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Prefácio

Na minha época, nós os chamaríamos de casos amorosos ou romances. Hoje em dia, são chamados de relacionamentos. A palavra amor passa por maus momentos. Para muita gente, esse termo signifi ca nada mais nada menos do que ir para a cama com alguém, não interessando o sexo ao qual o outro pertença. Adesivos substituem a palavra pela imagem de um coração vermelho e empregam amor praticamente a qualquer coisa, pessoa ou lugar. Em alguns cultos cristãos, pede-se às pessoas que se virem, olhem para o indivíduo ao lado, mesmo que seja um completo estranho, e digam com um sorriso largo e sem o mínimo traço de rubor: “Deus te ama e eu também”, provando isso com um abraço bem apertado. Aparentemente, isso faz com que algumas pessoas se sintam bem. Talvez até mesmo as convença de que estariam obedecendo ao mais poderoso e severo mandamento já imposto aos seres humanos: amem-se uns aos outros como Cristo os amou. Não causa admiração que as pessoas estejam em busca de alguma outra palavra para descrever o que sentem por um indivíduo do sexo oposto. É novo. É ótimo. É ótimo mesmo. É especial.

“O que é especial?”, indago algumas vezes.

“Bem... Você sabe, tipo, esse relacionamento.”

“Que relacionamento, exatamente?”

“Bem, não sei, mas você sabe, é tipo, quero dizer, é simplesmente ótimo mesmo.”

Recentemente, uma professora me escreveu sobre uma “amizade crescente” com um homem que costumava lhe dar carona para o trabalho. Ele se mudara para um estado distante, e ela estava se sentindo muito solitária e insegura em relação ao futuro. Ela não estava certa sobre o que o relacionamento de ambos havia sido, o que era naquele momento ou o que poderia vir a ser, mas, ao deparar com algumas passagens que escrevi relativas a questões do coração, quis saber mais a respeito.

“Gostaria de compreender um pouco mais seus pensamentos, se me permite. Quais eram seus sentimentos? O que se passava em sua mente? Suas emoções e seu pensamento costumavam entrar em confl ito? Se for possível reservar alguns minutos e me responder, agarrarei quaisquer palavras de sabedoria que você tiver.”

É claro que destinei alguns minutos a isso. As cartas continuam chegando, bombardeando-me com perguntas similares, o que sugere que a experiência de alguém de outra geração ainda pode servir de orientação. Aqui estão alguns fragmentos de outras cartas:

“Escrevo-lhe como uma mulher ainda jovem que está tentando descobrir, tão honestamente quanto possível, como ser obediente a Deus, ter sabedoria e discernimento, agradar-lhe, ser-lhe fi el e esperar nele. Minha caminhada com Cristo é bastante solitária. Não sei como é contar com a liderança

espiritual de uma mulher mais velha que eu. Sei que, em relação a determinadas coisas, esperava-se que as mulheres mais velhas instruíssem as mais novas. Sei que você é uma serva, e espero que possa responder.”

“Como uma mulher deve comportar-se quando o homem não cumpre seu papel?”

“Como saber se essa é a mulher certa para mim?”

“Quão longe podemos ir sem que já tenhamos um compromisso de casamento? E quão longe se já o tivermos?”

“Qual é nosso papel na qualidade de mulheres solteiras — basta ficar à toa, esperando?”

“Você parece muito forte e inabalável em sua fé. Repetidas vezes, digo a Deus que não consigo mais passar por isso. Desisti. Digo-lhe isso e fico furiosa. Você nunca fraqueja e sente que não consegue seguir adiante? Nunca passou por situações em que quis desistir?”

“Você lutou com o desejo de estar com Jim durante todos os anos em que estiveram separados?”

“Você sentiu dificuldade para permanecer solteira, uma vez que seu coração ansiava por Jim?”

“Se Tom não tivesse entrado em minha vida, todos os meus pensamentos estariam focados no Senhor. Não haveria conflito. Isso me incomoda demais — sinto-me solitária e choro com facilidade, quase como se meu coração estivesse se partindo. Isso faz parte do plano de Deus?”

“Como você lidou com a impaciência de querer estar com o homem a quem amava?”

Respondo a todas as cartas que chegam. Pego-me tentando expressar em palavras, repetidas vezes, as lições resultantes de minha própria experiência. Já estive na mesma posição em que esses homens e mulheres se encontram. Sei exatamente o que querem dizer. Temo que, com frequência, minhas respostas pareçam fragmentadas e ásperas. “Ah, ela é dogmática demais! Não é solidária. É do tipo durona; nunca esteve angustiada como eu. E que maneira de sair distribuindo conselhos! Faça isso, não faça aquilo, confi e em Deus, ponto-fi nal. Não suporto esse tipo de coisa.” Ouço as objeções que recebo. Algumas vezes, também aquelas que não recebo. Nas cantinas de faculdade, após dar alguma palestra. Nas livrarias, onde folheiam minhas obras sem saber que a autora está sentada bem ali ao lado, com os dois ouvidos bem atentos.

Pensei que, se colocasse essas coisas em um livro, não pareceriam tão fragmentadas e ásperas, como, inevitavelmente, ocorre numa carta de uma só página. Talvez eu deva contar o sufi ciente de minha própria história como prova de que já passei pelo que, agora, eles passam. Serei capaz de contá-la sem ser melosa? Sem parecer estar muito distante de pessoas cujo vocabulário é tão diferente, mas cujos clamores ecoam nitidamente os meus? Espero que sim. Mas, para fazer isso, preciso correr o risco de uma exposição indecorosa. Devo incluir meus próprios clamores e alguns dos de Jim, minhas próprias fraquezas, minhas hesitações — não tudo, de forma alguma (se você soubesse quanta coisa deixei de fora!), mas apenas algumas amostras.

Foi assim que o livro evoluiu. Cito cartas que foram escritas para mim nos últimos cinco ou dez anos. Meus próprios

diários de trinta a trinta e cinco anos atrás. Cartas de Jim Elliot. Declarações acerca dos princípios aplicáveis.

O contexto do livro é a história de cinco anos e meio amando um homem, Jim, e aprendendo as disciplinas da saudade, da solidão, da incerteza, da esperança, da confiança e do compromisso incondicional com Cristo — compromisso que exigia pureza de nossa parte, independentemente do tamanho da paixão que sentíamos um pelo outro.

Este, para ser franca, é um livro sobre virgindade. É possível amar apaixonadamente sem ir para a cama. Eu sei disso. Nós agimos assim.

Será, então, que não tenho nada a dizer a quem já foi para a cama? Eu precisaria ter a cabeça enfiada na areia para imaginar que minhas leitoras solteiras são todas virgens. Aquelas que perderam a virgindade também me escrevem — algumas, inclusive, em desespero, acreditando que foram eternamente banidas da pureza. Escrevo-lhes para dizer que não existe pureza alguma, em nenhuma de nós, à parte do sangue de Jesus. Todas nós, sem exceção, somos pecadoras e pecamos — algumas de uma forma; outras, de outra. Se eu puder ajudar algumas a evitarem o pecado, quero fazê-lo. Se eu puder mostrar a algumas pessoas que a mensagem do evangelho possibilita um novo nascimento, um novo começo e uma nova criação, quero fazê-lo.

A vida amorosa de um cristão é um campo de batalha crítico. Precisamente ali se determinará quem é o Senhor: o mundo, o próprio eu e o diabo, ou Cristo, o Senhor.

Essa é a razão para eu correr o risco. Minha própria história de amor pode ser mais ou menos interessante para algumas

pessoas; as cartas do tipo “coluna sentimental” e minhas respostas podem ser divertidas; porém, minha principal preocupação é que as leitoras considerem a autoridade de Cristo sobre as paixões humanas e ponham a pureza em seus corações.

Na providência de Deus, recebi três oportunidades para refl etir acerca dos princípios que aqui descrevo e para tentar pô-los em prática. Casei-me três vezes: com Jim Elliot, morto por indígenas na selva equatoriana; com Addison Leitch, morto pelo câncer; e com Lars Gren, que passa bem no momento em que escrevo estas palavras. Meu relacionamento com Lars já dura quase seis anos, mais do que duraram meus relacionamentos com Jim ou Add; por isso, ele diz que está na “dianteira”. Espero que ele me ultrapasse!

Não contarei as histórias dos três. O segmento de Jim Elliot deve ser sufi ciente como pano de fundo para o que desejo dizer. Aqui está uma cronologia desse segmento:

1947 — Ambos éramos estudantes no Wheaton College, Illinois. Ele visita nossa casa, em Nova Jersey, no Natal. 1948 — Jim confessa seu amor por mim pouco antes de eu me formar. Verão: Eu em Oklahoma; ele viajando com um grupo de evangelismo. Não trocamos correspondências. Outono: Decisão dele de começar a escrever para mim quando eu fosse para a escola bíblica no Canadá. 1949 — Jim se forma e volta para casa, em Portland, Oregon. Eu trabalho em Alberta, depois visito a casa dele.

1950 — Jim em casa, trabalhando, estudando e preparando-se para o trabalho missionário. Eu na Flórida. Passamos dois dias em Wheaton por ocasião do casamento de meu irmão, Dave Howard. 1951 — Voltamos a nos encontrar quando Jim vem para o leste, a fim de palestrar em reuniões missionárias em Nova York e Nova Jersey. 1952 — Fevereiro: Jim embarca para o Equador. Abril: Eu embarco para o Equador. Passamos vários meses em Quito, morando com famílias equatorianas, para aprender espanhol por “imersão”. Agosto: Jim se muda para Shandia, na selva oriental, para trabalhar com os indígenas da tribo Quíchua. Setembro: Eu me mudo para San Miguel, na selva ocidental, para trabalhar com os indígenas da tribo Colorado. 1953 — Janeiro: Voltamos a nos encontrar em Quito, e Jim me pede em casamento. Noivado anunciado. Junho: Mudo-me para Dos Rios, na selva oriental, para iniciar o estudo de Quíchua, cumprindo a condição de seu pedido: “Não vou me casar com você enquanto você não aprender essa língua”. 8 de outubro: Casamos em Quito. 1955 — Nasce Valerie, nossa filha. 1956 — 8 de janeiro: Jim é morto pelas lanças dos Auca.

(Para a história completa, leia Com devoção e Através dos Portais do Esplendor.)

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