Degustação - A Loira do Banheiro e outras assombrações do folclore brasileiro

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Posfácio ANA MIRANDA

ISBN 978-85-96-00836-5

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títulos da coleção O Curupira e outros seres fantásticos do folclore brasileiro A Loira do Banheiro e outras assombrações do folclore brasileiro O Saci-Pererê e outras figuras traquinas do folclore brasileiro O Uirapuru e outros animais incríveis do folclore brasileiro

januária cristina alves

Será que a escola é todo dia a mesma coisa? Talvez não. Quem tiver coragem de acionar três vezes a descarga do banheiro e falar as palavras certas poderá ter uma surpresa assustadora: a Loira do Banheiro no espelho convidando a uma viagem sem volta. Nas florestas, nas cidades, na escola e até no nosso quarto, tem assombração para todo lado. Além da Loira do Banheiro, neste livro você também pode se assustar com o amaldiçoado Lobisomem, o misterioso Matintapereira, a horrível Pisadeira e a desembestada Mula Sem Cabeça.

a loira do banheiro e outras assombrações do folclore brasileiro

A coleção Personagens do Folclore Brasileiro reúne as figuras mais fascinantes da tradição popular brasileira, fruto de extensa pesquisa da escritora Januária Cristina Alves. Cada livro temático é composto por uma história da personagem que dá título à obra e pelo Guia dos Observadores, com informações sobre as características físicas e psicológicas, origens e referências de vários seres que rondam o nosso imaginário. Em edição com ilustrações inéditas de Berje, a coleção apresenta ao leitor, de uma maneira absolutamente original, um de nossos patrimônios imateriais, o folclore.

e outras assombrações do folclore brasileiro januária cristina alves ilustrações berje



e outras assombrações do folclore brasileiro

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e outras assombrações do folclore brasileiro januária cristina alves ilustrações berje

1ª. edição

são paulo – 2017

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Copyright © Januária Cristina Alves ibi, 2017 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 – Tel. (0-xx-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br

Diretora editorial Ceciliany Alves Gerente editorial Isabel Lopes Coelho Editora Débora Lima Editor assistente Estevão Azevedo Revisora Bruna Perrella Brito Supervisora de arte Karina Mayumi Aoki Projeto gráfico e diagramação Flávia Castanheira Editoração eletrônica Paulo Minuzzo Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Alves, Januária Cristina A Loira do Banheiro e outras assombrações do folclore brasileiro / Januária Cristina Alves ; ilustrações Berje. – 1. ed. – São Paulo : FTD, 2017. ISBN 978-85-96-00836-5 1. Contos folclóricos I. Berje. II. Título. 16-09291

CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:

1. Folclore brasileiro : Literatura infantil 028.5 2. Folclore brasileiro : Literatura infantojuvenil 028.5


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Viagem pelo espelho da Loira do Banheiro

guia dos observadores de assombrações 19

Loira do Banheiro

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Lobisomem

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Matintapereira

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Mula Sem Cabeça

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Pisadeira

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glossário

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posfácio

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sobre a autora

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sobre o ilustrador



VIAGEM PELO ESPELHO DA LOIRA DO BANHEIRO Chame a Loira, e ela virá. Um, dois, três! Mas se prepare: se ela vier, vai querer sua companhia! E aí você pode desaparecer dentro do espelho do banheiro da escola...

Tem gente que acha a vida chata. Às vezes eu também sou dessas. Se a gente reclama, tem sempre um metido a bonzão que vem dizer: Sua vida é chata porque você não sabe aproveitar. Será? Nem sempre. Pelo menos é o que eu tenho visto nessa minha vida de adolescente. Os dias da gente parecem sempre iguais: acorda, vai pra escola, assiste a um monte de aula que a gente acha besta, conversa no meio da aula, toma bronca da professora, bate papo no intervalo, mas o tempo é sempre pouco, toma lanche, toca o sinal, a gente volta pra casa. E lá a mãe manda fazer as lições, tem inglês, basquete, balé pra quem gosta, e no fim do dia, se der tudo certo, dá pra assistir a um seriado. Ou, então, ficar sentada, trancada no quarto, olhando pro teto, pensando naquele menino, que talvez também ache a vida chata.

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Mas como tudo muda o tempo todo, tem uma hora que a gente leva uma sacudida e acorda, vendo o mundo de um jeito diferente. Comigo foi assim. Naquele dia, as meninas estavam num alvoroço só, o banheiro feminino da escola parecia um salão de festas, entupido de saias xadrezes e blusas brancas! Uma gritaria, mas uma gritaria, que nem a voz agudíssima da inspetora de pátio se fazia ouvir! Tentei entrar ali pra ver o que estava acontecendo, mas não passei da porta, quase fui pisoteada por um grupo de meninas, todas absolutamente iguais: com as mãos na cabeça, completamente descabeladas! – Ah, foi ela! – gritou uma. – Ô se foi! Você tem al-gu-ma dú-vi-da? – silabou outra. – Ai, gente! Claro que foi, né? A Maria Clara ia estar ali, estatelada no chão, mais verde que marciano, se não tivesse dado de cara com “ela”? – completou a amiga, frisando o “ela” com um olho absolutamente arregalado. – Então, pessoal, a gente vai ter de perguntar tudinho pra Mari, eu quero saber essa história do começo ao fim, tim-tim por tim-tim! – emendou uma quarta menina, que era aquela que tudo sabia e tudo via em toda a escola. Atrás delas veio mais um tanto de meninas tagarelando sem parar. Mas agora a voz da inspetora foi ouvida, e ela mandava todo mundo voltar pra sala de aula “já!”, enquanto saía do banheiro amparando uma Maria Clara realmente verde de susto. Nem precisava olhar com atenção pra ver que ela estava passada, com aquele olhar de quem viu defunto. Fiquei muito curiosa pra entender o que tinha ocorrido, mas fui pra classe,

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porque não queria ouvir mais um “já!” daquela mulher de voz estridente. Vocês podem imaginar o que foi aquele intervalo. Meia hora não deu nem pro começo! As meninas se reuniram em uma roda imensa e haja falação! A Clarice, melhor amiga da Maria Clara, tentava contar a história, mas a cada hora era interrompida: – ... genteeee! Peraí! Calma! Eu conto tudo o que a Mari me disse! Calma! – ela berrava, tentando falar. – Conta logo! – gritou alguém. – Ela viu a Loira do Banheiro, gente! A famosa Loira do Banheiro! Em carne e osso! Ops! Quer dizer, em espírito e perfume, segundo ela. – Ué! A Loira é cheirosa?! – Diz a Mari que sim, eu sei lá! – deu de ombros Clarice, emendando o resto da história, porque logo, logo o sinal ia bater de novo. – A Mari estava no banheiro e resolveu chamar a Loira, entendem? Pra testar, pra ver se a lenda era mesmo verdade! – Nossa! Eu nem sabia que essa tal Loira existia, quanto mais que a gente podia chamá-la! – falou uma menina de óculos de aro de metal. – Pois é, minha filha! Diz a lenda que, se você apertar a descarga do banheiro três vezes e a cada apertada falar “Loira um! Loira dois! Loira três!”, ela chega rapidinho! E foi isso que aconteceu! A Mari chamou e ela apareceu! – De que jeito? – quis saber uma. – Ora! No espelho, né? Igualzinho diz a lenda! Ela aparece no espelho do banheiro e te convida pra ir lá pra dentro morar com ela!

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– Creeeedooo! E a Mari foi? – perguntou a fofoqueira do pedaço. – Como assim “e a Mari foi”, menina? Você não viu a Mari aqui, verdinha da silva? Claro que não foi, né? – Ué, mas pra que ela chamou se não queria ir com ela? – emendou a nossa relações-públicas. – Ela só queria saber se a coisa funcionava, sabe? Curiosidade, curiosidade! Só que ela não contava com o medão que deu na hora em que a defunta apareceu ali, na frente dela! – E a Loira é do jeito que conta a lenda mesmo? – quis saber Marilyn, a loira mais famosa da escola. – Pois é, a Mari disse que ela é horrenda! Tem a boca e o nariz entupido com um algodão branco, os olhos cheios de olheiras e a roupa toda branca. A voz dela é suave, mas a Mari disse que não entendeu como ela consegue falar, pois a boca continua cheia de algodão! Credo, que horror!



Antes que Clarice terminasse a frase, o sinal tocou e todas se dispersaram, voltando para suas salas de aula. Eu fiquei com aquela história martelando na minha cabeça. É claro que eu sabia da lenda da Loira do Banheiro, todo mundo já tinha ouvido falar dela. Dizem que é por causa dela que mulher nunca vai sozinha ao banheiro! A Loira não “ataca” mulheres acompanhadas, ela só aparece pra quem está sozinha. Minha mãe me contou que na escola dela várias meninas tinham visto a Loira do Banheiro. E que elas eram meninas muito vaidosas, fúteis, que só pensavam na aparência, em se embonecar para os outros admirarem sua beleza. Segundo minha mãe, a Loira aparece pra esse tipo de menina pra lembrá-las de que a vaidade faz com que a gente perca o foco e pare de olhar ao redor. De tanto olhar pra si própria, a menina superficial acaba caindo numa cilada e pensa que é amada e admirada, quando, na verdade, está sozinha. Foi isso que aconteceu com a Loira do Banheiro: de tanto ficar admirando sua beleza no espelho, se distraiu e escorregou no chão molhado. Caiu, bateu a cabeça no vaso sanitário e morreu na hora. Sozinha. Sem conseguir sequer gritar por socorro. Eu achava essa história triste e meio moralista. Afinal, que pessoa linda não gosta de admirar a própria beleza? E nem por isso deve morrer no banheiro... Tem gente que acha que vida de loira é fácil. Ter cabelo dourado numa sociedade que valoriza o ouro e o dinheiro parece um bom negócio, não é verdade? Nem sempre. Loiro ou moreno, alto ou baixo, gordo ou magro, menino ou menina, o que eu acho é que todo mundo tem defeito e muita, muita insegurança. Por exemplo: A Mari era loira também. Mas

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até onde eu sabia, não era que nem a Marilyn, que só olhava pro próprio umbigo. A Mari era que nem eu: uma loira legal... (Ó que modéstia, a minha!) Mas algo estava me inquietando: a Maria Clara havia visto a Loira do Banheiro e eu gostaria muito de saber o que o fantasma havia dito a ela... O que seria? Eu precisava descobrir! Esperei passar uns dias e as meninas esquecerem um pouco o fato. Segurei a curiosidade e, num dos intervalos, sentei perto da Mari pra perguntar. No começo, ela não quis falar sobre o assunto, começou dizendo que estava traumatizada e que era melhor não lembrar do que tinha acontecido. Até que eu disse uma frase que mexeu com ela: – ... eu queria muito entrar no espelho da Loira e saber o que tem lá! – Tá doida, menina? Não faça isso! – respondeu ela, quase sentando no meu colo com o pulo que deu. – Por quê, Mari? O que você viu lá? – perguntei direto, sem dar muito tempo pra ela pensar. – Eu vi muita coisa, coisas que eu não queria ter visto! – Como o quê? – As vidas que eu posso ter. Os caminhos que posso escolher. O espelho da Loira me mostrou outras vidas, diferentes dessa que eu tenho aqui, sabe? E eu não gostei do que vi... – disse ela, com um olhar distante e misterioso. – E como você fez pra sair do espelho? – Gritei bem alto que eu amava a minha vida e que não tinha nenhuma vontade de seguir com ela, naqueles caminhos feios e escuros que ela estava me mostrando!

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