Degustação - A bela ou a fera

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ISBN 978-85-96-00251-6 9

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Anna Flora

A Bela

ou a A Bela ou a Fera

E se, na história clássica, a Bela quisesse viver um dia de Fera? A renomada escritora Anna Flora brinca com estereótipos nesta história de uma menina que se recusa a aceitar o papel feminino que lhe cabe por convenção. Com isso, desmonta os padrões de comportamento que o senso comum espera. Narrada em primeira pessoa, A bela ou a fera ilustra como esses conflitos batem no coração de uma personagem de 10 anos. Com muito humor e sensibilidade, Anna Flora instiga os leitores de todas as idades a reverem falsos valores.

Anna Flora

ilustrações Thiago Lopes

fera



Anna Flora

A Bela

ou a

fera

ilustrações Thiago Lopes

7.a edição

São Paulo – 2016


Copyright © Anna Flora, 2016 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 – Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br Diretora editorial Ceciliany Alves Gerente editorial Isabel Lopes Coelho Editora Débora Lima Editor assistente Luís Camargo Preparadora Bruna Perrella Brito Revisora Marta Lúcia Tasso Editora de arte Andréia Crema Projeto gráfico e diagramação Estúdio Kiwi Editoração eletrônica Paulo Minuzzo Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Flora, Anna A bela ou a fera / Ana Flora ; ilustrações Thiago Lopes. – 7. ed. – São Paulo : FTD, 2016. ISBN 978-85-96-00251-6 1. Literatura infantojuvenil II. Título.

16-00292

I. Lopes, Thiago.

CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantojuvenil 028.5

Anna Flora é escritora para crianças e jovens. Tem mais de cinquenta livros publicados, entre livros de literatura e didáticos. Ganhou três vezes o Prêmio Jabuti, em 1997, 2002 e 2011, em parceria com Ruth Rocha, pelas coleções didáticas “Escrever e criar... é só começar”, “Escrever e criar... uma nova proposta!” e “Pessoinhas”, pela FTD. É formada em História pela PUC-SP e tem mestrado em Teatro pela USP.


Para a Raquel, belíssima e feríssima.



7

Duas meninas

12

Eu com os meninos. Eu comigo

17

As meninas entre elas. Os meninos entre eles

23

Três mulheres

30

Eu sozinha

34

Eu de moça

41

Dois homens

47

Papéis trocados

56

Sendo princesa

61

Só nós

67

Bonitos, mas surdos

76

Os meninos entram

83

Todos juntos

91

Perdas e ganhos

96

O homem, a mulher e a cidade

99

Nunca tem fim

102

Quem é a autora

103

Quem é o ilustrador



Duas

meninas Tinha uma porção de coisas no mundo que eu não entendia, algumas pequenas e outras grandes: Por que meus pais me obrigavam a tomar sopa? Por que a gente tinha que estudar todo dia? Por que homem não usava saia, mas mulher usava calça? Por que o céu era infinito? Agora, o que eu não entendia mesmo era como os meninos pensavam... Eu ficava olhando pra eles, e uma porção de coisas me passava pela cabeça: Como será que é ser menino? E se eu tivesse nascido homem, como é que seria? Será que eu faria as mesmas coisas, mas sentiria de outro jeito?

7


Será que eu teria o mesmo jeito, mas faria outras coisas? Eu gostava de ver os meninos brincando. Eles eram bonitos sem serem arrumadinhos. Calculavam distâncias e tinham força pra desmontar qualquer brinquedo. Eu achava bonito ombro de menino, pescoço de menino e seus cabelos que não precisavam de escova e suas mãos que acertavam o alvo. Eu gostava, mas não entendia. Os meninos eram um mistério e com eles fui descobrindo uma porção de coisas em mim que eu também não sabia. Foi assim... Na vila morava uma menina linda: a Maria Camila. Ela era loira, tinha olhos azuis e sempre estava arrumadinha. Todos os meninos queriam namorar a Maria Camila. Eu também queria que eles me namorassem, mas eu não queria ser arrumadinha daquele jeito... Só que às vezes, quando brincava sozinha, eu tinha vontade de ser loira de olhos azuis. Então eu colocava um pano amarelo na cabeça e ficava andando pelo quarto com meus cabelos loiros e compridos.

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Até o dia em que eu percebi que os meninos queriam namorar a Maria Camila, mas ninguém aguentava brincar com ela. Foi numa tarde. A gente estava brincando de pegador e a chamamos pra entrar no jogo. A Maria Camila era tão desligada e paradona que foi pega na hora. Começou a chorar! Os meninos falaram: – Ih, Maria Camila, deixa de ser songamonga! Nem sabe brincar! – Não aguento menina chorona! Do outro lado da rua morava a Flaviona. Ela era muito legal. Brincava de boneca e de roda, mas também gostava de futebol. Só andava com calça de brim e o “topa tudo”: uma botinha de pano verde, que naquele tempo só os meninos usavam. Ela era mais alta do que todos nós, e alguns meninos tinham medo dela. Quando eles conversavam, eu ouvia: – Magina namorar a Flaviona! Ela se parece com a gente... Só que, na hora de brincar, todos a queriam no time: – Menina não entra! Só se for a Flaviona! Ou quando a bola parava em um galho muito alto: – Vamos chamar a Flaviona!

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Eu também queria ser amiga dos meninos, mas não tinha vontade de ser grandona daquele jeito, de bater nos outros e de chutar de “topa tudo”. Uma manhã, acordei e resolvi: “Hoje vou ser princesa”. Puxei os cabelos pra trás e passei gel pra ficar durinho. Não adiantou muito. Meu cabelo era crespo e longo, desmanchou. Coloquei uma fita, um vestido branco e calcei um sapato preto com fivelinha. Saí pra vila e achei o máximo quando os meninos me olharam. Como sempre acontecia, alguém trouxe uma bola, e a turma começou a jogar. Eles me convidaram: – Vamos brincar de queimada? Eu estava me sentindo linda toda de branco, mas não resisti: – Vamos! Eu não fazia nenhuma jogada porque podia sujar o vestido. No começo até que aguentei. Só que depois foi me dando vontade de acertar os outros e eu acabei pegando a bola. Quando vi que meu vestido já não estava tão branco, resolvi ficar descalça. Jogar queimada com sapatinho de boneca não dava pé, a Maria Camila que me desculpasse...

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Eu estava craque naquele dia! Queimei três do outro time e escapava de todas as bolas que me atiravam. Só faltava queimar o Pedro Ivo, que era rápido pra chuchu. As pessoas começaram a torcer pra mim! A essa altura, eu já tinha esquecido completamente a minha princesice. Toda descabelada, descalça, me sentia forte e com asas nas mãos! Mirei o Pedro Ivo e ouvi a voz bem alta da Flaviona na torcida: – Aí, Ana! Dá nele! Dá nele! Atirei a bola com tudo e acertei em cheio. O Pedro Ivo caiu. “Xi... Será que machucou?”, pensei. E fui perguntar. Ele deu risada e disse que não, onde já se viu menino se machucar com bola? Então nossas mães nos chamaram pra jantar. Voltei pra casa feliz da vida, com meu sapatinho debaixo do braço. As coisas eram engraçadas: eu tinha começado o dia que nem a Maria Camila e terminado como a Flaviona!

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Eu com

os meninos. Eu comigo

Depois dessa vez, fiquei me sentindo poderosa que nem a Mulher Maravilha. Eu punha a capa vermelha e voava pelo quarto. Pegava uma bola de meia e acertava minhas bonecas, pimba!, que na verdade eram perigosos marcianos disfarçados. Naquela semana, minhas amigas me convidaram pra brincar de casinha. Eu achei a brincadeira meio boba, aquela coisa de comidinha, fogãozinho, mamãe e filhinha. E eu até que gostava de bonecas! Pra animar um pouco, eu disse: – Faz de conta que eu sou o cachorro louco da casa. Eu entro na sala e mordo o bebê! – Ah, não! – a Maria Camila reclamou. – Nada de coisa louca! Vamos brincar direito!

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E a lenga-lenga continuou. Aí eu fui pra janela e vi os meninos jogando futebol. Era tão animado! Eles se divertiam a valer! Abri a porta da rua e fui pra perto deles. – Oba! – o Pedro Ivo gritou pra mim. – Está faltando gente no time, você quer entrar? – Quero! – respondi animada. Ser convidada pro time dos meninos era o meu sonho. – Ela não sabe jogar – disse o Gustavo. – Sabe sim – falou a Flaviona. – Ela queimou o time todo outro dia. – Então tá. Pode entrar – concordou o Luís Guilherme, que era o capitão, mas menor do que a Flaviona. O jogo recomeçou. Eu não era tão boa no futebol como na queimada. As minhas pernas se embaralhavam. A bola escapava toda hora dos meus pés. O Pedro Ivo me dizia: – Protege com o corpo! Protege com o corpo! Mas eu não sabia fazer isso... Então o Dudu me tirou a bola e foi correndo, correndo, e fez um gol! Eu fiquei com uma cara... Foi a maior gozação. Deu vontade de chorar, mas eu me lembrei da Maria Camila e fiquei firme.

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