o amanhã cheio de histōrias
ANTOLOGIA DE CONTOS JOSELIA AGUIAR (ORG.) CONTOS DE ELIANA ALVES CRUZ, IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO, ISABELA NORONHA, ITAMAR VIEIRA JUNIOR, MARIA VALÉRIA REZENDE, ONDJAKI, PALOMA FRANCA AMORIM E SOCORRO ACIOLI ILUSTRAÇÕES DE FABRIZIO LENCI
o amanhã cheio de histōrias
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o amanhã cheio de histōrias ANTOLOGIA DE CONTOS JOSELIA AGUIAR (ORG.) ILUSTRAÇÕES DE FABRIZIO LENCI
1 a EDIÇÃO
SÃO PAULO – 2021
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Copyright © Eliana Alves Cruz, Ignácio de Loyola Brandão, Isabela Noronha, Itamar Vieira Junior, Maria Valéria Rezende, Ondjaki, Paloma Franca Amorim, Socorro Acioli, 2021 Diretor-geral Ricardo Tavares de Oliveira Diretor adjunto Cayube Galas Gerente editorial Isabel Lopes Coelho Editor Estevão Azevedo Editora assistente Camila Saraiva Coordenador de produção editorial Leandro Hiroshi Kanno Preparação e revisão Aline Araújo (líder) Preparadora Lívia Perran Revisoras Tereza Gouveia e Ibraíma Dafonte Tavares Editores de arte Daniel Justi e Camila Catto Projeto gráfico e diagramação Luciana Facchini Ilustrações de capa e miolo Fabrizio Lenci Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) O amanhã cheio de histórias : antologia de contos / Joselia Aguiar (org.) ; ilustrações Fabrizio Lenci — 1. ed. — São Paulo : FTD, 2021. ISBN 978-65-5742-207-6 1. Contos - Literatura juvenil. I. Aguiar, Joselia. II. Lenci, Fabrizio. 21-55170
CDD-028.5
Índice para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura juvenil 028.5 Cibele Maria Dias — Bibliotecária — CRB-8/9427
Reprodução proibida: Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Todos os direitos reservados à EDITORA FTD. Rua Rui Barbosa, 156 — Bela Vista — São Paulo — SP CEP 01326-010 — Tel. 0800 772 2300 Caixa Postal 65149 — CEP da Caixa Postal 01390-970 4 www.ftd.com.br central.relacionamento@ftd.com.br
Sumário
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AULAS DE TEATRO
APRESENTAÇÃO POR JOSELIA AGUIAR
ONDJAKI
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ITAMAR VIEIRA JUNIOR
MARIA VALÉRIA REZENDE
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NOVATA
MEU IRMÃO PELÉDSON
AS VERDADES DE VIVI STAROBINAS
FOTOGRAFIA PALOMA FRANCA AMORIM
ISABELA NORONHA
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A ÚLTIMA ÁRVORE IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
BAOBÁ ELIANA ALVES CRUZ
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SOBRE OS AUTORES
TORTA DE BANANA SOCORRO ACIOLI
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Apresentação JOSELIA AGUIAR
Cícera vai ultrapassar a distância e a inocência entre a zona rural e a cidade grande. Vivi se prepara para contar pelo celular seu maior segredo. Dandara e Leo, colegas de sala, pulam o muro de um quintal misterioso e descobrem a profundeza do país na própria vizinhança. Um aluno de teatro compreende que, ao anotar os acontecimentos cotidianos em diários, é possível reorganizar o caos de sua vida e iniciar um projeto inusitado. Luísa também escreve para concatenar as ideias: está prestes a tomar uma decisão e repassa numa carta os anos vividos até ali, quando fez da torta de banana da mãe um pequeno grande empreendimento. A pandemia parece destruir o sonho de prosperidade da família de Mané, até que seu irmão Pelédson, de talento incomum, encontra uma saída. Dalva acompanha a avó em sua última jornada. O neto de seu Zé Maria, por sua vez, tira uma grande lição depois de uma aventura entre árvores. As oito histórias desta antologia apresentam jovens em desafios os mais distintos na escola, com a família ou em suas primeiras incursões no trabalho. Deixar a paisagem rural e integrar-se à cidade grande, decidir ficar ou partir, vencer a resistência dos pais aos seus sonhos, bancar-se sozinho ou mais gente a sua volta, enfrentar o racismo,
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surpreender-se com uma gravidez precoce, conhecer a doença e o luto, haver-se com a hesitação, a saudade e a memória. A cada um, crescer oferecerá a oportunidade de uma mudança. Diferentes em seus perfis e lugares onde habitam, esses protagonistas atravessam a adolescência com a chance de viver a poderosa experiência dos afetos: apesar dos entraves materiais, do sentimento de inadequação e às vezes até do bullying, há sempre um amigo, uma professora, um primo ou irmão, uma tia, um avô a lhes dar conforto e ternura, estender a mão, apaziguar a angústia e sugerir caminhos. Esses personagens adolescentes que narram os contos não estão isolados; é por meio da interação com aqueles que os cercam que descobrem mais sobre si mesmos e a vida, construindo laços e fazendo de impasses grandes ou pequenos matéria de aprendizagem. A diversidade regional dos oito autores e autoras nos traz usos particulares de vocabulário, prosódia e jeitos de se comunicar e viver, suas escolhas literárias criam uma antologia com estimulante variedade de linguagens. No coração da Amazônia ou em bairros periféricos de João Pessoa, por entre muros de Luanda ou nas areias de Jericoacoara, combinam-se o épico e o lírico, o diário e o gênero epistolar, a cultura afro-brasileira e a indígena, a narrativa urbana e a rural, o suspense e o romântico. Os convidados para compor esta antologia têm pontos de partida e caminhos literários distintos, mas uma característica em comum: são narradores hábeis, capazes de capturar leitores com os personagens e mundos que inventam.
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Itamar Vieira Junior nos apresenta um comovente conto de formação, em que o desenrolar de um episódio leva a um súbito amadurecimento. Isabela Noronha constrói um drama psicológico, nos fazendo mergulhar na vertigem de sua protagonista com o ritmo frenético de seu fluxo de consciência. Numa história sobre autodescoberta e identidade, Eliana Alves Cruz lança mão de elementos sutis da ficção policial. Ondjaki nos coloca em contato direto com a angústia de seu narrador num jogo cênico de grande atmosfera lírica, unindo diário e peça de teatro. Socorro Acioli cria uma narrativa de plasticidade vívida, que alia conto e escrita epistolar, nos levando a acompanhar linha por linha a tomada de decisão de sua protagonista. O conto épico de Maria Valéria Rezende mostra um protagonista que é, na verdade, um coletivo de personagens, e vemos que de uma existência mínima de recursos surgem potências insuspeitadas. Paloma Franca Amorim edifica com suas metáforas arrojadas um universo ao mesmo tempo onírico e de realismo cru. E o trabalho da memória é o motor no conto de Ignácio de Loyola Brandão: trata-se de um narrador que se recorda da convivência com o avô e das lições que levou consigo. Com contos tão plurais, naquilo que contam e no modo em que são narrados, esta antologia oferece ao jovem leitor a ocasião de adentrar no universo ficcional desta seleção de prosadores em língua portuguesa que podem acompanhá-los daqui para a frente. Com suas histórias, não estarão sós: é a grande promessa que faz a literatura.
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Novata
ITAMAR VIEIRA JUNIOR 11
Quando retornei para casa, Vó Luzia quis saber o que minha mãe havia contado de novidade. Para contornar sua ansiedade, comecei pelos assuntos menos importantes; falaria do tema principal depois de muita conversa. Disse que estava frio por lá, que ela havia comprado duas mantas e as enviaria assim que pudesse. Disse também que seus patrões a levariam para as férias no litoral e que ela gostaria também que eu conhecesse o mar. Foi nesse momento que Vó Luzia levantou a cabeça enquanto olhava os dedos ressecados separarem o feijão que batemos juntas após a última colheita. Há poucas semanas eu ria dos seus sermões pela minha falta de jeito com a vara para bater nas vagens do feijão, que fazia com que as cascas voassem e ficassem emaranhadas em meu cabelo ou presas ao meu rosto pelo suor farto que escorria da testa. Embora nunca a visse rir, sabia que se divertia também com a bagunça do bater feijão. Naquele instante, levantou o rosto procurando por algo mais em meus olhos, algo que eu protelava dizer, mas que ela sabia, porque estávamos juntas por toda a vida. “Deve ser bonito. Será que é aquele mundão de água azul como nas novelas?”, perguntou, se dando conta de que eu havia capturado em suas expressões a sua tensão, e por isso voltou seus olhos para os grãos sobre a mesa da cozinha. Mas essa não era bem a pergunta que minha avó queria fazer, e que tenho certeza de que só não a fez por puro medo da resposta. Ela era senhora de muita coragem, mãe de onze filhos, tendo parido uns tantos sozinha. Na hora da dor, largava a vassoura ou tirava a panela do fogão e cami-
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