André Kondo
O pequeno
Yuji, com a ajuda de seu avô, descobre que é um samurai, pois é corajoso, justo, leal, sincero, assim como eram esses guerreiros japoneses. O pequeno samurai
Ao deixar sua terra rumo ao Brasil, o menino enfrenta muitos desafios, conhece um mundo repleto de novidades e faz descobertas incríveis!
ISBN 978-85-322-9056-4
7 8 8 5 3 2
2 9 0 5 6 4
13300753
Acompanhe Yuji nessa viagem!
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André Kondo
samurai
Ilustrações
Alexandre Rampazo
André Kondo
O pequeno
samurai Ilustrações
Alexandre Rampazo
Prêmio João-de-Barro 2009 Menção Honrosa Categoria infantil
1a edição
São Paulo – 2014
Copyright © André Kondo, 2014 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br
Diretora editorial Silmara Sapiense Vespasiano • Gerente editorial Ceciliany Alves • Editora Cecilia Bassarani • Editora assistente Amanda Valentin • Assistentes de produção Ana Paula Iazzetto, Lilia Pires • Assistentes editoriais Tássia Regiane Silvestre de Oliveira, Thalita R. Moiseieff • Preparadora Débora Andrade • Revisora Regina C. Barrozo • Coordenador de arte Eduardo Rodrigues • Editora de arte Andréia Crema • Projeto gráfico e diagramação Sheila Moraes Ribeiro • Ilustrações Alexandre Rampazo • Diretor de produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno André Kondo nasceu em Santo André, mas morou grande parte de sua vida em Taubaté. Filho de imigrantes japoneses, Kondo já viveu no Japão e na Austrália e viajou por mais de 50 países. Pós-graduado pela Universidade de Sidney, recebeu mais de cem premiações literárias por suas obras, dentre elas, por este texto, Menção Honrosa na categoria infantil do Prêmio João-de-Barro/2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Kondo, André O pequeno samurai / André Kondo ; ilustrações Alexandre Rampazo. — 1. ed. — São Paulo : FTD, 2014. ISBN 978-85-322-9056-4 1. Ficção — Literatura infantojuvenil I. Rampazo, Alexandre. II. Título.
13-12456
CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura infantil 028.5 2. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5
Aos meus avós, em especial à minha querida batchan de alma samurai: Chiyoko Matsushita.
Q
1 uando eu tinha 7 anos, descobri que era um guerreiro
samurai. Aconteceu de forma bem estranha. Naquela época, eu ainda morava no Japão, mas isso não é importante, porque não é preciso ser japonês para ser samurai. Aprendi isso depois! A verdade é que mesmo sonhando em ser samurai, eu nem imaginava que já poderia ser um, porque era bem fraquinho. Pensava que para ser samurai tinha que ser forte. Mas isso o vovô me explicou que não era preciso. Ele disse alguma coisa sobre a força de dentro que era mais importante do que a força de fora. Eu não tinha entendido direito. Bem, mas eu vou contar como descobri que era um samurai.
Eu tinha convidado alguns garotos para brincar de samurai no jardim de casa. Um deles sugeriu que arrancássemos as mudas de cerejeira para usar como espadas (não sei se você sabe, mas todo samurai precisa de uma espada). Realmente, as mudas dariam boas espadas, mas papai gostava muito de suas cerejeiras, que ele mesmo havia plantado com muito carinho. Resolvi desistir da brincadeira, mas os outros garotos não. O mais forte do grupo quebrou facilmente uma das mudas. Senti um aperto no coração e tentei evitar que arrancassem as outras, mas não consegui. Ao todo, foram seis mudas de cerejeira arrancadas. Todo 6
mundo, menos eu, já estava com uma espada na mão. O garoto mais forte me desafiou, dizendo que, se eu não arrancasse a minha espada, iria apanhar dele. Mesmo assim, não consegui machucar aquela planta inocente. Disse que não queria matar a última cerejeira do papai. Levei o primeiro golpe nas costas. Gritei de dor. Os outros começaram a rir. – Pega logo sua espada, burro! – o grandalhão mandou. Eu não peguei. Recebi outro golpe, dessa vez no ombro. Pedi a ele que parasse de me bater, mas ele continuou, até que comecei a chorar. Senti vergonha de chorar. Senti vergonha
da minha fraqueza. Os garotos começaram a me chamar de covarde, e eu fiquei calado. Não reagi. O valentão que me deu a surra arrancou a última muda de cerejeira e ainda me disse assim: – Viu?! De nada adiantou a sua teimosia. Da próxima vez, não dê desculpas para fugir de uma briga. Covarde! Os garotos foram embora, rindo da minha covardia. E eu fiquei chorando. No começo, não sabia se estava chorando por causa da surra, por dó das arvorezinhas arrancadas ou pela bronca que o papai me daria quando visse o seu jardim destruído. Depois percebi que não era pela surra, porque o garoto não tinha me batido tão forte assim. Eu não estava machucado, só envergonhado. Fiquei com dó das plantas, mas acho que chorei mesmo porque depois de me dar uma bronca, papai ficaria triste por ter perdido as suas árvores. Papai dizia sorrindo que, depois que as suas cerejeiras crescessem, a família ia fazer um piquenique debaixo delas, quando todas estivessem floridas. E, com o vento, as flores rosadas cairiam devagarzinho sobre nós. Ele sorria muito quando falava isso. Agora não ia ter mais piquenique, nem flores rosadas caindo com o vento, nem o sorriso de papai.
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Tentei salvar as cerejeiras, mas não tinha mais jeito, estavam mortas. Vovô chegou quando eu tentava replantá-las. Eu ainda chorava. Não tive medo do meu avô, porque ele nunca ficou bravo comigo. Contei a ele como fui covarde, porque não tive coragem de arrancar a minha “espada” para lutar. Foi então que papai chegou e viu as cerejeiras mortas no chão. – Desculpe, papai. Não consegui proteger as suas árvores – contei a ele que a culpa era minha, porque a ideia de brincar de samurai no seu jardim tinha sido minha, contei até sobre a minha covardia... 8
Papai estava estranho. Eu estava com tanto medo da bronca que não tinha percebido que ele estava com uma cara bem triste. E isso foi antes de ele ver as cerejeiras mortas. Papai não disse nada, até parece que ele nem tinha escutado; passou a mão na minha cabeça e depois entrou em casa. – Yuji-chan (meu nome é Yuji e o chan, em japonês, é um diminutivo carinhoso, algo como “inho”), você é um samurai – disse vovô, olhando direto nos meus olhos. Até aquele momento, eu era apenas uma criança. Agora vovô dizia que eu era um samurai! Fiquei assustado, porque
vovô não era mentiroso, mas aquilo parecia uma mentira. Como eu poderia ser um samurai, se tinha fugido de uma luta? Pior, se tinha acabado de apanhar e... chorar? Meu avô repetiu, talvez porque tenha percebido que eu não tinha acreditado: – Yuji-chan, você é mesmo um verdadeiro samurai... Vovô me fez sentar em uma pedra do jardim. Ele pegou um pedaço de uma das cerejeiras mortas e começou a escrever no chão de terra, enquanto falava: gi, yuu, jin, rei,
makoto, chuugi e meiyo . Eu ainda me lembro de todas as palavras, porque vovô as escreveu para que eu não me esquecesse delas. – Yuji-chan, você segue as sete virtudes do Bushido, o caminho do guerreiro: gi (justiça), yuu (coragem), jin (compaixão), rei (educação), makoto (sinceridade), chuugi (lealdade) e meiyo (honra). Apontando com a varinha de cerejeira para a palavra gi rabiscada no chão, vovô explicou: – Quando você decidiu não matar a cerejeira, você agiu com razão e com justiça. Vovô continuou, passando a circular a palavra yuu.
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– Quando você, mesmo apanhando, manteve a sua posição e se recusou a matar a cerejeira, você foi forte. Agiu com coragem. Apontando para a palavra jin, vovô seguiu explicando: – Quando você teve dó da cerejeira e tentou protegê-la, foi bom, agiu com compaixão. Circulando a palavra rei, disse: – Quando você, mesmo sendo agredido, não xingou o adversário, manteve a polidez. Agiu com educação. Apontando a palavra makoto, afirmou: – Quando você, mesmo sabendo que seu pai poderia ficar 10
bravo, não fugiu da sua responsabilidade com uma mentira, você foi verdadeiro. Você agiu com sinceridade. E, circulando a palavra chuugi, continuou... – Quando você tentou consertar o estrago, replantando as cerejeiras, você agiu com senso de dever a seu pai. Você agiu com lealdade. Vovô fez uma pausa, parecia orgulhoso de mim. Bem devagar, vovô circulou a palavra meiyo. – Com tudo isso, você agiu gloriosamente. Você agiu com honra!
Vovô cortou o ar com a vara de cerejeira e depois a entregou para mim. Disse que aquela seria a minha espada, o meu espírito. Explicou que papai havia plantado aquelas cerejeiras para comemorar o meu nascimento. Agora estavam mortas, mas o que havia morrido era apenas a minha inocência, eu não era mais apenas uma criança. Era um samurai. Senti medo da responsabilidade e disse: – Mas, vovô, eu ainda sou muito pequeno para ser samurai. – Mesmo assim, Yuji-chan, você é um samurai. E se você ainda é pequeno, então você é um pequeno samurai! – vovô sorriu. 11
N
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o dia em que eu descobri que era um samurai, descobri
também que o mundo era muito maior do que eu imaginava. Antes desse dia, só conhecia a minha casa, o jardim, a rua onde eu brincava e a escola em que eu estudava. Nem sonhava que além de tudo isso ainda existia um lugar tão grande cha-
mado Brasil. E foi assim que, no mesmo dia em que eu cresci e me tornei um samurai, o meu mundo também cresceu. Vovô havia acabado de me dar a espada, quando papai me chamou. Mamãe estava ao lado dele, mas não falou nada.