Moacyr Scliar
PNBE 2011 Ensino Médio édio
P
Quem quiser ler a história de um menino obediente, ingênuo, bem comportado, estudioso e coerente, não comece a ler este livro. O Júlio, protagonista deste romance, é um adolescente que desobedece, não é nada ingênuo, comporta-se mal, não gosta de estudar e comete algumas incoerências. Isso porque o Júlio não está preso à lógica de um autor; e, rebelde, vai sair correndo destas páginas, com vida: o Júlio existe. Se você não tem medo de encarar um ser real, abra o livro que irá encontrá-lo. O Júlio é um garoto que está com um pé solto no escuro desconhecido. Sua sensualidade é sadia e sem malícia, nascida como efeito do amor. Júlio pode ter vários defeitos, mas seu coração
9
788532 245984
RO
IBID
CoPo
VAZio
CoPo VAZio
Menalton Braff
é do tamanho do mundo.
ISBN 978-85-322-4598-4
NDA
A
Menalton Braff
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
VE
13405901
O personagem principal é Júlio, filho de pais separados — o pai mora na capital, quer que o garoto vá morar com ele, mas Júlio recusa: considera seu dever tomar conta da mãe, que é alcoólatra. Entra em cena Eduardo, dois anos mais velho que Júlio, rapaz que tem ligações estranhas e provavelmente perigosas (a isto alude o pacote mencionado). Eduardo quer envolver Júlio nessas ligações, mas esse não é o único problema para nosso herói que tem conflitos com professores e colegas. Mas do grupo desses colegas faz parte uma simpática garota que oferece ajuda a Júlio. Ele inevitavelmente se apaixona — o dilema está criado... Estes são apenas alguns momentos de uma narrativa movimentada, escrita numa linguagem dinâmica, atual, abordando basicamente a problemática dos jovens e a do Brasil de forma geral. Uma problemática que Menalton Braff conhece bem: professor, contista e romancista, ele foi ativo militante estudantil, tanto que com o Golpe de 1964 teve de abandonar o curso de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estado em que nasceu. Em São Paulo, fez o curso de Letras, na Universidade São Judas Tadeu, e lá iniciou sua carreira docente, como professor assistente de literatura brasileira. Começou a publicar ficção e, em 2000, ganhou o prêmio Jabuti com À sombra do cipreste. Foi finalista de vários prêmios: prêmio Jornada de Passo Fundo, Prêmio São Paulo de Literatura e outros. Vive no interior do estado de São Paulo e é um dos poucos escritores brasileiros que se dedicam exclusivamente à vida literária. Seu prestígio é enorme e deriva sobretudo da capacidade que tem de mobilizar emoções através de uma ficção em que mergulha fundo na condição humana. Copo vazio é disto um grande exemplo, como os numerosos leitores de Menalton Braff constatarão.
“ O Eduardo é louco. Pirado total, o Eduardo. Mas é meu amigo, é do peito, não podia negar um favor a ele. Quando ouvi meu nome num cochicho, encostado à minha janela, senti um amargo na boca, que me subiu do estômago. Ele nunca escondeu de mim que trabalha num ramo bem perigoso. E eu reconheci a voz dele. Abri a veneziana e não deu outra: era ele me chamando. Eu estava bem no meio de um sonho, só não me lembro se o sonho era bom ou não. A luz do quarto bateu de cima pra baixo em cheio na cara do Eduardo, que estava com uns olhos muito crescidos, em tamanho talvez de medo, e me chamou ainda: — Júlio, pula aqui. Preciso de um favor. E eu sou de não pular? Pulei. — Qual é o enrosco, meu irmão? Ele me contou uma história enrolada e acabei entendendo só que o pacote, este aqui, ó, não podia ficar na casa dele. Que um colega seu tinha sido preso havia umas duas horas e que só agora ele tinha ficado sabendo. Tinha chovido há pouco e o Eduardo ainda estava molhado, com uns fiapos de cabelo descendo pela testa. O ventinho que encanava entre a parede e o muro era de arrepiar a pele, e isso não era muito ruim. Mas ele, o Eduardo, estava com os lábios roxos. — E onde é que eu entro na história, bródi? — Você precisa me guardar este pacote por uns dias. Mas muito bem guardado, Júlio. Isto aqui não é torta de chocolate nem carrinho de plástico, entendeu? Ninguém, mas ninguém mesmo, pode saber que você tem isto aqui escondido.” Assim começa Copo vazio, décimo quarto livro do Menalton Braff, e o quinto que o autor dedica ao público infantojuvenil. Uma história absolutamente fascinante, dessas que prendem a atenção do leitor da primeira à última palavra.