UM CONVITE À FELICIDADE
Como desfrutar a vida ao máximo?
Os publicitários, é claro, afirmam que sabem a resposta. Todo comercial tem a intenção de nos fazer sentir insatisfeitos com a situação atual, a fim de nos convencer de que uma vida melhor será encontrada comprando o que está sendo vendido.
Os políticos também afirmam que sabem a resposta.
Todo discurso político nos pede para confiarmos que aquela pessoa ou aquele partido pode consertar as coisas e tenta nos garantir que teremos uma vida melhor se votarmos no que estão oferecendo.
Às vezes, os comerciais e os discursos políticos nos remetem a uma era passada – o impulso nostálgico – quando (se fecharmos nossos olhos e nos esquecermos dos problemas que existiam naquela época) tudo era melhor: quando nossas vidas eram mais puras, nossos corações, mais leves ou nosso país era mais relevante. Em outros momentos, eles nos apontam para o futuro e nos convidam a sonhar: se apenas comprarmos isso ou votarmos naquilo, tudo ficará bem em breve.
Portanto, em meio à avalanche de ofertas e promessas, a quê ou a quem você está recorrendo a fim de extrair o máximo proveito de sua vida?
Quero levá-lo a uma descrição e a uma promessa que você nunca verá em um comercial ou ouvirá de um político.
Neste livro, examinaremos o que pode ser proveitosamente considerado um “Manifesto Cristão”. Um manifesto é uma declaração ou proclamação pública emitida por um monarca ou chefe de estado, ou por um representante de uma companhia ou organização. Aqui está um manifesto para a vida cristã, que sai diretamente dos lábios de Jesus, enquanto ele ajuntava tanto os seus seguidores quanto aqueles que estavam pensando em tornar-se seus seguidores em uma “planura” – ou uma planície – e os ensinava um de seus sermões mais famosos, encontrado no evangelho de Lucas e conhecido como “O Sermão da Planície”. Este é um manifesto que não está orientado à arena política, mas à arena relacional e individual. Com pouco mais de 600 palavras (na tradução em português da ARA), esse manifesto tem menos de um terço da extensão média do discurso de posse de um presidente dos EUA. Portanto, é claro que não é exaustivo – ele não abrange todos os aspectos de como o povo de Cristo pode viver de uma forma que o agrade – mas é fundamental. E nas primeiras quatro palavras de seu sermão, Jesus anuncia que o que se segue será sua resposta à pergunta sobre onde a melhor vida pode ser encontrada: “Bem-aventurados os que...”
AS BÊNÇÃOS DO REINO
A palavra que traduzimos por “bem-aventurados” significa “Feliz!” “Afortunado!” ou “Privilegiado!”1 Todos nós conhecemos pessoas a quem olhamos e apenas pensamos, “sua vida é ótima. Tudo dá certo pra você. Você deve ser tão feliz. Você é tão afortunado, tão privilegiado”. Você provavelmente está pensando
1 Devo essa abordagem do Sermão da Planície e do Sermão da Montanha, semelhante, porém mais longo, do Evangelho de Mateus, ao meu amigo John Woodhouse.
em alguém neste exato momento. Aqueles que consideramos abençoados tendem a ser os ricos, os bem-sucedidos, os poderosos, ou os populares. Jesus olha para os seus discípulos – seus seguidores – e diz que, embora eles não sejam nenhuma dessas coisas, eles é que são bem-aventurados.
Por quê? Simplesmente porque eles são membros do seu Reino. O reino de Deus é um dos grandes temas de Lucas: Lucas registra Jesus falando do reino de Deus (pelos meus cálculos) trinta vezes. O Reino foi o que ele anunciou: “É necessário”, Jesus disse aos seus discípulos, “que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado” (Lc 4.43; ênfase acrescentada).
O Reino foi o que Cristo revelou por meio de seus milagres; aqueles que se ajuntaram para ouvir o sermão da planície tinham vindo “para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades” (6.18). Essas curas foram um vislumbre de como é o reino eterno de Jesus: um lugar onde tudo o que está errado nessa vida é corrigido. O Reino foi o que ele inaugurou em sua morte e ressurreição: o ladrão na cruz adjacente à do Senhor, ao perceber quem Jesus era e sobre o que governava, pediu-lhe que se lembrasse dele “quando vieres no teu reino” (23.42).
Trata-se de um reino eterno, que um dia chegará em sua plenitude, mas que, por ora, existe neste mundo onde quer que seus súditos sejam encontrados (17.20-21).
E a vida no Reino de Deus foi o que Jesus descreveu no Sermão da Planície: “bem-aventurados vós, os pobres”, começou, “porque vosso é o reino de Deus”. Voltaremos a esse trecho no próximo capítulo, porém, adianto: Jesus está ligando a vida de verdadeiras bênçãos à membresia no Reino. Aqui está a vida conforme foi projetada para ser vivida e
A vida cristã segundo Jesus
desfrutada. Aqui, como ficará claro à medida que Jesus fala, está a satisfação, o riso e a alegria – a completa realidade daquilo que os publicitários e os políticos nos oferecem em seus comerciais e manifestos.
UM CONVITE
O Sermão da Planície, então, é o convite de Jesus para que você experimente a vida em sua máxima expressão. É a descrição que ele faz das características da vida em seu Reino – um reino onde tudo o que está errado é corrigido – enquanto vivemos neste mundo.
Para ser claro, o Senhor não está descrevendo como entramos no Reino, mas como vivemos no Reino. Como o grande reformador Martinho Lutero disse sobre essa passagem: “Cristo não está dizendo nada nesse sermão sobre como nos tornamos cristãos, mas apenas sobre as obras e os frutos que ninguém pode fazer a menos que seja cristão e esteja em um estado de graça”.2 Esses capítulos, portanto, não apresentam um mecanismo pelo qual alguém se torna cristão, mas o estilo de vida de alguém que já é cristão. Como Jesus disse a seus discípulos mais tarde no Evangelho de Lucas: “Em verdade vos digo: Quem não receber o reino de Deus como uma criança de maneira alguma entrará nele” (Lc 18.17). Um lugar no reino eterno de Jesus, com sua satisfação, riso e alegria, é algo que recebemos das mãos dele, e não algo que temos de conquistar ou agarrar por conta própria. Como crianças, vamos até ele e o aceitamos como um presente, em vez de lhe oferecermos como pagamento tudo aquilo que fizemos
2 Luther’s Works, ed., Jaroslav Pelikan, vol. 21 (San Luis: Concordia, 1958), p. 291.
e conquistamos. Mas, uma vez que viemos e recebemos o Reino dele, aqui, neste sermão, há um esboço de como é a vida no Reino hoje. Não é exaustivo, mas é transformador.
Jesus nos mostra como a filiação ao Reino nos transforma de dentro para fora.
UM DESAFIO
O que ouviremos Jesus nos dizer é radical: como a fé nele nos compele e nos capacita a viver um novo estilo de vida que muitas vezes é contracultural e contraintuitivo. Isso torna o Sermão da Planície não apenas um convite, mas também um desafio. As marcas e prioridades do Reino de Jesus são diferentes das deste mundo – e, portanto, seus cidadãos também serão diferentes. O chamado de Jesus é profundo, amplo e nos chama a virar de cabeça para baixo tudo o que naturalmente pensamos. Aqui descobriremos quais são as marcas de um cristão genuíno. Ninguém que seja verdadeiramente membro do Reino de Jesus permanece inalterado por essa membresia. Jesus diz: Eu quero que você fique feliz com coisas diferentes daquelas com as quais as outras pessoas ficam felizes, e triste com coisas com as quais as outras pessoas não costumam ficar tristes. Quero que você tenha como ambição algo que o mundo considera fraco e ineficaz. Quero que você trate as pessoas de uma forma que não faça sentido para elas e, às vezes, não faça muito sentido para você. Quero que você tenha uma maneira diferente de avaliar suas decisões, suas reações e sua vida. Quero que você seja diferente.
Se Jesus fosse funcionário de uma agência de publicidade do século XXI, certamente não manteria o emprego por muito tempo, pois ele não esconde o fato de que atender
ao seu chamado não é nada fácil. Ele também não chegaria longe como político do século XXI, pois não lisonjeia seus ouvintes nem compromete seus padrões. Mas Jesus não é um publicitário nem um político; ele era, e é, o Rei eterno, e não está vendendo um produto nem angariando votos, mas anunciando e descrevendo seu Reino.
É por isso que considero essa passagem tão difícil quanto praticamente qualquer outra. Esse manifesto é uma descrição da vida para a qual todos nós fomos criados, mas é um desafio ser diferente de como eu naturalmente sou e de como o mundo ao meu redor funciona.
FAÇA A DIFERENÇA
Esse chamado para desfrutar a bênção da vida no Reino de Jesus é, portanto, um chamado para ser diferente. Essa é a razão pela qual ele é a chave para fazer uma diferença verdadeira neste mundo. Os publicitários podem ganhar um bom dinheiro e os políticos podem conquistar um poder efêmero, mas os membros do Reino de Jesus podem fazer a diferença para a eternidade. Pois, quando estivermos preparados para levar a sério os padrões e valores do Reino de Jesus e exibi-los em nossa vida, ofereceremos ao mundo ao nosso redor uma maneira alternativa e muito melhor de viver do que aquela que anseia pelas últimas tendências do mercado ou pelas promessas dos políticos. Ofereceremos o que John Stott chamou de “contracultura cristã”3: uma vida que é mais difícil e incômoda, mas que é verdadeiramente satisfatória, alegre e eterna.
3 John Stott, “The Message of the Sermon on the Mount: Christian Counter-Culture”, in The Bible Speaks Today (Downers Grove: IVP Academic, 1978).
O apóstolo Pedro era um dos que estavam ouvindo assentados naquela planície há 2.000 anos, quando Jesus “olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: ‘Bem-aventurados vós…’” (Lc 6.20). Anos mais tarde, Pedro descreveria os membros do Reino de Jesus recorrendo à descrição que Deus fez de seu povo no Antigo Testamento:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (1 Pe 2.9-10)
Pedro está dizendo: Vocês precisam saber o que são – vocês são alienígenas e estranhos; portanto, como pessoas que não pertencem a este mundo, não parem de lutar contra tudo, inclusive contra seus desejos, que os fazem querer viver exatamente como todos os outros neste mundo. Somente quando viverem distintamente deste mundo é que as pessoas ao seu redor (embora possam lançar acusações e zombarias contra você) poderão realmente vir a enxergar a bondade de Deus por meio de você e dar glória a Deus quando Jesus voltar (vv. 11-12, paráfrase minha).
A melhor coisa que temos a oferecer às pessoas ao nosso redor é o Reino de Jesus e, para que conquistemos o direito de falar com elas sobre esse Reino, temos de mostrar-lhes esse Reino. A maior razão para a ineficácia do cristianismo contemporâneo é a incapacidade de levar a sério a diferença radical que Jesus exige enquanto o seguimos como Rei. A
igreja evangélica ocidental do século XXI cedeu com muita frequência à tentação de suavizar as palavras de Jesus – de encontrar ressalvas e brechas no que ele diz – a fim de oferecer ao mundo algo que soe mais palatável e menos exigente. Passamos décadas nos parabenizando por sermos capazes de ir até nossos amigos não cristãos e dizer: “Sabe de uma coisa?
Somos iguais a vocês”. E eles disseram: “Sabe de uma coisa? Acho que você está absolutamente certo!”. Mas se não houver nada diferente na igreja, as pessoas não terão motivos para dar ouvidos a ela.
Não fomos chamados para ser como o mundo, e o mundo não precisa que sejamos como ele. Temos algo melhor a dizer porque temos alguém melhor a quem seguir. Isso significa que o chamado de Cristo para você e para mim é, ao mesmo tempo, muito empolgante e profundamente desafiador. O chamado não é para nos sentirmos confortáveis, mas para sermos semelhantes a Cristo: para descobrirmos os meios surpreendentes de experimentar a verdadeira bênção e, ao fazê-lo, indicar aos outros o caminho para isso também.
Neste livro, portanto, ao ouvirmos o Sermão da Planície de Jesus, ouviremos um manifesto que descreve como é o cristianismo genuíno. Ele está de cabeça para baixo e na posição correta. É surpreendente e maravilhoso. É desafiador e libertador. É a vida em sua melhor forma: uma vida abençoada, uma vida no Reino.
UMA INVERSÃO DE VALORES
Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. (Lc 6.20)
Quem você preferiria ser? Você pode escolher uma destas duas listas de quatro: pobre, faminto, triste e odiado; ou rico, bem-alimentado, feliz e popular.
Jesus diz que, embora pareça uma contradição, a verdadeira felicidade está em dar as costas para tudo aquilo que promete nos fazer feliz neste mundo:
Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes:
Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus.
Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos.
Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir.
Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem.
Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais com os profetas. (Lc 6.20-23)
Jesus descreve aqui um sistema de valores que está em total desacordo com o do mundo não cristão. Vivemos em um ambiente contemporâneo que clama para que nos defendamos, nos orgulhemos de nós mesmos, nos elevemos e sejamos autoafirmativos em nossa busca pela felicidade. Esses valores muitas vezes estão por trás de nossas decisões de mudar de casa, buscar promoções ou se aposentar mais cedo. Esse é, muitas vezes, o impulso que direciona a escolha de casar-se e depois ter filhos; muitas vezes é por isso que as pessoas decidem abandonar seus casamentos ou negligenciar seus filhos. Costumam chamar esse impulso de “ser fiel a si mesmo”, “encontrar sua verdade e viver sua melhor vida”, embora, na verdade, seja simplesmente egoísmo. Jesus diz que a rota para a verdadeira felicidade é muito, muito diferente. Ele afirma que o caminho para a felicidade envolve exaltar o que o mundo despreza e rejeitar o que o mundo admira. “Bem-aventurados vós, os pobres”, ele diz, contrariando imediatamente algumas das suposições mais profundas das nações ocidentais. O que ele quer dizer?
O PROBLEMA DA RIQUEZA
Jesus não está dizendo que todos os pobres são salvos, nem que nenhuma pessoa rica é salva. Se esse fosse o caso, uma mulher de negócios obviamente próspera como Lídia nunca teria tido seus olhos e seu coração abertos à verdade
do evangelho (At 16.11-15). Mas o que ele está dizendo é que a pobreza produz uma resposta muito mais excelente ao evangelho do que a riqueza, pois a pobreza nos lembra de que somos criaturas dependentes, enquanto a riqueza nos engana, fazendo-nos acreditar que somos autossuficientes. É por isso que a pobreza externa pode muito bem ser um canal de benção espiritual, pois ela leva um homem ou uma mulher a descobrirem sua total dependência de Deus – não apenas pelas coisas físicas e materiais, mas também pelas bênçãos espirituais.
Você já observou nos evangelhos que as pessoas ricas acham difícil (não impossível, mas muito difícil) seguir Jesus?
Veja “o jovem rico”, cujo relato se encontra adiante, também no Evangelho de Lucas. Ele está buscando, e vem correndo até Jesus, lança-se de joelhos e diz: “Bom mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?” (Lc 18.18). Até aqui, tudo bem. Porém, dois minutos depois, ele se afasta de Jesus, triste (v. 23). Por quê? Porque Jesus lhe diz para escolher entre sua riqueza e seu Salvador, e ele escolhe a riqueza. Na realidade, tomar essa decisão fê-lo sentir-se pior, além de mostrar que esse jovem deu as costas para a vida eterna – mas ele não foi capaz de abrir mão de seu dinheiro. Jesus usa esse momento para ensinar aos seus discípulos uma lição sobre a riqueza: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riqueza” (v.24). E depois ele emprega uma figura marcante: “porque é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (v.25).
Somente se você achar que pode passar um camelo pelo buraco de uma agulha (e eu não consigo nem passar a linha) é que poderá pensar que a riqueza não é um perigo em
A vida cristã segundo Jesus
potencial quando se trata da vida cristã. Como Jesus desafiadoramente coloca no Sermão da Planície, “Ai de vós, os ricos” (v. 24). Jesus estava ensinando “muitos discípulos seus e grande multidão do povo” (v. 17) e, quando começou a falar das bênçãos de segui-lo, ele “[olhou] para os seus discípulos” (v. 20). Bem, parece-me que Jesus estava levantando o olhar de seu grupo imediato de discípulos e mirando para a multidão quando passou seus olhos dos pobres para os ricos. Ele certamente não estava admoestando seus discípulos, porque seus discípulos não eram ricos. Jesus estava alertando aqueles que estavam interessados nele, mas que, por um motivo ou outro, estavam se afastando dele. E ele está advertindo aqueles ricos (e a nós também) de que colocar a riqueza antes dele – permitir que nosso coração seja governado mais pelo acúmulo do que pela adoração a Deus – leva ao “ai”: miséria, conforme a tradução da Bíblia Phillips parafraseia. Essa é uma palavra muito marcante –não é uma declaração casual nem uma condenação. “Ai” é o oposto de bênção. Há um senso de compaixão nessa palavra: “Que terrível para você! Como isso é horrível! Que decepção para você”. Por que os ricos estão enfrentando a desgraça? Porque vós, que são ricos, “tendes a vossa consolação”.
Não é que todos os ricos tenham recebido seu consolo do mundo e não possam receber nenhum consolo de Cristo. Mas Jesus está alertando que, se formos ricos, será difícil não olharmos para a nossa riqueza em busca de conforto, para o nosso dinheiro em busca de soluções e para o nosso saldo bancário em busca de segurança.
QUEM É O VERDADEIRO LOUCO
Não será muito mais adiante no Evangelho de Lucas que Jesus descreverá o tipo de pessoa que Deus chama de “louco”.
Ao responder a um homem que queria que Jesus interviesse em sua briga com o irmão por causa da herança, Jesus disse: Não vou me pronunciar sobre isso. Mas vou adverti-lo para que tome cuidado: fique atento a toda cobiça, pois a vida de uma pessoa não consiste na abundância de seus bens (Lc 12.14-15 parafraseado). E para enfatizar o perigo que esse homem e seu irmão correm, ele lhes conta uma de suas famosas parábolas, a de um homem rico que produziu uma boa colheita e, basicamente, disse a si mesmo: Consegui fazer isso com muita facilidade. Vou demolir meus celeiros e construir mais, e então direi a mim mesmo: “Você tem tudo guardado, sua conta bancária está em ótima forma, e você pode descansar e aproveitar seu golfe; você tem muitas coisas boas guardadas por muitos anos. Leve a vida com calma; coma, beba e divirta-se.
E Deus diz a ele: “Louco!”.
Por quê? “Esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?” (v.20)
“Assim”, Jesus diz, deixando clara a aplicação para aqueles irmãos que discutiam, “é o que entesoura para si mesmo” (v.21). Mas não acaba por aí. Se acabasse, então todos nós precisaríamos fazer um voto de pobreza e abraçar uma forma de destituição. Ele não simplesmente diz, “Assim é o que entesoura para si mesmo” e “não é rico para com Deus”. Ai de você, Jesus diz, se você der o melhor de quem você é para edificar riqueza aqui e não para com Deus; ai de você se você coloca a sua confiança nas riquezas aqui e não nas riquezas eternas
A vida cristã segundo Jesus oferecidas por Deus. Ai de você se acha que o sucesso financeiro e a prosperidade material são essenciais para a sua vida, então você falhará em reconhecer a necessidade que você tem de Deus; ai de vocês que são tão ricos aos seus próprios olhos a ponto de recusarem-se a correr para Deus – “pois já receberam sua consolação” (6.24, NVI). Em outras palavras, vocês já receberam a sua parte. É como uma criancinha que gasta sua mesada em nada de real valor, e volta ao seu pai pedindo mais, e escuta a resposta “Você já ganhou sua mesada”.
Por que isso é motivo de tristeza? Primeiro, porque se tudo o que temos é para essa vida, então não teremos nada na próxima. Isso será motivo de arrependimento eterno. Em segundo lugar, porque se tudo o que temos nessa vida é riqueza, então, na verdade, temos muito pouco.
Lembro-me de ter celebrado o casamento, anos atrás, de um jovem casal. O marido era corretor da bolsa de valores e eu lhe perguntei o que o havia impressionado em seu trabalho ultimamente.
— Bem, abri minha maior conta recentemente — disse ele. — Um homem veio com sua esposa e depositou US$ 30 milhões comigo.
— E o que o impressionou? — perguntei.
— Bem — respondeu, — quando ele foi ao banheiro, sua esposa me confidenciou que o casamento deles era uma bagunça, que o dinheiro era um completo incômodo para eles, que eles não tinham propósito em sua existência, que eram mantidos juntos pela riqueza que possuíam e que a maior preocupação deles eram as discussões dos filhos sobre quem ficaria com o quê.
Quando tudo o que um homem ou uma mulher tem é riqueza mundana, eles são pobres de fato. Que tragédia. “Ai de vocês que são ricos”, diz Jesus: Vocês já receberam a recompensa, que não é grande.
Imagine pegar todas as pessoas que já viveram e classificá-las por riqueza. Se você está lendo isso no Ocidente, é muito provável que esteja entre os 1% mais ricos. E, portanto, precisamos ouvir o desafio das palavras de Jesus se quisermos desfrutar sua promessa, pois a riqueza é o que impede muitas pessoas de seguirem Cristo de todo o coração e, portanto, de conhecerem a bênção da alegre dependência de nosso Rei. Somos demasiadamente ricos. Muito seguros de nós mesmos. Pouco dispostos a admitir necessidade ou dependência. Muito rápidos para expor o que conquistamos e como o fizemos. E, portanto, pouquíssimo dispostos a deixar de confiar em nós mesmos para pedir ajuda ao Rei; pouquíssimo dispostos a confiar em suas ordens em vez de confiar em nossas percepções.
O pastor e teólogo do século XVI, João Calvino, colocou a questão da seguinte forma: “Somente aquele que está reduzido a nada em si mesmo e confia na misericórdia de Deus é o pobre”.1 Os cristãos são aqueles que se curvaram e reconheceram sua pobreza de espírito e incapacidade de obter aquilo do qual mais precisam. Assim, tendo aceitado que a riqueza não é um deus que proporcionará satisfação nem uma indicação de que podem administrar a vida com suas próprias habilidades e recursos, são livres para conhecer a bênção da vida no Reino. Só podemos entrar no Reino se reconhecermos
1 Commentary on a Harmony of the Evangelists, Matthew, Mark, and Luke, trad. para o inglês por William Pringle, vol. 1 (sl: The Calvin Translation Society, 1845), p. 261.
nossa pobreza espiritual – só podemos desfrutar o Reino se não tivermos nenhuma abundância material. “De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento”, disse Paulo a Timóteo, “porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (1Tm 6.6-7). Mais feliz, de longe, é aquele que desfruta todas as coisas como um presente de Deus, mas não se esquece de sua necessidade de Deus.
O PROBLEMA DA POPULARIDADE
Todos nós queremos ser benquistos. No Ocidente, é improvável que a maioria de nós passe fome, mas, como cristãos, é provável que sejamos desprezados. Portanto, é surpreendente que Jesus diga que a vida de bênção, a vida do Reino, envolverá ser odiado. “Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem” (Lc 6.22), ou seja, quando forem excluídos e insultados “por causa do Filho do Homem”. Jesus está falando de situações em que o nosso relacionamento com ele é a causa da rejeição ou da condenação (não porque tenhamos sido indelicados, desagradáveis ou rudes). Mais cedo ou mais tarde, se você se mantiver firme com Jesus, descobrirá que não é benquisto.
Você provavelmente já passou por isso. Talvez tenha se posicionado a favor da verdade e da bondade da Bíblia ou tenha dito, com a língua vacilante: “Sim, eu acredito que Jesus é a pessoa que ele afirmou ser, o único salvador, o único caminho pelo qual podemos ser aceitos por Deus”. E, de repente, você se viu isolado e um pouco afastado de seu grupo de colegas – ou pior. Isso pode acontecer em seu escritório, sua escola ou seu bairro. Nossa reação natural é seguir uma política de apaziguamento, nunca dizendo nada que possa ofender. O
caminho cristão é seguir a política da verdade, procurando dizer o que mais precisa ser dito: que Jesus é o Senhor e que ele se oferece para salvar qualquer um que venha a ele, mas que devemos ir a ele; que “não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4.12). Essa foi a mensagem dos primeiros discípulos, que foram mais insultados do que nós provavelmente jamais seremos e, ainda assim, estavam mais cheios de alegria do que nós parecemos estar. Quando formos odiados por dizer a verdade, devemos encarar isso como um motivo de alegria.
Afinal de contas, ser tratado dessa forma é um sinal de que realmente somos membros do Reino de Cristo – e estar em seu Reino é o que nos dá vida, agora e por toda a eternidade. O fato de sermos ridicularizados por nossa fé não removerá nossa bênção se nosso senso de alegria não vier de nossa reputação em primeiro lugar.
Por outro lado, ser governado pela aceitação do mundo é um caminho para a “desgraça”; “Ai de você, quando todos falarem bem de você”, adverte Jesus. Novamente, isso é contracultural. Mas, como Jesus ressalta, sempre foram os “falsos profetas”, e não os contadores da verdade, que encontraram a popularidade. É praticamente impossível fazer com que todos falem bem de nós, a menos que tenhamos um discurso duplo, dizendo uma coisa para uma pessoa e outra para outra, e falando sempre apenas o que as pessoas querem ouvir. Foi isso que os falsos profetas fizeram, pregando a paz quando a invasão estava chegando, assegurando as pessoas de que suas vidas estavam em ordem quando, na verdade, Deus estava irado com sua injustiça e hipocrisia.
Se quisermos que todos falem bem de nós, teremos de sacrificar nossos princípios à esquerda, à direita e ao centro. É uma coisa miserável, diz Jesus, perder a verdade e perder a si mesmo a fim de ser apreciado.
O CLAMOR DO CRISTÃO
Entre suas advertências de infortúnio para aqueles que perseguem a riqueza ou a reputação, há mais duas. A primeira é uma advertência dirigida “[a]os que estais agora fartos”.
Em outras palavras, Ai de você, que está trabalhando sob a ilusão de que não precisa de Deus – porque um dia você vai passar fome. Eis aquele que conhece todo mundo e é querido por todos: que nunca tem poucos amigos, que sempre é convidado para tudo, que sempre parece ter ingressos para todos os eventos e pode furar fila quando chega lá. Essas pessoas parecem ter tudo resolvido. Elas próprias têm certeza de que têm tudo sob controle.
No fundo, a maioria de nós quer ser esse tipo de pessoa. Nossa sociedade é movida por essas coisas. Mas se isso é tudo o que uma pessoa possui, ela está prestes a se tornar incrivelmente faminta. Pessoas bem-sucedidas geralmente são autossuficientes, e pessoas autossuficientes tendem a ser autossatisfeitas. Se suas vidas nunca piorarem – se nunca passarem “fome” – elas nunca descobrirão que precisam de alguém além de si mesmas. Elas viverão com a ilusão de que não precisam de ninguém para lhes fornecer nada. Descobrirão tarde demais que também viveram como loucas, pois um dia a vida lhes será tirada, e restará apenas uma fome insaciável que durará por toda a eternidade. Você consegue imaginar-se querendo sempre um gole d’água, sedento? Já
imaginou sentir-se vazio por causa de uma fome que nunca acaba? Você consegue imaginar-se solitário, com uma solidão que nunca poderá ser aliviada?
Jesus está falando sobre as realidades mais importantes da vida, incluindo a vida eterna. A maneira de ser verdadeiramente feliz agora é viver à luz de sua divindade e de nossa eternidade, ele está dizendo. Só desfrutaremos verdadeiramente a vida agora se tivermos resolvido a questão de como será a vida depois. Só aprenderemos a viver se resolvermos a questão de como morrer e do que está além. E assim, “bem-aventurados vós, os que agora tendes fome” – que estão famintos por mais do que este mundo pode oferecer e do que você pode fornecer a si mesmo – “porque sereis fartos”. Bem-aventurada é a pessoa que não se contentou com os prazeres desta vida, que não está cega para as frustrações desta vida e que, portanto, anseia por mais.
Isso nos leva à outra advertência de Jesus: uma censura contra um tipo de abordagem irreverente, que ri de tudo ao longo da vida: “Ai de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar”. Mais uma vez, Jesus não está dizendo que seu povo é aquele que nunca ri. O riso é uma dádiva de Deus – na verdade, é a resposta certa à enormidade e à maravilha de suas bênçãos (ver Gn 21.6; Sl 126.2). Jesus está se referindo aqui ao riso dos tolos: a abordagem que torna tudo engraçado, fazendo com que nada seja realmente motivo de riso – a mentalidade da pessoa que se recusa a enfrentar a realidade porque está determinada a sempre encontrar a leveza. Mas a vida neste mundo caído envolve tragédia bem como comédia, e o que insiste apenas no riso é aquele que não consegue sentir pelos outros ou confortá-los,
e que não tem reservas para recorrer quando suas próprias circunstâncias lhe tiram o sorriso do rosto. É por isso que o sábio em Eclesiastes diz: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete [...] O coração dos sábios está na casa do luto, mas o dos insensatos, na casa da alegria” (Ec 7.2, 4). É na tragédia que temos uma oportunidade maior de encarar a realidade da vida.
“Bem-aventurados vós, os que agora chorais”, diz Jesus. A bênção vem para a pessoa cuja visão deste mundo é robusta o suficiente para ser capaz de levar em conta a realidade de que a vida inclui funerais e festas, e que está disposta a chorar pelos que sofrem e com os que sofrem. Pois somente aqueles que enfrentaram a escuridão da vida, e somente aqueles que sabem que um dia a escuridão passará, podem realmente apreciar os momentos de alegria, enquanto aguardam ansiosamente a chegada do Reino em toda a sua plenitude, quando Deus enxugará dos nossos olhos toda lágrima. E assim, aqueles que estão dispostos a chorar agora “[haverão] de rir” (Lc 6.21).
O QUE VOCÊ PREFERE?
Portanto, aqui temos: bênção prometida para aqueles que são pobres, famintos, que choram e são odiados; miséria pronunciada sobre os que são ricos, fartos, irreverentes e populares. As características do discipulado cristão são, da perspectiva do mundo, as marcas dos perdedores. E os ímpios são caracterizados como aqueles que têm sucesso. Aqui Jesus está proclamando um “ai” para o sonho americano – e o sonho de toda a rica sociedade ocidental do século XXI.
É muito difícil aplicarmos o que Jesus está nos dizendo aqui porque, francamente, estamos cercados por tantas coisas. Mas o cristão é chamado a ser diferente. Você pode alistar-se em qualquer lugar para uma vida de riqueza, fartura, leviandade e popularidade. O único custo é a miséria e uma eternidade sem Jesus. Mas há apenas um lugar onde você pode se alistar para a felicidade da vida com Jesus agora e para sempre – para uma vida pobre, faminta, triste, odiada… e abençoada. Esse lugar é a cruz: o lugar onde o próprio Senhor abriu mão de tudo, teve sede, gritou em angústia, foi escarnecido… e ainda assim suportou tudo isso para o nosso bem e para a alegria que lhe fora proposta (Hb 12.2). Eis o desafio: reconhecer sua dependência, pobreza e necessidade, e ir até ele. Lá descobrimos o poder de viver nossa vida de cabeça para baixo aos olhos deste mundo e de cabeça erguida aos olhos de nosso Salvador.
O cristão genuíno é pobre, faminto, chora e é odiado, mas encontrou bênçãos, pois com essas coisas vêm a satisfação e a alegria. Essas são as marcas da vida no Reino de Deus.
O que você prefere ser? Um pobre, faminto, que chora e é odiado, ou um rico, bem-alimentado, irreverente e popular?
A verdadeira felicidade não está na escolha óbvia e natural, mas naquela que é contracultural e cristã.
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Truth For Life é o ministério de ensino de Alistair Begg e está comprometido em ensinar a Bíblia com clareza e relevância para que os incrédulos sejam convertidos, os crentes sejam estabelecidos e as igrejas locais sejam fortalecidas.
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