Degustação - Perfeito de todo jeito

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Daniel está acima do peso e é cha­ma­­do de Rei do Brigadeiro. Cansado de ser motivo de piada, decide emagrecer. Seu maior desafio é fugir da cantina da escola. Até que conhece uma garota com co­vi­nhas no rosto. A descoberta do amor faz com que ele queira se alimentar melhor e, principalmente, reveja seus ideais de perfeição.

ISBN 978-85-322-9245-2

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Uma história bem-humorada e sensí­vel, do premiado escritor Domingos Pellegrini.





Ilustrações Eliana Troia e Camila Ueki

1ª- edição

São Paulo — 2014


Copyright  Domingos Pellegrini, 2014 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 Bela Vista — São Paulo — SP CEP 01326-010 Tel. (0-XX-11) 3598-6000 Caixa Postal 65149 CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br E-mail: projetos@ftd.com.br Diretora editorial Silmara Sapiense Vespasiano Gerente editorial Ceciliany Alves Editora Cecilia Bassarani Editor assistente J. Augusto Nascimento Assistentes de produção Ana Paula Iazzetto e Lilia Pires Assistentes editoriais Tássia Regiane Silvestre de Oliveira e Thalita R. Moiseieff Preparador André Lima Revisora Bruna Perrella Brito Coordenador de arte Eduardo Rodrigues Editora de arte Andréia Crema Projeto gráfico e diagramação Homem de Melo & Troia Design Diretor de produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Ilustrações Eliana Troia e Camila Ueki Domingos Pellegrini é escritor de contos, romances e poesia. Sua literatura é marcada pela oralidade, com linguagem “como se fala”, e pela emoção com que envolve o leitor nos dilemas e desafios éticos. Pela FTD, publicou Professor milionário (2009) e Estação Brasil (2011).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pellegrini, Domingos Perfeito de todo jeito / Domingos Pellegrini ; ilustrações Eliana Troia e Camila Ueki. — 1. ed. — São Paulo : FTD, 2014. ISBN 978-85-322-9245-2 1. Contos – Literatura juvenil I. Troia, Eliana. II. Ueki, Camila. III. Título. 13-13996

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura juvenil 028.5



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Ele é um astronauta e, olhando pela escotilha da astronave, vê que a Terra é marrom e pensa: ué, não era azul? Lembra de Gagarin, o primeiro astronauta, a surpreender e encantar o mundo quando viu lá de cima e revelou: — A Terra é azul. Esfrega os olhos, talvez seja efeito da falta de sono depois da longa viagem espacial sem dias nem noites, na astronave onde as luzes apagam durante oito horas, depois acendem para um novo “dia”, tentando evitar o estresse causado pela ausência do ritmo solar na vida. Sol, lua, dias, noites, semanas, meses, tudo isso deixava de existir no espaço sideral. Mas agora ia voltando à Terra e, que diabo, a Terra está marrom!

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Não se surpreenderia tanto se os continentes estivessem marrons, afinal são de terra, mas estão marrons também os oceanos, que deveriam ser azuis. A Antártida, que deveria ser branca, também marrom. As cordilheiras dos Andes, dos Alpes, do Himalaia, todas marrons, ele vai vendo enquanto a astronave entra em órbita. Pensa se deve comunicar ao centro de controle, podem pensar que está endoidando, mas as regras são para comunicar tudo. — Pessoal, tem uma coisa esquisita. Estou vendo a Terra marrom! — Marrom e gostosa, companheiro! — responde alguém lá do centro de controle. — E agora vamos à aterrissagem! Alguma coisa está errada, pensa, suando e obedecendo às instruções para a aterrissagem. A astronave deixa de orbitar e desce para o planeta. Quando deixa o vácuo e entra na atmosfera, o atrito faz vibrar tanto que ele desmaia. Acorda no pátio do colégio onde estudou, debaixo da árvore onde, pela primeira vez, disse aos amigos que um dia seria astronauta. Eles riram: — Você, astronauta?! — Astronauta tem de ser magro, cara! — A astronave não vai nem subir... Agora, os três estão ali, deitados na grama ao lado de cruzes de cimento, e até as cruzes e mesmo a grama são marrons! Olha em volta, tudo é marrom, a árvore, suas folhas, o colégio, um marrom escuro, cor de... de... não sabe definir, mas sabe que conhece aquela cor.

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Não vê mais a astronave, mas, agachando ao lado de um dos amigos, vê que a grama está recoberta de palitinhos finos e marrons, como... como cobertura de brigadeiro! Arrepia quando vê que o braço do amigo também parece feito de brigadeiro, o doce de que mais gostava no tempo de colégio, a ponto de ga­nhar o apelido: — Briga... — fala baixinho, lembrando que o apelido Brigadeiro virou Briga no mesmo dia em que foi chamado assim pela primeira vez, numa festa de aniversário. Sentou num sofá com uma bandeja de brigadeiros no colo, disposto a comer todos, se não fosse a mãe do aniversariante bronquear: — Vai comer tudo?! Não, isso é doce, me­nino, não é refeição! — e lhe tirou a bandeja, quando ele tinha comido menos de uma dúzia. Agora vê que a mulher também está deitada ali, marrom e morta, deve estar morta como os amigos porque não se mexem, a barriga não mexe respirando, nada. Pega o pulso de um dos amigos, não sente pulsação, mas sente que a carne — carne? — afunda como se feita mesmo de massa de chocolate! Recolhe a mão com um calafrio, vê que os palitinhos afundaram onde apertou o pulso do amigo, onde até o relógio é feito dessa massa que, para ser massa de brigadeiro, só falta o gosto. Belisca a grama, arranca um pedacinho, põe na boca, e é mesmo brigadeiro! Senta percebendo como o chão de brigadeiro se amolda na bunda, e a barriga ronca lembrando que há tempo só come comida de astronauta, pastas e patês sem gosto

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nem graça. Arranca outro pedacinho de grama, põe na boca fechando os olhos, que delícia! Arranca um bocado de grama, ou de brigadeiro, e enche a boca. Então vê ali do lado a única coisa que não parece feita de brigadeiro, uma pá de metal com seu cabo de madeira. Levanta, pega a pá e olha o próprio corpo magro, fala para os amigos enfileirados ali: — Então eu não ia ser astronauta, hem? E que é que me dizem agora? Agora... Arranca uma pazada de chão-brigadeiro e come, fala com a boca cheia: — Agora vou enterrar vocês, ou melhor, vou embrigadeirar vocês. Começa a cavar uma cova, com facilidade porque o solo é macio como brigadeiro, sempre comendo enquanto vai cavando, até que a cova fica pronta. Então sente enjoo por ter comido tanto e tenta sair da cova, mas não consegue, escorrega pelo monte de terra-brigadeiro, cai no fundo mole, um barro-brigadeiro, onde vai afundando, afundando, os pés, as pernas, a cintura, o peito, o pescoço, até que começa a gritar por socorro, mas não consegue porque a massa de brigadeiro entra pela boca, e ele sufoca, pensando que ao menos será uma morte doce. Então acorda suando, a janela clareando. Que sonho!

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olta a dormir, até a mãe chamar para o colégio. Levanta, vendo na parede o grande cartaz do filme dos astronautas, todos magros nos seus macacões espaciais, os capacetes debaixo do braço, as botas especiais. Olha para baixo e a barriga só deixa ver a ponta dos pés. Lava o rosto, olha a cara redonda. Afasta, olha a cintura redonda. Respira fundo, erguendo os ombros, a cintura afina, mas não consegue ficar assim mais que alguns segundos, solta o ar e volta a se sentir o gordo que jamais vai ser astronauta. Na mesa do café, o pai pergunta que cara é essa. — Nada. — Quem nada é peixe. Não vai comer? — Só suco. — Mas você vai estudar, filho, quem usa a cabeça precisa se alimentar tanto quanto quem faz trabalho braçal. Já ouviu o pai dizer isso tantas vezes que tem vontade de gritar: “ACONTECE QUE EU NÃO QUERO ENGORDAR MAIS, ENTENDE? NÃO QUERO CONTINUAR A SER CHAMADO DE GORDO, REI DO BRIGADEIRO, DEPÓSITO DE PASTEL, CASA DAS COXINHAS, ENTENDE? QUERO QUE AS MENINAS OLHEM PRA MIM DO JEITO QUE OLHAM PARA OS MAGROS! EU QUERO...”. — Eu quero só suco.

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A mãe insiste, deve comer ao menos pão com manteiga: — Senão depois fica com fome e vai comer aqueles salgados engordurados da cantina do colégio! — Não vou comer mais nada da cantina. É bom mesmo, diz o pai: — A conta do mês passado quase ficou maior que a mensalidade do colégio! — E quero que a senhora faça só salada pra mim no almoço — ele fala e toma o suco sem tirar a boca do copo. A irmã sussurra: parece que tá tomando remédio... Ele pega a bolsa, sai e, ainda no jardim de casa, já sente um vazio no estômago e uma vontade danada de pão com manteiga. Os amigos vêm descendo a rua e de longe já gritam: — E aí, Briga, vai rolando até o colégio? — Grande Briga, sempre crescendo para os lados! — Não dá bola pra eles, Briga, ser gordo é bonito... na Indonésia. Ele sorri, lembrando do sonho: — Sonhei com vocês hoje... — É mesmo? E o que a gente estava fazendo? — Estavam mortos, e eu enterrava um por um. — Ô, Briga, só porque a gente brinca um pouco, não é motivo pra... — Tô brincando — ele vai sorrindo. — Na ver­ dade, vocês tinham virado brigadeiro, eram feitos de chocolate, marrons, cobertos daqueles palitinhos de chocolate...

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