Tatiana Belinky
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Tatiana Belinky
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Ilustrações
Edu • Jótah • Laurabeatriz • Laurent Cardon • Lúcia
1ª. edição
Brandão • Lúcia Hiratsuka • Salmo Dansa • Suppa
São Paulo – 2015
Copyright © Tatiana Belinky, 2015 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 – Bela Vista – São Paulo – SP CEP 01326-010 – Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br Diretora editorial Ceciliany Alves Gerente editorial Valéria de Freitas Pereira Editora Cecilia Bassarani Editor assistente J. Augusto Nascimento Preparadora Bruna Perrella Brito Revisora Marta Lúcia Tasso Editora de arte Andréia Crema Projeto gráfico e diagramação Sheila Moraes Ribeiro Ilustração de capa e das aberturas Suppa Digitalização e tratamento de imagens Ana Isabela Pithan Maraschin Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Belinky, Tatiana, 1919-2013 Contos de muitos povos / Tatiana Belinky. – 1. ed. – São Paulo : FTD, 2015. Vários ilustradores. ISBN 978-85-20-00091-5 1. Contos – Literatura infantojuvenil I. Título.
15-00519
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático:
1. Contos : Literatura infantil 028.5 2. Contos : Literatura infantojuvenil 028.5
Tatiana Belinky nasceu em São Petersburgo, Rússia, em 1919. Migrou para São Paulo com a família aos 10 anos, onde se tornou uma das escritoras mais importantes da literatura infantojuvenil. Iniciou a carreira fazendo tradução de consagrados autores russos e foi responsável pela adaptação para a televisão da primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Faleceu em São Paulo, em 2013, aos 94 anos. Nota do editor: os contos aqui reunidos, em homenagem à escritora Tatiana Belinky, foram originalmente publicados, em volumes separados, a partir de 2001, na coleção Contos populares.
Acolhimento 8 Heloisa Prieto
Apresentação 11
Kanniferstan
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História de dois irmãos
21
Contanabos, o senhor das montanhas
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O cocheiro erudito
35
O rei que só queria comer peixe
41
O simplório e o malandro
47
O diabo e o granjeiro
53
O gato professor
59
Vrishadarbha e a pomba
65
As três respostas
71
O samurai e a cerejeira
77
Acolhimento O que mais marcou minhas lembranças? O belo cão da raça collie no jardim? Os gatos saindo mansos da sala de estar? As bibliotecas? O quintal do fundo? As marionetes penduradas sobre a máquina de escrever antiga? Os sapatinhos dos netos e bisnetos pendurados numa estante repleta de lançamentos? Sempre que eu visitava Tatiana Belinky era acolhida pela voz melodiosa, um timbre cristalino que sempre parecia ocultar uma gargalhada. Além do café, dos bombons, dos novos 8
livros e ideias, o enorme prazer de ouvi-la e vê-la escrever. Ambidestra, poliglota, com uma caligrafia forte e elegante, Tatiana tomava o café, contava causos e escrevia em cadernos de anotações que mantinha numa mesinha ao lado da poltrona tudo ao mesmo tempo. Eu adorava ouvi-la falar das lendas e mitos que pretendia recontar, outro prazer ainda era reencontrar aquela mesma voz poética, encantadora, impressa no livro que viria logo depois. Lembro-me de ouvi-la enumerar todas as narrativas belíssimas que ainda precisavam ser lançadas no Brasil, as várias versões das histórias celtas, anglo-saxãs, judaicas, orientais, os grandes poetas e escritores de vanguarda cujo humor e sutileza os jovens certamente iriam apreciar.
Tatiana às vezes suspirava dizendo que a vida era curta demais para recontar todas as histórias que ela gostaria. Incansável, ousada, jamais subestimava a inteligência dos leitores. “Uma obra forte”, ela afirmava, “é um texto que nos acompanha a vida inteira”. Acontece que o texto literário apresenta-se como uma leitura sem fim, transformando-se à medida que os olhos vão se tornando capazes de capturar novos significados para a mesma história. A capacidade de síntese, o tom coloquial que a obra de Tatiana nos apresenta, é um grande truque de mestra apenas para nos convidar a desvendar a vida, acolhida com todos seus paradoxos em cada conto escolhido. Irreverente e sábia como a Emília de Lobato, um de seus personagens literários preferidos, Tatiana conseguiu, nos contos que seguem, pela seleção e reescritura, abordar temas como a exclusão, diferença social, corrupção, imprimindo um piscar de olhos de quem sabe que a vida é movimento, problema, solução e descoberta infinita. Não por acaso, o conto de abertura se inicia com a informação de que se trata de uma história da tradição alemã, narrada na Rússia, transportada para o Brasil. Contos para ler, reler, guardar na memória e recontar. Brinque de narrar. Faça sua homenagem à querida Tatiana Belinky, nossa bruxa-madrinha, a guardiã das melhores histórias do mundo. Heloisa Prieto
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Muito já se falou e escreveu sobre a importância do conto popular – o folclore, as histórias mágicas, alegres e
tristes, poéticas, violentas, que aparecem e se repetem na velhíssima, antiquíssima literatura oral de todos os países e continentes, de todas as épocas e culturas. Histórias que traduzem, com eloquência e poesia, os sonhos, os anseios, os lamentos, as esperanças, a eterna sede de justiça, castigo, recompensa e vingança, presentes em tantos povos, por mais distantes e diferentes que sejam. É interessante notar que as tramas e os ambientes podem ser bem diversos, mas certas situações, certas personagens e certos temas são muitas vezes recorrentes e semelhantes em todos, ou quase todos, os quadrantes e recantos da Terra. O conto popular, a história folclórica, é a voz do povo, transmitida de boca em boca, de geração em geração. E essa voz, depois da invenção da imprensa, ficou ao alcance de milhões e milhões de leitores no mundo inteiro... Tatiana Belinky
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Kanniferstan Conto alemão
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Ou i esta
história faz muito tempo, quan-
do eu era pequena, ainda antes de chegar ao Brasil, vinda da Rússia, aos 10 anos de idade. Quem a contou – ou leu – para mim foi o meu pai, que era um grande contador de histórias. E aí vai esta velha história, recontada conforme eu me lembro dela... Os alemães sempre foram grandes andarilhos e, desde tempos remotos, faziam longas viagens a pé ou pegando carona em carroças, de vez em quando, conforme a sorte de cada um, só para “conhecer o mundo” – mesmo sendo muito pobres. Saíam de mochila nas costas e cajado na mão e, para adquirir experiência de vida, aventuravam-se, nem eles mesmos sabiam para onde e até onde.
E foi assim que um belo dia Hans, um pobre obreiro alemão, foi parar em Amsterdã, importante cidade portuária da Holanda, muito distante da aldeia do nosso andarilho. Amsterdã deixou o pobre Hans embasbacado. A cidade era grande, opulenta e ruidosa, casas e mais casas, uma infinidade de embarcações de todos os tipos e uma multidão de gente atarefada por toda a parte. Boquiaberto, o nosso deslumbrado alemão reparou de repente numa casa de tamanho que ele não imaginara nem em sonho. Só de chaminés aquele telhado tinha mais de dez, três andares, janelas faiscantes e um porão enorme – um espanto só! Então, com um tímido cumprimento, Hans dirigiu-se ao primeiro transeunte e lhe perguntou: – De quem é esta casa, com tantas janelas cheias de tulipas, narcisos e rosas? Mas, ao que parece, aquele transeunte estava muito apressado, ou sabia tanto alemão quanto Hans holandês, ou seja, nada. O fato é que ele respondeu apenas com uma única palavra: – Kanniferstan. O simplório alemão concluiu que aquele era o nome do proprietário do importante casarão e pensou com os
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