PROFECIA NOS TEMPOS BÍBLICOS E ATUAIS
Capítulo 1
Os profetas na Bíblia
Aprofecia, definida de forma simples, é uma fala inspirada pelo Espírito Santo de Deus, o qual, por meio de um profeta, se comunica com um indivíduo ou com um grupo de pessoas, seja para revelar uma ocorrência futura, seja para exortar, consolar ou mostrar como as Escrituras se aplicam ao seu presente contexto. Um profeta é alguém que é movido a proferir um discurso da parte de Deus, debaixo da orientação de Deus, com a autoridade de Deus, sob o poder do Espírito Santo. Ele transmite, da parte do Altíssimo, uma palavra a um dado destinatário.
A profecia no Antigo Testamento
A profecia era um fenômeno que ocorria tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, embora haja diferenças importantes entre os profetas do Antigo Israel e os profetas do período apostólico. Antes de Cristo, os profetas que Deus inspirava se dirigiam autoritativamente a todo o povo, que tinha, então, o dever de lhes dar ouvidos e conformar-se às suas exigências e estipulações, sob o risco de ser achado em rebeldia contra as palavras do próprio Yahweh. Mesmo os reis de Israel deviam submeter-se à autoridade dos profetas, visto que estes eram os que ouviam as palavras de Deus e as transmitiam, como se fossem a sua boca (Ex 4.15). Não à toa, eles também eram chamados de videntes (הֶאֹר ou הֶזֹח; cf. 1Sm 9.9, 19; 2Sm 15.27; 24.11; 1Cr 25.5; 2Cr 9.29; Am 7.12), dada a sua capacidade de ver o que Deus lhes mostrava. Depois de receberem uma visão da parte de Deus, eles a revelavam àqueles a quem a mensagem divina era destinada. Eles ouviam e viam coisas que ninguém mais podia ouvir e ver.
A história de Balaão é bastante emblemática para entendermos o fenômeno do profetismo no Antigo Testamento. Ainda que, posteriormente, Balaão tenha-se corrompido e levado Israel ao pecado, ele, de início, serviu como um profeta verdadeiro de Yahweh. Enquanto ele se encaminhava para Moabe, onde se encontraria com o rei Balaque, o qual queria contratá-lo para amaldiçoar Israel, “o Senhor abriu os olhos a Balaão, ele viu o Anjo do Senhor , que estava no caminho, com a sua espada desembainhada na mão” (Nm 22.31). Deus concedeu ao seu profeta que visse o que pessoa alguma era capaz de ver: a presença ameaçadora do seu Emissário.
Depois das dificuldades do trajeto, Balaão finalmente chegou a Moabe e garantiu a Balaque: “[...] o que [Deus] me mostrar1 to notificarei” (Nm 23.3). Por três oportunidades, Deus o levou a ver o destino glorioso e bendito de Israel e a relatá-lo a Balaque, para o desespero e fúria deste. Assim o vidente se definiu na abertura de seu terceiro e último discurso profético:
Palavra de Balaão, filho de Beor, palavra do homem de olhos abertos;
palavra daquele que ouve os ditos de Deus, o que tem a visão do Todo-Poderoso e prostra-se, porém de olhos abertos... (Nm 24.3-4)
Em suas próprias palavras, Balaão, por duas vezes, se designou como aquele que tinha os “olhos abertos”, além de apresentar-se como aquele que “tem a visão do Todo-Poderoso”. Com efeito, no Antigo Testamento, o profeta era aquele cujos olhos haviam sido descegados por Deus para enxergar uma realidade que, de outra forma, lhe seria imperceptível e invisível, realidade à qual pessoa alguma, desprovida da assistência divina, tinha acesso. Deus concedia ao seu profeta que contemplasse o que estava oculto e o trouxesse a lume, para que todos o vissem e respondessem
1 Literalmente, a expressão hebraica traduzida como “o que [Deus] me mostrar” (יִנֵאְרַּי־הַמ) significa: “o que [Deus] me fizer ver”.
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adequadamente a essa revelação profética. Em outras palavras, o profeta era aquele que dava testemunho do que Deus lhe concedia ver. Além disso, o profeta de Israel era aquele que “ouv[ia] os ditos de Deus” e os proclamava aos devidos destinatários. Os sentidos do profeta — tanto a sua visão quanto a sua audição — eram apurados para que fossem capazes de captar imagens e sons que, sem a ação especial e decisiva do Espírito Santo (Nm 24.2), lhe seriam naturalmente imperceptíveis. Então, imbuído de uma revelação, ele dava testemunho a quem de direito acerca do que vira e ouvira. O profeta era aquele que tinha os olhos, os ouvidos e a boca abertos por Deus para ver, ouvir e falar o que ninguém mais podia.
A profecia no Novo Testamento
Os apóstolos
No Novo Testamento, os que viram e ouviram o Deus encarnado e foram enviados por ele para testemunhar a respeito do que os seus olhos e ouvidos haviam tido o privilégio de captar não foram os profetas, mas os apóstolos. Pedro, em nome dos Doze, disse: “[...] não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos” (At 4.20). João, da mesma forma, escreveu: “o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros [...]” (1Jo 1.3). Os apóstolos, portanto, foram os responsáveis por dar continuidade ao ministério dos profetas do Antigo Testamento, e esse ministério, assim como o dos seus predecessores, era revestido de autoridade sobre todo o povo de Deus.
Já que Deus usou os apóstolos como canais para comunicar sua mensagem inspirada e infalível de redenção para o seu povo, eles é que são os sucessores dos profetas do passado. São os apóstolos quem revelam ao povo de Deus as próximas etapas da chamada História da Redenção, a macronarrativa que abrange não apenas a totalidade da história bíblica, mas que abarca toda a história da humanidade, do Éden à Nova Jerusalém, de Gênesis 1.1 a Apocalipse 22.21.
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No Novo Testamento, quem relata profeticamente que, um dia, Cristo voltará e que os crentes que já tiverem morrido ressuscitarão e se encontrarão com ele nos ares? É um apóstolo — Paulo (cf. 1Ts 4.13-18). Quem, no livro de Apocalipse, antevê a glória dos santos no estado eterno e a relata para nós? Mais uma vez, é um apóstolo — João. Quem nos antecipa que, por ocasião da vinda do Senhor, os céus e a terra atuais serão desfeitos pelo fogo, aos quais se seguirão novos céus e uma nova terra? Sim, é um apóstolo quem o diz — no caso, Pedro (cf. 2Pe 3.5-13).
Os profetas cristãos
Todavia, ainda que os apóstolos fossem os sucessores dos profetas do Antigo Israel, o Novo Testamento deixa claro que, na Igreja Primitiva, havia profetas entre o povo de Deus que eram distintos dos apóstolos e estavam debaixo da autoridade deles. Os profetas do Novo Testamento não mais tinham autoridade universal sobre toda a comunidade pactual, mas atuavam sob a supervisão daqueles que haviam herdado a autoridade profética de seus predecessores da Antiga Aliança. Quem, então, eram os profetas do Novo Testamento? O que eles faziam exatamente? Em grande medida, este livro é uma tentativa de responder a essas perguntas, estabelecendo cuidadosamente a distinção entre os profetas do Novo Testamento e os do Antigo, assim como a diferença entre aqueles e os apóstolos. 2
Nenhuma das revelações que encontramos no Novo Testamento foi escrita ou proferida por um dos profetas que atuavam nesse período.3 Por si só, esse é um dado sugestivo, pois um texto profético escrito tem a finalidade de influenciar autoritativamente toda uma comunidade, e não apenas uma parcela dela. A total ausência de obras produzidas pelos profetas cristãos do primeiro século parece indicar que eles não queriam que as suas palavras, uma vez colocadas no papel, circulassem livremente por entre as igrejas e fossem recebidas por elas como a plena manifestação da
2 Para uma discussão mais aprofundada e pormenorizada sobre o apostolado, ver Augustus Nicodemus Lopes, Apóstolos: A Verdade Bíblica sobre o Apostolado (São José dos Campos: Editora Fiel, 2014).
3 A partir do capítulo 4, combateremos a visão de que o texto de 1 Coríntios 2.6-16 teria sido escrito pelos profetas do Novo Testamento, entre os quais, segundo erroneamente alegou E. Earle Ellis, o próprio apóstolo Paulo se incluía.
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vontade de Deus para toda a comunidade cristã. Os crentes desse período pareciam também estar conscientes de que a natureza das palavras dos muitos profetas de seu tempo era bem diferente das palavras dos apóstolos, já que eles nunca se importaram em registrar, copiar e colecionar os discursos dos profetas, mas se mostraram muito cuidadosos e diligentes na preservação e transmissão dos escritos apostólicos.
Além disso, há outras diferenças marcantes entre os profetas que viveram antes e depois de Cristo. O ministério dos profetas cristãos, em primeiro lugar, possuía uma abrangência muito mais diminuta do que o dos profetas veterotestamentários; pois, enquanto estes se dirigiam a toda a comunidade de Israel ou Judá, aqueles dedicavam-se predominantemente a igrejas locais, com a finalidade principal de edificá-las, exortá-las e consolá-las. Em segundo lugar, é preciso que se note que os discursos dos profetas da era apostólica não deviam ser imediatamente recebidos como detentores da autoridade divina, ao contrário das palavras dos profetas do Antigo Testamento ou de um apóstolo do Novo Testamento. Os profetas cristãos deviam ser colocados à prova. A sua fala devia ser cuidadosamente avaliada pela igreja local, a qual tinha a responsabilidade de definir se, de fato, ela provinha de Deus e estava em conformidade com o ensino apostólico (1Co 14.29).
O carisma profético consta em todas as listas de dons do Novo Testamento (Rm 12.6-8; 1Co 12.4-11; 1Co 12.28), excetuada a que encontramos em 1 Pedro 4.10-11. Embora os profetas cristãos costumassem transmitir para a igreja local a que pertenciam uma mensagem que o próprio Deus colocara em sua boca, também havia profetas itinerantes, os quais circulavam por entre as igrejas do primeiro século e lhes entregavam as palavras que recebiam. O livro de Atos menciona alguns profetas itinerantes — Ágabo (At 11.27-28; 21.10-11), Silas e Judas (At 15.32) —, mas, de maneira geral, os profetas estavam mais costumeiramente ligados a congregações locais, cada uma das quais podia abrigar um número razoavelmente considerável de profetas.
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As atividades dos profetas
Que tarefas, porém, realizavam aqueles que, a despeito de terem vivido antes ou depois do ministério de Cristo, eram chamados de profetas? Em outras palavras, o que, afinal, torna um profeta um profeta na Bíblia? A fim de entendermos com exatidão o que os profetas bíblicos, tanto os do Antigo quanto os do Novo Testamento, faziam, procederemos ao estudo de um caso específico que é bastante simbólico e ilustrativo: o da profecia do sacerdote Zacarias, pai de João Batista, registrada em Lucas 1.6779. Visto que, nessa irrupção profética tradicionalmente conhecida como Benedictus, Zacarias, de maneira muito paradigmática e direta, expressa as principais características do ministério profético, esse pequeno excerto norteará a nossa análise do fenômeno da profecia nas Escrituras. Eis o texto bíblico:
Zacarias, seu pai, cheio do Espírito Santo, profetizou, dizendo: Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi, seu servo, como prometera, desde a antiguidade, por boca dos seus santos profetas, para nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam; para usar de misericórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua santa aliança e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai, de conceder-nos que, livres das mãos de inimigos, o adorássemos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os nossos dias. Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-lhe os caminhos, para dar ao seu povo conhecimento da salvação, no redimi-lo dos seus pecados, graças à entranhável misericórdia de nosso Deus, pela qual nos visitará o sol nascente das alturas, para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, e dirigir os nossos pés pelo caminho da paz. (Lc 1.67-69)
A profecia bíblica envolve diversos tipos de fala e gênero, inclusive — mas não apenas, como popularmente se imagina — a predição do futuro. Quando o sacerdote Zacarias, “[...] cheio do Espírito Santo, profetizou,
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dizendo: Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo, e nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi, seu servo [...]” (Lc 1.68-69), ele não ofereceu previsão do futuro alguma. O que ele fez foi interpretar a história em conformidade com o plano divino, expondo o significado verdadeiro dos eventos que sucediam em seu tempo. O nascimento de João Batista, filho de Zacarias, marcava o início da era messiânica de redenção e salvação definitivas para o povo de Deus, já que aquela criança, segundo o anjo que anunciara o seu nascimento, prepararia o coração do povo para a manifestação do Messias (Lc 1.17).
O tão aguardado Cristo estava, por fim, prestes a se manifestar, e Zacarias, guiado pelo Espírito Santo, corretamente interpretou o nascimento de seu filho como o marco inicial da era messiânica. Assim, a profecia incluía, em primeiro lugar, uma análise da situação e um entendimento dos fatos à luz da vontade de Deus. Profetizar não é só prever o futuro, mas também entender o presente.
Porém, em segundo lugar, a profecia não está apenas relacionada ao presente, mas também ao passado. Um profeta não apenas oferece uma interpretação autorizada e inspirada dos eventos de seu próprio tempo; mas, além disso, apresenta aos seus ouvintes ou leitores uma compreensão adequada dos vaticínios dos profetas do passado. O mesmo Zacarias que interpretou os eventos que se passavam em seu tempo como a chegada do Redentor e Salvador que descendia de Davi esclareceu que essa vinda do Rei messiânico era, na verdade, o cumprimento das palavras dos profetas do Antigo Testamento: “como prometera, desde a antiguidade, por boca dos seus santos profetas [...]” (Lc 1.70).
Como Zacarias sabia que, no passado, Deus havia prometido que, um dia, traria ao mundo um Redentor para o seu povo? As próximas palavras de Zacarias são muito reveladoras a respeito de uma das principais funções de um profeta: “[Deus haveria de] nos libertar dos nossos inimigos e das mãos de todos os que nos odeiam; para usar de misericórdia com os nossos pais e lembrar-se da sua santa aliança e do juramento que fez a Abraão, o nosso pai [...]” (Lc 1.71-73). Zacarias sabia da promessa messiânica porque tinha lido Gênesis e, por isso mesmo, conhecia
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as promessas que Deus fizera a Abraão, o pai da nação israelita (ver, por exemplo, Gn 12.1-3, 7; 17.4-8). A profecia de Zacarias consistiu, nesses versículos, numa interpretação correta e inspirada das Escrituras Sagradas. Segundo a Bíblia, a profecia envolve, pasmem, a interpretação correta e fiel da própria Bíblia. O profeta é aquele que diz para o seu público: “É isso o que a Bíblia significa!”, e não necessariamente aquele que profere coisas novas e jamais ditas.
No Antigo Testamento, os profetas, com frequência, anunciavam o julgamento iminente de Deus por meio de uma nação estrangeira, como Egito, Babilônia, Grécia etc. Eles olhavam para os acontecimentos de seu tempo — como a ameaçadora expansão e fortalecimento de um reino — e os interpretavam como o cumprimento das palavras proféticas proferidas por Moisés, por exemplo, em Deuteronômio 28, texto em que se acham registradas as maldições pactuais que atingiriam os israelitas caso fossem desleais aos termos da aliança. Os profetas tinham um olho nos eventos de seu tempo e outro olho nas profecias bíblicas do passado. Ao interpretar o que fora dito no passado de forma adequada, estavam aptos para interpretar de forma precisa o que ocorria no presente. É precisamente isso que Zacarias fez: ele leu e interpretou as promessas feitas a Abraão que se achavam registradas em Gênesis e percebeu, por influência do Espírito Santo, que elas se cumpriam nos eventos de seus dias. O profeta é aquele que presentifica a Palavra de Deus e a aplica ao seu próprio contexto e tempo. Ele é o homem da hora.
Todavia, o profeta, além de olhar para o passado e para o presente, também olha para o futuro. Zacarias, com efeito, depois de demonstrar que as profecias antigas haviam-se cumprido em seus dias, anteviu qual seria o futuro de seu filho: “Tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor, preparando-lhe os caminhos” (Lc 1.76). O profeta, de fato, fazia predições futuras exatas, já que era o porta-voz de um Deus “que desde o princípio anunci[a] o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam” (Is 46.10). Deus conhece exaustiva e precisamente o que se dará no futuro, de maneira que, por vezes, realmente manifestava aos seus profetas o que ocorreria.
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Por certo, a predição do futuro era um componente muito importante no ministério profético, mas não era o único nem o principal. Temos de notar que, ao prenunciar o futuro de João Batista, Zacarias asseverou que o seu filho seria chamado de “profeta do Altíssimo”. Em outras palavras, a profecia preditiva do sacerdote era que Deus tornaria João um profeta de ofício. Entretanto, à medida que folheamos as páginas dos Evangelhos e nos deparamos com a história de João, jamais somos informados de que ele tenha antecipado eventos futuros. Ele nunca predisse o que ocorreria. O ministério profético de João consistia em chamar o povo ao arrependimento, e essa era justamente uma das principais facetas da atividade dos profetas do Antigo Israel. Não é raro encontrarmos os profetas bíblicos convocando os seus contemporâneos ao arrependimento em face do julgamento iminente da parte do Senhor. O profeta João Batista, posicionando-se na esteira de seus predecessores, anunciava que, devido à proximidade do juízo divino, era preciso que a sua geração se arrependesse e se voltasse de coração para o Senhor (Mt 3.1-3). João viveu no limiar da Nova Aliança e, segundo as Escrituras, foi o último (Mt 11.13) e maior (Lc 7.28) dos profetas nos moldes daqueles que tinham atuado no período do Antigo Testamento. Ele foi o último que, à semelhança de profetas como Elias, Deus usou para chamar com autoridade todo o povo ao arrependimento.
Além disso, deve-se ter em mente que, quando os profetas bíblicos anunciavam coisas futuras, a sua profecia geralmente tinha a ver com o plano de redenção de Deus para o seu povo, e não simplesmente com eventos que diziam respeito apenas ao destino de um indivíduo. Mesmo quando a palavra preditiva concernia à vida de uma única pessoa, isso acontecia devido à importância dela para o cumprimento do plano global de Deus para o seu povo. De maneira geral, não encontramos nas Escrituras exemplos de profecias que, sem levar em conta a coletividade do povo santo, tencionavam beneficiar exclusivamente pessoas em particular. De fato, na Bíblia, não há, em geral, casos de profecias que fossem relevantes somente para a biografia de indivíduos, profecias que orientassem certos indivíduos a se casarem com alguma pessoa específica, ou a se mudarem
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para certa cidade, ou a realizarem certa atividade simplesmente porque Deus os considerava especiais e queria conferir-lhes um tratamento diferenciado, quase VIP. Os profetas de Deus só ordenavam ações desse tipo para indivíduos quando estes fossem relevantes para a consecução do plano divino de redenção para o seu povo. Quando Deus ordenou a Oseias que se casasse com Gômer (Os 1.23), a sua intenção não era conferir-lhe a certeza de que aquela era a mulher perfeita para a sua vida, de maneira que ele pudesse afastar do seu coração toda dúvida que nutrisse quanto ao sucesso de seu casamento. Na verdade, Gômer não era uma mulher ideal para o matrimônio, pois era uma prostituta (seja em sentido estritamente literal, seja em sentido figurado, isto é, uma idólatra). Ao ordenar que o seu servo se casasse com uma prostituta, a intenção de Deus não era lhe trazer uma “confirmação”, como usualmente se diz. Deus não queria meramente trazer uma boa contribuição para a história particular de Oseias. O casamento de Oseias com Gômer foi ordenado por Deus para servir como uma ação simbólica, ou seja, para constituir uma encenação da mensagem de Deus para o povo. Com efeito, com muita frequência, os profetas não apenas anunciavam oralmente ao povo uma mensagem, mas a representavam por meio de uma ação simbólica, como se fossem atores. O casamento de Oseias com uma prostituta, por exemplo, tinha a finalidade de mostrar para os israelitas — os quais, por certo, reprovavam arduamente a atitude do profeta — que eles incorriam no mesmo erro que censuravam com tanta veemência: eles também se haviam casado com prostitutas — em outras palavras, tinham-se unido a divindades pagãs. Assim, o casamento de Oseias com Gômer não lhe foi ordenado profeticamente para beneficiar exclusiva e unicamente a sua própria biografia, mas para servir de alerta para todo o povo. Essa união censurável constituía um chamado profético ao arrependimento para os israelitas — para o povo como um todo, portanto. De forma semelhante, quando nos voltamos para o Novo Testamento, esse mesmo padrão se verifica. Os profetas do Novo Testamento não prediziam ou orientavam o futuro de pessoas em particular por terem em vista apenas o benefício individual delas, mas por levarem em
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consideração o destino de todo o povo de Deus. Sempre que um profeta direcionava as ações que uma pessoa devia tomar, ele tinha em mente o papel que ela desempenharia no plano divino de redenção para o seu povo. No livro de Atos, por exemplo, somos introduzidos a um profeta chamado Ágabo. Lucas relata:
“[...] desceu da Judeia um profeta chamado Ágabo; e, vindo ter conosco, tomando o cinto de Paulo, ligando com ele os próprios pés e mãos, declarou: Isto diz o Espírito Santo: Assim os judeus, em Jerusalém, farão ao dono deste cinto e o entregarão nas mãos dos gentios” (At 21.10-11).
Ágabo, valendo-se de uma ação simbólica cujo significado ele mesmo explicou, fez uma previsão que envolvia o futuro de um indivíduo, Paulo. No entanto, a profecia de Ágabo não tinha a finalidade de simplesmente trazer uma contribuição positiva para a biografia do apóstolo, na medida em que o livrasse da morte certa. Paulo, sendo um apóstolo de Jesus Cristo, exercia uma atividade que estava intimamente relacionada à História da Redenção, aos caminhos de Deus para a implantação do seu Reino. Já que os apóstolos eram os responsáveis por lançar o fundamento sobre o qual seria edificada a igreja (cf. Ef 2.19-22), que é a comunidade redimida de pessoas provenientes de todas as nações, eles estavam no cerne do plano global de Deus para o seu povo, de sorte que o seu destino impactava o destino de todo o povo de Deus. Foi precisamente por essa importância ímpar do ministério apostólico para a igreja que Deus concedeu a Ágabo uma predição do futuro de um indivíduo, o apóstolo Paulo. O que aconteceria com ele seria relevante para todo o povo de Deus e, por consequência, para a História da Redenção.
A predição de Zacarias quanto ao futuro de seu filho, da mesma forma, não tencionava responder à dúvida natural que João, em condições normais, poderia ter acerca do ofício a que deveria dedicar-se. Será que Deus queria que ele fosse um sacerdote, um agricultor, um criador de animais, um marceneiro? A fim de que João não tivesse dúvidas sobre
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o caminho que devia seguir, Deus, supostamente, lhe teria revelado qual seria o seu ofício; pois, por algum motivo, tinha um carinho especial por aquela criança e não queria que ela fosse perturbada pela indecisão de sua mente. Será que foi essa a razão do prenúncio profético de Zacarias? Se, de fato, esse foi o caso, será que essa história foi registrada para nos servir de modelo, como se a intenção do texto fosse incentivar os jovens a buscar um direcionamento profético para descobrirem a profissão que Deus quer que sigam? Como temos argumentado, a intenção de Deus, nas Escrituras, ao endereçar a um indivíduo um direcionamento profético quanto ao futuro não é ser um colaborador de luxo para a construção de uma narrativa de vida marcante, mas assegurar que o seu plano global de redenção para o seu povo se cumpra, plano no qual aquele indivíduo para quem se dirige a orientação profética desempenha um papel importante. Sem esse norteamento profético decisivo, essa pessoa, contando apenas com os seus próprios recursos e sabedoria, não seria capaz de desempenhar o papel que lhe cabe no projeto divino. Assim, o motivo pelo qual Zacarias, cheio do Espírito Santo, vaticinou o destino de seu filho não tinha tanto a ver com a história do próprio João, mas com a História da Redenção, para cujo desenvolvimento ele exerceria um papel muito relevante.
Uma análise cuidadosa e atenta da profecia de Zacarias, pai de João Batista, deixa claro que, a despeito da opinião popular e generalizada de que os profetas são aqueles que meramente preveem o futuro, o fenômeno da profecia na Bíblia é muito mais complexo do que isso e abrange muitas outras atribuições, as quais são ainda mais preponderantes no ministério profético do que a mera predição do futuro. A profecia de Zacarias envolveu, em primeiro lugar, uma leitura precisa e correta dos eventos que se passavam em seus dias — ele estava convicto de que o nascimento de seu filho inaugurava a era messiânica de restauração e redenção. Em segundo lugar, ao profetizar, Zacarias efetuou uma interpretação exata das Escrituras Sagradas, as quais, quando devidamente lidas, evidenciavam que aqueles dias em que Zacarias vivia eram os dias em que as antigas promessas divinas se cumpririam. Em terceiro lugar, a profecia registrada por Lucas abarcou a predição do futuro de João Batista, já que este era uma
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peça-chave no macroprojeto divino de salvação. No entanto, em quarto lugar, por mais que Zacarias, no Benedictus, tenha previsto que o seu filho seria um profeta do Altíssimo, João exerceria esse ministério sobretudo chamando o povo de Deus ao arrependimento e à fé no Messias.
O impulso profético
Como, porém, os profetas recebiam a mensagem que Deus lhes transmitia? Deus se apossava temporariamente de certos homens apenas para fazer uso de seu aparelho fonador? Como já definimos acima, em ambos os Testamento, os profetas bíblicos não se dedicavam, precipuamente, a predições do futuro, revelações de mistérios ou a orientações particulares. Porém, especificamente no período do Novo Testamento, o ministério profético não era fundamentalmente de natureza revelacional, mas didática. O aspecto mais proeminente da atividade dos profetas era a explicação e aplicação do texto bíblico aos seus ouvintes. Na esteira dos profetas do Antigo Testamento, os profetas cristãos, com suas palavras, edificavam, exortavam e consolavam os seus ouvintes (1Co 14.3; cf. At 15.32), embora não o fizessem de forma autoritativa. Eles eram, em última análise, pregadores, embora houvesse um elemento em seu ministério que os distinguia dos pregadores regulares, isto é, dos pastores das igrejas locais, cujo ministério se baseava no dom de ensino, e não necessariamente no dom de profecia.
Os profetas falavam mediante um impulso súbito do Espírito Santo, sem nenhuma preparação prévia. As suas palavras eram ex tempore, na medida em que esses homens eram levados por Deus a proferir, de súbito, uma mensagem que, antes desse estímulo repentino, não haviam planejado apregoar. Por sua vez, os “pastores e mestres” (Ef 4.11), ou melhor, os pastores que são mestres, numa tradução mais clara,4 posto que possuidores do dom de ensino, ensinavam não como resultado de uma revelação extemporânea que tivessem recebido da parte de Deus, mas com base
4 Na expressão ποιμένας καὶ διδασκάλους [pastores e mestres], a conjunção καὶ não parece possuir valor aditivo, mas epexegético. Em outras palavras, ela não tem a função de acrescentar um novo elemento, mas de esclarecer o anterior.
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nos aprendizados anteriores que haviam obtido de seus mestres na fé ou mesmo de seus estudos particulares das Escrituras. Em suma, o discurso dos mestres era planejado, ao passo que o dos profetas era espontâneo. Talvez fosse possível, no entanto, que os pastores-mestres, durante as suas pregações regulares e programadas, subitamente recebessem o dom de profecia, sendo instigados por Deus, naquele momento, a reforçar certo ensino apostólico do qual, de início, não pretendiam falar.
De fato, nas Escrituras Sagradas, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, não apenas os profetas de ofício (ou seja, aqueles que, com regularidade, eram usados e reconhecidos como profetas) proferiam profecias. Ocasionalmente, Deus colocava uma palavra profética na boca de pessoas que não eram costumeiramente usadas como profetas, pessoas que haviam recebido outros dons e exerciam, portanto, outros ministérios e atividades. Isaías e Jeremias, por exemplo, exerciam o ofício profético e eram publicamente reconhecidos como profetas, embora Amós, no momento em que recebeu uma palavra profética da parte de Deus, dedicava-se à criação de ovelhas (Am 1.1). Os porta-vozes oficiais não eram as únicas pessoas que podiam receber e transmitir profecias. Deus, por vezes, concedia uma mensagem profética a pessoas que não atuavam como profetas regulares, como se deu com o sacerdote Zacarias, pai de João Batista, de quem tratamos anteriormente: “[...] Zacarias [...], cheio do Espírito Santo, profetizou [...]” (Lc 1.67).
De forma semelhante, embora houvesse, na igreja de Corinto, profetas oficiais, isto é, pessoas que podiam se definir e ser definidas como profetas, o apóstolo Paulo deixa claro que Deus poderia profetizar por meio de qualquer membro daquela congregação: “Porque todos podereis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados” (1Co 14:31). Deus, assim, tinha os seus profetas regulares, mas, afinal, podia falar profeticamente por meio de quem quisesse, mesmo por meio de pessoas que não atuavam regularmente como profetas, às quais ele podia conceder, momentaneamente, um impulso que as impeliria a proferir um discurso exortativo ou didático que não haviam planejado.
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Além disso, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, quando uma pessoa profetizava, ela não costumava entrar num transe extático, perdendo os sentidos e o controle sobre a sua atividade motora e muscular e tornando-se uma espécie de boneco ventríloquo nas mãos de Deus. A boca de um profeta não se transformava num simples canal do qual Deus se apropriava momentaneamente para proferir uma mensagem, durante a enunciação da qual o sujeito ficava completamente fora de si e inconsciente. A profecia não envolvia a objetificação e instrumentalização do profeta. O profeta, de forma geral, estava consciente de que Deus agia por meio dele.
Outra observação importante é que os profetas do Antigo Testamento eram bem diferentes dos profetas pagãos. Na Grécia antiga, à guisa de exemplo, havia o famoso Oráculo de Delfos, uma pitonisa que se intitulava profetisa do deus Apolo, a divindade mensageira. Assim, um adorador procurava essa profetisa para saber a vontade de Apolo para sua vida. A pitonisa, então, era apossada por uma entidade (possivelmente, um demônio) e entrava num estado de transe. A partir desse momento, ela não mais respondia por si, uma vez que a suposta divindade tomava controle pleno de sua atividade motora, fala e consciência; de forma que a profetisa se tornava um mero canal por meio do qual esse ente espiritual se comunicava. Assim, o oráculo que ela proferia ao adorador não era propriamente dela, mas do ser que a possuía.
Os profetas de Israel, porém, não eram assim. Eles não entravam num estado de transe, possuídos por uma entidade. Antes, eles permaneciam de posse de seus sentidos. Deus preservava o conhecimento, a identidade e as particularidades do profeta. A sua humanidade não era anulada ou meramente instrumentalizada. Deus, de fato, falava por meio dos profetas, mas não de forma mecânica, e sim orgânica. O discurso inspirado dos profetas bíblicos, embora de origem divina, integrava a personalidade e o estilo dos próprios profetas. A prova disso é que, se selecionarmos aleatoriamente qualquer dupla de profetas escritores — como Amós e Isaías, ou Joel e Daniel, ou Jeremias e Ezequiel — e os compararmos, verificaremos sempre estilos diferentes. O mesmo Deus falou por meio de cada um
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deles, mas ele não o fez de maneira a anular a personalidade e as peculiaridades estilísticas dos seus servos. O estímulo profético que recebiam de Deus não os robotizava, mas atuava em conjunção com a sua humanidade.
Conclusão
Para entendermos corretamente o fenômeno da profecia e a sua aplicabilidade atual, é importante, em primeiro lugar, definirmos o que nos permite identificar um profeta como profeta, ou seja, quais são as atividades centrais relacionadas ao ministério profético segundo as Escrituras. Vimos que os profetas olhavam para o passado, para o presente e para o futuro, na medida em que interpretavam os antigos Escritos Sacros com precisão, aplicavam-nos corretamente à sua própria geração — a qual era chamada a se conformar aos termos da aliança — e revelavam o plano global de Deus para o futuro.
No entanto, em segundo lugar, devemos diferenciar os profetas do Antigo Testamento dos profetas do Novo Testamento. Há, sim, uma agenda compartilhada tanto pelos profetas do Antigo Israel quanto pelos profetas do período apostólico, e é por isso que estes e aqueles são igualmente chamados de profetas. Entretanto, a despeito dessa intersecção, há diferenças significativas entre a linhagem profética que se encerrou com João Batista e aquela que se iniciou em meio às comunidades cristãs do primeiro século. Os profetas da Antiga Aliança possuíam autoridade sobre toda a comunidade pactual e tiveram o seu ministério continuado no Novo Testamento pelos apóstolos. Já os profetas cristãos exerciam o seu ministério, de maneira geral, em igrejas locais, sempre debaixo da autoridade dos apóstolos.
Agora que já definimos quem eram e o que faziam os profetas no período bíblico e a distinção entre os profetas que viveram antes e depois de Cristo, buscaremos, no próximo capítulo, responder a uma importante pergunta: ainda podem existir profetas como aqueles que havia na era apostólica? O dom de profecia ainda está disponível para nós hoje ou já cessou?
PROFETAS 34
Capítulo 2
Os profetas hoje
Aprofecia, entendida como a revelação da vontade inerrante de Deus para a sua igreja, cessou com os profetas do Antigo Testamento e com os apóstolos do Novo Testamento. Com efeito, o linguajar do sacerdote Zacarias no texto que analisamos no capítulo precedente parece dar a entender que, mesmo em sua época, o grupo dos profetas do Antigo Testamento era distinto, separado, exclusivo e fechado. Esses profetas — aos quais o texto bíblico atrela a designação “santos”, uma evidente alusão ao grupo de profetas canônicos — haviam profetizado a respeito da manifestação do Rei messiânico “na antiguidade” (ἀπ᾿ αἰῶνος; Lc 1.70, NVI), o que revela que, no primeiro século, Deus já não levantava profetas havia muito tempo — desde a morte do profeta Malaquias, que exercera o seu ministério, no mínimo, 400 anos antes do tempo do pai de João Batista. O ministério profético à maneira do que era praticado no Antigo Testamento não existe mais hoje, como já definimos, mas já não existia mais mesmo na época de Zacarias, cujo filho, João Batista, encerrou definitivamente a linhagem dos profetas de Israel.
Ademais, definimos, no capítulo anterior, que os legatários da sucessão profética do Antigo Testamento não foram os profetas do Novo Testamento, mas os apóstolos. Assim, uma vez que, com a morte destes, o ministério apostólico chegou definitivamente ao fim, o ministério profético, definido como a entrega de uma mensagem inspirada e infalível da parte de Deus, também cessou, por consequência. A revelação inerrante que tanto os profetas da antiguidade como os apóstolos do primeiro século tinham para o povo de Deus já foi proferida e registrada de uma vez por todas na Bíblia. Os porta-vozes autorizados e inspirados por Deus já
terminaram o seu ministério e nos legaram o fundamento sobre o qual a igreja de Jesus Cristo vem sendo edificada desde então, além de nos terem desvelado todas as etapas da História da Redenção, até o seu último capítulo. Não há mais, pois, a necessidade de figuras como Isaías, Jeremias, Paulo e Pedro. A obra deles já foi concluída e não precisa nem pode ser repetida. O que nos resta no presente é darmos continuidade à edificação da igreja sobre o fundamento que eles lançaram no passado.
A profecia hoje
Por outro lado, há alguns aspectos do ministério profético que, ainda hoje, permanecem (e devem permanecer) muito ativos na igreja. Vimos que os profetas, ao contrário do que popularmente se imagina, não somente anteviam o futuro, mas também — e sobretudo — faziam análises precisas de seu próprio tempo, interpretavam as Escrituras, aplicavam-nas de forma adequada ao seu público, conclamavam as pessoas ao arrependimento e à fidelidade pactual, além de serem pregadores que Deus usava para levar exortação, ensino e conforto para o seu povo. Essas características do ministério profético não cessaram com a morte dos profetas do Antigo Testamento ou dos apóstolos do Novo Testamento. Todo aquele que, a exemplo dos profetas bíblicos, leem a Palavra de Deus, interpretando-a de forma fiel e aplicando-a adequadamente ao seu público, está, em um sentido, profetizando, ainda que jamais faça uma previsão do futuro. Paulo assim define a função do profeta: “[...] o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando” (1Co 14.3).
A profecia enquanto revelação infalível e inspirada de Deus cessou. A profecia como direcionamento particular para pessoas pode ocorrer, mas muito esporadicamente. Contudo, quando os pregadores cristãos, mesmo os mais simples, se colocam diante de suas congregações numa manhã de domingo, abrem sua Bíblia, explicam-na acuradamente e a aplicam de forma adequada ao contexto de seus ouvintes, eles estão fazendo exatamente o que os profetas do período bíblico faziam. Um exemplo notável dessa compreensão da pregação como profecia se acha em um dos mais influentes tratados de homilética já escritos por um protestante: A Arte
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de Profetizar, 1 do puritano William Perkins (1558–1602). Evidentemente, não se trata de um manual que ensine os leitores a obter de Deus, por meio de algum ritual, o conhecimento do futuro. O objetivo de Perkins é mostrar aos que o leem como se deve interpretar, pregar e aplicar as Escrituras.
A profecia, uma vez que a definamos como Perkins, permanece viva na igreja. De fato, a maior parte da profecia bíblica é exortação, interpretação, aplicação, conforto e instrução, e não futuração ou adivinhação.
Ademais, há outro sentido em que o dom de profecia está disponível para nós hoje. Quando, por exemplo, ao longo da semana, um pregador se prepara para pregar no domingo seguinte, lendo o texto bíblico repetidas vezes (em alguns casos, nas línguas originais da Bíblia), manuseando comentários bíblicos, organizando meticulosamente o seu discurso de forma coerente e buscando traçar aplicações válidas e relevantes para a sua igreja, o dom de ensino que ele recebeu está em plena operação. Contudo, não obstante todo o seu árduo labor, fruto do dom de ensino que recebeu, esse mesmo pregador que se preparou com o afinco característico de um mestre zeloso talvez entre em seu gabinete pastoral momentos antes de o culto ter início e suplique a Deus que lhe conceda o dom de profecia enquanto prega, trazendo à sua mente e boca palavras que, embora não constem em seu esboço, o Senhor quer que a igreja ouça, a fim de edificá-la, exortá-la e consolá-la. Talvez o pastor, apesar de sua devoção e esmero, tenha deixado de considerar uma importante faceta do texto bíblico que exporá. Embora diligente no exercício de seus deveres e afeito à prática de sinceras súplicas por iluminação, ele pode não ter atentado para uma aplicação do texto que Deus quer enfatizar para a congregação que o ouvirá. Assim, consciente de suas limitações e da imperfeição de seus esforços bem-intencionados, ele se coloca nas mãos de Deus mais uma vez antes de subir ao púlpito, humildemente rogando-lhe que não apenas use as palavras que ele mesmo planejou proferir, mas que lhe coloque na boca quantas palavras não planejadas quiser. Aqueles que atuam no ministério de ensino de maneira regular sabem que Deus, de fato, em certas ocasiões,
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1 William Perkins, A Arte de Profetizar (Brasília: Editora Monergismo, 2017).
os impele a proferir palavras de instrução, exortação e consolo que não eles não haviam premeditado.
A profecia assim definida — isto é, como um estímulo divino súbito que incute na mente de alguém uma mensagem não planejada — continua à disposição da igreja hoje, embora seja importante enfatizarmos que, em nossos dias, esse impulso repentino não possui um caráter revelatório, mas didático. Em outras palavras, Deus não instiga um pastor, durante a entrega de um sermão, a revelar coisas novas, mas a reforçar e explicar as antigas, aquelas que ele revelou aos escritores bíblicos e que se acham reunidas no cânon sagrado. Nunca se dará o caso de Deus levar um pregador a proferir conteúdos que jamais foram ouvidos e conhecidos. Pelo contrário, o impulso divino propele os servos de Deus a discorrer sobre um determinado tópico bíblico ou sobre uma implicação válida de um texto das Escrituras. Não há mais profecias que nos revelem novas verdades em que devemos crer ou que temos de aceitar.
O cenário no Novo Testamento era diferente do nosso, já que a igreja ainda não dispunha do cânon bíblico completo. Ainda que os profetas do período apostólico, junto com os pastores-mestres, fossem, em última análise e num nível mais essencial, pregadores e, portanto, tivessem o seu ensino solidamente assentado sobre o alicerce lançado pelos apóstolos, eles podiam, junto com os apóstolos, ser ocasionalmente usados por Deus para lançar o fundamento sobre o qual a igreja devia ser edificada e para transmitir revelações de verdades que toda a igreja tinha a obrigação de acatar. Atuando em conjunção com os apóstolos, mas sempre debaixo da autoridade deles, os profetas do período do Novo Testamento, eles sim, podiam receber revelações de novos ensinos, realidades, doutrinas e interpretações, ainda que esse não constituísse o aspecto principal de seu ministério, como já destacamos.
O apóstolo Paulo afirma que tanto aos apóstolos quanto aos profetas de seu tempo Deus revelara “o mistério de Cristo” (Ef 3.4-5). Um mistério, por definição, é aquilo que não pode ser compreendido pela razão humana desassistida. Só é possível conhecê-lo caso Deus se compraza em revelá-lo e trazê-lo a lume. Não há como acessá-lo senão por uma revelação
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especial de Deus, sem a qual ele sempre permanecerá incógnito. De fato, esse mistério ao qual Paulo alude permanecera, “desde os séculos, oculto em Deus” (v. 9) e, “em outras gerações, não foi dado a conhecer aos filhos dos homens” (v. 5). Entretanto, no primeiro século, os apóstolos e os profetas receberam a revelação desse impenetrável mistério e o tornaram conhecido à igreja: “os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho” (v. 6). O ministério profético no Novo Testamento podia ter, pois, um caráter revelacional e abarcar a manifestação mesmo de novas doutrinas.
Todavia, já que o fundamento da igreja foi lançado de uma vez por todas pelos apóstolos e pelos profetas (Ef 2.19-22), não há mais a necessidade de profecias revelatórias após o fim da era apostólica. O fundamento deve ser lançado uma única vez. O que nos resta agora é edificar a igreja sobre o fundamento dos apóstolos, remetendo-a constantemente àquilo que já foi revelado e que se acha agora registrado na Bíblia. Embora todos os membros de uma comunidade local tenham o dever de zelar pelo ensino bíblico em seu meio, os pastores-mestres foram divinamente incumbidos da gloriosa e árdua tarefa de construir a igreja que dirigem sobre o alicerce dos apóstolos. Em primeiro lugar, eles o fazem, de maneira mais corriqueira, com base no exercício do dom de ensino que receberam de Deus, dom que os capacita a se preparar para a pregação e a preparar a pregação em si — estudando o texto bíblico com cuidado e seriedade, elaborando uma exposição clara e coesa e entregando-a à igreja com graça, amor e autoridade. Isso, por si só, é a prática de um importante elemento do ministério profético. Porém, é também possível, em segundo lugar e de forma menos frequente, que Deus conceda, conforme a sua vontade, um impulso profético a um pastor-mestre, colocando em sua boca, por meio de um estímulo repentino, uma palavra não premeditada de instrução, exortação ou consolação, uma palavra que seja essencialmente didática e leve os crentes a entender melhor o texto bíblico e aplicar corretamente às suas vidas aquela que é a revelação final e definitiva de Deus, as Santas Escrituras.
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O direcionamento divino para indivíduos hoje
Por mais que, como já estabelecemos, não haja mais profetas como os do Antigo Testamento e seus sucessores apostólicos no Novo Testamento, será que ainda podem existir profecias que digam respeito à predição do futuro de indivíduos ou que consistam em revelações particulares? Já que Deus é soberano e livre, não podemos dizer que ele não possa mais dar revelações particulares hoje. Ele pode fazer tudo o que quiser, a não ser o que ele expressa em sua Palavra que não pode fazer (2Tm 2.13; Hb 6.18; Tg 1.13). Contudo, quando analisamos as Escrituras, que são a revelação final e autoritativa de Deus para nós, descobrimos que a maneira regular que ele estabeleceu para que a sua vontade fosse conhecida não são profecias ou mesmo sonhos e visões proféticas. A vontade de Deus para cada um de seus filhos é ordinariamente conhecida por meio do bom senso, da análise das circunstâncias, dos conselhos de pessoas mais sábias e experientes e da obediência aos princípios de vida estabelecidos na Bíblia.
Em nenhuma epístola neotestamentária, os escritores tranquilizam os seus leitores por meio da promessa de que Deus revelaria a sua vontade para cada um deles através de sonhos, visões ou profecias. O Novo Testamento nunca nos encoraja a buscarmos a vontade de Deus por meio desses canais revelatórios; pois, ainda que a Bíblia não nos permita afirmar que eles tenham sido completamente fechados, a melhor evidência escriturística implica que eles são muito raramente abertos. De fato, a revelação da vontade de Deus por intermédio desses meios é tão incomum que a sua ocorrência poderia mais propriamente ser chamada de milagre.
Muitas pessoas, ao tratarem da continuidade das revelações proféticas particulares, citam casos de profecias que receberam ou das quais tomaram conhecimento. Uma ocorrência frequentemente aduzida diz respeito ao ministério do conhecido pastor batista C. H. Spurgeon. Embora fosse um cessacionista convicto, Spurgeon relata que, por vezes, de alguma forma, foi capaz de conhecer e revelar os segredos de seus ouvintes — segredos dos quais, porém, ele jamais ouvira. Certa vez, enquanto expunha as Escrituras com o vigor que lhe era peculiar, o “príncipe dos
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pregadores”, de súbito, interrompeu o seu discurso e, de forma aparentemente aleatória, apontou para um garoto e disse: “Jovem, você não pagou por essas luvas que está usando. Você as roubou de seu empregador”. Após o culto, todo trêmulo e agitado, o garoto procurou Spurgeon, solicitando-lhe uma conversa privada. Uma vez na presença daquele que revelara o seu pecado, o jovem depositou as luvas sobre a mesa e disse que aquela era a primeira vez em que furtava seu patrão e jurou que nunca mais o faria.2 Não temos razões para duvidar do relato de C. H. Spurgeon, o qual, reconhecidamente, foi um servo fiel do Senhor e teve uma vida ilibada. O que não podemos fazer, entretanto, é tomar o testemunho dele (ou de qualquer outra pessoa) a respeito de sua experiência com revelações proféticas como ilustração da forma como Deus corriqueiramente revela a sua vontade. Esse não é o padrão, mas uma exceção ao padrão. Enquanto cessacionista, Spurgeon não tinha a intenção, obviamente, de que as suas palavras servissem como evidência de que a maneira habitual de Deus revelar a sua vontade específica para as pessoas se desse por meio de revelações proféticas. Mesmo que, ocasionalmente, Deus, livre e soberano, possa optar por fazer uso desse tipo infrequente de comunicação, esses casos de revelações não são, de forma alguma, a regra, mas constituem exceções, as quais ocorrem por uma intervenção miraculosa de Deus. Milagres, contudo, por definição, não são a regra, mas a exceção. A via da qual Deus usualmente se vale para revelar a sua vontade para indivíduos é a transformação que o processo de santificação ocasiona na mente dos cristãos, como nos ensina o apóstolo Paulo: “[...] transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). Dessa forma, à medida que nos tornamos mais obedientes e leais ao nosso Senhor, a nossa mente é exercitada na prática da piedade e se torna, assim, mais parecida com a dele (cf. 1Co 2.16), de maneira que começamos a pensar como ele e a aprender a discernir a vontade do Pai como ele. O resultado da renovação de nossa mente é que experimentamos “a boa, agradável e perfeita
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2 Charles H. Spurgeon, Autobiography: The Full Harvest, 1860–1892 (Edimburgo: Banner of Truth Trust, 1973), 2:60.
vontade de Deus”, e essa é a exata maneira como Deus costuma revelar a sua vontade a nós. Ele nos insere no processo de santificação, o qual, pouco a pouco, forma em nós uma mente mais parecida com a de Cristo, uma mente sábia e apta para tomar decisões que lhe agradem e estejam em harmonia com a sua vontade. Não precisamos buscar profetas para saber se devemos aceitar ou não certa proposta de emprego, se temos ou não de nos casar com dada pessoa, se é preciso ou não nos mudarmos de cidade. Basta que nos aprofundemos na santificação, “[p]ois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação [...]” (1Ts 4.3). Esse é o caminho habitual para discernirmos a vontade de Deus para as nossas vidas.
E como podemos nos aprofundar na santificação, de modo a desenvolvermos uma mente como a de Cristo, para que sejamos capazes de tomar as melhores e mais sábias decisões, aquelas que ele quer que tomemos e que estejam em harmonia com a sua vontade para as nossas vidas? Como seremos capazes de estar no lugar em que Deus quer que estejamos na hora em que ele quer que nos achemos lá? Somente por meio de uma palavra profética? Não, certamente não. Devemos seguir, com inteira confiança em nosso Senhor, as suas normas e preceitos expressos unicamente em sua Palavra escrita e inspirada, com a certeza de que o caminho que ele nos propõe, mesmo não sendo, por vezes, de acordo com a nossa avaliação humana e falha, o melhor para nós, é, de fato e objetivamente, o melhor para nós. Devemos reconhecer, em humildade, que ele é infinitamente sábio, enquanto nós somos quase que infinitamente tolos. Ao nos dar a orientação de seus preceitos, Deus sabe perfeitamente por que nos conduz por onde nos conduz. Os caminhos dele são de justiça e vida, enquanto os nossos são de iniquidade e morte. Temos de ser humildes e reconhecer que precisamos da sabedoria que ele nos ensina em sua Palavra, a fim de que não nos percamos ao longo de nossa caminhada. A sua lei é a bússola que nos mostra o caminho seguro pelo qual devemos seguir. Assim, já que é na Palavra de Deus que encontramos os seus mandamentos, é ela que nos santifica, isto é, que nos separa ou destaca dos incrédulos, os quais, soberbamente, rejeitam a sabedoria divina e preferem seguir os seus próprios caminhos. É somente quando nos aprofundamos
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na Palavra de Deus que nos aprofundamos na santificação. É somente quando nos aprofundamos na Palavra de Deus que nos tornamos sábios e temos a nossa mente transformada. É assim que nós, tolos por natureza, nos tornamos sábios e nos tornamos aptos a tomar as decisões que o Senhor quer que tomemos, a fim de estarmos no lugar em que ele quer que estejamos, exatamente na hora em que devemos nos achar lá, mesmo que nunca recebamos palavra profética alguma — pois, de fato, a maioria de nós nunca receberá.
A sabedoria expressa nos mandamentos do Senhor tem o poder mais do que benéfico de moldar, formar e transformar a nossa mente arrogante e rebelde, expurgando dela a insensatez que lá se aloja tão confortavelmente desde o nosso nascimento (Gn 8.21; Pv 22.15) e habilitando-a a sopesar, com o mesmo discernimento de Cristo, as opções que lhe são apresentadas. Assim, tornamo-nos capazes de, como o nosso Senhor e ao contrário de Eva, rejeitar a voz enganosa de Satanás. As suas ciladas argumentativas tornam-se cada vez mais perceptíveis e óbvias para aqueles que têm a mente de Cristo e estão familiarizados com a Palavra de Deus. Como Jesus soube que não devia seguir as três propostas que Satanás lhe fez no deserto, quando o tentador o incentivou a transformar as pedras em pães, a saltar do pináculo do templo e, por fim, a adorá-lo (Mt 4.1-11)? Será que, na noite anterior, Deus lhe aparecera em sonho e dissera que, no dia seguinte, Satanás faria a ele três sugestões, as quais, porém, deviam ser prontamente rejeitadas? Ou será que, pouco antes da aparição de Satanás no deserto, um profeta de Deus se achegara a Jesus e lhe antecipara o que ocorreria, expondo-lhe exatamente como devia reagir à tentação diabólica? Na verdade, o Senhor Jesus reconheceu o engano de Satanás por perceber que as suas propostas não estavam em conformidade com a Bíblia. O nosso Senhor estava familiarizado com as Escrituras e tinha a sua mente informada e formada pelo ensino delas.
As respostas de Cristo às três ofertas que lhe foram feitas consistiram na citação de três trechos bíblicos: Deuteronômio 8.3, Deuteronômio 6.16 e Deuteronômio 6.13, respectivamente. O direcionamento de que o Senhor necessitava para saber qual era a vontade de Deus para ele
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naquele momento em que era tentado pelo diabo não lhe foi dado por intermédio de uma revelação profética, mas pelo conhecimento e prática da lei de Deus. Na medida em que obedeceu às estipulações bíblicas, ele se santificou, ou seja, diferenciou-se dos ímpios, os quais, por não terem a mesma mente de Cristo, facilmente teriam transformado as pedras em pães, caso tivessem esse poder, e agradecido ao diabo pelo bom conselho. Cristo, no entanto, pela sua sábia, fiel e constante obediência ao Pai, santificou-se e, por consequência, pôde provar a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Ele foi capaz de discernir, com base nas Escrituras, o que Deus queria que ele fizesse naquele momento.
Da mesma forma, caso nós mesmos queiramos conhecer e provar a “boa, agradável e perfeita” vontade de Deus para as nossas vidas, não há outro caminho senão sermos santificados pela Palavra, exatamente como se deu com o nosso Senhor. A vereda da santificação é incontornável para os que desejam estar, como se diz, no centro da vontade de Deus. Não precisamos recorrer a profetas, videntes ou adivinhos para sabermos quais decisões devemos tomar. Temos apenas de nos sujeitar, humildemente, às sábias orientações divinas encerradas em sua Palavra, de forma que, gradativamente, ela nos santifique, tornando os nossos caminhos mais e mais distintos dos que preferem viver segundo a sua própria tolice — os quais, de forma tristemente irônica, imaginam-se sábios (Rm 1.22). Essa vida marcada pela santificação é que nos tornará sábios aos olhos de Deus e nos fará estar, quando menos percebermos, exatamente onde Deus quer que estejamos: no centro de sua vontade. Em última análise, portanto, somente as Escrituras podem nos levar para esse aprazível lugar onde todo crente verdadeiro almeja estar. Nenhum prognosticador moderno nos levará até lá. Sola Scriptura!
Conclusão
Em um sentido, podemos dizer que o dom de profecia continua ativo na igreja e deve ser buscado. Caso tenhamos em mente que, segundo a Bíblia, as funções principais do profeta eram interpretar corretamente as Escrituras e aplicá-las devidamente ao seu tempo, o que os pastores fazem todas
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as semanas na igreja é profetizar. É preciso deixarmos de lado a compreensão equivocada de que a profecia envolve sobretudo a previsão do futuro ou a revelação de coisas ocultas. O profeta é um pregador da Palavra de Deus. Todo aquele que, ao subir ao púlpito, explana a Bíblia com fidelidade e a aplica de maneira adequada aos seus ouvintes está profetizando. À semelhança do que se dava com os profetas do período bíblico, um pastor moderno pode até mesmo ser movido por Deus, de forma extemporânea e súbita, a proferir um discurso que não havia planejado. Contudo, há alguns componentes do ministério profético que não se manifestam mais e que cessaram com a morte dos apóstolos, os sucessores dos profetas do Antigo Testamento. Deus usou tanto os apóstolos quanto os profetas que os precederam para anunciarem, de modo autoritativo e definitivo, uma mensagem para todo o seu povo, uma mensagem que devia ser imediatamente acatada e crida. Eles podiam, além disso, revelar coisas novas e jamais anunciadas, as quais tinham de ser, a partir de sua enunciação, adotadas como parte da profissão de fé da comunidade da aliança. Esses elementos do ministério profético dos videntes da Antiga Aliança e dos apóstolos da Nova Aliança não estão mais disponíveis para nós hoje. Não há artigo de fé algum que deva ser acrescentado à nossa confissão. Tudo que precisávamos saber sobre a doutrina cristã já nos foi revelado e se acha compilado nas Escrituras Sagradas. Deus jamais usará um pretenso profeta moderno para nos revelar algo novo. Por mais que a natureza revelatória do ministério profético tenha chegado ao fim com a morte dos apóstolos, restando apenas o caráter didático desse carisma, ainda há pessoas que continuam revelando coisas novas para a igreja. Como devemos tratar esses falsos profetas? Como podemos nos precaver deles? Como podemos nos certificar de que a mensagem deles realmente não provém de Deus?
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