tentações de Jesus não foram uma série de acontecimentos infelizes que o atingiram de surpresa. Constituem, antes, um confronto épico que ocorre dentro da estratégia divina. O que vemos aqui é a obra de Jesus de luta, vitória e salvação. Ele ficou cara a cara com Satanás. Ele se manifestou como o novo homem de Deus, o segundo Adão, para fazer o que o velho homem, o primeiro Adão, não conseguiu. A questão é: quem tomará os reinos deste mundo? E como o Reino de Deus será reconquistado e estabelecido? A resposta é que Jesus os retomará em nosso nome e para o deleite e glória de seu Pai. Satanás será esmagado sob os pés!

Ó amável sabedoria do nosso Deus!

Quando tudo era pecado e perdição, Veio para lutar e para resgatar os seus

Aquele segundo Adão.

Ó mais sapiente amor! A carne e o sangue, Que uma vez fizeram Adão cair, Deveriam novamente contra o inimigo lutar, Deveriam lutar e não mais sucumbir.44

43 “Foi guiado” é a expressão de Lucas; “impelido” é a de Marcos.

44 J. H. Newman, Praise to the Holiest in the Height [Glórias ao santíssimo Deus nas alturas], do poema The Dream of Gerontius [O sonho de Gerôncio], escrito em 1865 e mais tarde musicado por Edward Elgar para seu oratório — ópera-espiritual — de mesmo nome.

É por isso que Jesus experimentou uma fraqueza e uma fome tão avassaladoras (em contraste com Adão, que desfrutou de tudo imensamente). É por isso que ele enfrentou a tentação em um deserto (não como Adão, que estava em um jardim lindo e acolhedor). É por isso que ele estava rodeado de animais selvagens (e não, como Adão estava, de animais dóceis, obedientes, quase domesticados). Jesus, o último Adão, teve de vencer no contexto do caos que o pecado do primeiro Adão trouxera ao mundo.

Assim, desde o início até ao fim do seu ministério, Jesus está marchando contra os poderes das trevas. Praticamente logo após as tentações, ao iniciar o seu ministério público, ele tem de enfrentar um novo ataque de atividade demoníaca na sinagoga de Nazaré.45 Pouco depois, ele encontra um homem em Gadara cuja vida está sob alguma influência destrutiva de outra natureza e fora de controle. Ele vagueia pelas tumbas como um animal selvagem que ninguém consegue dominar.

Jesus diz com ternura ao endemoninhado: “Qual é o teu nome?” Ele responde: “Legião é o meu nome, porque somos muitos.”46

Uma legião romana consistia teoricamente em cerca de quatro mil a cinco mil soldados. O homem está dizendo: “Milhares de demônios invadiram minha vida.”

Notemos, contudo, uma coisa. É preciso apenas um demônio para destruir alguém. Por que, então, milhares de demônios o invadiram? Porque o Senhor Jesus estava lá. Essa é toda a questão. Não se trata simplesmente de um pobre homem possuído por uma legião de demônios. Isso seria uma mobilização de tropas excessiva que Satanás nunca poderia destacar. Não, não por causa daquele homem, mas a destruição do ministério de Jesus é o alvo.

A razão pela qual há tanta possessão demoníaca no período registrado pelos Evangelhos não é, como às vezes se supõe, que a possessão demoníaca

45 Lucas 4.16-30.

46 Marcos 5.9.

fosse comum naquela época. Na verdade, não era. Em vez disso, a terra foi invadida por demônios porque o Salvador estava marchando para a vitória prometida em Gênesis 3.15. E todo o inferno foi solto para resistir a ele.

A resposta dos próprios demônios a Jesus deixa isso claro. Quando ele foi confrontado pelo homem possuído pelo demônio na sinagoga de Cafarnaum, a reação do espírito imundo a ele foi: “Vieste para nos destruir?”47

E, então, é claro, essa oposição sinistra assumiu uma forma mais sutil em um dos três homens que Jesus mais amava no mundo, quando Simão Pedro ecoou a tentação do Salvador pela Serpente: “Não siga o caminho da cruz, Jesus.” 48

Como Jesus foi resoluto! Como ele foi lúcido ao ouvir nas palavras de Pedro o tom do Maligno e responder: “Para trás de mim, Satanás!”49

MUDANÇA DE TÁTICA

Na primeira metade da narrativa do Evangelho, até ao ponto em que Pedro confessa que Jesus é o Cristo, Satanás procura desviá-lo da cruz. No deserto, ele diz: “Jesus, não vá para a cruz. Eu lhe darei os reinos, desde que você se curve e me adore.” Através de Simão Pedro, ele diz: “Não vá para a cruz. Encontre outra maneira.” Os demônios parecem dizer: “Não vá para a cruz.”

Então, algo inesperado acontece. A estratégia de Satanás avança numa velocidade diferente. Agora ele tenta levar Jesus à cruz o mais rápido que pode. Agora ele está tentando tumultuar o tempo de Deus para que a morte de Jesus seja uma tragédia terrível, e não um ministério salvador de obediência. Agora, em vez de usar um membro instável

47 Marcos 1.24 (NVI); cf. Mateus 8.29: “Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?”

48 Veja Mateus 16.22-23.

49 Mateus 16.23 (NVI); Marcos 8.33.

do grupo de discípulos (Simão Pedro), ele usa o seu tesoureiro de confiança (Judas Iscariotes). Na verdade, os seus colegas discípulos confiavam nele de modo tão completo, que, quando ele saiu do cenáculo para trair Jesus, vários deles pensaram conscientemente que ele se empenharia no ministério da misericórdia aos necessitados.50 Satanás usou Simão Pedro, mas sem sucesso. Agora, entretanto, ele realmente veio habitar em Judas Iscariotes.51 Isso sinalizou o início do conflito final de Jesus. “Esta”, disse ele aos seus captores no jardim do Getsêmani, “é a vossa hora e o poder das trevas.”52 Esse poder esmagaria seu calcanhar. Porém, nesse conflito, ele esmagaria a cabeça da Serpente. Portanto, toda a história da Bíblia é de conflito contínuo. A história do Evangelho nos leva ao seu ponto crítico.

VITÓRIA

Como é que Jesus esmaga a cabeça da Serpente e destrói a sua influência?

Onde Adão concedeu a vitória a Satanás, Jesus resistiu a este. A obediência total ao Pai marcou todo o curso da sua vida.

Três anos depois, Jesus também foi levado até um tronco de uma árvore. Ele também enfrentou a tentação. Todavia, no caso dele, a tentação era não comer do seu fruto venenoso. O obediente último Adão reverteu a desobediência do primeiro Adão.

Deus deu a Adão e Eva o prazer de comer frutos de todas as árvores do jardim, exceto uma. O fruto proibido, como vimos, não era um fruto feio, de aparência sinistra e que exalava um odor repulsivo. Não: parecia delicioso.

50 João 13.29.

51 João 13.27.

52 Lucas 22.53.

Cada instinto dizia com respeito àquela árvore: “Esta árvore — como todas as árvores do jardim — é atraente aos olhos. Seus frutos têm uma aparência e um aroma deliciosos.”53

Por que Deus disse: “Não comam deste fruto”, já que a árvore do Éden parecia tão atraente? A árvore testou a obediência de Adão. Mas também proporcionou um contexto no qual ele poderia crescer em seu relacionamento com Deus. Pois Deus estava, na verdade, dizendo-lhe: “Adão, obedeça-me nisso para mostrar que você confia em mim e me ama. Ao fazer isso, você crescerá em seu relacionamento comigo.” Infelizmente, Adão seguiu o caminho pelo qual os sentidos de sua esposa a conduziram: visão, olfato e paladar, em vez da palavra de Deus.

Quando o segundo Homem foi levado ao madeiro do Calvário, ele enfrentou uma imagem espelhada invertida da tentação do primeiro homem.

Não havia nada na primeira árvore que levasse Adão instintivamente a resistir à tentação de comer seu fruto de aparência deliciosa. Logo, não havia nada na segunda árvore que atraísse Jesus a comer o seu repulsivo fruto do abandono de Deus. Era uma árvore amaldiçoada.54

Não havia um osso no corpo de Cristo, nem um grama de sua carne, nem um sentimento em sua alma que pudesse estar instintivamente disposto a experimentar uma sensação de abandono por parte de Deus. Tudo nele ficou retraído de medo por conta disso. Ele amava seu Pai!

Podemos dizer mais: qualquer outra reação que não fosse a de recuar diante da morte no madeiro, considerando-a repulsiva, teria sido menos do que santa da parte de Jesus. Jesus foi chamado a experimentar algo ao qual todos os seus instintos sentiam aversão. Jesus precisava não querer comer o fruto da árvore com todo o seu ser e, ainda assim, estar disposto a comê-lo. Ele desejou ser obediente quando não queria

53 Veja Gênesis 2.9.

54 Veja Gálatas 3.13.

ser abandonado. Esse foi o preço da nossa salvação. Não é de admirar que Jesus tenha orado: “Aba, Pai, […] passa de mim este cálice.”55 Podemos tabular o contraste entre Adão e Jesus desta forma:

Duas pessoas: Adão, o primeiro Adão, o último

Dois lugares: A árvore proibida A árvore amaldiçoada

Dois comandos: Não coma a fruta! Beba o que está no cálice!

Dois desejos: Quer comer Não quer beber

Duas ações: Desobediência Obediência

Dois resultados: Morte Vida

É com esse pano de fundo que Paulo diz: “[Ele foi] obediente até à morte e morte de cruz.”56 Jesus quis aceitar a maldição divina, embora tudo nele, cada desejo santo, ansiasse e merecesse a bênção divina. Ele tomou o nosso lugar — quem pode compreender o mistério do seu sentimento de desolação e alienação da glória do céu? Ele suportou a maldição — tudo por amor.

Minhas dores carregou

Por mim, sim, condenado foi; Selou com sangue meu perdão. Aleluia! Que Salvador!57

Há mais, porém. Jesus fez outra coisa de enorme importância.

55 Marcos 14.36.

56 Filipenses 2.8.

57 Philip Bliss, Man of Sorrows, 1875 [Tradução e adaptação: Carlos Rocha (2020)].

O DESMASCARAMENTO

Jesus desmascarou a mentira de Satanás. Paulo descreve a queda do ser humano com estes termos: “eles mudaram a verdade de Deus em mentira.”58 O que foi essa mentira? Com certeza, consiste no fato de que a Serpente disse a Eva:

Seu Deus colocou você neste jardim. Ele lhe deu tantas árvores suntuosas e atraentes, tantos frutos deliciosos. Mas ele está, na verdade, dizendo: “Estou cercando você com todas essas coisas lindas e deliciosas, porém você não deve apossar-se de nenhuma delas.”59

Você vê a insinuação satânica aqui? “Deus é cínico; ele não quer o melhor para você, nem lhe dá o melhor. Ele está brincando com você para seu próprio prazer maldoso. Ele, na verdade, não ama você. Ele despreza você.”

O resto já sabemos. Eva lutou contra a tentação, mas o pensamento venenoso já havia sido introjetado nos seus sentimentos e vontade através de sua mente, agora confusa. A partir daí, ele passou para a nossa corrente sanguínea. Está em nosso organismo agora. É a disposição dentro de nós que nos leva a não crer e a não confiar que o próprio Deus e tudo — absolutamente tudo — que ele é, faz, diz, ordena e promete é bom.

Às vezes, os não cristãos nos dizem: “O deus em que creio é um deus de amor.” Mas eles próprios não se conhecem, pois a análise da Bíblia é: “Não, você trocou a verdade sobre Deus por uma mentira. Você não crê que ele é amor. Você não viveria do jeito que vive se realmente cresse nisso.”

58 Romanos 1.25.

59 Veja Gênesis 3.1 e ss.

O cerne do Evangelho é: em demonstração de seu amor, o Pai celestial enviou seu único Filho para morrer na cruz em nosso lugar e por nossos pecados. “Deus demonstrou o seu amor para conosco, quando Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.”60

É somente a cruz que, em última análise, prova o amor de Deus por nós — e não as circunstâncias providenciais de nossa vida. Não devemos permitir-nos ser levados a pensar que, se as coisas vão bem conosco, podemos ter a certeza do amor de Deus. A vida muitas vezes pode parecer sombria e dolorosa. As coisas nem sempre nos vão bem. Em vez disso, olhamos para o sacrifício da cruz e a demonstração que Deus deu ali do seu amor. Essa é a prova da qual preciso. Essa é a verdade que preciso ouvir para a mentira ser dissipada.

Se Jesus morreu por mim, posso ter certeza de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo não pararão por nada (absolutamente nada!) para me fazer o bem:

Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas?61

Observe como o Evangelho é orientado para o Calvário, focado na cruz e centrado em Cristo. Mas o Calvário, com todo o seu sombrio sentimento de abandono, é uma revelação de graça ainda mais completa. Pois não é só:

1) O ponto alto da obediência de Jesus. Ele tornou-se “obediente até à morte e morte de cruz”.62

Ele é também:

60 Romanos 5.8.

61 Romanos 8.32.

62 Filipenses 2.8.

2) O ponto alto do amor do Pai pelo seu Filho encarnado. “Por isso, o Pai me ama”, disse Jesus, “porque eu dou a minha vida.”63 O momento em que ele gritou “Meu Deus, estou abandonado!

Por quê?” foi o exato momento em que seu Pai, em meio às lágrimas, cantava:

Meu Jesus, eu te amo, Bem sei que tu és meu […]

Se nesta vida te amei, Meu Jesus, ainda mais nesta hora.

Tudo isso aconteceu para esmagar a cabeça da Serpente e arrancar de suas presas a mentira venenosa que ainda amortece o coração de muitos cristãos e faz com que nos tornemos crentes medrosos e duvidosos.

Há mais uma observação a acrescentar que parece lançar luz sobre a obra de Cristo como a semente.

O JARDINEIRO RETORNA

Lembre-se do que Adão foi criado para ser: o jardineiro.

Tudo que Deus fez era “bom” — mas nem tudo ainda era um jardim. Deus queria que Adão exercesse seu domínio expandindo o jardim. Tendo-lhe dado um jardim para começar, Deus estava dizendo: “Olhe, Adão, eu lhe dei um começo.” Assim como poderíamos dizer aos nossos filhos: “Aqui está um começo. Agora, você vai e faz o resto.”

Adão deveria “jardinar” toda a terra, para a glória do Pai celestial. Mas ele falhou. Criado para tornar o pó da terra frutífero, ele próprio tornou-se

63 João 10.17.

parte do pó.64 O Jardim do Éden tornou-se o deserto deste mundo. Mas você também se lembra de como o Evangelho de João registra o que aconteceu na manhã da ressurreição de Jesus? Ele foi “o princípio [da nova criação], o primogênito de entre os mortos”.65 Maria Madalena, porém, não o reconheceu; em vez disso, ela falou com ele “supondo ser ele o jardineiro”.66 Quem mais seria, àquela hora da manhã?

O jardineiro? Sim, claro! Ele é o Jardineiro. Ele é o segundo Homem, o último Adão, o qual agora começa a restaurar o jardim.

Mais tarde naquele dia, Jesus mostrou aos seus discípulos onde os pregos e a lança haviam tirado sangue de suas mãos e do seu lado. A Serpente realmente esmagara seu calcanhar. Contudo, ele havia esmagado a cabeça da Serpente! Ora, ele estava planejando transformar o deserto outra vez num jardim. Logo ele enviaria seus discípulos ao mundo com as Boas Novas de sua vitória. Toda a autoridade na terra, perdida por Adão, foi agora recuperada. O mundo deve agora ser reivindicado para Jesus, o conquistador!

Nas cenas finais do livro de Apocalipse, João viu a nova terra descendo do céu. Como era sua aparência? De um jardim onde está a árvore da vida!67

Um dia, tudo isso acontecerá.

Então, a Semente veio; seu calcanhar vertia sangue por ter sido esmagado. Mas a cabeça da Serpente foi esmagada no processo. Jesus reina, e seremos mais que vencedores por meio daquele que nos amou!68 Ainda há, porém, um longo caminho a percorrer antes do fim; e há muito mais para aprender sobre Cristo se quisermos conhecê-lo plenamente. Já tivemos indícios do que ele precisará ser: alguém que fale a

64 Gênesis 3.19.

65 Colossenses 1.18.

66 João 20.15.

67 Veja Apocalipse 21–22.

68 Romanos 8.37.

verdade contra as mentiras de Satanás, ou seja, um profeta; alguém que possa garantir-nos que os nossos pecados estão perdoados, ou seja, um sacerdote; e alguém que seja capaz de nos dominar e reinar sobre nós, ou seja, um rei. E muito mais.

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