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ATIVISMO EM REDE
Após ter o filho diagnosticado com encefalite herpética, o empreendedor e ativista digital Pablo Lobo largou a produtora audiovisual que tocava para se dedicar a soluções na área de saúde, como a plataforma ViralCure, que já reuniu 32 milhões em arrecadação para o Hospital das Clínicas de SP
POR NINA RAHE FOTOS ROBERTO SETTON
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al a Covid-19 tinha chegado ao Brasil, no fim de fevereiro de 2020, e o empreendedor e ativista digital Pablo Lobo recebeu uma ligação do infectologista Esper Kallás, preocupado com a saúde financeira do Hospital das Clínicas de São Paulo em meio ao caos que poderia se instalar. Na conversa, Lobo ponderou que, em um momento de pandemia, com crowdfundings vivendo uma hipercompetição, os dois não conseguiriam chegar a uma solução sozinhos, mas vislumbrou ali uma oportunidade de criar uma forma alternativa de marketing ao lado do HC. “Se o hospital estiver aberto a fazer uma plataforma para ir atrás de dinheiro de marketing [de outras empresas], acho que a gente consegue vencer”, concluiu Lobo na ocasião. Desde então, os diretores e médicos do Hospital das Clínicas passaram a ter em sua equipe uma figura inusitada dentro do ambiente hospitalar. “Cheguei lá cabeludo, todo tatuado, fazendo uma proposta de campanha e todos abraçaram a causa”, relembra o ativista digital, que conseguiu, por meio da plataforma ViralCure, reunir 32 milhões em arrecadação para o hospital – este número, segundo ele, é resultado apenas das doações on-line, mas chegou a 70 milhões com transações para além do canal. “Tenho certeza que o HC ainda vai valer muito mais do que a chuteira do Cristiano Ronaldo”, brinca. “Essa pandemia, com todos os pesares, mostra a inauguração de uma nova era. Por que não fazer marketing de outra forma? O bonito agora é investir em vacinas, em saúde.”
Mas a história de Pablo Lobo com o médico Esper Kallás é anterior à Covid-19. Em 2011, o infectologista foi o responsável pelo tratamento de seu filho, Theo, diagnosticado na época com encefalite herpética. Por causa da infecção, que o acometeu com 1 ano e 8 meses, ele perdeu cerca de 85% do lobo tempo-
ral direito e precisou reaprender a falar e a andar. Logo no início desse processo, que resultou em uma internação de quase sete meses, Lobo fez contato com Kallás após sua irmã ter visto uma entrevista do médico na TV. Depois de uma ligação telefônica que se deu às 4 da manhã, o infectologista se dispôs prontamente a atender seu filho. Também devolveu, findo o tratamento, todos os cheques que recebeu como pagamento pelo seu trabalho. “Nem ele nem a equipe aceitaram nada. Quando o Theo saiu do hospital, Esper me devolveu mais de R$ 100 mil”, lembra Lobo. “Ele viu que eu estava falido. Realmente quebrei naquela época, fiquei devendo muito dinheiro.”
O atendimento profissional acabou se transformando não só em amizade, mas também em uma série de projetos nos quais o ativista entrou com sua expertise à cargo da medicina, ajudando Kallás na criação e no financiamento da biotech Mabloc, com foco no investimento em patentes médicas e pesquisas para o desenvolvimento de anticorpos monoclonais para proteger e tratar doenças como SARS-COv-2, zika, dengue, febre amarela e Aids. E no HC, os recursos oriundos da parceria não só ajudaram na infraestrutura do hospital, mas também incentivaram várias linhas de pesquisa que foram implementadas e que permitiram contribuir de diferentes naturezas para o conhecimento de combate à pandemia de Covid-19 no Brasil.
“O Pablo é uma pessoa de inteligência, dedicação, tenacidade e entusiasmo invejáveis”, elogia Kallás. “Ele conseguiu fazer as pessoas que trabalham dentro do HC entenderem a importância que o hospital tem para a sociedade, não só para o município, como para o estado e o Brasil como um todo.”
A experiência traumática com a saúde do filho resultou ainda em uma mudança de direcionamento na carreira de Pablo Lobo, que precisou se reinventar profissionalmente após o período. Desde 1999 ele atuava na área artística. Quando seu filho adoeceu, estava envolvido na produção executiva do longa-metragem O Tempo e o Vento, do diretor Jayme Monjardim, e de um filme que teria como locação a ilha de Alcatraz, em São Francisco, projeto que acabou interrompido. “Foi uma época complexa, vendi a produtora e me desliguei de tudo relacionado à arte”, diz. “Perdi muito dinheiro por conta da minha incapacidade de lidar com o trabalho e meu problema pessoal.”
O ativismo digital, nessa época, era apenas um hobby, elencado por ele junto a sua paixão por paraquedismo. “Faço programação desde os 11 anos, me envolvi muito cedo com a tecnologia. Até 2001, minha vida era pular de paraquedas e fazer ativismo digital”, conta Pablo Lobo, que durante muito tempo utilizou da tecnologia para denunciar fraudes em bancos e na indústria farmacêutica. Sobre essa fase, no entanto, hoje ele se esquiva: “Não existia muita lei nessa época, mas percebi que você gasta mais tempo fazendo guerra do que para construir algo novo”, resume. “Eu já investia em movimentos digitais, mas quando o Theo começou a melhorar, resolvi focar realmente nessa história e mudar o approach, deixando de expor os problemas do mundo, mas propondo soluções.” O primeiro projeto neste sentido foi o Wemion, um game de filantropia com funcionamento similar ao Pokémon, que tinha como ideia central transformar a interação virtual em impacto no mundo real e no qual os jogadores ganhavam pontos por seu altruísmo, generosidade e conhecimento. Apesar de ter se desligado da iniciativa, Lobo seguiu sua premissa e fundou, em 2017, a Sthorm. A empresa, formada hoje por cerca de 60 funcionários, tem sua sede em uma casa de 500 metros quadrados no bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo, que serve também de moradia para ele e outras cinco pessoas. Seu filho Theo, que está ho-
Sthorm: soluções digitais para problemas reais
je com 12 anos e sonha em ser astronauta, meteorologista – tudo ao mesmo tempo –, mora com a mãe, e ex-mulher de Lobo, em Barcelona. Desde 2017 sem conseguir visitá-los por um problema na imigração, ele pôde matar a saudade em 2020, ano em que realizou três viagens para a Espanha. Entre projetos futuros, o mais simples é procurar um lugar para chamar de seu, com uma rotina que não seja dormir e acordar dentro do escritório. Fora isso, vê pela frente a necessidade de trazer recursos para o próprio negócio, cujo custo mensal estima em US$ 80 mil, e encara os desafios para apresentar uma nova versão da plataforma ViralCure, que traria a possibilidade de qualquer um investir nos no HC, além de transformar o canal em plataforma de conteúdo educativo para a população – o lançamento deve ocorrer entre julho e agosto.
Paralelo a isso tudo, Pablo Lobo desenvolve, na startup Blok BioScience, um sistema para a criação de uma identidade digital para cada indivíduo, que reunirá dados como vacinação, testagem e exposição a situações de risco, com a ideia de ajudar a prevenir epidemias. Também deve lançar, até agosto, o Global Pandemic Shield, que define como uma mistura de marketing place com Nasdaq, em que os ativos serão todos voltados para a ciência e a saúde. “Não posso abrir muito, mas 50% dos nossos esforços estão nesse projeto”, diz. A paixão pelo cinema, seu antigo ofício, também não ficou de fora da Sthorm, onde o ativista conta com uma pequena produtora que dá conta de todo o material promocional da empresa. No que se refere ao Hospital das Clínicas, está em curso um documentário que deve retratar a rotina da instituição. “Queremos usar esse material para mostrar o que é o HC de verdade. O hospital é muito mais do que um pronto-socorro, é a base da ciência nacional, pedra fundamental e mais importante da ciência na América Latina e essa estrutura não pode sofrer com faltas de recursos”, resume. “Temos o dever de trazer saúde financeira para o hospital.” n
UM NOVO COMPORTAMENTO
POR CAROL SGANZERLA
Éfato que nenhuma empresa ficou imune às mudanças causadas pela pandemia da Covid-19, seja nos modelos de negócio, nos planos de expansão, na rotina de trabalho, na gestão de equipes pelos líderes; não houve companhia que não precisou se adaptar, testar formatos, adiar planos. Há mais de um ano vivendo as incertezas trazidas pelo momento, novos desafios se impõem aos executivos a toda hora. A Movida, empresa de aluguel de carros, por exemplo, acabou antecipando alguns projetos digitais que estavam estruturados para acontecer a longo prazo. “Tivemos que investir em sistemas e metodologias on-line que se adaptassem ao novo jeito de interagir para continuarmos próximos dos clientes e parceiros. Nossa estratégia de negócios focada em tecnologia e sustentabilidade fez com que as mudanças se tornassem mais rápidas”, conta o CEO Renato Franklin.
Dentre os projetos de transformação digital, foi implementado um aplicativo de vendas de seminovos no atacado, possibilitando aos lojistas consultar preços, estoque, negociar e fechar transações. “As vendas por delivery também foram aceleradas, o que engloba entrega, garantia, relacionamento e pós-venda, gerando maior confiança para quem está comprando. Investimos na digitalização da jornada do cliente, como no caso do web check-in, processo do aluguel, checagem de documentos e avaliação de crédito, tudo feito pelo aplicativo, reduzindo para poucos minutos a estadia na loja.” Segundo Franklin, o modelo de gestão também sofreu transformações e trouxe benefícios. “As reuniões por
Renato Franklin, CEO da Movida
videoconferência com os gerentes agora são mais frequentes e dinâmicas, o que permite avaliar os indicadores com mais detalhes. Práticas como essa devem continuar”, pontua.
Empresa especialista em produtos e serviços de videoconferência e líder de mercado, a NetGlobe, que duas décadas atrás inovou no meio oferecendo locação de equipamentos e suporte às reuniões virtuais, viu muitos clientes se desfazendo de seus escritórios e optando por soluções mais simples, buscando redução de custos. O fundador e CEO, Renato Batista, conta que, por outro lado, a companhia cresceu exponencialmente com as entregas de ambientes digitais, que integram plataformas como Zoom, Microsoft Teams, Webex, entre outras, com os mais diversos dispositivos de vídeo. Além disso, a empresa viu um crescimento nas demandas por eventos on-line (como lives e webinars), bem como nos serviços voltados aos novos ambientes de trabalho, que já pensam em conectar o físico com o remoto, resultando na experiência híbrida.
“Ganhamos muito com a ferramenta de comunicação por vídeo, mas ainda vemos empresas operando de forma improvisada. O híbrido é necessário para o convívio humano, mas as tecnologias têm que estar calibradas para fazer sentido. Uma reunião virtual bem-feita exige material. É importante que os executivos tenham responsabilidade digital, apoiem o desenvolvimento e cuidem para que as relações híbridas sejam pautadas em segurança, qualidade e conforto”, diz Batista. “É preciso aju-
Renato Batista, CEO da NetGlobe
dar a tracionar a tecnologia, é o que vai levar você, seu colaborador e a empresa para o outro patamar.”
Renato acredita que é hora de os líderes investirem no treinamento das equipes, mostrando todas as funcionalidades das ferramentas digitais disponíveis, e também na utilização de dispositivos que levem até o usuário uma experiência mais completa. “Além disso, precisamos saber o equilíbrio das coisas. Se eu ficar no contato virtual das 8h às 18h, será um extremo em todos os sentidos. Na retomada, vamos valorizar como nunca as relações presenciais, vamos dar ainda mais valor ao estar juntos. Antes, estava banalizado, perdíamos tempo, não era eficiente.”
Parte fundamental da dinâmica de trabalho na área de fusões e aquisições (M&A), os encontros presenciais, almoços e reuniões, essenciais para o relacionamento com os clientes em negociações que envolvem a venda e compra de empresas, foram impactados pelo distanciamento social imposto pela nova realidade. Uma mudança e tanto para Flávio Batel, sócio-fundador e CEO da butique de M&A Solstic Advisors. “Em M&A, as pessoas querem falar presencialmente, olhar nos olhos de quem está cuidando do negócio, muitas vezes parte importante da vida delas. Existe uma relação emocional e numa sessão de Zoom você não consegue sentir a temperatura. Tem sido um exercício de adaptação muito grande, de empatia, de se colocar no lugar do outro, o que é difícil fazer pela tela”, diz o CEO, apesar do volume de transações ter aumentado muito nos últimos doze meses.
Além da impessoalidade do contato entre telas, outros fatores podem comprometer o sucesso dos encontros on-line. “Sinto muitas vezes as pessoas mais irritadas. Outro dia, começamos uma videoconferência, mas o cliente não dominava a tecnologia e levou mais de 20 minutos para conseguir conectar o som”, conta. “Ao mesmo tempo, para esse pessoal, estamos observando que conforme são vacinados, chegam com mais tranquilidade. Antes, perguntávamos se o cliente gostava de vinho e hoje se já foi vacinado”, diz. “O nosso negócio é muito por recomendação. Se o cliente teve uma boa experiência, ele recomenda. Então, os almoços, as conversas, os eventos, aquele movimento de alguém puxar você pelo braço e apresentar uma pessoa faz falta”, pontua Flávio, que acredita no funcionamento do modelo de trabalho híbrido na volta às atividades.
Renato Franklin, da Movida, segue esse pensamento. “Antes da pandemia, eu já era muito digital, o que facilitou a adaptação ao home office. Por outro lado, acredito que o escritório traz uma contribuição significativa para o desenvolvimento profissional. Acredito em um modo de trabalho híbrido, mas muito bem selecionado”, pontua. “A pandemia fechou algumas portas, mudou o jeito de interagir, mas criou uma espaçosa avenida de oportunidades.”
Flávio Batel, CEO da Solstic Advisors