Cláudio Fragata
Cláudio Fragata
A menina Adorada vive cercada de animais. O cão Milonga, os gatos Fígaro e Fidélio, o coelho Capenga, o jabuti Lenga-Lenga e a pardoca Fuxica moram no quintal de sua casa. uma difícil situação: seus pais resolveram se separar. Como eles enfrentarão as mudanças
ISBN 978-85-322-7276-8
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788532 272768
13300732
que decorrem de uma separação?
ADORADA
Esses amigos estarão ao lado de Adorada durante
ADORADA
Cláudio Fr agata
ilustrações
SIMONE MATIAS 2ª. edição
São Paulo — 2013
Copyright © Cláudio Fragata, 2013 Todos os direitos reservados à QUINTETO EDITORIAL LTDA. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156, 1º. andar, sala 1 São Paulo — SP — CEP 01326-010 Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 CEP da Caixa Postal 01390-970 Editora responsável Cecilia Bassarani Revisora Regina C. Barrozo Cláudio Fragata é jornalista, editor e escritor. Nasceu em Marília (SP), mas mudou-se para a capital de São Paulo aos 17 anos. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fragata, Cláudio Adorada / Cláudio Fragata ; ilustrações de Simone Matias. — 2. ed. — São Paulo : Quinteto Editorial, 2013. ISBN 978-85-65-61637-9 1. Literatura infantojuvenil I. Matias, Simone II. Título.
13-00571
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantojuvenil 028.5
Este livro é dedicado à minha amiga Ciça Vallerio, que me deu um toque valioso quando eu procurava um dos fios da meada da história de Adorada. Também às minhas carochinhas Tatiana Belinky, Edy Lima e Fanny Abramovich. E a todos que amam e respeitam as crianças e os animais.
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ode começar a tocar!
—
O Milonga é meio mandão e gosta de falar umas coisas assim de repente. Quase sempre é uma ordem, só que ninguém obedece. Nem por isso ele perde a mania de mandar. Quer saber quem é Milonga? Pois é um cão pastor que um dia já quis ser um poodle. Claro que não deu certo. Há coisas que a gente consegue mudar e têm outras que não.
Quando Milonga percebeu que não dava para ser poodle, resolveu ser vira-lata, que pelo menos era um jeito diferente de ser cachorro. Imaginava que vida de vira-lata fosse cheia de aventuras, cheia de surpresas, um dia diferente do outro. Fugiu da pet shop e caiu no mundo. Só que vida de vira-lata não é fácil. Vida de vira-lata é difícil pra cachorro! Tem aventura? Tem. Tem surpresas? Tem. Um dia é diferente do outro? É. Mas também é viver cheio de pulgas. É ter fome e não ter comida. É tomar pontapé de gente ruim. É fugir da carrocinha. É, meu irmão. Vida de vira-lata é um osso duro de roer. O Milonga já estava superarrependido de ter fugido da pet shop quando Adorada deu de cara com ele na esquina da Rua da Amargura com a Rua Salvação da Pátria. Adorada é uma menina bem bacana. Usa muito a imaginação. Vai ver que é por ser filha única e passar a maior parte do tempo brincando sozinha. Inventa cada coisa! Que é princesa. Que seu reino se chama Ching. Que os habitantes de seu reino são os ching-chings. Que os ching-chings estão sempre ameaçados por um povo cruel e violento que são os Malignas. Que ah se não fosse ela e seu reino já teria virado pó. E por aí vai. Adorada é muito sensível também. Chora de alegria e de tristeza. Chora quando lê uma poesia linda demais ou quando vê um bicho abandonado na rua. Já assistiu umas mil vezes ao filme Bambi e sempre chora na cena em que a mãe dele morre. Tudo bem. TODO mundo chora nessa cena. Mas ela parece que chora mais do que todo mundo. Chega a engasgar de tanto soluço e lágrima.
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Além de imaginosa e sensível, Adorada é muito observadora. Ela se liga em coisas minúsculas, que exigem atenção. Enfiar linha em agulha, por exemplo. Sempre se oferece para fazer isso quando está na casa da avó, que já não enxerga muito bem. Meia-lua de unha ela acha o máximo. É a primeira coisa que repara na mão das pessoas. Também gosta de contar quantas pintas tem uma joaninha. Aí é que está. Se ela não fosse assim tão detalhista, não teria reparado no Milonga. Quando Adorada deu de cara com ele na rua, o Milonga era pequenino assim. Tinha só três meses. Estava sujo, magro e pulguento. Dava dó. Se há outra coisa que Adorada adora é bicho. Não pensou duas vezes. Levou Milonga pra casa. Ele adorou ter casa, comida e uma dona tão legal. Foi o fim da vida de vira-lata. Fim mesmo. Era cão pastor de novo e a pior coisa pra um cão pastor é não ter um dono pra tomar conta. Agora ele tinha. Não um dono, mas uma dona. Adorada seria a ovelhinha que ele iria pastorear. Já Adorada adorou catar as pulgas do Milonga porque elas eram miudinhas e pareciam pontinhos pretos como os pontos finais das frases. Só que ponto final não dá pra pegar e pulga dá. No primeiro dia, catou vinte e sete. No dia seguinte, catou mais onze. No dia seguinte do dia seguinte, catou três. E no dia seguinte do dia seguinte do dia seguinte não catou pulga nenhuma. Acabaram todas. Não sobrou uma pra contar vantagem. Agora que você já sabe que Milonga é o cachorro de estimação da Adorada, vamos voltar pro começo da história. Então, o Milonga disse:
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— Pode começar a tocar! — Tocar o quê? — Piano, ué. — Mas eu não sei tocar piano. Eu não sei tocar nada. Nem cam-
painha. Quem disse isso foi o Fidélio, um gato que canta ópera nos telhados. Tem um miado grosso de gato barítono. — Claro que sabe. Faz assim, ó. Fecha os olhos. Fechou? — Fechei. — Agora imagina. Você está no teatro. O teatro está cheio de
gente. Você está no palco sentado ao piano. Daí você começa a tocar. Começou? — Comecei. — Viu? Não falei? — Nossa... Eu toco bem pra caramba! — Continua tocando piano que eu vou tocar trombone.
Milonga fechou os olhos. Só que, quando assoprou a primeira nota, percebeu que o trombone estava desafinado. “Nossa, como será que se afina um trombone?”, pensou. Como não sabia, achou melhor imaginar que o trombone estava afinado. Começou a tocar que era uma beleza, com o maior entusiasmo. O trombone do Milonga:
P O P Ô , P O P O P OP
O piano do Fidélio:
Ô, POPORO
PLIM, PLIM, PLOM
, PLO
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Ô POP
M, PLIM
...
. M I L P ,
..
Foi nessa hora que chegou Fígaro, com a maior cara de sono. Fígaro é o outro gato da casa. Até que demorou. Ele não larga do pé do Fidélio. Onde um está, o outro está. Parecem irmãos siameses, mas não são nem parentes. Fígaro também é cantor de ópera e mia feito tenor. Logo a cara de sono virou uma careta e ele começou a gritar: — Gente, que barulheira é essa? Quem consegue dormir desse
jeito? — Você está ouvindo a gente tocar? — Claro. — Mas como você está ouvindo a gente tocar se a gente só está
imaginando que está tocando? Fígaro começou a lamber a pata enquanto respondia: — É que enquanto eu dormia sonhei que estava num teatro cheio
de gente. Daí a cortina do palco abriu. Aí vi vocês tocando. Um no trombone e o outro no piano. — A gente tocou bem? — Milonga adorava um elogio. — Nossa, bem demais — Fígaro começou a lamber a outra pata. — No final, vocês ficaram um tempão agradecendo. A plateia batia
palmas de pé e gritava “Bravo! Bravo!”. Vocês vinham, se curvavam, saíam, voltavam, se curvavam, saíam, voltavam... Acho que isso durou bem uns vinte minutos. — É, a gente tem muito talento. — Demais. Mas agora chega de barulho.
Quero aproveitar esse sol pra dormir mais um pouco. — Ah, então tá.
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2 ilonga não é o único bicho de estimação de Adorada. Fidélio e Fígaro também são. Tem ainda o coelho Capenga. É um nome estranho pra um coelho, mas não pro Capenga. Ele chegou bem estropiado do laboratório em que era usado pra testarem novos xampus. Testavam nele pra ver se dava alguma reação esquisita. Se não desse, o xampu podia ser usado por humanos. Se desse, continuavam fazendo novos testes no pobre coitado. Então ele vivia cheio de coceiras e queimaduras e aqui e ali faltava um tufo de pelo. Uma coisa horrível. Sorte que a mãe de Adorada é bióloga e pediu o coelho pra ela. Adorada cuidou do Capenga e logo ele estava todo serelepe pulando pelo quintal.
Adorada tem mais um bicho de estimação. É o jabuti Lenga-Lenga, mas ele demora a aparecer na história porque é muito tímido. Fora que ele é demorado mesmo, leva um século para atravessar o quintal, imagine então o tempo que ele leva pra entrar numa história. Todos eles adoravam Adorada. Aliás, todo mundo adorava Adorada, só que ela ganhou esse nome bem antes de ser adorada por todo mundo. Estava ainda na barriga da mãe quando os pais escolheram esse nome. É um nome tão legal, mas até hoje as pessoas estranham. Fazem um monte de perguntas sempre nessa sequência: — É nome ou apelido? — Você gosta do seu nome? — Todo mundo adora você mesmo?
Ah, meu Deus! Haja paciência. Adorada não tem tanta paciência assim. Tem só mais ou menos. Bem que preferia não ser obrigada a dar explicação nenhuma. Mas acaba respondendo às perguntas e não é só por educação. Ela acha que, dando as respostas que as pessoas querem, um dia vão parar de perguntar. Felizmente, neste ponto da história, não tem ninguém perguntando nada pra Adorada. Ao contrário, ela é que acaba de chegar ao quintal e está perguntando pro Milonga: — Vamos passear?
Na mesma hora, Milonga saltou por cima do Fígaro, saltou por cima do Fidélio e disparou na direção de Adorada. Começou a pular em volta dela até conseguir dar umas belas lambidas no seu nariz. Adorada quase caiu pra trás com tanto pulo e lambida.
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— Calma, Milonga! Deixa eu pôr a coleira.
Enquanto eles se preparavam para sair, Fidélio deu um pulo e subiu no muro. Ali batia um sol gostoso a tarde inteira. Era ótimo pra tirar uma boa soneca. Fígaro, como sempre, foi atrás dele. Ficaram os dois enroscados, quase nem dava pra saber onde começava um e onde terminava o outro. Mandão como sempre, Milonga ainda disse antes de sair: — Olhem aqui, vocês dois... Vigiem a casa enquanto eu estiver
fora... — Deixa comigo! — respondeu Fidélio, já com um olho aberto e
outro fechado. — Pode ficar tranquilo — respondeu Fígaro dando um baita bocejo.