Degustação - Janelas de dentro

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ISBN 978-85-322-6965-2

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TÂNIA ALEXANDRE MARTINELLI

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Marcel é um adolescente que está empenhado em escrever um conto policial para seu trabalho de escola. Algumas ideias para o conto não saem de sua cabeça e acabam se confundindo com dolorosas lembranças. O garoto vai descobrir que a realidade nem sempre é um conto de fadas. Às vezes, ela pode até vir a ser um terrível conto policial…

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TÂNIA ALEXANDRE MARTINELLI

1a edição São Paulo – 2009


Copyright © Tânia Alexandre Martinelli, 2009. Todos os direitos reservados à

EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 - Bela Vista - São Paulo - SP CEP 01326-010 - Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 - CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: http://www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br

Gerente editorial Silmara Sapiense Vespasiano • Editora Ceciliany Alves • Editora assistente Eliana Bighetti Pinheiro • Assistente de produção Lilia Pires • Assistente editorial Vânia Aparecida dos Santos • Preparadores e revisores de texto Adolfo José Facchini, Débora Andrade, Elvira Rocha, Maria Clara Barcellos Fontanella • Coordenador de produção editorial Caio Leandro Rios • Editora de arte e projeto gráfico Andréia Crema • Ilustração de capa Bruno Mota • Diagramação Heloisa D'Áuria • Gerente de pré-impressão Reginaldo Soares Damasceno

Tânia Alexandre Martinelli nasceu em Americana, São Paulo, em 19 de julho de 1964. É formada em Letras – Português/Espanhol, foi professora de Português durante muitos anos e hoje se dedica integralmente à literatura infantojuvenil.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Martinelli, Tânia Alexandre Janelas de dentro / Tânia Alexandre Martinelli. – 1. ed. – São Paulo : FTD, 2009. ISBN 978-85-322-6965-2 1. Ficção – Literatura juvenil I. Título.

09-01561

CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura infantojuvenil 028.5 2. Ficção: Literatura juvenil 028.5


Para meus pais, pelo apoio e carinho de sempre.


,)A5 Canção do adeus Conto policial O crime Andava de mãos dadas… Romualdo Conversa ao pé do ouvido Possível testemunha Sara Delegado Milton Andava de mãos dadas com o namorado O marasmo do sábado à noite Em busca de informação Morto e enterrado Nem tudo é ficção Atordoado Na mais pura normalidade Final de expediente Alexandre Ideia fixa No meio desse emaranhado todo

8 14 17 21 27 30 34 38 43 46 50 54 58 62 65 71 74 79 81 85


A5O4 Apenas duas estações 90 Estão me fazendo de bobo 9 5 Tô te achando muito estranho 1 0 0 Flagrante 1 0 2 Tédio 1 0 5 Uma leitura, muitas possibilidades 1 0 8 Assassinato 1 1 4 Urgente e importante 1 1 8 Hora da verdade 1 2 0 Esclarecimentos 1 2 4 Tudo ao mesmo tempo 1 2 6 Precisamos conversar 1 3 1 Visitante inesperado 1 3 4 Um peso tamanho 1 4 1 Heróis 1 4 6 Para a frente 1 4 8 A hora é essa 1 5 3 Reencontro 1 5 9 Nove graus 1 6 5


O vento de final de março já mostrava a cara do outono. A segunda-feira amanhecera diferente, provavelmente consequência da incessante chuva do domingo. O sol ainda nem havia aparecido. Era incrível como de uma hora para outra, melhor dizendo, de uma semana para outra, o tempo abafado, de sol esturricando os miolos, testa pingando suor, calor, muito calor, transformara-se num clima mais ameno, de folhas balançando, caindo sem parar e assim dobrando o trabalho de Agripino. Não tinha importância. A natureza é perfeita, pensava ele. Tudo em que Deus põe a mão é perfeito. Agripino foi até o banheiro trocar de roupa. Vestiu seu uniforme cáqui, cumprimentou os funcionários que chegavam, pegou seus utensílios de trabalho e foi saindo. – Que chuva ontem, hein, Agripino? Deu meia-volta para responder ao colega: – Nem fale. Fez um bom estrago lá pelos lados da minha casa. – Estrago fez aqui. Dá só uma olhada para o que aguarda a gente! Não precisou olhar. Já tinha visto assim que entrou. – É… Tem coisa que não acaba mais. Não fosse o bastante, além das folhas coladas no solo molhado dificultando o serviço, diversas poças de água misturadas à terra descida dos recintos dos bichos ou de pequenos barrancos onde nem grama nascia mais cobriam parte do caminho. O mesmo acontecia com alguns galhos que não conseguiram se sustentar nas árvores por causa do temporal. A sorte é que

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o zoológico não abria às segundas-feiras e o pessoal da limpeza ia poder trabalhar sossegado, sem ter que ficar a toda hora parando quando passasse um e outro visitante. Agripino deu uma olhada ao redor. O trabalho ia ser longo. Ajeitou na carriola a pá, a vassoura, o rádio e seguiu adiante. O pequeno rádio de pilha dava a previsão do tempo, informando que possivelmente as chuvas voltariam no final da tarde. Relatava ainda os trechos alagados devido à forte chuva caída na madrugada e as rotas de desvios indicadas pela polícia. Diversas ruas e avenidas estão um caos. Nossos repórteres informam que há vários trechos congestionados e que o trânsito está lento. Agripino dividia a atenção entre o trabalho e o locutor. E para alegrar a nossa manhã de segunda-feira, muita música, meus ouvintes. Uma hora sem interrupção. Você pediu, nós atendemos. É a Rádio Cristal AM ligada em você! Agripino sorriu para si mesmo. Agora, sim. E iniciando nosso programa Templo da Saudade, o rei e sua música magistral. Deixo vocês com o grande sucesso “O portão”. Estarei de volta em uma hora. Tchau, tchau e até daqui a pouco!…

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“Eu cheguei em frente ao portão. Meu cachorro me sorriu latindo. Minhas malas coloquei no chão. Eu voltei… ” Agripino trabalhava grudado em seu radinho de pilha. Colocava o aparelho na mureta e ia varrendo, trocando a vassoura pela pá quando precisava remover o lamaçal que encobria o asfalto. Na maioria das vezes cantarolava, acompanhando cada canção. Sabia as letras de amor, de dor de cotovelo, de tristeza, de corações solitários, partidos… De vez em quando, um suspiro fundo, de pura saudade. Saudade de sua terra, Araripina, no sertão de Pernambuco, deixada havia mais de vinte anos. Um dia voltaria, sabia disso. Mas não já, quem sabe na aposentadoria. Agora tinha emprego bom, gostava dele. Além do que ficava perto da natureza, dos bichos, escapava um pouco daquele corre-corre infernal de cidade grande, fumaça, poluição… A vida ali passava mais devagar. E o melhor: podia ouvir sua música sossegado, nem o chefe nem os colegas implicavam. Muito pelo contrário. – Música anima a gente, Agripino. – E eu não falo? – O tempo passa, a gente distrai… O dia voou com toda a montanha de serviço para fazer. Depois de certa hora, Agripino nem mais prestou muita atenção nas letras das músicas. Por vezes, parecia que o rádio estava ali só matraqueando para ninguém.

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O locutor estava certo. Eram quatro e meia da tarde e escurecia rapidamente. Nem sinal do sol fraco que permanecera durante todo o dia. Lá vinha mais chuva. E o trânsito, podia-se esperar, outra vez caótico. Certamente todos os ônibus acabariam se atrasando, presos em congestionamentos. Agripino previu pelo menos uma hora além do normal para chegar em casa. Quando o ônibus finalmente apareceu no ponto, o céu já estava completamente escuro. A forte chuva de minutos antes cessara, agora só um chuvisqueiro leve. Agripino subiu e escolheu um lugar. Em pé, obviamente. Sustentou seu radinho de pilha debaixo de um braço e buscou apoio no banco ao lado. No meio do percurso, o passageiro desse banco desceu e Agripino ocupou o lugar. Pôs o radinho no colo e ligou, deixando o volume bem baixinho. Hora do noticiário. Desligou. Não estava com paciência para falatório. Ligaria mais tarde quando voltasse a música. Agripino estava cansado, exausto para ser mais preciso. O sacolejar do ônibus dava-lhe sono e moleza. Não via a hora de chegar em casa, tomar um bom banho, jantar uma comida bem quentinha e cair na cama. Se tivesse uma chuvinha mansa para embalá-lo além da música do rádio tanto melhor. Quase oito horas. O ônibus parou. Só Agripino desceu nesse ponto, a alguns quarteirões de casa. Tudo estava molhado, calçada, asfalto, este último refletindo a fraca iluminação dos postes de luz e a sombra de Agripino. Era um trecho com poucas casas, um extenso terreno baldio e uma fábrica tão antiga quanto o próprio bairro.

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Apressada, uma senhora de sombrinha aberta, olhos voltados ao chão, passou por Agripino. Um garoto subiu de bicicleta na direção contrária. Devia ter tomado toda aquela chuva, pois estava ensopado. Depois disso, Agripino não cruzou com mais ninguém. A rua encontrava-se outra vez deserta. Tornou a ligar o rádio, o noticiário já devia ter acabado. Seu pensamento estava correto. “A vida de viajante”. Obra-prima cantada pelo mestre Luiz Gonzaga. Isso sim é que era coisa boa! Ficou feliz na hora. Luiz Gonzaga, seu conterrâneo. Música das melhores! Agripino cessou os passos a fim de acertar melhor a estação. Os respingos da chuva não o incomodavam nem um pouco. Ele mexia no botão milimetricamente, as pontas dos dedos trabalhando com a máxima sutileza. Estava concentrado no que fazia. Queria que o Gonzagão cantasse o mais perfeitamente possível. Tanta concentração acabou roubando-lhe o reflexo. Não sabia de onde nem como tinham surgido. Só sabia que eram muitos, não dava para contar. O radinho de pilha desapareceu-lhe das mãos sem que nem soubesse por onde. Agripino tombou no asfalto. Uma gritaria. Não entendia nada. O que estavam dizendo? O que é isso?, Agripino ainda conseguiu dizer, eu não fiz nada, pelo amor de Deus! Inútil. Sentiu um soco. Vários. Chutes que pareciam entrar em seu corpo, invadindo-o como se houvesse um buraco. Era assim que sentia. Tinham aberto um buraco nele.

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De repente, não sentiu mais nada, tampouco ouviu. Num tempo absolutamente impreciso, a gritaria chegou ao final e o bando desapareceu. Alguns vizinhos logo viriam saber o que é que tinha acontecido. Logo, não ainda. Por perto, a pouquíssimos metros, somente o Luiz Gonzaga. "Minha vida é andar Por esse país...”

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