tão longe, tão perto
2ª. edição
São Paulo — 2022
MIRNA PINSKY
tão longe, tão perto ILUSTRAÇÕES
ALEX CERVENY
© Mirna Pinsky, 2004 e 2022 Reprodução proibida: Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Todos os direitos reservados à editora ftd Rua Rui Barbosa, 156 — Bela Vista — São Paulo — SP CEP 01326-010 — Tel. 0800 772 2300 www.ftd.com.br | central.relacionamento@ftd.com.br diretor-geral Ricardo Tavares de Oliveira diretor de conteúdo e negócios Cayube Galas gerente editorial Isabel Lopes Coelho editor Estevão Azevedo editor assistente Bruno Salerno Rodrigues assistente de relações internacionais Tassia Regiane Silvestre de Oliveira coordenador de produção editorial Leandro Hiroshi Kanno preparadora Marina Nogueira revisoras Kandy Saraiva e Helô Beraldo editores de arte Camila Catto e Daniel Justi projeto gráfico e diagramação Cristina Gu diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno Mirna Pinsky nasceu em São Paulo (SP), em 1943. Formou-se em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero e fez mestrado em Teoria Literária na USP. Escreveu para revistas e jornais como Movimento, Caderno de Opinião, Bondinho e Caderno de Pesquisa, e foi coordenadora editorial e colaboradora em várias editoras. Como autora de livros infantis e juvenis, publicou 49 títulos e recebeu, entre outros, dois Prêmios Jabuti (1981 e 1995) e o Prêmio ABL de Melhor Livro Juvenil (2013). Suas obras venderam mais de 4 milhões de exemplares. Mirna também desenvolveu dois projetos voluntários na rede pública de ensino: Escreva Comigo, de estímulo à escrita, e Ler com Prazer, de alfabetização. Alex Cerveny nasceu em São Paulo (SP), em 1963. Tornou-se artista frequentando cursos livres, visitando exposições de arte em museus e galerias e lendo livros. Em 1982, fez sua primeira exposição individual na galeria Elf, em Belém (PA). Desde então, passou a expor com frequência no Brasil e, mais tarde, no exterior. Conforme seus desenhos chamavam a atenção de editores, ele começou a ser convidado para ilustrar jornais, livros e revistas. Em 1991, recebeu o Prêmio Secretaria de Estado da Cultura por sua participação na XXI Bienal Internacional de São Paulo. Atualmente, o trabalho do artista está presente no acervo de museus como o MAM-SP, o MAM-RJ e o CCSP. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Pinsky, Mirna Tão longe, tão perto / Mirna Pinsky; ilustrações Alex Cerveny. — 2. ed. — São Paulo: FTD, 2022. ISBN 978-85-96-03369-5 1. Ficção juvenil I. Cerveny, Alex. II. Título. 22-107877 CDD-028.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura juvenil 028.5 Cibele Maria Dias — Bibliotecária — CRB-8/9427
Para Ilana, Daniel e Luciana, minhas obras-primas.
Poucas pessoas deixam entrar sol em suas vidas.
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BLÁ-BLÁ-BLÁ RESPOSTAS AO BLÁ-BLÁ-BLÁ ANA MÁRCIA COISAS DE PAI MINHOCANDO PLÁSTICO: A GRANDE AGRESSÃO ABOBRINHA FESTAS SÃO FESTAS, SÃO FESTAS, APENAS FESTAS... MAS COMO DOEM! COISAS DE IRMÃ NO DIA DA FESTA COISAS DE PAI LIXO E MEIO AMBIENTE
COISAS DE MÃE TELEFONE: A TORTURA UÉ, CADÊ VOCÊS? A LOIRA BURRA OU A RUIVA CHATA? COISAS DE MÃE MARESIAS, SOL, CALOR E PALITO DE FÓSFORO COISAS DE MÃE MAIS SOL E CALOR
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AREIA, SOL E MUITO LERO COISAS DE PAI COISAS DE MÃE GOOD NEWS! MELHOR DO QUE A ENCOMENDA COISAS DE PAI
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NOVO DIA, UM NOVO DIA COISAS DE MÃE NOSSO MOCÓ COISAS DA VIDA COISAS DE PAI
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A CASA AMARELA COISAS DE MÃE TOM TWAIN MÃOS À OBRA UM SORVETE, DOIS SORVETES... PEGANDO FOGO JUÍZO COMETA TRANSFORMAÇÕES CONFIGURAÇÕES ASTRAIS
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POSTSCRIPTUM: AS FONTES DE RICARDO
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Sobre a autora: Mirna Pinsky Sobre o ilustrador: Alex Cerveny
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BLÁ-BLÁ-BLÁ
[de Ana Márcia para Rute]
Amiga, aprontei a maior hoje com a Madalena, e você não vai acreditar: não tive culpa.
Ai, não mesmo! Ela tava substituindo o Vicente, que tá com pneumonia (hoje tinha prova, alguém tinha que ficar no lugar dele), e entrou na sala toda dondoca. Eu bati o olho na perna dela e vi que a meia tava com um buraco enorme! Avisei superdiscretamente: dona Madalena, olha a sua meia. Só que eu tava na quinta fileira e, bem na hora que falei, do nada fez um silêncio surpreendente na sala. Eu lá tenho culpa? Todo mundo olhou pra ela pra saber como é que tava a meia. Ela entomatou (ver “tomate”, neologismo última safra, da minha própria autoria e responsabilidade), e eu fiquei sem graça. Pudera!
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E mais sem graça ainda depois, quando ela virou pra mim com ódio cintilante e cochichou: “Dona Ana Márcia, gentileza tem hora!”.
Ué! Pode?…
Seguinte:
1) Vou ou não vou ao baile de debutante megacareta da Lia?
2) Não aguento mais o meu vestido azul e não tenho outro. Você me empresta aquele que tem alcinha e é todo brilhante?
3) Será que não é muito “cheguei”?
4) Rute, você acha que eu devo cortar o cabelo?
Essa era Ana Márcia, em sua relação com a prima Rute: à base de textões e audiões no celular.
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RESPOSTAS AO BLÁ-BLÁ-BLÁ [de Rute para Ana Márcia]
Priminha,
1) Vai
2) Empresto
3) Não é
4) Corta; aproveita e faz umas mechas
Você não descola um convite pra mim?
Bjo
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ANA MÁRCIA O quarto não é dos maiores, mas cabem bem as duas camas e a mesinha com o computador. Tem um espelho comprido ao lado do armário e uma janela gradeada com um pequeno balcão cheio de vasos de flor-da-fortuna de todas as cores. Todas as cores também já é exagero: rosa, amarelo, vermelho e laranja — e só. Como ali bate bastante sol, as flores estão lindas e vão durar os seis meses que a vendedora prometeu. Isso se Ana Márcia e Sônia se lembrarem de regar todos os dias — do que eu duvido. O espaço mais precioso do quarto é o cantinho do computador. O computador que o tio resolveu encostar porque não tinha mais espaço para os quinhentos e cinquenta aplicativos sem os quais ele (tio) não conseguia fazer os neurônios conectarem. Quando o tio ameaçou encostar, o pai foi e comprou para elas. No dia de seu aniversário de catorze anos, havia três caixas na porta do quarto. Aquele ano já começou muito bem. Mas teve outros que começaram mal. Muito mal. O pior de todos fora alguns anos antes, época em que Ana Márcia tinha dez anos. Dez anos é sem dúvida um marco. Em primeiro lugar, porque é um número redondo. E, para uma vida novinha como a da nossa Ana Márcia, era o PRIMEIRO número redondo. Em segundo lugar, porque foi bem quando ela tinha dez anos, cinco meses e cinco dias que os dois — pai e mãe — entraram compungidos na cozinha, na hora em que ela se preparava para atacar um prato de leite com cereais, e disseram: nós precisamos ter uma conversa.
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COISAS DE PAI Como todo jornalista que se preza, Ricardo, pai de Ana Márcia, já cometeu seus rabiscos mais ambiciosos. Na adolescência, fez roteiros para filmes de longa-metragem (que, segundo ele, por sorte ninguém razoavelmente sóbrio foi obrigado a ler) e um livro de poemas revolucionários que pensou em mandar para o Ferreira Gullar, mas (também felizmente, segundo ele) rasgou antes de executar esse crime de lesa-paciência. Seu maior feito na área da criatividade, antes de se conformar a circunscrever seus repentes ao atribulado dia a dia de uma redação, foram oito curtos capítulos de uma novela sobre sobreviventes do Holocausto que descobriam que Hitler na verdade não tinha se suicidado e vivia num país da América do Sul (onde mais?) vendendo hot dog na porta de um colégio de classe média. Quando Ana Márcia nasceu, ele tinha vinte e sete anos e passagens por quatro diferentes redações: um radiojornal, uma revista de circulação dirigida (para a coletividade judaica), um periódico de animais de estimação (era correspondente em Porto Alegre) e um portal de notícias — vaga que ocupa atualmente, como editor. Segundo me confiou numa noite estressante de fechamento, entre um sanduíche e um suco de abacaxi, seu grande projeto de vida para os tempos vindouros seria o nocaute dos oito quilinhos inúteis que enfeitavam sua cintura e arredondavam uma barriga que a camisa solta não conseguia mais disfarçar. Seu grande temor quando trabalhou brevemente numa revista de fitness era que esse perfil meio avantajado pudesse comprometer seu cargo, mas depois, quando mudou de emprego, o perigo de instabilidade profissional foi afastado — embora a saúde continuasse ameaçada…
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