Se apenas um saci faz muitas traquinagens, imagine se todos os que existem se encontrassem? Pois é, isso aconteceu. Além do Saci-Pererê, compareceram à inusitada reunião o Saci-Ave, o Saci-Avisador, o Saci-Cererê, o Saci-Trique e vários outros. Só que, dessa vez, eles têm um assunto sério para resolver: como manter vivo o medo dos humanos de forma que eles não se esqueçam desses seres traquinas? Arteiros como Pedro Malasartes e outros menos conhecidos, como Poronominare, Romãozinho, Tibungue e Vira-Roupas, também aprontam neste livro. Posfácio ANA MIRANDA
títulos da coleção O Curupira e outros seres fantásticos do folclore brasileiro A Loira do Banheiro e outras assombrações do folclore brasileiro O Saci-Pererê e outras figuras traquinas do folclore brasileiro O Uirapuru e outros animais incríveis do folclore brasileiro
o saci-pererê e outras figuras traquinas do folclore brasileiro januária cristina alves
A coleção Personagens do Folclore Brasileiro reúne as figuras mais fascinantes da tradição popular brasileira, fruto de extensa pesquisa da escritora Januária Cristina Alves. Cada livro temático é composto por uma história da personagem que dá título à obra e pelo Guia dos Observadores, com informações sobre as características físicas e psicológicas, origens e referências de vários seres que rondam o nosso imaginário. Em edição com ilustrações inéditas de Berje, a coleção apresenta ao leitor, de uma maneira absolutamente original, um de nossos patrimônios imateriais, o folclore.
e outras figuras traquinas do folclore brasileiro
ISBN 978-85-96-00835-8
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januária cristina alves ilustrações berje
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e outras figuras traquinas do folclore brasileiro
e outras figuras traquinas do folclore brasileiro januária cristina alves ilustrações berje 1ª. ediÇão
são paulo – 2017
Copyright © Januária Cristina Alves ibi, 2017 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 – Tel. (0-xx-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br
Diretora editorial Ceciliany Alves Gerente editorial Isabel Lopes Coelho Editora Débora Lima Editor assistente Estevão Azevedo Revisora Bruna Perrella Brito Supervisora de arte Karina Mayumi Aoki Projeto gráfico e diagramação Flávia Castanheira Editoração eletrônica Paulo Minuzzo Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Alves, Januária Cristina O Saci-Pererê e outras figuras traquinas do folclore brasileiro / Januária Cristina Alves ; ilustrações Berje. – 1. ed. – São Paulo : FTD, 2017. ISBN 978-85-96-00835-8 1. Contos folclóricos I. Berje. II. Título. 16-09290
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:
1. Folclore brasileiro : Literatura infantil 028.5 2. Folclore brasileiro : Literatura infantojuvenil 028.5
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Memórias de um velho Saci-Pererê
guia dos observadores de figuras traquinas 19
Saci-Pererê
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Tibungue
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Romãozinho
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Malasartes
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Vira-Roupas
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Poronominare
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Angoera
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glossário
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posfácio
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sobre a autora
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sobre o ilustrador
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MEMÓRIAS DE UM VELHO SACI-PERERÊ Dizem que saci só quer saber de aprontar. E é verdade. Mas, se todos os sacis se reúnem para conversar, só pode ser por uma razão importante!
Não sei bem por quê, mas, quando a gente fica velho, tem vontade de contar todas as histórias que viveu, as que ouviu e, por que não, as que inventou também. Acho que isso acontece porque a gente tem medo de morrer e levar junto esses casos todos. Seria uma pena se isso acontecesse! As histórias acabariam morrendo também, e as pessoas do mundo deixariam de sorrir, chorar, se emocionar e sonhar por meio delas. Por isso eu resolvi contar aqui, nesse tronco de árvore no meio da mata, uma história que não pode, de jeito nenhum, ser esquecida. Acho que, de todas as histórias que eu conheço sobre mim, essa é a melhor. E não me pergunte o porquê. Quando você terminar de lê-la, vai entender. Eu aprendi a escrever em tronco de árvore com um macaco esperto como ele só. Foi ele quem me contou que os humanos escrevem suas histórias pra elas não morrerem, pois, de tanto passar de cabeça em cabeça, uma hora acabam sendo esquecidas. Quando estão registradas em uma superfície, como um tronco, ficam vivas pra sempre. Os sacis não se preocupam muito com isso, não. De todos os bichos assombrosos que existem aqui no Brasil somos, de longe,
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os mais lembrados. Acho que os mais temidos também. E os mais queridos, penso eu. De um jeito ou de outro, todo mundo já ouviu falar dos sacis, e, lá no fundo, mesmo com medo, o pessoal fica querendo dar de cara com um! Antes de morrer, quero contar essa história. Tenho esperança de que alguém passe por aqui, leia essa aventura talhada na árvore e a espalhe aos quatro cantos. Talvez assim as pessoas voltem a arrumar tempo para se divertir contando e ouvindo histórias e redescubram o quanto isso é bom. É só o que desejo. Nada mais, nada menos. Se eu conheço bem os humanos, vocês já devem estar impacientes aí do outro lado, querendo saber que diabos de história tão especial eu tenho pra contar. E por que raios estou demorando tanto pra começar! Mas eu estou ficando velho, lembram-se? E velhos gostam de explicar tudo, tim-tim por tim-tim, que é pra história poder caminhar sem buracos nem tropeços. Então... lá vai! Tudo aconteceu numa noite de sexta-feira, porque, como vocês sabem, os sacis saem apenas nas noites de sexta-feira. Um velho Saci-Pererê, tão velho quanto eu, resolveu dar um festão e quis reunir todos os tipos de saci que existiam. Passou dias fazendo de cabeça uma lista de todos os que conhecia e contou com o nosso amigo Saci-Ave pra entregar os convites. Voando, ele chegaria rápido até mesmo nos cafundós desse imenso país. O Saci-Ave é um pássaro preto com bico vermelho. De manhã, ele assobia de um jeito bem fino, agudo, e seu assobio chega longe, longe. Ao meio-dia, ele conta uma surpresa no ouvido dos trabalhadores, que morrem de medo, sem saber se o que ouvem é verdade
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ou mentira. E, no final da tarde, ele passeia por roças e pastos da região devolvendo os animais que estavam perdidos. À meia‑noite, a coisa se complica: ele faz arte com as redes de pesca, os fachos e as lanternas, e fica assobiando sem parar até as duas da manhã. O pescador esperto recolhe suas coisas ao cair da noite, que é para o Saci-Ave não pegá-las. Enfim, depois de muito voar, nosso colega Saci-Ave voltou contente. Havia conseguido falar com pelo menos um saci de cada tipo, e todos haviam aceitado vir ao convescote. O velho saci se encheu de orgulho: nunca ninguém havia conseguido realizar um verdadeiro encontro de sacis! Em 31 de outubro de um ano qualquer, o velho saci organizou uma clareira numa mata bem no meio do Brasil para o encontro. Sentou-se muito compenetrado com seu gorro vermelho impecável e aguardou. Um dos Pererê foi o primeiro a chegar. Lá vinha com sua barriga proeminente, seu barrete vermelho, seu pito inseparável, pulando numa perna só. Do tamanho de um macaco, tinha dois olhos saltados muito brilhantes e já entrou pedindo fogo pra acender o pito. O velho saci o interrompeu e logo quis saber: – Antes de qualquer coisa, meu velho amigo, diga lá o que você anda fazendo! Do que se ocupa um Saci-Pererê? – Ora, ora, velho companheiro! Isso você já sabe porque é um dos nossos! Nos ocupamos das coisas que gostamos: eu azedo leite, quebro as pontas das agulhas, escondo as tesourinhas de unha, ponho moscas na sopa e queimo o feijão que está no fogo, além de gorar os ovos das galinhas! Também faço o milho da pipoca virar piruá e queimo os balões no céu em noite de São João!
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Antes que Pererê terminasse sua fala, invadiu a clareira um outro saci, que foi logo se apresentando sem que ninguém pedisse: – Ora, ora, companheiros! Também gosto de todas essas coisas, mas o que eu adoro mesmo é botar medo nas pessoas! Sou o Saci do Poá, solto fogo pelas ventas, tal como minha amiga, a Mula Sem Cabeça, e, quando me veem, as pessoas gritam e correm que nem doidas! É engraçado! Mal o Saci do Poá acabou de se apresentar, chegou o Saci-Teterê, mais alto que os outros dois, brincando com uma brasa de fogo que ele deixava cair do furo de uma mão pro furo da outra, enquanto pulava numa perna só. Estava pelado, tinha uma barbicha no queixo que lembrava a de um bode, os beiços bem vermelhos e a língua de fora. O Teterê disse que seu passatempo predileto era tentar as moças solteiras para que fizessem arte, perdendo a cabeça e as estribeiras! De longe é o saci mais arteiro entre os que existem por aí! Parecido com o Teterê, em seguida se apresentou o Saci-Taterê, que gostava das mesmas artimanhas, mas usava camisa, tinha cara de doente, com pústulas horrorosas no rosto, cor de formiga, e não usava espora, como alguns sacis. Aí foi a vez de o Saci-Sacerê se achegar. Usando calça branca de algodão, logo foi dizendo que adorava as moças também, especialmente para lhes arranjar casamentos. Era o padrinho delas quando a coisa dava certo. Gostava também de encher a paciência dos garimpeiros, escondendo a comida deles. Ah, e arrematou dizendo que entrava na água sem se molhar! Isso era um feito que merecia destaque, pois, como todo mundo sabe, saci não entra na água de jeito nenhum!
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De repente, às gargalhadas, chegou o Saci-Avisador. E aprontou ali o que costumava aprontar em suas andanças. Fez que “não, não” com o dedo e cantou: “Saci, saci, saci: oi, ai, oi, ai, ai”. E todo mundo caiu na risada! O saci mais engraçado que existe! O velho saci presenciava esse desfile dos companheiros com alegria e um certo alívio. Todos estavam ali, contando do seu cotidiano, do que gostavam e das traquinagens que faziam. Tudo o que um saci devia ser e fazer! Foi a vez de o Saci-Cererê chegar. Irmão do Saci-Ave, por serem da mesma espécie, também voava e assobiava por aí antes de realizar suas malandragens. Tinha uma ferida em cada joelho, sabe-se lá por quê! Muitos “triques” se ouviram antes de o Saci-Trique aparecer. Sorridente e matreiro, ele se pôs a contar como era divertido amarrar o rabo de bois, vacas e cavalos! Desfazer o nó era impossível! O Trique contou que gostava muito de brincar sozinho. Sua brincadeira predileta era fazer bonecas de barro no chão, com saia e chapéu de renda, na beira do rio Paraíba ou perto da olaria. Todo mundo que vê a boneca logo percebe que é boneca de saci, pois é muito malfeita! Depois dele, chegou o Saci-Saçurá, um negrinho de olhos muito vermelhos que lembrou que os sacis podem se transformar naquilo que quiserem, e que, por isso, muita gente que diz nunca ter visto saci na verdade viu, sim, só que disfarçado! Aliás, quando um saci se disfarça de tico-tico-rei e aparece pra uma pessoa, é sinal de que ela ficará cega! Se ele se disfarça de bode ou gato preto, também é mau sinal pra quem vê: azar na certa!
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