o pequeno príncipe
Antoine de Saint-Exupéry
Tradução leonardo fróes Ilustrações sandra jávera
Posfácio diana corso
Nota biográfica claudio fragata
São Paulo – 2022
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1· a edição
A Léon Werth.
Peço às crianças que me perdoem por eu ter dedicado este livro a um adulto. Tenho uma boa desculpa: esse adulto é o meu melhor amigo no mundo. Tenho outra desculpa: esse adulto é capaz de compreender tudo, até mesmo os livros para crianças. E tenho uma terceira desculpa: esse adulto mora na França, onde ele passa fome e frio.
Tem muita necessidade de ser consolado. Se todas essas desculpas não bastarem, quero então dedicar este livro à criança que outrora esse adulto foi.
Todos os adultos foram de início crianças. (Mas poucos deles se lembram disso.)
Corrijo assim minha dedicatória:
A Léon Werth, quando era garoto.
Sumário O Pequeno Príncipe 9
Para os que crescem sabendo desenhar por Diana Corso 125
O pescador e a raposa: a história de uma amizade por Claudio Fragata 131
Paratexto 139
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1Quando eu tinha seis anos, vi certa vez uma imagem magnífica num livro sobre a floresta virgem, que se chamava Histórias vividas. Era a representação de uma cobra sucuri engolindo um animal. Aqui está uma cópia do desenho.
Nesse livro se dizia: “As cobras sucuris engolem sua presa inteira, sem mastigá-la. Depois não conseguem mais se mexer e dormem durante os seis meses de digestão”.
Eu então pensei muito sobre as aventuras da selva e, por minha vez, pude fazer com lápis de cor o meu primeiro desenho.
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Meu desenho número 1, que era assim:
Mostrei minha obra-prima aos adultos e perguntei se o meu desenho lhes dava medo.
Eles me responderam: “Por que um chapéu nos daria medo?”.
Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma cobra sucuri digerindo um elefante. Desenhei então a sucuri vista por dentro, para que os adultos pudessem entender. Eles sempre precisam de explicações. Meu desenho número 2 era assim:
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Os adultos me aconselharam a deixar de lado os desenhos de cobras sucuris, fosse por dentro ou por fora, e me interessar mais pela geografia, pela história, pela aritmética e pela gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma magnífica carreira de pintor. Tinha sido desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. Os adultos nunca entendem nada sozinhos, e é cansativo, para as crianças, sempre ter de lhes dar explicações.
Tive, portanto, de escolher outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Voei um pouco por toda parte do mundo. E a geografia, é verdade, me ajudou muito. Eu sabia distinguir, já na primeira olhada, o Arizona da China. O que é muito útil, se a gente se perde durante a noite.
Mantive assim, ao longo da minha vida, montes de contatos com montes de pessoas sérias. Vivi muito entre os adultos, tendo-os visto bem de perto. Nem por isso minha opinião se tornou muito melhor.
Quando eu encontrava um que me parecia um pouco lúcido, fazia com ele a experiência sobre o meu desenho número 1, que sempre guardei comigo. Queria saber se aquele adulto realmente tinha compreensão. Mas ele sempre me respondia:
“É um chapéu”. Aí eu não lhe falava de cobras sucuris, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Falava-lhe de bridge, de golfe, de política, de gravatas. E o adulto ficava muito contente de conhecer um homem tão sensato...
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Assim vivi sozinho, sem ninguém com quem falar realmente, até uma pane no deserto do Saara, há seis anos. Alguma coisa quebrou no motor. E, como eu não tinha um mecânico nem passageiros comigo, me preparei para tentar fazer sozinho um conserto difícil. Para mim era uma questão de vida ou morte. O pouco de água que me restava só dava para beber por oito dias.
Na primeira noite dormi, portanto, sobre a areia, a mil milhas de qualquer terra habitada. Estava muito mais isolado do que um náufrago numa jangada no meio do oceano. Imaginem então minha surpresa, ao nascer o dia, quando uma voz estranha e fraca me despertou. Dizia ela:
— Por favor, desenhe para mim um carneiro...
— Hein?!
— Desenhe um carneiro para mim.
Pulei em pé como se eu tivesse sido atingido por um raio. E esfreguei bem os olhos. Olhando bem, vi um homenzinho totalmente extraordinário que me examinava com a maior atenção. Aqui está o melhor retrato que, mais tarde, eu consegui fazer dele. Mas o meu desenho, decerto, é muito menos encantador que o modelo. Não é culpa minha. Eu fui desencorajado pelos adultos da minha carreira de pintor, aos seis anos de idade, e nada tinha aprendido a desenhar, a não ser sucuris por fora e sucuris por dentro.
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Encarei, pois, aquela aparição com os olhos arregalados de espanto. Não se esqueçam de que eu estava a mil milhas de qualquer região habitada. Mas o meu homenzinho não me parecia perdido, nem morto de cansaço, nem morto de fome, nem morto de sede, nem morto de medo. Não tinha em nada o aspecto de um garoto perdido no meio do deserto, a mil milhas de qualquer região habitada. Quando finalmente consegui falar, eu lhe disse:
— Mas... o que é que você está fazendo aqui?
E aí ele repetiu, com toda a delicadeza, como se fosse uma coisa muito séria:
— Por favor... desenhe para mim um carneiro...
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Quando o mistério é muito impressionante, ninguém se atreve a desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parecesse, a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma caneta e uma folha de papel. Mas aí me lembrei de que eu tinha estudado principalmente geografia, história, aritmética e gramática, e disse para o homenzinho (com um pouco de mau humor) que eu não sabia desenhar. Ele me respondeu:
— Não importa. Desenhe um carneiro para mim. Como nunca havia desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois únicos desenhos de que eu era capaz, o da sucuri vista por fora. E fiquei muito espantado ao ouvir o homenzinho me dizer:
— Não, não... Não é um elefante dentro de uma sucuri o que eu quero. A sucuri é muito perigosa, e um elefante é um grande estorvo. Na minha terra é tudo bem pequeno. Desenhe para mim um carneiro. Então desenhei.
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E ele, depois de olhar com atenção:
— Esse não, que já está muito doente. Faça outro!
Eu desenhei.
Meu amigo deu um sorriso compreensivo e gentil:
— Mas, veja bem, esse não é um simples carneiro... é um macho adulto que tem chifres.
Voltei, portanto, a refazer meu desenho.
Ele, porém, foi recusado, como os anteriores.
— Esse é velho demais. Quero um carneiro que viva muito tempo.
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Aí, já com falta de paciência, por estar apressado para começar a desmontar o meu motor, eu rabisquei este desenho aqui:
E arrisquei:
— Isso aqui é a caixa. O carneiro que você quer está lá dentro.
Mas qual não foi minha surpresa ao ver que o rosto do meu jovem juiz se iluminou:
— Ah, era exatamente assim que eu queria! Você acha que para esse carneiro é preciso muito capim?
— Por quê?
— Porque na minha terra tudo é muito pequeno.
— Com certeza vai dar. O carneirinho que eu te dei é bem pequeno também.
Ele abaixou a cabeça sobre o desenho:
— Nem tão pequeno assim... Olhe só! Ele está dormindo...
E foi desse modo que eu conheci o pequeno príncipe.
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Precisei de muito tempo para compreender de onde ele vinha. O pequeno príncipe, que me fazia muitas perguntas, nunca parecia escutar as minhas. Foram palavras pronunciadas ao acaso que, pouco a pouco, me revelaram tudo. Assim, quando pela primeira vez ele notou o meu avião (não vou desenhar meu avião, é um desenho complicado demais para mim), ele me perguntou:
— Que coisa é isso aí ?
— Não é uma coisa. Isso voa. É um avião. É o meu avião.
E eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Ele então exclamou:
— Ué, quer dizer que você caiu do céu?!
— Sim — eu disse modestamente.
— Ah, que engraçado!
O pequeno príncipe deu uma bela gargalhada que me irritou bastante, pois quero que as minhas desgraças sejam levadas a sério. Depois ele acrescentou:
— Então você também vem do céu! De que planeta você é?
Logo eu entrevi um lampejo, no mistério da presença dele, e o interroguei bruscamente:
— Ah, você vem de outro planeta?
Mas ele não me respondeu. Apenas balançava ligeiramente a cabeça, sem parar de olhar o meu avião.
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— É bem verdade que nisso aí você não pode vir de muito longe...
E se entregou a um devaneio que durou um bom tempo. Depois, tirando o meu carneiro do bolso, mergulhou na contemplação do seu tesouro.
Vocês devem imaginar como essa ponta de um segredo sobre
“os outros planetas” me deixou intrigado. Por isso me esforcei para saber mais coisas:
— De onde é que você vem, meu rapazinho? Onde fica a “sua terra”? Para onde pretende levar o meu carneiro?
Após um silêncio meditativo, ele me respondeu:
— O melhor, com a caixa que você me deu, é que de noite ela vai servir de casinha para ele.
— Com certeza. E, se você for bonzinho, eu te darei também uma corda, para amarrá-lo durante o dia, e uma estaca.
A proposta pareceu chocar o pequeno príncipe:
— Amarrá-lo? Que ideia mais estranha!
— Mas, se você não o amarrar, ele irá para qualquer parte e acabará se perdendo.
Meu amigo deu uma nova gargalhada:
— Mas aonde você acha que ele vai?
— Para qualquer lugar. Sempre em frente...
Muito sério, o pequeno príncipe observou:
— Não tem problema, na minha terra é tudo tão pequeno!
E acrescentou, talvez com um pouco de melancolia:
— Sempre em frente não se pode ir muito longe...
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Assim, eu tinha passado a saber uma segunda coisa muito importante: que o planeta de origem dele era apenas pouco maior do que uma casa!
Isso não podia me espantar demais. Eu bem sabia que, além dos grandes planetas, como a Terra, Júpiter, Marte, Vênus, aos quais foram dados nomes, existem centenas de outros que às vezes são tão pequenos que até num telescópio temos dificuldade em percebê-los. Quando um astrônomo descobre um deles, dá-lhe por nome um número. Chama-o, por exemplo, de “asteroide 325”.
Tenho boas razões para acreditar que o planeta de onde vinha o pequeno príncipe é o asteroide B 612. Esse asteroide só foi visto uma vez pelo telescópio, em 1909, por um astrônomo turco.
Na época ele fez uma grande demonstração de sua descoberta em um congresso internacional de astronomia. Mas ninguém lhe deu crédito, por causa dos trajes que ele usava. Os adultos são assim.
Felizmente, para a reputação do asteroide B 612, um ditador turco impôs a seu povo, sob pena de morte, a obrigação de se vestir como os europeus. Num terno muito elegante, o astrônomo refez sua demonstração em 1920. E dessa vez todo mundo concordou com ele.
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Se lhes contei esses detalhes sobre o asteroide B 612 e os informei sobre o seu número, é por causa dos adultos. Os adultos adoram números. Quando vocês falam a eles de um novo amigo, nunca perguntam sobre o essencial. Nunca dizem para vocês: “Como é o som da voz dele? Que brincadeiras ele prefere? Por acaso ele coleciona borboletas?”. As indagações que fazem são estas: “Que idade ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto pesa? Quanto ganha o pai dele?”. Só então eles acham que o conhecem. Se um de vocês diz para os adultos: “Eu vi uma casa linda, de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombos sobre o telhado...”, eles não chegam a imaginar tal casa. É preciso dizer-lhes: “Eu vi uma casa de cem mil francos”. Aí então eles exclamam: “Mas que beleza!”.
Assim, se vocês disserem para eles: “A prova de que o pequeno príncipe existiu é que ele era encantador, ele ria e queria um carneiro. Quando alguém quer um carneiro, já é prova de que existe”, eles darão de ombros e os tratarão como crianças! Mas se vocês lhes disserem: “O planeta de onde ele vinha é o asteroide B 612”, eles ficarão convencidos e os deixarão tranquilos quanto às perguntas que fazem. É assim que são. Não convém querer mal a eles. As crianças devem ser muito tolerantes com os adultos.
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Mas é claro que nós, nós que entendemos a vida, não ligamos nada para os números! Eu gostaria de ter começado esta história bem à maneira dos contos de fadas. Gostaria de ter dito:
“Era uma vez um pequeno príncipe, que habitava num planeta apenas um pouco maior do que ele e que sentia necessidade de um amigo...”. Para os que entendem a vida, isso pareceria muito mais verdadeiro.
Porque eu não gosto que o meu livro seja lido às carreiras. É grande a tristeza que me invade ao contar estas lembranças. Já faz seis anos que o meu amigo partiu com o carneiro dele. E é para não o esquecer que eu tento aqui descrevê-lo. É triste esquecer um amigo. Nem todo mundo teve um amigo. E eu posso me tornar como os adultos que só se interessam pelos números. Foi por isso também que comprei um estojo de aquarela e alguns lápis. É difícil voltar a desenhar na minha idade, quando
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nunca se fez outras tentativas, além daquelas, aos seis anos, de uma sucuri por fora e de uma sucuri por dentro! Tentarei fazer retratos, é claro, o mais fielmente possível. Mas não estou totalmente certo de ter êxito. Um desenho fica razoável, outro já não mais se parece tanto. Engano-me também um pouco quanto ao tamanho. Ora o pequeno príncipe é muito grande, ora ele é pequeno demais. Hesito ainda sobre a cor da roupa dele. Vou então, meio às tontas, tateando aos poucos. Hei de me enganar, enfim, sobre certos detalhes mais importantes. Mas é preciso me desculpar por isso. O meu amigo nunca dava explicações. Talvez ele me achasse parecido com ele. Mas eu não sei, infelizmente, ver os carneiros através das caixas. Talvez eu seja um pouco como os adultos. Devo ter envelhecido.
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Todo dia eu aprendia alguma coisa sobre o planeta, sobre a partida, sobre a viagem. E isso ocorria bem lentamente, ao sabor das reflexões. Foi assim que vim a saber, no terceiro dia, do drama dos baobás.
Mais uma vez foi por causa do carneiro, pois de repente o pequeno príncipe me perguntou, como se estivesse com uma grande dúvida:
— É verdade, não é, que os carneiros comem arbustos?
— Sim, é verdade.
— Ah, como eu fico contente!
Não entendi por que era tão importante que os carneiros comessem arbustos. Mas o pequeno príncipe acrescentou:
— Por consequência, eles comem também os baobás?
Expliquei ao pequeno príncipe que os baobás não são arbustos, mas sim árvores do tamanho de igrejas, e que, mesmo se ele levasse consigo uma manada de elefantes, nem mesmo toda essa manada conseguiria dar conta de um único baobá.
A ideia da manada de elefantes fez o pequeno príncipe rir:
— Seria preciso colocar uns em cima dos outros...
Mas ele observou, ponderado:
— Os baobás, antes de crescerem, começam sendo pequenos.
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— Isso mesmo! Mas por que você quer que os carneiros comam os baobás pequenos?
Ele me respondeu:
— Ora, pense bem! — como se fosse de uma evidência que se tratasse. E eu precisei fazer um grande esforço de inteligência para compreender sozinho o problema.
De fato, no planeta do pequeno príncipe, como em todos os planetas, tanto havia ervas úteis quanto ervas daninhas. Por consequência, sementes boas de ervas úteis e más sementes de ervas daninhas. Mas as sementes são invisíveis.
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Dormem no segredo da terra até que a uma delas ocorra o capricho de despertar. Aí então ela se espicha e logo lança timidamente para o sol um exuberante e inofensivo brotinho. Se for um broto de rabanete ou de roseira, pode-se deixá-lo crescer como bem queira. Tratando-se, porém, de uma erva daninha, é preciso arrancar sem demora a planta, assim que a tenha reconhecido. Ora, no planeta do pequeno príncipe havia umas sementes terríveis... eram as sementes de baobás. O solo do planeta estava infestado delas. Se a gente só cuidar de um baobá quando já for muito tarde, nunca mais poderá livrar-se dele. A árvore atravanca todo o planeta, perfurando-o com as suas raízes. E, se o planeta for muito pequeno e os baobás muito numerosos, eles o fazem estourar.
— É uma questão de disciplina — diria mais tarde o pequeno príncipe. — Depois que a gente acaba de se arrumar de manhã, tem de arrumar cuidadosamente o planeta. Tem de se obrigar regularmente a arrancar os baobás, desde que os distingamos das roseiras, com as quais eles se parecem bastante quando são bem pequenos. É um trabalho muito chato, mas muito fácil.
Um dia ele aconselhou que eu me esforçasse a fazer um belo desenho, para que assim isso entrasse bem na cabeça das crianças da minha terra.
— Se um dia elas viajarem — disse-me —, poderá ser útil. Às vezes não há inconveniente em se deixar para mais tarde um trabalho. Mas, se se tratar de baobás, isso sempre vira uma catástrofe. Conheci um planeta que era habitado por um preguiçoso. Ele tinha descuidado de três arbustos...
Seguindo as indicações do pequeno príncipe, desenhei o tal planeta. Não gosto nada de assumir pose de moralista. Mas o perigo dos baobás é tão pouco conhecido, e os riscos aos quais se expõe quem se perde num asteroide são tão consideráveis, que, por uma vez, faço exceção ao meu escrúpulo. E digo: “Prestem atenção aos baobás, crianças!”. É para advertir os meus amigos de um perigo do qual eles passavam bem perto, há tempos, sem saber, como eu mesmo, que trabalhei tanto nesse desenho. A lição que eu dava compensava o esforço. Talvez vocês se perguntem: Por que não há neste livro outros desenhos tão grandiosos quanto o desenho dos baobás? A resposta é muito simples: Bem que eu tentei, mas não consegui ter sucesso. Ao desenhar os baobás, fui animado pelo sentimento da urgência.
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Ah, pequeno príncipe, pouco a pouco eu compreendi, assim, sua vidinha melancólica. Por muito tempo você não teve outra distração além da doçura do pôr do sol. Foi na manhã do quarto dia que passei a saber desse detalhe novo, quando você me disse:
— Eu adoro o pôr do sol. Vamos ver um...
— Mas é preciso esperar...
— Esperar o quê?
— Esperar que o Sol se ponha.
Com um jeito muito surpreso de início, você depois riu de si mesmo. E me disse:
— Eu sempre acho que estou na minha terra!
De fato. Quando é meio-dia nos Estados Unidos, o Sol, como todo mundo sabe, se põe na França. Bastaria poder ir à França em um minuto para assistir ao pôr do sol. Infelizmente a França está muito afastada. Mas, no seu planeta tão pequeno, bastava você arredar a cadeira uns poucos passos e já olhava o crepúsculo toda vez que quisesse...
— Um dia eu vi o Sol se pôr quarenta e quatro vezes!
E um pouco depois você acrescentou:
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— Sabe, quando a gente está realmente triste... gosta do pôr do sol.
— No dia das quarenta e quatro vezes, você então estava realmente triste?
Mas o pequeno príncipe não respondeu.
7No quinto dia, sempre por causa do carneiro, este segredo da vida do pequeno príncipe me foi revelado. Ele me perguntou sem mais nem menos, sem preâmbulo, como o fruto de um problema meditado por longo tempo em silêncio:
— Um carneiro, se come arbustos, também come flores?
— Um carneiro come tudo o que encontra pela frente.
— Até as flores que têm espinhos?
— Sim. Até as flores que têm espinhos.
— Então para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava ocupado demais na hora, tentando desenroscar um parafuso muito apertado do meu motor. Minha inquietação era grande, porque o defeito começava a me parecer bem grave e a água de beber, que já estava acabando, fazia-me temer o pior.
— Para que servem os espinhos?
O pequeno príncipe, desde que a tinha feito, nunca desistia da pergunta. O tal do parafuso me deixava irritado e eu respondi qualquer coisa:
— Os espinhos não servem para nada, existem por maldade pura das flores!
— Oh!
Mas, após um instante calado, ele gritou como se enraivecido:
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— Não acredito nisso! As flores são fracas. São ingênuas. Elas se garantem como podem. Com os seus espinhos, acham que são terríveis...
Não respondi nada. No mesmo instante eu me dizia: “Se esse parafuso continuar resistindo, vou arrancá-lo de uma martelada”. O pequeno príncipe voltou a atrapalhar minhas reflexões:
— Você acredita então que as flores...
— Não, não e não! Não acredito nada! — eu respondi qualquer coisa. — Eu, sabe, eu cuido das coisas sérias!
Ele me olhou cheio de espanto:
— “De coisas sérias”!
Ele me via, martelo na mão e dedos pretos de óleo, curvado sobre um objeto que lhe parecia bem feio.
— Você fala como os adultos!
Isso me deu um pouco de vergonha. Mas ele, impiedoso, acrescentou:
— Você confunde tudo... mistura tudo!
Realmente ele estava muito irritado. Seus cabelos dourados se agitavam no vento.
— Eu conheço um planeta onde vive um senhor que é pura agitação. Nunca ele cheirou uma flor. Nunca ele olhou para uma estrela. Nunca ele gostou de ninguém. Nunca ele fez
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nada, a não ser ficar somando. E o dia inteiro, como você, ele repete: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!”, e isso o faz inchar de orgulho. Mas ele não é um homem, é um cogumelo!
— Um quê?
— Um cogumelo!
O pequeno príncipe, de tão zangado, agora estava todo pálido.
— Há milhões de anos que as flores produzem espinhos. Há milhões de anos que os carneiros, mesmo assim, comem as flores. Não é então sério tentar entender por que elas se esforçam tanto para produzir espinhos que nunca servem para nada? Não é importante a guerra entre os carneiros e as flores? Isso não é mais sério e mais importante do que as somas feitas por um homem gordo e agitado? E, se eu sei de uma flor que é única no mundo, que não existe em lugar nenhum, a não ser no meu planeta, e que um carneirinho pode extinguir com uma bocada, sem mais nem menos, certa manhã, sem se dar conta do que está fazendo, então isso não é importante?
Ruborizando-se, ele continuou:
— Se alguém gosta de uma flor da qual só existe um espécime, nos milhões e milhões de estrelas, isso basta para que ele fique feliz quando olha para ela. Ele se diz: “Minha flor está em algum lugar por lá...”. Mas, se o carneiro come a flor, para ele é como se de repente todas as estrelas se apagassem!
E então isso não é importante?
Nada mais ele pôde dizer. Bruscamente desatou a chorar. A noite tinha caído. Eu larguei minhas ferramentas. Já não ligava para o meu martelo, para o meu parafuso, nem para a sede e a morte. Numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, havia um pequeno príncipe para eu consolar! Eu o peguei nos braços. Eu o ninei. Eu dizia para ele:
— A flor de que você gosta não está em perigo... Vou desenhar uma focinheira para o seu carneiro... Vou desenhar uma armadura para a sua flor... Vou...
Eu não sabia mais o que dizer. Sentia-me completamente sem jeito. Não sabia como tocá-lo, como me unir a ele... O país das lágrimas é realmente um grande mistério!
8Aprendi bem depressa a saber qual era essa flor. No planeta do pequeno príncipe, sempre tinha havido flores simples, ornadas por só uma fileira de pétalas, que não ocupavam muito espaço e não incomodavam ninguém. Elas apareciam de manhã na grama, depois sumiam de noite. Mas aquela germinou um dia, de uma semente vinda não se sabe de onde, e o pequeno príncipe ficou acompanhando bem de perto o brotinho, que não se assemelhava a nenhum outro. Podia ser que fosse uma nova espécie de baobá. Porém logo parou de crescer e começou a preparar uma flor. O pequeno príncipe, que assistia à instalação de um botão enorme, sentia que dali sairia uma aparição milagrosa, mas a flor não acabava de se preparar para ser bela, dentro do seu abrigo verde. Escolhia suas cores com cuidado. Lentamente ela se vestia, ajustando uma a uma as pétalas. Não queria se abrir toda enrugada, como as papoulas. Só queria
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se mostrar no pleno esplendor da sua beleza. Ah, sim, ela era muito coquete! Sua misteriosa toalete durou, portanto, dias e dias. Eis que enfim, certa manhã, justamente na hora do nascer do Sol, ela se exibiu.
E, depois de ter trabalhado com tanta exatidão, disse bocejando:
— Ah, eu mal despertei... Peço-lhe que me desculpe... Ainda estou toda descabelada...
O pequeno príncipe não pôde conter sua admiração:
— Como você é linda!
— Pois é — respondeu a flor de forma meiga. — E eu nasci ao mesmo tempo que o Sol...
O pequeno príncipe percebeu sem dúvida que ela não era nada modesta, embora fosse tão comovente.
Logo em seguida ela acrescentou:
— Como acho que está na hora do café da manhã, espero que você tenha a bondade de pensar em mim...
E o pequeno príncipe, muito confuso, tendo ido buscar um regador com água fresca, pôs-se a servir a flor.
Assim ela o atormentou bastante com a sua vaidade bem melindrosa. Um dia, por exemplo, falando de seus quatro espinhos, ela disse para o pequeno príncipe:
— Os tigres, com as suas garras, podem vir quando quiserem!
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— Não há tigres no meu planeta — discordou o pequeno príncipe — e, além do mais, tigres não comem ervas.
— Mas eu não sou uma erva — respondeu com meiguice a flor.
— Me perdoe...
— Os tigres não me amedrontam, mas das correntes de ar eu tenho horror. Quem sabe você teria um biombo?
“Horror das correntes de ar”, ponderou o pequeno príncipe, “não é nada bom para uma planta. Esta flor é muito complicada...”
— De noite, convém me pôr numa redoma. Faz muito frio aqui na sua terra, as instalações não são boas. Lá de onde eu venho...
Ela, porém, se interrompeu. Era em forma de semente que tinha vindo, nada poderia saber sobre outros mundos. Humilhada por se deixar surpreender enquanto preparava uma mentira tão esfarrapada, ela tossiu duas ou três vezes, para levar o pequeno príncipe a se sentir culpado.
— E aquele biombo?
— Eu já ia buscá-lo, mas você falava comigo!
Ela então forçou ainda mais a tosse, para mesmo assim lhe dar remorso.
Desse modo o pequeno príncipe, apesar da boa vontade do seu amor, rapidamente duvidou dela. Tendo levado a sério palavras sem importância, tornou-se muito infeliz.
Um dia ele me fez esta confidência:
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— Eu não devia ter dado atenção a ela, não convém nunca ouvir as flores. Basta olhar para elas, basta cheirá-las. A minha perfumava o meu planeta, mas eu não soube me alegrar com isso. Aquela história das garras, que me deixou tão nervoso, deve ter me comovido...
Confidenciou-me ainda mais:
— Não entendi nada na época. Eu deveria tê-la julgado pelos atos e não pelas palavras. Ela me perfumava e animava. Nunca eu deveria ter fugido! Melhor teria sido se, por trás das suas tolas manhas, eu tivesse percebido a sua ternura. As flores são tão contraditórias! Mas eu era muito jovem para saber amá-la.
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9Acho que ele se valeu, para ir embora, de uma migração de aves silvestres. Na manhã da partida, pôs o seu planeta bem em ordem. Limpou cuidadosamente os seus vulcões ativos. Ele possuía dois vulcões em atividade. E isso era muito cômodo para esquentar o café da manhã. Possuía também um vulcão extinto, sobre o qual ele dizia: “Nunca se sabe!”. Limpou, portanto, do mesmo modo, o vulcão extinto. Os vulcões, quando estão bem limpos, queimam lenta e regularmente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como o fogo das chaminés. É evidente que em nossa terra somos pequenos demais para limpar os nossos vulcões. É por isso que nos causam tantos problemas.
O pequeno príncipe arrancou também, com um pouco de melancolia, as últimas mudas de baobás. Ele acreditava não voltar nunca mais. Mas todos esses trabalhos rotineiros, naquela manhã, pareceram-lhe extremamente agradáveis. E quando, pela última vez, ele regou a flor e se preparou para abrigá-la sob a redoma, sentiu vontade de chorar.
— Adeus — disse para a flor.
Mas ela não respondeu.
— Adeus — ele repetiu.
A flor tossiu. Mas não foi por causa do resfriado.
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— Eu fui muito boba — ela disse enfim. — Peço que me desculpe. Tente ser feliz.
Surpreso com a ausência de reprimendas, ele ficou ali plantado, todo sem jeito, com a redoma na mão. Não entendia aquela calma doçura.
— Pois é, eu te amo — disse a flor para ele. — Você não soube de nada por culpa minha. Isso não tem nenhuma importância. Mas você foi tão bobo quanto eu. Agora tente ser feliz... Deixe em paz essa redoma. Não a quero mais...
— Mas e o vento...
— Não estou tão gripada assim... O ar fresco da noite me fará bem. Sou uma flor.
— Mas e os animais...
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— É inevitável que eu aguente duas ou três lagartas, se quiser conhecer as borboletas. Parece que elas são tão bonitas. Senão, quem virá me visitar? Você já estará muito longe. Quanto aos grandes animais, não temo nada. Tenho as minhas garras.
E ingenuamente ela exibia os seus quatro espinhos. Depois acrescentou:
— Não fique assim se arrastando, é irritante. Vá logo!
Porque ela não queria que ele a visse chorar. Era uma flor tão orgulhosa...
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Ele estava na região dos asteroides 325, 326, 327, 328, 329 e 330. Começou então a visitá-los, para aí se instruir e procurar uma ocupação.
O primeiro era habitado por um rei. O rei tomava assento, com peles de arminho e purpurina em seus trajes, num trono simples, no entanto majestoso.
— Ah, cá está um súdito! — exclamou o rei ao perceber o pequeno príncipe. E o pequeno príncipe se perguntou:
“Como ele pode me reconhecer, se nunca tinha me visto?”.
Ele não sabia que o mundo, para os reis, é muito simplificado. Todos os homens são súditos.
— Aproxime-se para que eu o veja melhor — disse-lhe o rei, todo orgulhoso de enfim ser rei para alguém.
O pequeno príncipe olhou em volta, procurando um lugar para sentar-se, mas todo o planeta estava atravancado pelo suntuoso manto de arminho. Ficou, portanto, de pé e, como estava cansado, bocejou.
— A etiqueta não permite bocejar diante de um rei — disse-lhe o monarca. — Proíbo-o de fazer isso.
— Não tenho como me impedir — respondeu, confuso, o pequeno príncipe. — Fiz uma longa viagem e não dormi...
— Nesse caso — disse-lhe o rei — eu lhe ordeno bocejar. Há anos que não vejo ninguém abrindo a boca assim. Os
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bocejos para mim são curiosidades. Vamos, boceje outra vez! É uma ordem.
— O senhor me intimida... não consigo mais — disse o pequeno príncipe, ruborizando.
— Hum, hum — o rei respondeu. — Então eu... eu lhe ordeno ora bocejar, ora...
Ele gaguejava um pouco e parecia vexado.
Porque o rei fazia questão de que a sua autoridade fosse respeitada. Não tolerava desobediência. Era um monarca
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absoluto. Mas, como ele era muito bom, dava ordens razoáveis.
Frequentemente dizia: “Se eu desse a um general a ordem de se transformar em ave marinha, e ele não obedecesse, a falta não seria do general, e sim minha”.
— Posso sentar? — o pequeno príncipe indagou timidamente.
— Eu lhe ordeno que sente — respondeu o rei, puxando majestosamente uma aba do seu manto de arminho.
Mas o pequeno príncipe estava intrigado. O planeta era minúsculo. Sobre o que o rei podia reinar afinal?
— Majestade... — disse-lhe ele. — Peço que me perdoe por interrogá-lo...
— Eu lhe ordeno me interrogar — apressou-se em dizer o rei.
— Majestade... sobre o que reina o senhor?
— Sobre tudo — respondeu com simplicidade o rei.
— Sobre tudo?
O rei, com um gesto discreto, designou o seu planeta, os outros planetas e as estrelas.
— Sobre tudo isso? — o pequeno príncipe perguntou.
— Sobre tudo isso — o rei respondeu.
Porque ele não só era um monarca absoluto, mas também um monarca universal.
— E as estrelas lhe obedecem?
— Claro — disse o rei. — E obedecem rapidamente. Não tolero indisciplina.
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Tal poder deixou maravilhado o pequeno príncipe. Se ele mesmo o possuísse, poderia ter assistido não a quarenta e quatro, mas a setenta e dois, ou até a cem ou mesmo a duzentos crepúsculos num dia só, sem jamais precisar arrastar a sua cadeira! E, como ele se sentia um pouco triste, devido à lembrança de seu planetinha abandonado, atreveu-se a pedir ao rei um favor:
— Eu queria ver um pôr do sol... Conceda-me este prazer... Ordene ao Sol que se ponha.
— Se eu mandasse um general voar de flor em flor, como faz uma borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em ave marinha, e se o general não cumprisse a ordem recebida, de quem seria o erro, dele ou meu?
— Seria seu — disse com firmeza o pequeno príncipe.
— Exatamente. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar — prosseguiu o rei. — A autoridade se baseia, antes de tudo, na razão. Se você ordenar ao seu povo que se jogue no mar, ele fará uma revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência, porque as minhas ordens são razoáveis.
— E quanto ao meu pôr do sol? — lembrou o pequeno príncipe, que nunca se esquecia de uma pergunta, desde que a tinha feito.
— Você terá o seu pôr do sol. Eu o exigirei. Mas vou esperar, com os meus conhecimentos de governança, que as condições sejam favoráveis.
— Quando será isso? — o pequeno príncipe quis saber.
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— Hein! Hein! — respondeu o rei, consultando primeiro um grande calendário. — Hein! Hein! Será lá pelas... pelas... será logo mais, pelas sete horas e quarenta! E você verá como eu sou mesmo obedecido.
O pequeno príncipe bocejou. Lamentava o seu pôr do sol perdido e já estava se entediando um pouco.
— Não tenho mais nada a fazer aqui — disse ele para o rei. — Vou embora.
— Não vai não — respondeu o rei, que estava orgulhoso de ter um súdito. — Fique comigo que eu o nomeio ministro.
— Ministro de quê?
— Da... da Justiça!
— Mas não há ninguém aqui para julgar!
— Nunca se sabe — disse o rei. — Eu ainda não percorri todo o meu planeta. Estou muito velho, falta-me espaço para uma carruagem e andar me cansa.
— Oh! Mas eu já vi! — falou o pequeno príncipe, que se inclinou para dar ainda uma olhada no outro lado do planeta. — Por lá também não tem ninguém...
— Você então julgará a si mesmo — respondeu o rei. — É o mais difícil. Julgar-se é muito mais difícil do que julgar os outros. Se conseguir julgar-se bem, você será um verdadeiro sábio.
— Mas — o pequeno príncipe disse — não importa onde posso julgar a mim mesmo. Não tenho necessidade de morar aqui.
— Hein! Hein! — disse o rei. — Estou bem desconfiado de que em algum lugar do meu planeta há um rato velho.
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Durante a noite eu o escuto. Você poderá julgar esse rato, condenando-o de quando em quando à morte. A vida dele, assim, dependerá da sua justiça. Mas você o perdoará todas as vezes, para poupá-lo. Não há senão um rato velho.
— Não gosto de condenar à morte — respondeu o pequeno príncipe — e acho até que já estou indo.
— Não — disse o rei.
Mas o pequeno príncipe, tendo acabado os seus preparativos, não queria entristecer o velho monarca:
— Se Vossa Majestade desejasse ser pontualmente obedecida, bem poderia dar-me uma ordem razoável. Poderia ordenar que eu parta, por exemplo, dentro de um minuto. As condições parecem ser favoráveis...
Nada tendo o rei respondido, o pequeno príncipe hesitou de início, mas depois, com um suspiro, lá se foi...
— Eu o nomeio embaixador — logo tratou o rei de gritar.
Tinha um ar de grande autoridade.
“Os adultos são muito estranhos”, dizia-se o pequeno príncipe, lá consigo, durante a sua viagem.
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O segundo planeta era habitado por um vaidoso.
— Ah! Ah! Eis a visita de um admirador! — exclamou de longe o vaidoso, desde que percebeu o pequeno príncipe.
Porque, para os vaidosos, todos os outros homens são admiradores.
— Bom dia — o pequeno príncipe disse. — Que chapéu engraçado o seu!
— É para as saudações — respondeu o vaidoso. — Para eu saudar quando me aplaudem. Infelizmente nunca passa ninguém por aqui.
— Ah, é? — disse o pequeno príncipe, sem entender.
— Bata as mãos uma na outra — sugeriu então o vaidoso.
O pequeno príncipe bateu as mãos uma na outra.
O vaidoso, levantando o seu chapéu, fez uma saudação discreta.
“Isso é mais divertido do que a visita ao rei”, disse consigo mesmo o pequeno príncipe. E recomeçou a bater as mãos uma na outra, enquanto o vaidoso recomeçava a saudar, levantando o seu chapéu.
Após cinco minutos de exercício, o pequeno príncipe se cansou da monotonia da brincadeira:
— E o que é preciso fazer para o chapéu cair? — ele perguntou.
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Mas o vaidoso não o ouviu. Os vaidosos nunca ouvem nada, a não ser os elogios.
— Você de fato me admira muito? — perguntou ele ao pequeno príncipe.
— O que significa “admirar”?
— “Admirar” significa reconhecer que eu sou o homem mais bonito, mais bem-vestido, mais rico e mais inteligente do planeta.
— Mas você vive sozinho no seu planeta!
— Dê-me este prazer. Admire-me assim mesmo!
— Eu te admiro — disse o pequeno príncipe. — Mas que importância isso pode ter para você?
E lá se foi o pequeno príncipe.
“Decididamente os adultos são muito esquisitos”, limitou-se a dizer para si mesmo, durante a sua viagem.
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O planeta seguinte era habitado por um beberrão. Essa visita foi muito breve, mas fez o pequeno príncipe afundar numa grande melancolia:
— O que você está fazendo aí ? — perguntou ao beberrão, que ele encontrou instalado em silêncio diante de uma coleção de garrafas vazias e uma coleção de garrafas cheias.
— Estou bebendo — o beberrão respondeu, com uma aparência tétrica.
— E por que você bebe? — perguntou-lhe o pequeno príncipe.
— Para esquecer — o beberrão respondeu.
— Esquecer o quê? — indagou o pequeno príncipe, já sentindo pena dele.
— Para esquecer que eu tenho vergonha — confessou o beberrão, baixando a cabeça.
— Vergonha de quê? — questionou o pequeno príncipe, com vontade de socorrê-lo.
— Vergonha de beber! — concluiu o beberrão, antes de se fechar definitivamente em silêncio.
E o pequeno príncipe, perplexo, lá se foi.
“Os adultos são decididamente muito, muito esquisitos”, dizia consigo durante a sua viagem.
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O quarto planeta era o do homem de negócios. Esse homem estava tão ocupado que nem sequer levantou a cabeça quando o pequeno príncipe chegou.
— Bom dia — disse-lhe o visitante. — O seu cigarro está apagado.
— Três mais dois são cinco. Cinco mais sete, doze. Doze mais três, quinze. Bom dia. Quinze mais sete, vinte e dois. Vinte e dois mais seis, vinte e oito. Não há tempo para acendê-lo de novo. Vinte e seis mais cinco, trinta e um. Ufa! Isso, portanto, dá quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil e setecentos e trinta e um.
— Quinhentos milhões de quê?
— Hein? Você ainda está aí? Quinhentos e um milhões de... já nem sei mais... eu tenho tanto trabalho! Sou um cara sério, não me distraio com ninharias! Dois mais cinco, sete...
— Quinhentos e um milhões de quê? — repetiu o pequeno príncipe, que nunca na vida tinha desistido de uma pergunta, desde que a houvesse feito.
O homem de negócios ergueu a cabeça:
— Nos cinquenta e quatro anos que habito neste planeta, não fui perturbado senão três vezes. A primeira, há vinte e dois anos, foi por um besouro que só Deus sabe de onde caiu. Ele fazia um barulho assustador, e eu cometi quatro erros
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numa soma. A segunda vez, há onze anos, foi por uma crise de reumatismo. Sinto falta de exercício. Não tenho tempo de andar à toa. Sou um cara sério. A terceira vez... é esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões...
— Milhões de quê?
O homem de negócios entendeu que não havia nenhuma esperança de tranquilidade:
— Milhões dessas coisinhas que a gente vê de vez em quando no céu.
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— Moscas?
— Não, dessas coisinhas que brilham.
— Abelhas?
— Não, não. Dessas coisinhas douradas que fazem os vadios sonhar. Mas eu não, eu sou sério! Não tenho tempo para viver sonhando.
— Ah! Estrelas?
— Isso mesmo. Estrelas.
— E o que você faz com quinhentos milhões de estrelas?
— Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil e setecentos e trinta e um. Eu sou um cara sério, sou exato.
— E o que você faz com essas estrelas?
— O que faço com elas?
— É.
— Nada. Eu as possuo.
— Você possui as estrelas?
— É.
— Mas eu já vi um rei que...
— Os reis não possuem. Eles “reinam” sobre. É muito diferente.
— E para que te serve possuir as estrelas?
— Me serve para ser rico.
— E ser rico te serve para quê?
— Para comprar outras estrelas, se alguém as encontrar.
“Esse aí”, disse consigo mesmo o pequeno príncipe, “raciocina um pouco como o beberrão”.
Ele, no entanto, ainda fez outras perguntas:
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— Como se pode possuir as estrelas?
— A quem elas pertencem? — replicou, rabugento, o homem de negócios.
— Não sei. A ninguém.
— Nesse caso então são minhas, porque eu fui o primeiro a pensar nelas.
— E isso basta?
— Claro. Quando você encontra um diamante que não pertence a ninguém, ele é seu. Quando encontra uma ilha que não pertence a ninguém, ela é sua. Quando é o primeiro a ter uma ideia, você tira uma patente e ela é sua. Eu assim possuo as estrelas, porque nunca ninguém antes de mim pensou em possuí-las.
— Isso é verdade — disse o pequeno príncipe. — E o que você faz com elas?
— Eu as administro. Conto e reconto todas — disse o homem de negócios. — É difícil. Mas eu sou um cara sério!
O pequeno príncipe ainda não estava satisfeito.
— Bem, eu, se possuo um cachecol, posso colocá-lo no pescoço e o levar comigo. Se possuo uma flor, posso colher a minha flor e a levar comigo. Você, porém, não pode colher estrelas!
— Não, mas eu posso colocá-las no banco.
— O que quer dizer isso?
— Quer dizer que eu anoto num papelzinho a quantidade de estrelas que eu tenho. E depois tranco esse papel à chave, numa gaveta.
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— E isso é tudo?
— Isso basta.
“É engraçado”, pensou o pequeno príncipe. “É bem poético. Mas não é muito sério.”
O pequeno príncipe tinha sobre as coisas sérias ideias muito diferentes das ideias dos adultos.
— Eu — disse ele ainda — possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões que eu limpo todas as semanas. Limpo também o que está extinto, pois nunca se sabe. É útil assim para os meus vulcões e útil para a minha flor que eu os possua. Mas você não é útil às estrelas...
O homem de negócios chegou até a abrir a boca, mas não achou o que responder. E lá se foi o pequeno príncipe.
“Decididamente os adultos são totalmente extraordinários”, limitava-se a dizer para si mesmo, durante a viagem.
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O quinto planeta era muito curioso. Era o menor de todos. Lá não havia mais do que o espaço necessário para um lampião e um acendedor de lampiões. O pequeno príncipe não conseguia se explicar para que podiam servir, em algum lugar do céu, num planeta sem população nem casas, um lampião e um acendedor de lampiões. Ele, no entanto, falou para si mesmo:
“Pode bem ser que este homem seja insensato. Ele, porém, é menos insensato que o rei, que o vaidoso, que o homem de negócios e o beberrão. Pelo menos o trabalho dele tem um sentido. Quando acende o lampião, é como se ele fizesse nascer mais uma estrela, ou uma flor. Quando apaga o lampião, põe a estrela ou a flor para dormir. É uma ocupação bem bonita. E, por ser bonita, é realmente útil”.
Quando ele chegou ao planeta, cumprimentou respeitosamente o acendedor:
— Bom dia. Por que você acaba de apagar o seu lampião?
— É a ordem — o acendedor respondeu. — Bom dia.
— Mas que ordem é essa?
— A de apagar o meu lampião. Boa noite. E ele o reacendeu.
— Mas por que você acaba de acendê-lo de novo?
— É a ordem — respondeu o acendedor.
— Não entendo — disse o pequeno príncipe.
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— Não tem nada o que entender — o acendedor disse. — Ordem é ordem. Bom dia.
E ele apagou o seu lampião.
Depois enxugou a testa com um lenço vermelho quadriculado.
— É terrível o trabalho que eu faço. Antigamente era mais razoável. Eu apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir...
— E a ordem mudou depois daquela época?
— Não, a ordem não mudou — o acendedor disse. — Aí é que está o problema! De ano em ano o planeta passou a girar mais rápido, e a ordem não mudou!
— Então? — disse o pequeno príncipe.
— Então agora, como ele dá uma volta por minuto, não tenho mais um instante de sossego. Eu acendo e apago de minuto em minuto!
— Que engraçado! Os dias na sua terra duram só um minuto!
— Não é nada engraçado — disse o acendedor. — Já faz um mês que estamos conversando.
— Um mês?
— Pois é. Trinta minutos, trinta dias! Boa noite.
E ele voltou a acender o lampião.
O pequeno príncipe lhe deu uma olhada e gostou daquele acendedor que era tão dedicado a cumprir a ordem. Ao lembrar-se dos crepúsculos em busca dos quais ele ia outrora, puxando a sua cadeira, quis ajudar o seu amigo:
— Sabe... eu sei de um modo para você descansar quando quiser...
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— Bem que eu gostaria — o acendedor disse.
Porque alguém pode ser, ao mesmo tempo, dedicado e preguiçoso.
O pequeno príncipe continuou:
— O seu planeta é tão pequeno que apenas com três passadas você já dá a volta nele. Basta que ande bem devagar para ficar sempre no sol. Quando quiser descansar, você anda... e o dia assim vai durar o tempo que você bem quiser.
— Isso não me adianta muito — disse o acendedor. — O que eu mais gosto na vida é de dormir.
— Então não é bom — disse o pequeno príncipe.
— Não, não é nada bom — o acendedor disse. — Bom dia.
E ele apagou o lampião.
“Esse daí”, disse consigo o pequeno príncipe, enquanto se afastava ainda mais na sua viagem, “esse daí seria desprezado por todos os outros, pelo rei, pelo vaidoso, pelo beberrão e pelo homem de negócios. No entanto é o único que não me parece ridículo. E talvez porque ele se ocupa de outra coisa, e não de si mesmo.”
Com um suspiro de lamento, ele se disse ainda:
“Esse daí é o único que eu poderia ter feito meu amigo. Mas o planeta dele é realmente muito pequeno. Lá não tem lugar para dois...”.
O que o pequeno príncipe não ousava admitir a si mesmo é que lamentava partir daquele abençoado planeta, sobretudo por causa dos seus mil quatrocentos e quarenta pores do sol a cada vinte e quatro horas!
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O sexto planeta, que era um planeta dez vezes maior, era habitado por um senhor que escrevia livros enormes.
— Que ótimo, aí vem um explorador! — exclamou ele ao perceber o pequeno príncipe.
O pequeno príncipe, meio ofegante, sentou-se em cima da mesa. Tinha viajado tanto!
— De onde você está vindo? — perguntou-lhe o velho senhor.
— Que livrão é esse? — disse o pequeno príncipe. — E o que o senhor faz aqui?
— Sou geógrafo — o senhor respondeu.
— O que é um geógrafo?
— É um estudioso que sabe onde ficam os mares, os rios, as cidades, as montanhas e os desertos.
— Isso é muito interessante — disse o pequeno príncipe.
— É enfim uma profissão de verdade! — E ele deu uma olhada em volta, no planeta do geógrafo. Nunca até então tinha visto um planeta tão majestoso.
— É bem bonito o seu planeta. Tem oceanos aí ?
— Isso eu não posso saber — disse o geógrafo.
— Ah! (O pequeno príncipe ficou decepcionado.) E tem montanhas?
— Isso eu não posso saber — disse o geógrafo.
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— E cidades e rios e desertos?
— Isso também não posso saber — disse o geógrafo.
— Mas o senhor é geógrafo!
— É verdade — disse o geógrafo. — Mas não sou explorador. Sinto uma falta enorme de exploradores. Não é o geógrafo quem vai fazer a contagem das cidades, dos rios, das montanhas, dos mares, dos oceanos e dos desertos. O geógrafo é muito importante para andar sem destino. Ele não sai do seu escritório, mas aí recebe os exploradores. Interrogando-os,
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toma nota das lembranças que trazem. Quando as lembranças de um deles lhe parecem interessantes, o geógrafo manda fazer uma investigação sobre a conduta moral do explorador.
— Por que isso?
— Porque um explorador que mentisse provocaria catástrofes nos livros de geografia. Como também um explorador que bebesse muito.
— Por que razão? — o pequeno príncipe perguntou.
— Porque os bêbados veem tudo dobrado. O geógrafo, nesse caso, anotaria duas montanhas onde existe apenas uma.
— Eu conheço uma pessoa — disse o pequeno príncipe — que seria um mau explorador.
— Isso às vezes acontece. Sendo assim, quando a conduta moral do explorador parece boa, faz-se uma investigação sobre a sua descoberta.
— Vão lá vê-la?
— Não, seria muito complicado. Exige-se, porém, do explorador que ele forneça provas. Quando se trata, por exemplo, de uma montanha grande, exige-se que de lá ele traga grandes pedras.
De repente o geógrafo se emocionou.
— Mas você, que vem de longe! Você é um explorador! Você vai me descrever o seu planeta!
E o geógrafo, tendo aberto o seu livro de registros, fez a ponta num lápis. Primeiro se anota a lápis os relatos dos exploradores. Para anotar à tinta, espera-se que o explorador tenha dado provas.
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— E então? — o geógrafo interrogou.
— Oh, a minha terra — o pequeno príncipe disse — não é nada interessante, tudo é muito pequeno lá. Tenho três vulcões. Dois vulcões em atividade e um vulcão extinto. Porque a gente nunca sabe.
— É, nunca se sabe — disse o geógrafo.
— Eu também tenho uma flor.
— Nós não anotamos as flores — o geógrafo disse.
— Mas por que isso? São o que há de mais bonito!
— Porque as flores são efêmeras.
— O que quer dizer “efêmero”?
— As geografias — disse o geógrafo — são de todos os livros os mais sérios. Elas nunca saem de moda. É muito raro que uma montanha mude de lugar. É muito raro que um oceano se esvazie da água que contém. Nós escrevemos coisas eternas.
— Mas os vulcões extintos podem voltar à atividade — o pequeno príncipe interrompeu. — O que quer dizer “efêmero”?
— Que os vulcões estejam extintos, ou em atividade, para nós isso dá na mesma — disse o geógrafo. — Para nós o que importa é a montanha. Ela não muda.
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— Mas o que quer dizer “efêmero”? — repetiu o pequeno príncipe, que nunca na sua vida desistira de uma pergunta, desde que a tinha feito.
— Quer dizer “que está ameaçado de desaparecer em breve”.
— A minha flor está ameaçada de desaparecer em breve?
— Com certeza.
“A minha flor é efêmera”, disse consigo o pequeno príncipe, “e ela só tem quatro espinhos para se defender do mundo.”
O seu primeiro impulso de pesar foi esse. Ele, porém, retomando coragem, perguntou:
— O que o senhor me aconselha a visitar?
— O planeta Terra — respondeu o geógrafo. — Tem boa reputação...
E lá se foi o pequeno príncipe, pensando na sua flor.
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O sétimo planeta foi, portanto, a Terra.
A Terra não é um planeta qualquer! Contam-se aí cento e onze reis (sem esquecer, é claro, os reis negros), sete mil geógrafos, novecentos mil homens de negócios, sete milhões e meio de beberrões, trezentos e onze milhões de vaidosos, ou seja, quase dois bilhões de adultos.
Para dar uma ideia das dimensões da Terra, eu lhes direi que, antes da invenção da eletricidade, era preciso manter aí, no conjunto dos seis continentes, um verdadeiro exército de quatrocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e onze acendedores de lampiões.
Isso, visto de certa distância, causava um efeito esplêndido. Os movimentos desse exército se harmonizavam como os de um balé de ópera. Primeiro era a vez dos acendedores de lampiões da Nova Zelândia e da Austrália. Depois esses, tendo acendido os seus lampiões, iam dormir. Aí entravam na dança os acendedores de lampiões da China e da Sibéria. Depois esses também se recolhiam aos bastidores. Chegava então
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a vez dos acendedores de lampiões da Rússia e da Índia. Depois vinham os da África e da Europa. Depois os da América do Sul. Depois os da América do Norte. E nunca eles se enganavam na sua ordem de entrada em cena. Era grandioso.
Apenas o acendedor do único lampião do Polo Norte e o seu colega do único lampião do Polo Sul levavam vidas de ócio e despreocupação: eles só trabalhavam duas vezes por ano.
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Quando a gente quer fazer graça, pode até mentir um pouco. Eu não fui muito correto ao lhes falar dos acendedores de lampiões. Corro o risco de dar uma ideia falsa sobre o nosso planeta àqueles que o não conhecem. As pessoas ocupam pouquíssimo lugar na Terra. Se os dois bilhões de habitantes que povoam a Terra se mantivessem em pé e bem juntos, como num comício, facilmente eles caberiam numa praça pública de vinte milhas de comprimento por vinte milhas de largura. Seria possível amontoar a humanidade na menor ilhota do Pacífico.
Os adultos, é claro, não acreditarão em vocês. Eles imaginam ocupar muito espaço. Acham-se importantes como baobás. Vocês podem sugerir que eles mesmos façam o cálculo. Os adultos ficarão satisfeitos, porque adoram números. Mas não percam tempo com essa trabalheira. É inútil. Confiem em mim.
O pequeno príncipe, uma vez na Terra, ficou, pois, muito surpreso por não ver ninguém. Já estava até com medo de ter se enganado de planeta, quando um anel da cor da Lua se remexeu na areia.
— Boa noite — disse casualmente o pequeno príncipe.
— Boa noite — disse a cobra.
— Em que planeta eu caí ? — o pequeno príncipe perguntou.
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— Na Terra, na África — a cobra respondeu.
— Ah!... Então não há ninguém na Terra?
— Aqui é o deserto. Nos desertos não há ninguém. A Terra é grande — disse a cobra.
O pequeno príncipe sentou numa pedra e ergueu os olhos para o céu, dizendo:
— Eu me pergunto se as estrelas são iluminadas para que cada um possa um dia encontrar a sua. Olhe lá o meu planeta. Acha-se bem em cima de nós... Mas como está longe!
— Ele é belo — disse a cobra. — E você, o que veio fazer aqui?
— Tenho dificuldades com uma flor — o pequeno príncipe disse.
— Ah! — fez a cobra.
E os dois se calaram.
— Onde estão as pessoas? — voltou enfim a falar o pequeno príncipe. — No deserto se fica um pouco sozinho...
— Entre as pessoas também se fica sozinho — a cobra disse. O pequeno príncipe a olhou por um bom tempo.
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— Você é um bicho gozado — disse ele então. — Fina como um dedo...
— Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei — falou a cobra.
O pequeno príncipe deu um sorriso:
— Tão poderosa assim você não é... nem sequer tem patas... nem sequer pode viajar.
— Posso levá-lo mais longe do que um navio — a cobra disse.
E ela se enrolou, como um bracelete de ouro, em volta do tornozelo do pequeno príncipe:
— Devolvo à terra da qual saiu a pessoa na qual eu toco
— disse ela ainda. — Mas você vem de uma estrela e é puro...
O pequeno príncipe não respondeu nada.
— Você me dá pena, por ser tão fraco nesta Terra de granito. Um dia eu posso ajudá-lo, se sentir muita saudade de seu planeta. Posso...
— Oh, já entendi muito bem! — disse o pequeno príncipe.
— Mas por que você sempre fala por meio de enigmas?
— Eu os resolvo todos — a cobra disse.
E os dois se calaram.
O pequeno príncipe atravessou o deserto e não encontrou senão uma flor. Uma flor de três pétalas, uma flor de nada...
— Bom dia — o pequeno príncipe disse.
— Bom dia — disse a flor.
— Onde estão os homens? — perguntou gentilmente o pequeno príncipe.
A flor, um dia, tinha visto passar uma caravana:
— Os homens? Eu acho que existem uns seis ou sete. Faz muitos anos que os vi. Mas ninguém nunca sabe onde encontrá-los. O vento os espalha. Como eles não têm raízes, isso os incomoda muito.
— Adeus — disse o pequeno príncipe.
— Adeus — disse a flor.
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O pequeno príncipe escalou uma alta montanha. As únicas montanhas que ele já havia conhecido eram os três vulcões que lhe chegavam à altura do joelho. Do vulcão extinto ele se servia como de um tamborete. “De uma montanha alta como esta”, disse ele pois consigo mesmo, “vou poder ver de uma só vez todo o planeta e todas as pessoas...” Porém ele não viu nada, além de picos de pedra bem pontudos.
— Bom dia — ele disse ao acaso.
— Bom dia... bom dia... bom dia... — respondeu o eco.
— Quem é você? — o pequeno príncipe perguntou.
— Quem é você... quem é você... quem é você... — respondeu o eco.
— Sejam meus amigos, eu estou sozinho — ele disse.
— Eu estou sozinho... eu estou sozinho... eu estou sozinho... — respondeu o eco. “Que planeta mais estranho!”, pensou então. “É todo seco, todo pontudo e todo salgado. E aos homens falta imaginação. Eles só repetem o que a gente lhes diz... Na minha terra eu tinha uma flor, e era sempre ela que falava primeiro...”
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Mas aconteceu de o pequeno príncipe, depois de caminhar muito tempo pelos areais, pelas pedras e pela neve, finalmente descobrir uma estrada. E todas as estradas vão para onde os homens estão.
— Bom dia — ele disse.
Era um jardim cheio de rosas em flor.
— Bom dia — disseram as rosas.
O pequeno príncipe olhou bem para elas. Todas eram parecidas com a sua flor.
— Quem são vocês? — perguntou ele, espantado.
— Somos rosas — as rosas disseram.
— Ah! — disse o pequeno príncipe...
E se sentiu muito infeliz. A sua flor tinha lhe garantido que ela era a única da sua espécie no universo. Mas eis que ali, num só jardim, havia cinco mil delas, todas parecidas!
“Ela ficaria muito humilhada”, disse ele consigo, “se visse isso... ia tossir sem parar e até se fingiria de morta para escapar do ridículo. E eu bem que seria obrigado a fingir e cuidar dela, porque senão, para humilhar também a mim, ela realmente se deixaria morrer...”
Depois ele pensou ainda: “Eu me achava rico, com uma flor única, e a que eu possuo é apenas uma rosa comum.
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Ela e os meus três vulcões, que batem no meu joelho, e um dos quais talvez esteja extinto para sempre, não fazem de mim um príncipe de tanta grandeza...”. E ele, deitado na grama, chorou.
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Foi aí que apareceu a raposa:
— Bom dia — a raposa disse.
— Bom dia — respondeu educadamente o pequeno príncipe, que se virou, mas não viu nada.
— Estou aqui — disse a voz — embaixo da macieira...
— Quem é você, tão bonitinha? — ele perguntou.
— Sou uma raposa — a raposa disse.
— Quer vir brincar comigo? — propôs o pequeno príncipe.
— Eu estou tão triste...
— Brincar contigo não posso — disse a raposa. — Eu ainda não sou mansa, não fui cativada.
— Ah, desculpe! — disse o pequeno príncipe.
Mas, após pensar, ele acrescentou:
— O que quer dizer “cativar”?
— O que você, que não é daqui, anda procurando? — a raposa perguntou.
— Procuro os homens — o pequeno príncipe disse. — O que quer dizer “cativar”?
— Os homens têm armas — disse a raposa — e caçam. É muito desagradável. Também criam galinhas. É o único interesse deles. Você anda procurando galinhas?
— Não — disse o pequeno príncipe. — Eu procuro amigos. Mas o que quer dizer “cativar”?
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— É algo já muito esquecido — a raposa disse. — Quer dizer “criar vínculos...”.
— Criar vínculos?
— Isso mesmo — disse a raposa. — Para mim você não passa por enquanto de um garotinho igual a outros cem mil garotinhos. Eu não preciso de você, assim como você não precisa de mim. Para você eu não passo de uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se você me cativar, teremos necessidade um do outro. Você será para mim único no mundo. E eu serei única para você no mundo...
— Estou começando a entender — o pequeno príncipe disse. — Existe uma flor... que eu acho que me cativou...
— Isso às vezes acontece — disse a raposa. — Na Terra se vê um pouco de tudo...
— Mas não é na Terra! — disse o pequeno príncipe. A raposa pareceu muito intrigada:
— Num outro planeta?
— É.
— E lá nesse planeta há caçadores?
— Não.
— Ah, que interessante! E galinhas?
— Não.
— Nada é perfeito — suspirou a raposa. Depois ela voltou a dizer o que pensava:
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— A minha vida é monótona. Eu caço as galinhas, os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem. Eu assim me entedio um pouco. Mas, se você me cativar, a minha vida ficará como que ensolarada. Eu reconhecerei um barulho de passos que será diferente de todos os outros. Outros passos fazem eu me enfiar sob a terra. Já o seu me chamará, como uma música, para fora da toca. E olhe só! Você está vendo, lá embaixo, as plantações de trigo? Eu não como pão. Para mim o trigo é inútil. Os trigais não me fazem lembrar de nada, e isso é triste! Mas o seu cabelo é da cor do ouro. Será então maravilhoso quando você me cativar! O trigo, que é dourado, me fará lembrar de você. E o barulho do vento nos trigais me trará satisfação.
A raposa se calou e, por um bom tempo, ficou olhando para o pequeno príncipe:
— Por favor... me cative! — disse ela.
— Eu até gostaria — respondeu o pequeno príncipe —, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para conhecer.
— Só conhecemos as coisas que nós cativamos — a raposa disse. — Os homens não têm mais tempo para conhecer
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nada. Compram coisas já prontas, nas lojas. Mas, como não existem vendedores de amigos, os homens não fazem mais amizades. Se você quiser um amigo, me cative!
— O que é preciso fazer? — disse o pequeno príncipe.
— É preciso ser muito paciente — respondeu a raposa. — Primeiro você senta na grama, assim, um pouco longe de mim. Eu o olharei com o canto do olho e você não dirá nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas cada dia você poderá sentar um pouco mais perto...
No dia seguinte o pequeno príncipe voltou.
— Teria sido melhor voltar na mesma hora — disse a raposa. — Se você vem, por exemplo, às quatro horas da tarde, eu começarei a me sentir feliz desde as três. Quanto mais tarde for, mais feliz vou me sentir. Às quatro horas, já estarei toda inquieta e agitada, descobrindo o valor da felicidade! Mas, se você chegar de repente, nunca eu vou saber em que hora preparar o meu coração... Precisamos de ritos.
— O que é um rito? — perguntou o pequeno príncipe.
— Também é algo já muito esquecido — a raposa disse. — É o que faz um dia ser diferente dos outros e uma hora ser diferente das outras. Há um rito, por exemplo, entre os meus caçadores. Na quinta-feira eles dançam com as moças da aldeia. Por isso a quinta é um dia maravilhoso, eu posso sair passeando até o vinhedo! Se eles dançassem não importa quando, todos os dias seriam parecidos, e eu nunca teria folga.
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v
E assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Ao se aproximar a hora da partida, a raposa disse:
— Ah, eu vou chorar!
— Por culpa sua — disse o pequeno príncipe. — De modo algum eu te queria mal, mas você quis que eu te cativasse...
— Com certeza — a raposa disse.
— Mas você vai chorar — disse o pequeno príncipe.
— Com certeza — a raposa disse.
— Você então não ganha nada com isso!
— Ganho sim — disse a raposa —, por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
— Vá rever as rosas. Você irá entender que a sua é única no mundo. Quando voltar para me dizer adeus, eu te farei presente de um segredo. v
Lá se foi o pequeno príncipe rever as rosas.
— Vocês não são nem um pouco parecidas com a minha rosa, vocês ainda não são nada — ele disse para elas. — Ninguém cativou vocês e vocês não cativaram ninguém. Vocês são como era a minha raposa, que não passava de uma raposa semelhante a cem mil outras. Mas dela eu fiz uma amiga, e ela agora é única no mundo.
As rosas ficaram muito sem jeito.
— Vocês são bonitas, mas são vazias — disse-lhes ainda.
— Por vocês não se pode dar a vida. Claro que um passante qualquer iria achar que a minha rosa se parece com vocês.
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Mas sozinha ela é mais importante do que todas vocês, por ter sido ela a que foi regada por mim. Por ter sido ela a que botei na redoma. Por ter sido ela a que protegi com o biombo. Por ter sido nela que matei as lagartas (salvando, por causa das borboletas, duas ou três). Por ter sido ela que eu escutei se queixar, se gabar ou até mesmo às vezes se calar. Porque ela é a minha rosa.
v E ele se voltou para a raposa:
— Adeus — disse.
— Adeus — a raposa disse. — Aqui está o meu segredo, que é muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
— O essencial é invisível para os olhos — repetiu o pequeno príncipe, a fim de se lembrar.
— É o tempo que você perdeu com a sua rosa que torna a sua rosa tão importante.
— É o tempo que eu perdi com a minha rosa... — disse o pequeno príncipe, a fim de se lembrar.
— Os homens se esqueceram dessa verdade — a raposa disse. — Mas você não deve esquecê-la. Você se torna responsável para sempre por aquilo que você cativou. Você é responsável pela sua rosa.
— Sou responsável pela minha rosa... — repetiu o pequeno príncipe, a fim de se lembrar.
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— Bom dia — disse o pequeno príncipe.
— Bom dia — disse o agulheiro.
— O que você faz aqui? — o pequeno príncipe quis saber.
— Eu separo os viajantes, de mil em mil — disse o agulheiro da estrada de ferro. — Despacho os trens que os transportam, ora para a direita, ora para a esquerda.
E um rápido e iluminado, barulhento como um trovão, fez tremer a cabine de controle.
— Eles estão muito apressados — o pequeno príncipe disse. — O que procuram?
— Nem mesmo o maquinista da locomotiva sabe — disse o agulheiro.
E um segundo trem iluminado estrondou em sentido inverso.
— Eles já estão voltando? — indagou o pequeno príncipe.
— Não, não são os mesmos — o agulheiro disse. — É uma troca.
— Lá onde estavam, eles não estavam contentes?
— Ninguém nunca está contente onde está — disse o agulheiro.
E estrondou o trovão de um terceiro rápido iluminado.
— Esses aí estão perseguindo os primeiros viajantes? — perguntou o pequeno príncipe.
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— Não perseguem nada de nada — o agulheiro disse. — Lá dentro, ou eles bocejam ou dormem. Só as crianças esmagam o nariz nas vidraças.
— Só as crianças sabem o que procuram — disse o pequeno príncipe. — Perdem tempo com uma boneca de pano que para elas se torna muito importante e, se a tirarem delas, choram...
— Elas têm sorte — disse o agulheiro.
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— Bom dia — disse o pequeno príncipe.
— Bom dia — disse o comerciante.
Era um vendedor de pílulas aperfeiçoadas para matar a sede. A pessoa que engole uma por semana não sente mais necessidade de beber água.
— Por que você está vendendo isso? — o pequeno príncipe perguntou.
— É uma grande economia de tempo — disse o vendedor. — Os especialistas já calcularam. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana.
— E o que a gente faz com esses cinquenta e três minutos?
— O que a gente bem quiser...
— Eu — disse o pequeno príncipe —, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, tranquilamente andaria até uma bica...
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Estávamos no oitavo dia da minha pane no deserto quando ouvi a história desse vendedor, bebendo a última gota da minha provisão de água:
— Ah! — eu disse para o pequeno príncipe. — As suas recordações são muito interessantes, mas eu ainda não consertei o meu avião, não tenho mais o que beber e ficaria também feliz da vida se pudesse ir andando tranquilamente até uma bica!
— Minha amiga raposa... — ele disse.
— Escute aqui, meu amiguinho, não se trata mais da raposa!
— Por quê?
— Porque nós vamos morrer de sede...
Não entendendo o meu raciocínio, ele me respondeu:
— É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu fico muito contente de ter tido uma amiga raposa...
“Ele não calcula o perigo”, eu disse comigo. “Nunca tem sede nem fome. Basta-lhe um pouco de sol...”
Mas ele olhou para mim e respondeu ao meu pensamento:
— Eu também estou com sede... vamos procurar um poço...
Fiz um gesto de canseira: é um absurdo procurar um poço ao acaso, na imensidade do deserto. No entanto nós nos pusemos em marcha.
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Quando já tínhamos caminhado horas, em silêncio, a noite caiu e as estrelas começaram a brilhar. Eu as notava como em sonho, porque tinha um pouco de febre, devido à minha sede. As palavras do pequeno príncipe dançavam na minha memória.
— Então você também está com sede? — perguntei a ele.
Mas ele não me respondeu. Simplesmente me disse:
— A água também pode ser boa para o coração...
Não entendi a frase dele, mas me calei... Eu bem sabia que não convinha interrogá-lo.
Ele estava cansado. Sentou-se. Eu me sentei ao lado. Após um silêncio, ele disse ainda:
— As estrelas são belas por causa de uma flor que não se vê...
Eu respondi “com certeza” e, sem nada dizer, fixei o olhar nas dobras da areia sob a Lua.
— O deserto é belo... — ele acrescentou.
E era verdade. Eu sempre adorei o deserto. A gente senta numa duna de areia. Não vê nada. Não ouve nada. No entanto alguma coisa resplandece em silêncio.
— O que embeleza o deserto — disse o pequeno príncipe — é que em algum lugar ele esconde um poço...
Surpreendi-me ao compreender de repente esse misterioso resplendor da areia. Quando eu era bem garoto, morei numa
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casa antiga, e uma lenda contava que nela havia um tesouro enterrado. É claro que ninguém nunca chegou a encontrá-lo e talvez nem mesmo o tenha procurado. Mas tal tesouro encantava toda a casa. No fundo do seu coração, a minha casa escondia um segredo...
— Pois é — eu disse para o pequeno príncipe —, quer se trate de uma casa, das estrelas ou do deserto, o que faz a beleza dessas coisas é invisível!
— Fico contente — disse ele — que você esteja de acordo com a minha raposa.
Tendo o pequeno príncipe adormecido, peguei-o nos braços e continuei a caminho. Eu estava emocionado. Parecia-me carregar um tesouro frágil. Parecia-me mesmo não haver nada de mais frágil sobre a Terra. Ao luar, eu contemplava aquela testa pálida, aqueles olhos fechados, aquelas mechas de cabelo tremendo ao vento, e me dizia: “Tudo o que você vê não passa de uma casca. O mais importante é invisível...”.
Como os seus lábios entreabertos esboçavam um ligeiro sorriso, eu me disse ainda: “O que me emociona tanto assim nesse pequeno príncipe adormecido é a sua fidelidade a uma flor, é a imagem de uma rosa que resplandece nele como a chama de um lampião, até mesmo quando ele dorme...”.
E o percebi então ainda mais frágil. É preciso proteger com cuidado os lampiões: um golpe de vento pode apagá-los...
E eu, andando assim, ao nascer do dia descobri o poço.
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— Os homens se enfurnam nos trens rápidos — disse o pequeno príncipe —, porém não sabem mais o que procuram. Agitam-se e ficam só dando voltas...
E ele acrescentou:
— Isso não vale a pena...
O poço ao qual nós chegamos não se parecia com os poços do Saara. Os poços saarianos são simples buracos cavados na areia. O nosso era mais semelhante a um poço de aldeia. Mas não havia por lá nenhuma aldeia, e eu achei que estava sonhando.
— É estranho — eu disse para o pequeno príncipe —, está tudo em ordem: a roldana, o balde, a corda...
Ele riu e, puxando a corda, fez a roldana se mover.
A roldana gemeu como um velho cata-vento geme quando o vento dormiu por muito tempo.
— Você ouviu? — disse o pequeno príncipe. — Nós despertamos o poço e ele está cantando...
Eu não queria que ele fizesse esforço:
— Deixe por minha conta — disse-lhe eu —, é pesado demais para você.
Lentamente puxei o balde até a borda do poço, onde o instalei bem aprumado. Nos meus ouvidos perdurava o canto da roldana e, na água que ainda se mexia, eu via o próprio Sol se mexendo.
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— Ah, que sede dessa água! — disse o pequeno príncipe. — Me dê uns goles...
E eu entendi o que ele procurava!
Ergui o balde até os lábios dele. De olhos fechados, ele bebeu. Gostosa como um grande prazer, essa água era muito diferente de um alimento qualquer. Tinha brotado da caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, do esforço dos meus braços. Era boa para o coração, como um presente. Quando eu era criança, a luz da árvore de Natal, a música da missa da meia-noite, a doçura dos sorrisos faziam, assim, todo o esplendor do presente de Natal que eu ganhava.
— Os homens da sua terra — o pequeno príncipe disse — cultivam num mesmo jardim cinco mil rosas... e não encontram ali o que procuram...
— Pois é, não encontram... — eu respondi.
— No entanto o que eles procuram poderia ser encontrado numa única rosa ou num pouco de água...
— Com certeza — concordei.
E o pequeno príncipe acrescentou:
— Os olhos são cegos. É preciso procurar com o coração. v
Eu, tendo bebido, respirava bem. Ao nascer do dia a areia é cor de mel, e essa cor de mel também me punha contente. Por que teria eu de me dar ao trabalho...
— Você tem de cumprir sua promessa — disse-me meigamente o pequeno príncipe, que de novo veio sentar-se perto de mim.
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— Que promessa?
— Você sabe, ué... uma focinheira para o meu carneiro... eu sou responsável por aquela flor!
Tirei do bolso os meus esboços. O pequeno príncipe viu os desenhos e disse, rindo:
— Os seus baobás são meio parecidos com repolhos...
— Oh!
E eu que estava tão orgulhoso dos baobás!
— As orelhas... da sua raposa... estão meio parecidas com chifres... e são compridas demais!
Ele continuava rindo.
— Você está sendo injusto, amiguinho. Eu não sabia desenhar nada, a não ser sucuris por fora e sucuris por dentro.
— Vai dar certo — ele disse —, as crianças entendem.
Rabisquei, pois, uma focinheira. E senti um aperto no coração quando a entreguei a ele:
— Você tem uns planos que eu desconheço...
Em vez de me responder, ele disse:
— Sabe, amanhã será o aniversário... da minha queda na Terra...
Após um instante de silêncio, disse ainda:
— Eu caí bem perto daqui...
E ficou corado.
E eu de novo, sem entender por quê, senti uma estranha tristeza. Ocorreu-me, no entanto, uma pergunta:
— Então não era por acaso que, na manhã em que nos conhecemos, há oito dias, você andava à toa, sozinho, a mil
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milhas de todas as regiões habitadas! Estava voltando para o ponto onde caiu?
Outra vez o pequeno príncipe corou.
E eu, hesitante, acrescentei:
— Talvez por causa do aniversário?
O pequeno príncipe corou ainda mais. Ele nunca respondia às perguntas, mas, quando a gente cora, quer dizer “sim”, não é?
— Ah! — disse-lhe eu —, estou temendo...
Ele então me falou:
— Você agora tem de trabalhar. Tem de ir de novo para o seu avião. Volte amanhã à tarde, que eu vou te esperar aqui.
Eu, porém, não me sentia tranquilo. Eu me lembrava da raposa. A gente corre o risco de chorar um pouquinho, quando se deixa cativar...
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Ao lado do poço havia a ruína de um velho muro de pedras. Quando eu voltei do meu trabalho, no dia seguinte à tarde, notei de longe o meu pequeno príncipe lá em cima, sentado com as pernas pendentes. E ouvi o que ele falava:
— Você então não se lembra? — dizia. — Não é bem aqui não!
Outra voz lhe respondeu, sem dúvida, porque ele respondeu:
— Sim, sim, o dia está certo, mas o lugar não é aqui...
Continuei andando na direção do muro. Não via nem ouvia ninguém, embora o pequeno príncipe tenha replicado de novo:
— ... Com certeza. Você verá onde começa o meu rastro na areia. Basta você me esperar lá, que lá eu estarei hoje à noite.
Eu já me achava a vinte metros do muro e continuava sem ver nada.
O pequeno príncipe disse ainda, após um instante de silêncio:
— Você tem um bom veneno? Tem certeza de não me fazer sofrer muito tempo?
Parei, de coração apertado, mas sempre sem entender.
— Vá embora agora... — ele disse. — Eu quero descer daqui. Eu mesmo então abaixei os olhos para o pé do muro e dei um pulo! Lá estava, erguida para o pequeno príncipe, uma
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daquelas cobras amarelas que em trinta segundos nos matam. Enfiei a mão no bolso para apanhar o meu revólver e comecei a correr, mas, pelo barulho que fiz, a cobra se pôs a deslizar suavemente pela areia, como um esguicho de água que some, e, sem se apressar demais, entrou entre as pedras com um leve ruído de metal.
Cheguei ao muro bem a tempo de acolher nos meus braços o meu amiguinho príncipe, pálido como a neve.
— Que história é essa! Agora você conversa com cobras!
Eu havia desamarrado o eterno cachecol dele. Havia molhado as suas têmporas e lhe dei de beber. E agora não ousava lhe perguntar mais nada. Ele me olhou gravemente, passando-me os braços pelo pescoço. Eu sentia o seu coração batendo como o de um passarinho que morre, quando lhe dão um tiro de espingarda. Ele me disse:
— Fico contente por você ter conseguido resolver o problema do seu avião. Vai então poder voltar para casa...
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— Como você soube disso?
Eu vinha justamente comunicar a ele que, contra todas as esperanças, o meu trabalho tinha dado certo.
Sem responder à minha pergunta, ele acrescentou:
— Eu também, hoje, vou voltar para casa...
Depois, melancólico:
— É bem mais longe... bem mais difícil...
Eu sentia com bastante clareza que alguma coisa extraordinária estava acontecendo. Apertava-o nos braços, como a uma criancinha, contudo tinha a impressão de que ele ia escorregando para o fundo de um abismo, sem que eu tivesse como retê-lo.
Sério, o seu olhar se perdia ao longe:
— Tenho o seu carneiro. Tenho a caixa para o carneiro. Tenho a focinheira...
E melancolicamente ele sorriu.
Esperei um bom tempo. Sentia que, pouco a pouco, ele se reanimava:
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— Meu amiguinho, você bem que teve medo...
Com certeza ele tinha tido medo! Mas riu cheio de doçura:
— Hoje à noite terei muito mais medo...
Senti-me outra vez gelado pelo sentimento do irreparável. E entendi que eu não suportava a ideia de nunca mais ouvir aquele riso que, para mim, era como uma fonte no deserto.
— Ainda quero te ouvir rindo, meu amiguinho...
Mas ele me disse:
— Vai fazer um ano esta noite. A minha estrela estará bem em cima do lugar em que eu caí no ano passado...
— Não será um pesadelo, amiguinho, essa história de cobra e de encontro marcado e de estrela?...
Ele, porém, sem me dar resposta à pergunta, disse:
— O que é importante não se vê...
— Com certeza...
— É como com a flor. Se você gosta de uma flor que se encontra numa estrela, é bom, de noite, olhar para o céu. Todas as estrelas estão floridas.
— Com certeza.
— É como com a água. Aquela que você me deu para beber era igual a uma música, por causa da roldana e da corda... você se lembra... era uma água boa.
— Com certeza...
— De noite você olhará para as estrelas. A minha terra é muito pequena para eu mostrar onde se encontra. É melhor assim. A minha estrela será, para você, uma das estrelas. E
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então você gostará de olhar para todas elas... Todas as estrelas serão suas amigas. Além do mais eu vou lhe dar um presente...
E ele riu mais uma vez.
— Ah, meu amiguinho, meu amiguinho, como eu gosto de ouvir esse riso!
— O meu presente será justamente esse... e será como com a água...
— O que você quer dizer?
— As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, não são nada, a não ser luzes minúsculas. Para outros ainda, que são especialistas no assunto, elas são problemas. Para o meu homem de negócios, elas eram ouro. Mas todas essas estrelas se mantêm caladas. Mas você vai ter estrelas como ninguém tem...
— O que você quer dizer?
— Quando você olhar para o céu, de noite, como eu habitarei numa delas, como estarei numa delas rindo, para você será então como se todas as estrelas rissem. Você, e só você, terá estrelas que sabem rir!
E ele riu mais uma vez.
— E, quando você se consolar (a gente sempre se consola), ficará contente de me ter conhecido. Será sempre meu amigo e terá vontade de rir junto comigo. De vez em quando você abrirá a janela, sem mais nem menos, só pelo prazer... E os seus amigos ficarão muito espantados de te ver rindo
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ao olhar para o céu. Você então lhes dirá: “Pois é, as estrelas sempre me fazem rir!”. E eles vão achá-lo maluco. Que boa peça eu terei pregado em você...
E mais uma vez ele riu.
— Será como se eu tivesse te dado, em vez de estrelas, montes de guizos bem pequenos que sabem rir.
E ele riu outra vez. Depois voltou a ficar sério:
— Hoje à noite... sabe... é melhor você não vir.
— Eu não vou te largar.
— Eu terei jeito de estar passando mal... terei um pouco jeito de morrer. É assim que é. Não venha ver isso, não vale a pena...
— Eu não vou te largar.
Mas ele estava preocupado.
— É também por causa da cobra... que eu te digo isso. Não convém que ela o morda... São malvadas as cobras, e uma pode morder só por prazer...
— Eu não vou te largar.
Uma coisa, porém, o tranquilizou:
— Na verdade elas não têm mais veneno para uma segunda mordida... v
Eu não o vi, naquela noite, pôr-se a caminho. Ele tinha escapado sem barulho. Quando consegui alcançá-lo, já andava decidido, a passos rápidos. Disse-me apenas:
— Ah, você está aí...
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E pegou na minha mão. Mas ainda se atormentava:
— Você fez mal. Vai ficar aflito. Eu parecerei estar morto e isso não será verdade...
Eu fiquei quieto.
— Você entende. Lá é muito longe. Não dá para eu carregar este corpo, que é pesado demais.
Eu fiquei quieto.
— Mas ele será como uma velha casca abandonada. As cascas velhas não são tristes...
Eu fiquei quieto.
Ele já desanimava um pouco, mas ainda fez um esforço:
— Será bem delicado, sabe. Eu também vou olhar para as estrelas. Todas as estrelas serão poços com uma roldana enferrujada. Todas as estrelas me darão de beber...
Eu fiquei quieto.
— Vai ser tão divertido! Você terá quinhentos milhões de guizos e eu terei quinhentos milhões de fontes.
E ele também ficou quieto, porque estava chorando...
v
— É ali. Deixe que eu dê um passo sozinho.
E ele se sentou, porque tinha medo. Disse ainda:
— Você sabe... por minha flor... eu sou responsável! E ela é tão fraquinha! É tão ingênua! Tem apenas quatro espinhos de nada para se proteger contra o mundo.
Eu me sentei, porque não me aguentava mais em pé. Ele disse:
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— Aí está... É só isso...
Ele ainda hesitou um pouco, depois se levantou. Deu um passo. Eu não consegui me mexer.
Não houve nada, além de um clarão amarelo perto do seu tornozelo. Por um instante ele se manteve imóvel. Não gritou. Caiu lentamente como uma árvore cai. Por causa da areia, nem sequer fez barulho.
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E agora, é claro, já faz seis anos... Eu não tinha contado ainda esta história. Os colegas que reencontrei ficaram muito contentes de me ver vivo. Eu estava triste, mas dizia para eles: “É o cansaço...”.
Já me consolei um pouco. Sim, um pouco... e não totalmente. Porém bem sei que ele voltou para o seu planeta, porque, ao nascer do dia, não encontrei o corpo dele. Um corpo que aliás não era assim tão pesado... E eu, de noite, gosto de ouvir estrelas. É como se elas fossem quinhentos milhões de guizos...
Mas eis que algo de extraordinário acontece. Na focinheira que eu desenhei para o pequeno príncipe, esqueci de acrescentar a coleira de couro! Jamais ele conseguiria prendê-la no carneiro. Daí então eu me pergunto: “O que terá acontecido no planeta dele? Talvez o carneiro já tenha até comido a flor...”.
Uma hora eu me digo: “Decerto que não! Todas as noites o pequeno príncipe guarda a sua flor dentro da redoma de vidro e vigia bem o carneiro...”. Então eu fico feliz. E todas as estrelas riem sossegadamente.
Outra hora eu me digo: “De vez em quando a gente se distrai, e basta isso! Basta que ele tenha se esquecido da redoma uma noite, ou então que o carneiro tenha saído na
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escuridão sem barulho...”. E todos os guizos se transformam em lágrimas...
É um mistério enorme o que aí temos. Para mim, como para vocês que também gostam do pequeno príncipe, nada no universo é a mesma coisa se, em algum lugar, que nós não sabemos qual, um carneiro que não conhecemos comeu ou não uma rosa...
Olhem bem para o céu. Perguntem-se: “O carneiro comeu ou não comeu a flor?”. E vocês verão como tudo muda...
Nenhum adulto jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!
Esta é para mim a paisagem mais bela e mais triste do mundo. É igual à paisagem anterior, mas eu a desenhei novamente para mostrá-la bem a vocês. Foi aqui que o pequeno príncipe apareceu sobre a terra e, depois, desapareceu.
Olhem com toda a atenção esta paisagem, para terem a certeza de que a reconhecerão, caso um dia viajem pelo deserto na África. Se eventualmente vocês passarem por lá, peço-lhes, com toda a insistência, que não se apressem,
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v
v
esperem um pouco bem embaixo da estrela! Se um menino então lhes aparecer, se ele rir, se tiver cabelos de ouro, se não responder quando é interrogado, vocês logo saberão de quem se trata. Façam-me então a gentileza, não me deixem assim tão triste: sem demora me escrevam que ele está de volta...
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POSFÁCIO
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para os que crescem sabendo desenhar por
Diana Corso
O lugar de onde veio nosso príncipe extraterrestre, mais parecido com uma criança que com um marciano, lembra muito aquele do qual nós todos saímos. Seu minúsculo planeta é como a casa da gente: quando somos bem pequenos, achamos que ela é imensa, igual ao planeta inteiro. O mundo tem o tamanho da nossa experiência, por isso aos poucos vamos espichando o olho para o horizonte, exatamente como ele fez. Somente a partir daí o mundo conhecido revela-se minúsculo e ficamos com vontade de fazer nossa viagem de crescer.
O pequeno príncipe não vivia totalmente sozinho no asteroide B 612. No solo do seu planeta brotara uma semente trazida pelo vento, que deu origem a uma belíssima rosa. Ela era seu maior tesouro e, muito tagarela, gostava de gabar-se por ser a única flor de semelhante formosura no Universo todo. Apesar de ter tratamento de rainha, a tal rosa estava sempre insatisfeita, mostrando-se egoísta e queixosa. Assim ela fez com que seu único amigo e protetor acabasse sentindo-se triste e isso também deu a ele vontade de partir. Saiu cheio de perguntas sobre o amor, por que aqueles que a gente ama estão sempre tão insatisfeitos?
Quando crescemos um pouquinho, vamos percebendo que nem tudo ocorre a nosso contento, e a casa e a família
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não são tão harmoniosas assim. O pequeno príncipe tampouco se iludiu de que seu mundo era perfeito: lá existem os terríveis baobás, que, na verdade, não passam de uma árvore muito vigorosa. Ele precisava combater diariamente seus brotos, já que o crescimento de alguns rapidamente invadiria todo o espaço do seu asteroide. A vida era trabalhosa, os baobás insistentes e a rosa difícil de contentar. Essas dificuldades encheram o príncipe de dúvidas. Mas com quem falar sobre coisas tão complicadas?
Não demora a chegar o dia em que nosso planetinha de origem, ou nossa casa, começa a parecer chato e minúsculo, como o asteroide B 612. Também chega o dia em que a grande dama, aquela que nossos olhos consideravam única e a mais linda do Universo, que em geral é nossa mãe, parece-nos tão “resmungona” como a rosa do príncipe. Afinal, por que ela sempre reclama de nós, que tentamos tanto agradar-lhe?
Não tem o que a faça feliz? Por isso, como nosso herói, todos nós precisamos partir para longe do aconchego do ninho, que começa a parecer-nos muito apertado, e das reivindicações da nossa mãe-rosa.
Voando de carona com as aves migratórias, o pequeno príncipe foi fazendo seu turismo cósmico, conhecendo uma série de planetas povoados por outros solitários como ele. Mas estes eram adultos, portanto incapazes de comunicar-se de verdade com o visitante.
No primeiro morava um rei que fingia para si mesmo mandar em tudo. No segundo encontrou um vaidoso sem um mí-
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sero admirador. No terceiro o beberrão continuou focado apenas em seu copo. No quarto um homem de negócios possuía todas as estrelas, sem dar-se conta de que contabilizava propriedades imaginárias. No quinto um faroleiro trabalhava até a exaustão, sem questionar as regras que o escravizavam de tal maneira. No sexto um geógrafo escrevia livros sobre mundos que jamais havia visto, pois não levantava da cadeira. Nosso príncipe, que saiu para romper com sua solidão, viu, num primeiro momento, que os adultos viviam presos nela das mais diversas formas.
Foi então ao planeta Terra, onde esperava encontrar mais pessoas. Mas seu primeiro encontro não foi com mais um tipo de homem que ele não queria ser. Foi com a cobra que, como costuma acontecer com as de sua espécie, parecia estar envolvida no mistério da vida e da morte. Ela o recebeu com sua fala enigmática, além de lhe oferecer, quando quisesse, uma forma de ajudá-lo a partir.
É curioso, mas o livro de Saint-Exupéry começa com uma história de cobra que impressionou o narrador na infância: uma sucuri que engoliu um elefante inteiro e levou seis meses para digerir aquilo tudo. O narrador desenhou essa cobra com um elefante na barriga e foi mostrar o desenho para os adultos. Mas eles estão sempre muito ocupados com seus compromissos e certezas para entender que as crianças é que são sérias e não fazem perguntas à toa. Se prestassem atenção, veriam que toda mãe grávida parece uma sucuri dessas, que fica muitos meses com um enorme bebê dentro de seu ven-
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tre avultado, e que isso é um grande mistério para as crianças: como vamos parar lá e, se somos engolidos, como é que saímos inteiros?
Chegamos ao mundo cheios de curiosidade e só depois de grandes ficamos fingindo que esse negócio de nascer e morrer é natural. Não é muito estranho o fato de que uma pessoa cresce dentro do ventre de uma mulher e um belo dia simplesmente sai de lá para começar uma vida? Também é sinistro pensar que, quando seu caminho termina, essa pessoa desaparece da terra, some, e não poderemos encontrá-la nunca mais. Nosso príncipe encontrou na serpente a representante desses enigmas, sobre os quais as crianças matutam constantemente e os adultos se fazem de entendidos.
Seu segundo encontro foi com uma raposa, criaturinha escorregadia, do tipo que só será encontrada se ela quiser. Foi justamente essa especialista no jogo de esconde-esconde que explicou ao príncipe algo sobre a arte do encontro. Podemos confiar uns nos outros e até tornar-nos importantes para alguém se investirmos na relação. É preciso observar a pessoa que amamos e que queremos que nos ame, conhecê-la e fazer-nos conhecer, respeitar seus tempos de ser vista e de desaparecer, e só aí nos cativaremos mutuamente. Amar é trabalhoso, como cuidar de um planetinha, vamos certamente sofrer se perdermos aquele que nos cativou, mas só assim é possível realmente ser significativo para alguém.
Munido desses primeiros diálogos, o príncipe está pronto para o encontro com seu primeiro e único humano. Ele é o
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nosso narrador, um aviador que, como o príncipe, também caiu do céu. Para a sorte do garoto, ele era um homem que não se esquecera da sucuri que engoliu o elefante. É como se alguém pudesse encontrar-se com a criança que foi um dia e bater um papo respeitoso sobre as minhocas que ela tem na cabecinha.
Como se soubesse daquela história de cobras da infância do aviador, o príncipe pede a ele que faça um desenho. O narrador insiste na sua antiga sucuri que os adultos tinham lhe dito que não passava de um chapéu. “— Não, não... Não é um elefante dentro de uma sucuri o que eu quero” — diz, o menino, para surpresa do homem. — “Desenhe para mim um carneiro.”
Por que toda criança começa assim? Porque ela precisa que um adulto ajude a criar para ela uma realidade que contenha as coisas que ela imagina precisar. No caso, a necessidade é de um carneiro, que representa um alívio na vida dura no planeta do príncipe — um bichinho desses seria seu aliado num planeta que tem de ser capinado todo dia. Mas não precisa fazer o desenho do carneiro propriamente dito. O príncipe tem condições de imaginá-lo exatamente como ele necessita que seja: minúsculo como seu mundo e capaz de comer os brotos de baobá. O adulto só precisa dar um suporte para que a criança crie suas próprias soluções, no caso a caixinha que contém o animal. Desenhar é transformar uma ideia numa imagem, em algo que passa a ser visível, ao contrário dos nossos pensamentos. Quando uma criança desenha ou pede que o façamos, ela quer que transformemos algo
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que era só pensado em existente. Esse é um poder que todos nós temos, nunca deveríamos deixar de exercê-lo.
O pequeno príncipe e seu amigo aviador, que ainda lembrava como é que as crianças pensam, continuaram juntos por um tempo, sobrevivendo e juntando o que necessitavam para voltar. Mais do que carneiros, água ou mesmo o conserto do avião, eles se abasteceram de um encontro verdadeiro, do único tipo em que não nos sentimos sozinhos. Aquele em que alguém realmente acredita em nossos problemas e não fica dizendo que são bobagens. Quem nos compreende acaba nos oferecendo algum tipo de caixinha onde possamos criar uma solução. Eles se cativaram e se envolveram, mesmo sabendo que um dia iriam chorar por perder um ao outro.
O pequeno príncipe partiu, com ajuda da serpente, rumo ao seu planeta. Mas sua história sobrevive naqueles que têm condições de desenhar caixas de carneiros e elefantes dentro de sucuris. Qualquer um de nós pode fazer isso, só precisa lembrar-se da criança que não precisamos deixar de ser. diana lichtenstein corso Formada em Psicologia pela UFRGS é psicanalista, membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre) e colunista do jornal Zero Hora e da revista Vida Simples. Publicou o livro Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis, em 2005, e Psicanálise na Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia, em 2010, escritos em parceria com seu marido, Mário Corso, ambos finalistas do Prêmio Jabuti.
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O pescador e a raposa: a história de uma amizade por Claudio Fragata Em 1999, eu trabalhava como repórter da revista de curiosidades científicas Galileu, quando caiu em minhas mãos uma notícia antiga e curta, mas que para mim teve o efeito de um petardo. Dizia que Antoine de Saint-Exupéry esteve várias vezes no Brasil como piloto da rota sul-americana da Aéropostale, o correio aéreo da França. E que, em Florianópolis, chegou a fazer amizade com um pescador conhecido por Deca. A nota dizia também que não havia nenhum documento que comprovasse esses fatos, a não ser o relato dos moradores da praia do Campeche, lugar onde a Aéropostale mantinha um campo de pouso para os pilotos descansarem e abastecerem os aviões.
Essa parte da história foi a que mais mexeu comigo. Percebi que havia ali um mistério a ser desvendado. Sempre fui muito curioso, e o próprio Exupéry dizia que, quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. Foi o que fiz. Não sosseguei enquanto não pus a mochila nas costas e parti rumo ao Campeche.
Eu sabia que antes de se tornar o famoso autor de O Pequeno Príncipe e de outros livros como Correio Sul, Voo noturno e Terra dos homens, Exupéry havia sido um dos pioneiros da aviação. Voar, para ele, era uma paixão. Quase tudo o que escreveu foi inspirado em suas aventuras aéreas. Naquele tempo, ser piloto era sinônimo de herói: os aviões não pas-
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savam de máquinas frágeis e despencavam a toda hora por panes no motor.
Logo que cheguei ao Campeche, soube que o pescador amigo de Exupéry havia morrido. Mas que seu filho, Getúlio Manoel, tinha crescido ouvindo as histórias dessa amizade e que poderia repeti-las para mim. Antes de procurá-lo, resolvi explorar o povoado para me familiarizar com o cenário dos acontecimentos.
Era inverno e não havia turistas no Campeche. O mar azul se estendia por quilômetros de praia deserta e dunas de areia muito brancas. Imaginei que aquela paisagem não era diferente da que Exupéry tinha visto entre 1929 e 1931, época de sua passagem pelo Brasil. Visitei o prédio que servia como alojamento dos pilotos da Aéropostale, único vestígio do antigo campo de pouso. Entrei no dormitório que teria sido usado por Exupéry. Tudo muito misterioso, mas o que mais me intrigava era a natureza daquela amizade entre um piloto europeu culto e um humilde pescador brasileiro.
Exupéry descendia de uma família de nobres franceses, donos de terras e castelos. Nasceu em Lyon, na França, em 29 de junho de 1900, e foi batizado com o aristocrático nome de Antoine Jean-Baptiste Marie Roger de Saint-Exupéry. O pai dele, Jean de Saint-Exupéry, era conde, e a mãe, a condessa Marie de Fonscolombe, era filha de barão. Exupéry cresceu no castelo da família, na comuna de Saint-Maurice-de-Rémens, no interior da França, e foi educado em escolas maristas da França e da Suíça.
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Deca, apelido de Manoel Rafael Inácio, era um jovem de dezenove anos quando conheceu o piloto francês na praia do Campeche — Exupéry era dez anos mais velho. Analfabeto, Deca nunca foi à escola. Tudo o que sabia resumia-se aos segredos do mar e da pesca. Jamais conseguiu pronunciar corretamente o nome do amigo. Chamava-o de Zé Perri.
Foi pesquisando nos livros de Exupéry que encontrei a resposta para essa amizade inesperada. Em todos eles, o escritor exalta a fraternidade entre os homens. Lidava tão bem com as diferenças que, durante o período que passou isolado no deserto do Saara, antes de vir ao Campeche, conseguiu se entender com os perigosos nômades do deserto, que viviam armados até os dentes e odiavam os franceses. Existe até uma foto que mostra Exupéry muito sorridente, sentado no centro de um círculo formado por guerreiros desses povos.
Em O Pequeno Príncipe a amizade está representada na cena em que a raposa ensina ao principezinho que, caso ele a cativasse, passariam a ter necessidade um do outro: “Se você quiser um amigo, me cative!”. Estou certo de que com Deca e Exupéry não foi diferente. Um não falava francês e o outro não falava português. Mesmo assim, entenderam-se com a linguagem do coração, aquela que é “invisível aos olhos”.
Quando enfim conversei com Getúlio Manoel, ele me contou que, antes de pousar no Campeche, Exupéry anunciava sua chegada pelo rádio do avião. Deca imediatamente entrava no mar com sua rede. Quando o amigo francês aterrissava, um delicioso peixe assado já esperava por ele. Getú-
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lio também me mostrou uma cópia das escalas dos pilotos da Aéropostale que passaram pelo Campeche durante aquele período, e nela aparecia por diversas vezes um nome misterioso: Antoine.
No começo de 1931, do mesmo modo como há dois anos havia repentinamente aparecido em sua máquina voadora, “Zé Perri” foi embora para nunca mais voltar. Deca ficou sem notícias do amigo. Enquanto vivia sua pacata rotina de pescador, Exupéry seguia com sua agitada vida de escritor, de piloto e, principalmente, de aventureiro. “Não é o perigo que amo, é a vida”, costumava dizer.
Em abril, ele se casou com a artista plástica salvadorenha Consuelo Gomez Carrilo, com quem viveu um romance atribulado, cheio de separações e reencontros. Como seu novo trabalho era voar a rota de Casablanca, no Marrocos, a Port-Etienne, na Mauritânia, o casal foi morar na África. Nesta época, seu livro Voo noturno ganhou o Femina, um dos mais importantes prêmios literários da França. Daí em diante, sua carreira de escritor “decolou”.
Exupéry nunca abandonou a aviação, embora seus colegas o considerassem um piloto distraído e um pouco irresponsável. Sofreu vários desastres aéreos. O primeiro foi na Líbia, quando tentava fazer o trecho Paris-Saigon em tempo recorde. O avião ficou em pedaços e ele rastejou durante cinco dias pelo deserto escaldante até ser salvo por uma caravana. Tornou a sofrer outro acidente quando testava um hidroavião na Côte d’Azur, na França. Mas sua pior queda foi
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na Guatemala, em 1938. Exupéry quebrou vários ossos e ficou com limitações motoras para o resto da vida.
Horrorizado com a invasão da França pelos nazistas, Exupéry se exilou nos Estados Unidos. Foi lá que escreveu O Pequeno Príncipe, publicado em 1943. Não viveu para ver o sucesso internacional do livro. Ele se ofereceu para lutar na Segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados e, em 1944, desapareceu no fundo do mar Mediterrâneo durante uma missão aérea, provavelmente abatido por caças alemães.
Durante décadas, sua morte permaneceu envolta em mistério. Ninguém sabia o local exato da queda do avião e seu corpo nunca foi encontrado. O enigma foi desvendado mais de cinquenta anos depois, em 1998, quando um pescador recolheu do fundo do mar de Marselha uma pulseira que trazia os nomes de Exupéry e de sua esposa, Consuelo. Em 2003, explorando a região, um mergulhador conseguiu localizar alguns pedaços da fuselagem do avião pilotado por ele, mais tarde autenticados por órgãos oficiais de investigação.
A notícia da morte de Exupéry chegou ao Campeche dois anos depois do ocorrido. Getúlio Manoel me contou que, quando mostraram uma foto do piloto-escritor para seu pai, ele reconheceu o velho amigo e chorou de emoção.
Voltei da minha viagem em estado de graça. Trazia comigo a certeza de que o encontro de Exupéry e Deca havia acontecido. Mas não era isso o que mais importava para mim. Voltei convencido de que trazia uma boa história, que me inspirou para escrever Zé Perri, a passagem do Pequeno Príncipe pelo Brasil.
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Agora, quero acabar esse posfácio com um pedido: releia o capítulo do encontro da raposa com o pequeno príncipe pensando em Deca e Exupéry. Você vai descobrir que os laços de amizade que unem duas pessoas podem vencer todas as dificuldades, atravessar o tempo e alcançar muitos outros corações. Como diz o narrador no final do livro, eis aí um mistério bem grande!
claudio fragata nasceu em Marília, interior de São Paulo. Formou-se em Jornalismo pela FAAP. Trabalhou no Jornal da Tarde, nas revistas Globo Ciência, Galileu e Gula. Foi editor da revista infantil Recreio. Desde 2000, escreve livros para crianças e jovens.
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PARATEXTO
Uma história cativante
Você já tinha ouvido falar do pequeno príncipe antes de receber este livro? É bem provável que sim. Isso porque a história desse garotinho encanta e emociona pessoas de todo o planeta há muitos anos. Desde a sua publicação, em 1943, o livro já foi traduzido para mais de duzentos idiomas e dialetos e é um dos mais vendidos do mundo!
Esse sucesso todo se explica pela delicadeza da história, que é capaz de tocar leitores de várias idades, de diversas culturas, em diferentes épocas. Por isso dizemos que O Pequeno Príncipe é uma obra universal.
Nessa história, o narrador, um aviador que caiu em pleno deserto do Saara, nos conta sobre seu encontro com o pequeno príncipe, um garoto de cabelos dourados e origem misteriosa. Ali mesmo, no deserto, “a mil milhas de qualquer terra habitada”, enquanto tenta consertar seu avião, o piloto ouve as aventuras desse garotinho por planetas distantes, nos quais conheceu tipos “muito sérios”, como o geógrafo que não sai do escritório e o homem de negócios que passa o dia somando estrelas. O pequeno príncipe também conta ao aviador sobre o pequeno planeta de onde veio, em que basta mover um pouco a cadeira para assistir ao pôr do sol quantas vezes desejar, e sobre os ensinamentos da raposa, com quem constrói uma amizade tão verdadeira como a que está prestes a nascer entre ele e o narrador. O diálogo entre ambos,
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aviador e principezinho, compõe uma história comovente e atual, e nos faz refletir sobre valores sensíveis e profundos, como fraternidade, responsabilidade e persistência.
Ao sair de seu planeta para desbravar lugares distantes, o pequeno príncipe vivencia grandes aventuras até chegar ao destino de sua jornada, a Terra — por essa razão uma das temáticas do livro é aventura, mistério e fantasia. Ele se afasta de sua linda rosa e de muitas ervas daninhas para conhecer o mundo e a si mesmo. Nessa viagem, estabelece amizades profundas, o que aproxima a obra do tema família, amigos e escola. E as passagens sobre a geografia da Terra e sobre o mundo dos “adultos” apresentam ainda outro tema: o mundo natural e social
Em cada diálogo com os personagens que o principezinho encontra pelo caminho, há uma reflexão, um ensinamento, um aprendizado. É o caso do diálogo com a raposa, por exemplo, um dos mais sensíveis da obra. Imagine um bicho selvagem, como a raposa, falando: “Se você criar um vínculo comigo, eu amanso!”. O que você faria? Você se afastaria assustado ou tentaria se aproximar, na esperança de amansá-la? A raposa da história falou algo parecido para o pequeno príncipe e ele não recuou; se esforçou e conseguiu criar um vínculo com ela, construindo uma amizade leal e verdadeira. Ele aprendeu que é preciso se dedicar para fortalecer laços, que é preciso saber cativar. Certamente, essa é uma das mensagens mais importantes de O Pequeno Príncipe, que há tanto tempo tem cativado os leitores. Sucesso de bilheteria!
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A riqueza do texto literário
No romance O Pequeno Príncipe, você vai entrar em contato com importantes questões da existência humana. Em sua viagem, o pequenino protagonista vivencia encontros com diferentes tipos de personagens que, por meio dos ricos diálogos, representam aspectos da “vida adulta” ou transmitem ensinamentos. Essa obra é ótima para ser lida por estudantes como você, do 6o ou do 7o ano, que estão prontos para observar os elementos da estrutura narrativa de um bom romance, absorvendo cada detalhe apresentado na trama.
Nessa história, cada situação foi escolhida com cuidado para criar um impacto em você — para que se sensibilize e queira saber mais e mais conforme vira a página ou termina de ler um parágrafo. Mas ler um romance vai muito além disso. É uma oportunidade de ver como se dá o processo de criação de uma história e da tessitura de um texto, ou seja, como o autor faz suas escolhas, com base no próprio estilo, para criar uma narrativa. Os personagens apresentados pelo autor, Antoine de Saint-Exupéry, têm suas peculiaridades, e com cada um deles aprendemos não apenas sobre a solidão da vida adulta, mas também sobre a possibilidade de criar amizades cativantes.
O Pequeno Príncipe foi escrito e publicado durante um dos períodos mais duros da história — a Segunda Guerra
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Mundial (1939-1945) —, conflito bélico marcado pelo intenso uso das forças aéreas. Esse contexto trouxe para o autor questionamentos sobre o comportamento humano e sobre o valor da vida. Os personagens que o pequeno príncipe encontra na primeira parte de sua viagem, antes de chegar à Terra, representam de forma caricatural, muitas vezes, características que afastam as pessoas da noção de coletividade e as isolam em seu “planeta” particular: autoritarismo, vaidade, vício, ganância. Por outro lado, durante sua jornada, ele também encontra personagens que lhe ensinam a construir relações e lhe mostram a beleza do que é “invisível para os olhos”.
Não é interessante perceber que o autor usou elementos do universo da fantasia, como uma viagem pelo espaço, planetas minúsculos habitados por apenas um ser, diálogos com animais, para tratar de temas que são essencialmente da “vida real”? Afinal, aprender a viver de forma harmoniosa e a criar laços significativos são questões que fazem parte da história de cada um de nós. Mas não se engane achando que o autor utilizou apenas elementos fictícios no texto. Sabia que, com exceção do B 612, os asteroides citados na narrativa são reais? Além dos números de identificação, eles também têm nomes: o asteroide 325 é chamado Heidelberga; o 326, Tamara; o 327, Columbia; o 328, Gudrun; o 329, Svea; e o 330, Adalberta. É a realidade se misturando com a arte!
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Você sabe quantas estrelas há no céu?
No capítulo 13, o pequeno príncipe passa pelo quarto planeta, onde conhece o homem de negócios. A única ocupação desse homem “muito sério” é contar as estrelas para saber quantas “possui”. Ele chega ao número “quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil e setecentos e trinta e um”. No mundo da ciência, não é possível determinar esse número, mas há estimativas. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão federal brasileiro destinado à pesquisa e exploração espacial, a Via Láctea, galáxia onde está localizado o Sistema Solar, tem de 200 bilhões a 400 bilhões de estrelas. Também se estima a existência de centenas de bilhões de galáxias, o que resultaria em mais de 10 sextilhões de estrelas no Universo!
Registro de parte da Via Láctea, que pode ser vista em locais com pouca poluição luminosa.
theartofsounds2001/Pixabay.com
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Esta é uma das características do texto literário: as inúmeras possibilidades de criação que se apresentam ao autor. Para alcançar o sentido que deseja, ele pode lançar mão de elementos da realidade e inseri-los em um universo de fantasia, como acontece em O Pequeno Príncipe; no entanto, a intenção dele não é contar uma história verdadeira, mas uma história que pareça verdadeira. A essa lógica de construção do texto ficcional, damos o nome de verossimilhança. Em O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry compõe uma narrativa em que os acontecimentos são encadeados de forma coerente, em relações de tempo, causa e efeito que fazem sentido para o leitor.
Também é natural que o autor deixe lacunas que poderão ser preenchidas no imaginário do leitor, que tem um papel muito importante na construção dos sentidos de um texto ficcional. Durante a leitura, esse leitor pode dar forma à descrição de personagens, lugares e objetos; imaginar diálogos; formular hipóteses sobre as circunstâncias que resultaram em determinados acontecimentos etc.
Em O Pequeno Príncipe, você é convidado a desempenhar um papel ativo na leitura, pois uma das características desse romance é a capacidade de fazer o leitor mergulhar no desconhecido; afinal, “quando o mistério é muito impressionante, ninguém se atreve a desobedecer”. Embora a obra de Saint-Exupéry apresente conver-
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sas entre os personagens envolvidos na trama, muitos diálogos internos ainda ficam para o leitor, por exemplo: o que mais pode ter acontecido com o principezinho no planeta Terra? O que será que aconteceu de fato com ele no fim da história? Será que ele reencontrou a rosa? O que aconteceu antes do início desta narrativa? O que o narrador pode ter omitido do leitor?
Por fim, para construir uma narrativa que envolva o leitor e ofereça várias possibilidades de sentido, o autor de literatura se dedica a um trabalho cuidadoso com a linguagem. Nesse ofício, as palavras são escolhidas e organizadas de acordo com uma intenção artística, que extrapola a função de apenas passar uma informação. Em O Pequeno Príncipe, a linguagem simples e delicada se harmoniza com a história narrada e compõe, com outros aspectos do texto, a riqueza dessa obra literária.
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Romance que amansa!
As obras literárias podem ser agrupadas de acordo com suas características de forma e conteúdo. Esses agrupamentos são chamados de gêneros literários, e O Pequeno Príncipe faz parte do gênero literário romance. Apesar de o termo “romance” ser comumente empregado para definir o relacionamento afetivo entre duas pessoas e, no cinema, ser utilizado para classificar filmes que retratam histórias de amor, na literatura ele designa uma forma de texto narrativo.
Para um texto ser considerado narrativo, ele deve apresentar determinados elementos: foco narrativo, enredo, personagens, tempo e espaço. O foco narrativo indica a posição de quem conta a história (o narrador), que pode ser em primeira ou terceira pessoa. O enredo é o conjunto de acontecimentos entrelaçados na narrativa. Os personagens são os seres fictícios que atuam no enredo; eles podem ser animais, pessoas ou coisas e aparecer em pequena ou grande quantidade. O tempo diz respeito à duração da história, e o espaço é o local onde transcorrem as ações. Esses elementos são organizados e combinados de acordo com a intenção do autor.
Entre os textos narrativos, como o conto e a novela, o romance geralmente é o mais longo deles e apresenta maior quantidade de personagens e acontecimentos. Nele,
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o tempo e o espaço também costumam ser mais extensos. Essas características podem ser identificadas em O Pequeno Príncipe, que narra a grande jornada empreendida pelo principezinho desde o seu asteroide até a Terra, passando por diversos planetas habitados por diferentes personagens, antes de conhecer o aviador. O narrador conta a história desse encontro, reconta as histórias do pequeno príncipe e, de quebra, nos leva a acompanhar essa viagem.
Em O Pequeno Príncipe, há muitas frases que ficaram famosas pelas mensagens que transmitem e, por causa de sua narrativa sensível e do texto repleto de metáforas, é comum ouvirmos dizer que o livro de Saint-Exupéry é “poético”. Mas isso não quer dizer que O Pequeno Príncipe é um poema, hein?! A afirmação diz respeito ao conteúdo belo e comovente da obra. O romance e o poema são gêneros textuais bem diferentes.
O romance, além de ser escrito em prosa e ter uma estrutura narrativa, ou seja, contar uma história, costuma ser constituído por um texto de grande extensão, que ocupa dezenas ou centenas de páginas. Já os poemas são escritos em versos, em formas fixas (como o soneto e o haikai) ou livres e se caracterizam pelo trabalho minucioso com a linguagem, explorando recursos de sonoridade, como métrica e rimas, e de sentido, como metáforas. Embora possam apresentar elementos narrativos, como é o caso do cordel, os poemas se caracterizam por expor a subjetividade do eu lírico (a “voz”
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do poema), seus sentimentos em relação a si mesmo e ao mundo, sempre por intermédio do trabalho com a linguagem. Assim como a temática e a estrutura do poema podem variar, sua extensão é muito flexível e ele pode ter poucos versos ou ter versos que ocupam diversas páginas.
Pelo fato de o romance ser mais extenso, nele os personagens podem ser elaborados de forma mais profunda e várias situações se entrelaçam no enredo. Em O Pequeno Príncipe, por exemplo, acompanhamos a história do aviador que sofre um acidente no deserto e conhece um garoto de origem misteriosa, que lhe conta como era a vida em seu asteroide e relata os encontros que vivenciou em sua trajetória até o planeta Terra.
No poema, por outro lado, o propósito é selecionar e dispor cada palavra (inclusive de forma visual) de acordo com determinada intenção, que pode ser apresentar uma visão de mundo, descrever algo comum e belo, fazer uma crítica social, proporcionar uma reflexão, causar estranhamento… O foco no poema são as palavras que serão utilizadas e como serão utilizadas.
As origens do poema remontam a tempos muito antigos, pois esse gênero literário está associado ao surgimento da própria literatura. O romance, por sua vez, é um gênero bem mais recente. Segundo alguns estudiosos, o escritor espanhol Miguel de Cervantes teria inaugurado o gênero com a publicação de Dom Quixote de la Mancha,
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em 1605. Porém, foi a partir do século XIX que o romance como o conhecemos hoje passou a ganhar força, colocando o homem comum e seus costumes no centro da narrativa e contribuindo, assim, para a aceitação do público.
Em razão de seu caráter popular, inicialmente o romance não foi muito bem recebido pelos críticos. Até então, era valorizada uma literatura protagonizada por deuses e heróis, que tratava de temas elevados, como feitos grandiosos e dramas profundos; o romance rompeu com esse padrão. Ao dar destaque a conflitos comuns, considerados banais, e trazer personagens que representavam a própria sociedade, foi visto com desconfiança pelos eruditos, que temiam os efeitos dessas narrativas no comportamento das pessoas.
O debate a respeito da possível influência negativa do romance sobre os leitores durou muito tempo e talvez ainda ocorra nos dias de hoje. Já a polêmica sobre o valor estético do gênero foi diminuindo com o tempo. No século XX, por exemplo, o romance já não era mais considerado um gênero inferior aos demais. Longe disso: passou a ser valorizado pela crítica, premiado em concursos e ensinado nas escolas. Amansou a crítica e cativa mais leitores a cada dia que passa!
A pesquisadora, professora e escritora de literatura juvenil Marisa Lajolo, no livro Como e por que ler o romance brasileiro, conta um pouco da trajetória do romance:
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[…] o romance nasceu divertindo seus leitores. Nasceu, fortaleceu-se e continua existindo em função do entretenimento que proporciona a seus leitores e leitoras. É por causa desta sua aliança com o ócio e o prazer que o romance não teve um percurso fácil.
Nascido da transformação de outras formas literárias, ele […] trouxe para os livros a vida doméstica cotidiana, amores e problemas com os quais os leitores podiam se identificar. Nasceu representando a vida das pessoas comuns, parecidas com a de seus leitores. Por isso ele democratizou e popularizou a leitura e, com ela, a literatura.
Seus leitores esperam — e com todo direito a isso! — personagens, cenários e ações postos em movimento por uma voz narrativa que saiba contar histórias, que saiba fazer acontecer coisas sob os olhos de quem lê.
[…]
Como acontece com todas as formas de lazer — do baile funk ao futebol —, o romance se articula com a sociedade pela qual circula, que o produz e o consome. Isto é, tem tudo a ver com a sociedade que o escreve e lê. Alguns — os chamados clássicos — duram mais do que outros, são de todos os tempos: mas cada tempo tem seus romances. […]
LAJOLO, Marisa. Como e por que ler o romance brasileiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. p. 29-30.
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Os clássicos não envelhecem
Como disse a professora, os clássicos duram mais que os outros romances. E, sim, O Pequeno Príncipe é um clássico da literatura. Os clássicos da literatura refletem a cultura de um período histórico, e a história contada pelo aviador, por exemplo, se insere no contexto da Segunda Guerra Mundial — o próprio Saint-Exupéry era aviador e lutou na guerra, que acabou se tornando o último capítulo de sua vida. A obra é, sem dúvida, uma celebração da paz e da fraternidade entre os seres humanos, num momento em que esses valores estavam fora de moda. Ousado!
Mas os clássicos vão além disso: eles são universais e atemporais. Apresentam personagens e sentimentos com os quais o ser humano se identifica em outras épocas, mesmo séculos depois da publicação da obra. É por isso que, ao lermos que “Só conhecemos as coisas que nós cativamos” e que “Você se torna responsável para sempre por aquilo que você cativou”, podemos refletir sobre a criação de vínculos afetivos com pessoas, plantas, flores e lugares independentemente de tempo e espaço! Se em cem anos um leitor se deparar com essas frases ou se lembrar de que “O essencial é invisível para os olhos”, ele ainda terá a oportunidade de enriquecer sua experiência de vida. Aliás, garanto que você verá muito essa última frase por aí — se já não a viu. O clássico é pop, não envelhece!
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Um aviador narrador
De modo geral, o narrador de um romance pode narrar os acontecimentos em primeira ou terceira pessoa. Ele pode ser um dos personagens, pode ser onisciente ou observador, variando conforme o ponto de vista escolhido pelo autor. O importante é nunca confundir: o narrador não é o autor da história, ele é um ser ficcional que existe unicamente no texto e foi criado pelo autor.
O narrador de O Pequeno Príncipe é classificado como um narrador-personagem, porque, além de narrar, também participa da história. Quanto ao foco narrativo, há alternância entre a primeira e a terceira pessoa. Assim, quando o aviador conta a história de seu encontro com o pequeno príncipe, o foco narrativo está em primeira pessoa; no entanto, quando ele relata as aventuras do menino pelo espaço sideral, ou seja, quando não participa diretamente da ação, o ponto de vista passa para a terceira pessoa. Essa alternância do foco narrativo cria diferentes efeitos na história, atraindo a atenção do leitor.
Além do ponto de vista do narrador, na elaboração de um romance o autor também pode explorar a flexibilidade do tempo na narrativa, de acordo com as impressões que deseja causar no leitor: suspense, emoção, surpresa, entre outras. Isso quer dizer que os eventos não precisam ser contados em uma sequência cronológica, na ordem
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em que ocorrem na realidade. Em O Pequeno Príncipe, por exemplo, o narrador não organiza os acontecimentos em ordem linear, ele “voa” no tempo para contar sua história. Ele começa com uma lembrança do desenho que fizera aos seis anos e nenhum adulto entendeu — uma cobra sucuri digerindo um elefante —, e comenta que o fato de ter que explicar seus desenhos o levou a escolher outra profissão, a de aviador. A narrativa, então, dá um salto para a vida adulta dele, mas ainda não é o momento presente do relato: é seis anos antes disso, quando o avião que ele pilotava teve uma pane no deserto do Saara e aconteceu seu encontro com o pequeno príncipe. Por fim, no último capítulo, ele chega ao tempo presente, estabelecendo uma conversa com o leitor.
Piloto, escritor, aventureiro…
Antoine de Saint-Exupéry nasceu em Lyon, na França, em 1900. Filho de um conde, cresceu no castelo da família, na comuna de Saint-Maurice-de-Rémens, no interior do país. Vindo de uma família aristocrática empobrecida, ele não conseguiu entrar na Escola Naval e foi estudar Arquitetura na Escola de Belas-Artes. Em 1921, foi recrutado para o Exército francês e, no ano seguinte, tornou-se piloto militar. Essa dupla de interesses — aviação de guerra e arte — permeou toda a sua vida.
Saint-Exupéry foi um dos pioneiros da aviação, profissão que não largou mesmo depois de iniciar a carreira de escritor. Combatendo na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados, desapareceu no fundo do mar Mediterrâneo em 1944 durante uma missão aérea, provavelmente abatido por caças alemães.
Encontrou na aviação um campo tanto para ações heroicas quanto para a inspiração literária. Ele escreveu diversos textos literários sobre aviação que, assim como O Pequeno Príncipe (1943), apresentam reflexões filosóficas e humanísticas, por exemplo: O aviador (1926), Correio Sul (1929), Voo noturno (1931) e Terra dos homens (1939), este último registra as próprias aventuras do autor. No entanto, foi a história do menino e do aviador que o projetou para o mundo.
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Um tradutor poeta e uma artista inovadora
Nesta edição, o texto foi traduzido pelo premiado escritor e tradutor Leonardo Fróes. Ele nasceu em Itaperuna, no Rio de Janeiro, em 1941, e é considerado um dos principais tradutores literários do Brasil. Publicou várias coletâneas de poesia, tendo ganhado o Prêmio Jabuti na categoria Poesia por Argumentos invisíveis (1995). Foi premiado por seu trabalho como tradutor pela Biblioteca Nacional e pela Academia Brasileira de Letras e, em 2016, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) o premiou pela tradução de Contos da Mamãe Gansa ou histórias do tempo antigo, de Charles Perrault.
As ilustrações criativas que compõem esta edição lançam um novo olhar para o grande clássico. A tarefa de criar imagens para um livro que, tradicionalmente, acompanha ilustrações do próprio autor foi dada à Sandra Jávera. Ela nasceu em São Paulo em 1985 e formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Fez cursos no Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP) e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e na Escola de Design Parsons e na Escola de Artes Visuais (SVA, na sigla em inglês), em Nova York, nos Estados Unidos. Desde 2012, mora em Nova York, onde trabalha como ceramista e ilustradora de livros, jornais e revistas. Se nosso principezinho pudesse falar conosco, soltaria um grande “Uau!” ao ver ilustrações tão bonitas.
Eu cativo, tu cativas, ela cativa…
A narrativa de Saint-Exupéry e seu protagonista mundialmente famoso prende a nossa atenção. Na delicadeza da relação entre o principezinho e o aviador, na profundidade dos diálogos da história, nas ideias que valorizam o que o universo infantil tem de melhor — o olhar curioso para o mundo, a percepção do que é realmente importante, a diversão —, encontramos espaço para crescer interiormente. E é por isso que o livro faz tanto sucesso entre todas as faixas etárias, mesmo tendo como protagonista uma criança.
O livro ainda promove valores como a paz, a fraternidade e a amizade. Se o mundo de hoje continua a precisar disso, temos de ler e escrever sobre esses assuntos, para mais e mais gente se convencer de que o bom mesmo é cativar pessoas e lugares. A cada ser que alguém cativa, um vínculo é criado e um conflito deixa de acontecer. Que tal começar a fazer algo… neste instante? Seja escrevendo um romance ou um poema, seja fazendo novas amizades, seja, ainda, colocando sua voz em defesa da paz e da justiça, você pode fazer a diferença e cativar o mundo!
Referências bibliográficas
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. Perguntas frequentes. 2017. Disponível em: http://www.inpe.br/faq/ index.php?pai=11#:~:text=Estima%2Dse%20que%20a%20 nossa,de%2010%20sextilh%C3%B5es%20de%20estrelas. Acesso em: 18 jul. 2022.
LAJOLO, Marisa. Como e por que ler o romance brasileiro Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.
NASA. Jet Propulsion Laboratory. California Institute of Technology. Small-Body Data-Base Lookup. Solar System Dynamics. Disponível em: https://ssd.jpl.nasa.gov/tools/ sbdb_lookup.html#/. Acesso em: 18 jul. 2022.
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Reconhecemos um clássico como um texto longo, geralmente escrito há alguns séculos, que é lido e relido por gerações e gerações.
O Pequeno Príncipe recai em uma categoria muito especial, a convencionada “clássico moderno”, uma história filosófica do encontro entre uma criança do universo e um aviador perdido no deserto.
Desse encontro, surge muito mais do que um livro: ficam mensagens sobre o amor e a compaixão, o sentido da vida, evidenciam-se os receios daquele que empreende uma viagem ao desconhecido e a saudade daquele que espera por um sinal de amizade.
Por isso este romance proporciona uma leitura enriquecedora a cada vez que abrimos suas páginas. E é com esse ar de novidade que se apresenta aqui uma edição inédita desta história tão conhecida, com texto integral e tradução do poeta Leonardo Fróes, além de ilustrações inovadoras da artista Sandra Jávera. A psicanalista Diana Corso assina o posfácio, um texto que joga luz na simbologia desta obra rica em significados. O escritor Claudio Fragata completa as novidades da edição com um relato de sua própria busca a “Zé Perri”, como ficou conhecido o autor Antoine de Saint-Exupéry durante sua passagem pelo Brasil.
Posfácio diana corso
Nota biográfica claudio fragata
9540303000020 9 788566 811490 ISBN 978-85-66811-49-0