I – Um presente de Finados
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inalmente o Dia de Finados estava se aproximando! Para os vampirinhos, o Dia de Finados é uma data tão importante quanto o Natal, o Dia das Crianças e as muitas outras festas dedicadas à garotada de todo o mundo. Mas a razão para tamanha alegria é a mesma: presentes, presentes, presentes! Esta é uma história muito antiga. Conta uma velha lenda da Romênia – terra onde nasceram os primeiros vampiros de que se tem notícia – que todos os anos, na véspera da noite de dois de novembro, uma simpática assombração traz horrorosos presentes para os vampirinhos bem e malcomportados. O tal fantasma, conhecido como Vovô Finadelfo, tem especial predileção por distribuir brinquedos do mais apurado mau gosto. Seu caixão voador, puxado por sete corujas caolhas, vem sempre carregado de sinistras novidades: serpentes de corda, bonequinhas alfinetadas, robôs envenenados, esqueletos para montar, joguinhos eletrônicos de alta voltagem, além dos tradicionais e queridos Ki-dentada e Ki-pescoço – brinquedos didáticos para os bebês vampiros. 7
No castelo da família Morcegal, com a aproximação de mais um Dia de Finados, a expectativa e a animação dos pequenos eram grandes. Quinze dias antes da data festiva, Draculinha e Dracunilda começavam a pensar nos presentes que pediriam ao fantasmagórico e simpático Vovô Finadelfo. Mas, como o dinheiro da família andava meio apertado – e na verdade quem pagava as contas da festa era papai Draculão –, as crianças sabiam que seria inútil pedir brinquedos muito caros. – Meu sonho é ganhar uma bat-machine vermelha com motor a metanol! – suspirava o aflito Draculinha. – E eu a boneca da Condessinha Drácula! Aquela que dá mordidas de verdade, grita “Quero sangue, quero sangue!” e vem com um monte de kits diferentes: máscara pra dormir de dia, caixãozinho double-face, túmulo com tampa programada, enxoval de luto, limusine de enterro... – confessava desanimada Dracunilda. Apesar de a esperança ser a última que morre, mesmo em se tratando de um Dia de Finados, os vampirinhos não esperavam grandes presentes. Os tempos estavam realmente muito duros. Uma grave crise econômica estava afligindo o condado de Transilvânia-Guaçu, onde habitava, há muitos séculos, o honrado clã dos Morcegal. Vampiros de classe média alta, acostumados a dormir no conforto de um caixão de primeira, abrigados por cortinas de veludo roxo, Draculão e Draculeta gostavam de uma mesa farta, onde nunca faltava uma garrafa de fino sangue importado, servido por uma discreta mordomia de fantasmas serviçais. Agora, perdida boa parte dessas regalias, todos os membros da família andavam abalados e macambúzios. Depois da noite maldita em que o governo confiscou as economias familiares – séculos e séculos de sacrifícios e poupança! –, Draculão circulava meio louco pelos corredores do castelo chorando a perda de sua rica carteira de 8
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más ações e planejando vinganças horríveis contra os vampiros governantes. Mas, como raiva não enche a barriga de ninguém, o perplexo e revoltado chefe de família dava tratos à bola para inventar novos meios de ganhar dinheiro e sustentar as tradicionais extravagâncias da mulher e os desejos consumistas dos filhos. Até o alegre tio Aristides tinha sido contaminado pelo mau humor geral que reinava no castelo. Como detestava ver pessoas deprimidas, a simpática caveira optou por uma solução de fuga provisória. Pendurou-se num cabide e resolveu hibernar dentro de um velho armário. – Quando as coisas melhorarem, podem me acordar. E que seja com uma gargalhada ou pelo menos com um sorriso... Até lá, façam o grande favor de esquecer que eu existo. Boa noite! Dona Draculeta, impossibilitada de bater asas de loja em loja, à procura de ofertas, pechinchas e liquidações, passava longas horas diante da televisão assistindo a filmes de terror e comédias de humor negro. Às vezes, para manter o moral elevado e animar um pouco a família, ela ia à cozinha preparar algum prato mais saboroso: costelinhas de gato-do-mato, croquetes de rabo de cascavel, pinças de caranguejo com pimenta brava... essas coisinhas triviais que enriquecem o cardápio e alegram a mesa do mais modesto dos castelos. Em meio a esse clima deprimente, e sem a ajuda do prestativo tio Aristides, Draculinha e Dracunilda continuavam a imaginar que maldito presente poderiam pedir no dia Dia de Finados. Pensa que pensa, o astuto vampirinho teve uma ardilosa ideia: – Vamos pedir alguma coisa que a família toda possa aproveitar! Só assim a gente vai conseguir animar o pai e a mãe. 10
– É... pode ser... – resmungou Dracunilda, sem grande entusiasmo. – Quem sabe... uma viagem! – bradou o criativo Draculinha. – Uma excursão familiar à Draculândia! – completou a irmãzinha. – A Draculândia! – berraram os dois. Visitar a Draculândia era o pesadelo mais acalentado por todos os vampirinhos... e também por todos os vampirões e vampironas deste e do outro mundo. O maior parque de diversões noturnas do universo tinha incríveis atrações: a Cidade dos Demônios, a Velha Transilvânia, a Mansão Bem-Assombrada, o Cemitério Maluco, o Túnel do Tempo Perdido, o Museu dos Pescoços de Cera... mais o tradicional Castelo da Feia Acordada e a famosa Caverna da Escurinha das Trevas e seus Sete Capetas. Além de tudo isso, a Draculândia ficava bastante perto dos estúdios 11
de Hollyblood, lugar que trazia as mais agradáveis lembranças para Draculinha e Dracunilda, que ali tinham filmado o seu grande e inesquecível sucesso Caninos de leite. Em resumo, conhecer a Draculândia era programa para vampiro nenhum botar defeito. Só que também não era diversão das mais baratas. Muito pelo contrário! Ouvindo os animados gritos dos filhos, Draculão, que passava suspirando por perto, descobriu, horrorizado, que presente lhe seria pedido para o Dia de Finados. – A Draculândia... Ó, não! – exclamou o pobre e falido vampiro. Também ele, coitado, amargava um doloroso trauma de infância. Seu velho e querido pai nunca o levara para conhecer o famoso parque. Como ele gostaria de poder atender agora àquele desejo de seus filhos! E, ao mesmo tempo, resolver de uma vez por todas o seu antigo e mal resolvido complexo de vampirinho pobre. O esperto Draculinha tinha acertado na mosca! Draculão mordeu a isca da viagem e decidiu consigo mesmo que haveria de dar um jeito de proporcionar um belo passeio de Finados para a sua carente e abalada família.
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