Festa no céu Recontado por
Ana Maria Machado Os contos clássicos apresentam personagens e conflitos que facilitam a compreensão de temas profundos.
ISBN 85-322-5211-7
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Literatura e arte entrelaçadas para formar grandes leitores.
Ilustrações de
Marilda Castanha
Festa no cĂŠu
Festa no céu Recontado por
Ana Maria Machado
Ilustrações de
Marilda Castanha
São Paulo – 2004
Há
muitos e muitos anos, no tempo em que os bichos falavam, teve um dia em que de repente começou a correr uma notícia pela floresta: – Vai ter festa enorme! Uma festa ótima! Foi a maior animação. Tudo o que era bicho queria ir. Mas quando eles se encontraram, perto do rio, na hora de beber água, viram que a festa não era para todo mundo. Quando o macaco, o veado, a cotia, a capivara, o jabuti e uma porção de outros bichos estavam reunidos conversando sobre a festa, aconteceu que o bem-te-vi, que voa bem alto, foi explicando: – Vocês não vão poder ir.
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– E por quê? – É que a festa vai ser no céu, e bicho que não sabe voar não pode ir… Como é que vai chegar lá? Todos f icaram com pena. – Sujeira de São Pedro… – comentou o caxinguelê. – A gente vive aqui sem nada para se distrair e quando eles fazem uma festa não é pra todo mundo…
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– Também não faço nenhuma questão de ir… – disse a anta. – Deve ser muito frio, com muito vento. – Pois eu faço – disse o macaco. – E vou pro alto da árvore mais alta da floresta ver se consigo pular até uma nuvem. Deve ser uma festa ótima! O jabuti também achava que devia ser ótima. E f icou pensando em que jeito podia dar para ir.
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Nos dias que faltavam para a festa, só se falava nisso na floresta. – Dizem que vai ter um monte de comida gostosa. Bolo, brigadeiro, sanduíche… – E vai estar cheio de coisas deliciosas para beber. Laranjada, guaraná, chocolate gelado, suco de fruta…
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– Ouvi dizer que os anjinhos já estão enfeitando tudo. Vai f icar uma beleza… – Vai ter mágico, teatrinho, dança… E muita música, que quase todos os convidados são músicos e vão tocar e cantar.
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Era mesmo. Cada passarinho tratava de ir treinando e ensaiando a cantoria. E quem não cantava ia levar algum instrumento. Até o urubu, que tinha uma voz horrorosa, se animou: – Vou levar minha viola. E implicava com os bichos de pele e de pelo, que não podiam voar: – Que pena que vocês são tão inferiores, não podem ir… Quem sabe, um dia eles fazem uma festa no inferno? Aí é só cavar um bom buraco e vocês vão… Rá-rá-rá…
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Além das gargalhadas e da implicância, os bichos ainda tinham que aturar a viola desaf inada e a voz horrorosa do urubu: – Vou pegar minha viola e contente eu vou cantar… Pra vocês eu nem dou bola até a festa se acabar. Mas daí a uns dias, o jabuti estava na beira do rio e viu uma garça sua amiga. – Comadre garça, posso lhe pedir um favor? – Pois não, compadre jabuti. – Será que a senhora podia me levar à festa no céu? – Levar à festa? Mas como?
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– Não sei. Nas costas, ou no bico… É que eu queria tanto ir… A garça olhou bem para ele e f icou com pena. Af inal, ela morava em qualquer lugar que quisesse. Costumava voar no alto do céu, com uma vista linda. Quando cansava, escolhia a paisagem mais bonita pra pousar, sempre perto de uma lagoa ou de um rio cheio de peixes e árvores. E o coitado do jabuti só f icava no chão, se arrastando junto da terra, carregando a casa nas costas… – Está bem – concordou. – Mas com uma condição.
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– Que condição? – perguntou o jabuti, todo contente. – Eu só levo, mas não trago. Assim, se eu quiser comer e beber bastante, não tenho que f icar me preocupando com o peso da volta. E se quiser sair com os amigos para outro lado depois da festa, não preciso me desviar para levar ninguém em casa. – Está bem – disse o jabuti. E f icou combinado. No dia da festa, a garça cumpriu a promessa. E lá se foi o jabuti para a festa no céu, bem instalado nas costas macias da garça, segurando bem f irme no pescoço dela. Vendo toda a paisagem bonita, lá de cima.
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Quando chegaram no céu, ele nem acreditava que pudesse haver uma festa tão boa, num lugar tão bonito. O chão era todo macio, um tapete de nuvens. As paredes eram de pôr do sol, o teto era de madrugada, tudo ensolarado de luz brilhante. E o salão estava na maior animação, cheio de pássaros e insetos se divertindo muito, conversando, ouvindo música.
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A outra sala era o lugar da comilança. Tudo quanto era fruta que você puder imaginar. Folhagens deliciosas. E potes de mel. E sorvetes, sobremesas, doces, à vontade. Era só ir se servindo. Muito educado, o jabuti não bancou o guloso. Mas provou um pouquinho de cada coisa, até f icar com a barriga tão cheia que não cabia mais nada. Tudo supergostoso!
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Mais tarde, começaram as danças, e o jabuti não parou. Dançou com a amiga garça, com a arara, com a saíra, com a cambaxirra, com a andorinha, com a abelha, com a libélula. Teve uma grande quadrilha e lá estava ele, no meio dos cavalheiros, ao lado do pica-pau, do periquito, do sanhaço, do tangará, do pardal, do tucano, do papagaio e de tantos outros. Até do urubu.
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Mas o urubu não gostou nada daquilo. Começou logo a implicar: – Como é que você veio parar aqui? E saiu gritando: – Tem penetra na festa! Os outros não ligaram a mínima. Mas o jabuti f icou com vergonha e saiu do salão. Também, a verdade é que estava f icando cansado. Com vontade de ir embora. E não tinha a menor ideia de como é que ia fazer para voltar para casa. Aí olhou num cantinho e viu os instrumentos dos músicos, que tinham ido comer. E teve uma ideia. Entrou na viola do urubu, se ajeitou bem encolhido num cantinho, e pronto! Podia dormir sossegado. Quando o urubu fosse embora, levava a viola com ele dentro. E era só ele esperar chegar bem f irme no chão, sair dali e ir para sua toca.
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Mais tarde, quando a festa acabou, os músicos foram os últimos a ir embora.O urubu pegou a viola, prendeu nas costas e lá veio voando. Mas estranhou o peso. Alguma coisa estava muito esquisita. – Será que eu comi tanto assim? Ou dancei tanto que f iquei cansado? Quando eu vim estava muito mais fácil voar… Agora está tão difícil… Estava mesmo. Tão difícil, mas tão difícil, que ele não aguentou. Começou a reclamar, suar, cuspir… Deve até ter feito outras coisas, porque, de repente, f icou tudo tão fedorento, mas tão fedorento que o jabuti acordou espirrando. Com os espirros, o urubu descobriu tudo: – Ah, então é isso, hein? É você que está pesando dentro da minha viola, é? Já vou dar um jeito nisso…
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Sacudiu bem a viola, com o buraco para baixo, e o jabuti caiu. Enquanto caía, bem depressa, via que a terra ia se aproximando cada vez mais. E gritava: – Pedra, sai de baixo, senão eu te esborracho! E a pedra, nada. – Pedra, sai de baixo, senão eu te esborracho! A pedra nem saiu do lugar. – Pedra, sai de baixo, senão eu te esborracho!
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Como a pedra não saiu, quem se esborrachou foi ele. E ia ter se acabado para sempre, mas deu sorte… É que Deus viu tudo, e f icou com pena. Af inal, o jabuti só estava querendo se divertir, na festa dele.
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Então Deus mandou os anjos consertarem o casco dele, juntando todos os pedacinhos, como se fosse um quebra-cabeça. É por isso que até hoje o jabuti tem o casco todo remendado. E o urubu, de castigo, f icou fedorento para sempre. E como teve esse acidente muito chato, nunca mais Deus quis fazer festa no céu. A sorte é que os homens aprenderam a fazer festa na terra.
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Ana Maria Machado Meu nome é Ana Maria Machado e eu vivo inventando histórias. Algumas delas, eu escrevo. E dessas que eu escrevo, algumas andam virando livros. Em sua maioria, livros infantis, quer dizer, livro que criança também pode ler. Adoro meu trabalho. Ainda bem, porque acho que não ia conseguir viver se não escrevesse. Tanto assim que já fui professora, já fui jornalista (já fui chefe de uns trinta jornalistas ao mesmo tempo), já fiz programa de rádio e acabei largando tudo para só viver de livro. Coisas de que gosto: gente, mar, sol, natureza em geral, música, fruta, salada, cavalo, dançar, carinho. Coisas que eu não aguento: qualquer forma de injustiça ou prisão e gente que quer cortar a alegria dos outros. Mas isso nem precisava dizer – é só ler meus livros que todo mundo fica sabendo. Site da autora: www.anamariamachado.com
Arquivo pessoal
Quem é
Nelson Cruz
Quem é
Marilda Castanha Comecei a ilustrar livros infantis meio no susto, enquanto ainda fazia a Escola de Belas Artes da UFMG, em Belo Horizonte, onde nasci. Depois fui percebendo que era isto que eu queria mesmo fazer, e fui estudando mais as formas, as cores, a composição e como cada ilustrador deixa no livro o seu “texto” através das imagens. Para estudar mais sobre ilustração participei em 1997 de um seminário em Bratislava (Eslováquia), e em 1998 fui a Sarmede, uma cidadezinha no norte da Itália que se dedica quase que exclusivamente ao universo das ilustrações de livros. Depois dessas duas experiências f iz o livro Pindorama, terra das palmeiras (editora Formato), que ganhou os prêmios Jabuti e Noma (este, no Japão). Hoje só dou uma pausa nas tintas, pincéis e papéis para cuidar dos meus dois filhos, Nino (que nasceu enquanto fazia este livro), e Cecília, que com dois anos e meio me dá verdadeiras aulas de espontaneidade e de uma percepção diferente de ver as imagens. Enfim, com eles continuo aprendendo a ilustrar.
Copyright © Ana Maria Machado, 2004 Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A. Matriz: Rua Rui Barbosa, 156 (Bela Vista) São Paulo – SP – CEP 01326-010 Tel. (0xx11) 3598-6000 – Caixa Postal 65149 – CEP da Caixa Postal 01390-970 Internet: www.ftd.com.br – E-mail: projetos@ftd.com.br Gerente editorial Ceciliany Alves • Editora Dulcy Grisolia • Editor assistente Luís Camargo • Preparadores e revisores de texto Adolfo José Facchini, Elvira Rocha, Jane dos Santos Coelho Taniguchi, Maria Clara Barcellos Fontanella • Editora de arte Andréia Lopes Crema • Projeto gráfico (capa e miolo) Edgar Sgai • Ilustradora Marilda Castanha • Diagramadora Sheila Moraes Ribeiro • Assistente editorial Lilia Pires • Digitadora Maria Lamano Editoração eletrônica Finalização Ana Isabela Pithan Maraschin e Andréa Wolff Gowdak Noto Coordenação Carlos Rizzi e Reginaldo Soares Damasceno
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Machado, Ana Maria Festa no céu / recontado por Ana Maria Machado ; ilustrações de Marilda Castanha. — Ed. renov. — São Paulo : FTD, 2004. — (Coleção lê pra mim) 1. Literatura infantojuvenil I. Castanha, Marilda. II. Título. III. Série.
04-1043 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantojuvenil 028.5
Impresso no Parque Gráfico da Editora FTD Avenida Antonio Bardella, 300 Fone: (0-XX-11) 3545-8600 e Fax: (0-XX-11) 2412-5375 07220-020 GUARULHOS (SP)
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