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cabeça em tempos de quarentena
BRIGA DE
CACHORRO GRANDE
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POR NEY FIGUEIREDO
ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES E m 2011 eu estava em Paris passando férias, como fazia todos os anos, e lendo o Figaro tomei conhecimento das primeiras escaramuças entre o empresário Abilio Diniz e o poderoso grupo varejista francês Casino. Em jogo estava o controle do Pão de Açúcar.
Havia acabado de comentar com minha mulher que se tratava de uma briga de cachorro grande quando recebi um telefonema de um cliente do mercado financeiro internacional indagando-me se teria tempo e disposição para entrar nessa parada.
De volta ao Brasil, encontrei-me no Hotel Emiliano com um alto executivo do Grupo Casino, que me inteirou do que estava acontecendo. Em síntese: quando o Pão de Açúcar estava em dificuldades, em 2005, Diniz havia negociado o controle da sua rede de supermercados com Jean-Charles Naouri, presidente do grupo francês, e estava chegando a hora de cumprir o acordado. Porém, Diniz relutava em passar o comando.
De imediato expliquei que não tinha dúvidas sobre a documentação que me foi exibida, mas que o problema não era só legal. Conhecia Abilio Diniz de longa data, havia sido seu colega no Conselho Superior de Política da Fiesp. Tinha fama de ser bom de briga, colecionava uma série de conflitos na vida empresarial com a própria família e com inúmeros parceiros: Sendas, Casas Bahia e Ponto Frio.
Na época, a sua proximidade com o governo Lula e a nomeação para a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade da Presidência da República no governo Dilma revelavam que seria um adversário de peso. Alertei que não seria fácil derrotá-lo no campo político e lembrei que Naouri era um empresário estrangeiro, pouco conhecido no Brasil e sem nenhuma ligação política.
Bem antes do vencimento do contrato, Diniz havia feito meticulosa articulação para impor ao Grupo Casino um fato consumado: a fusão do Pão de Açúcar com o Grupo Carrefour, mediante aval do governo brasileiro por meio do BNDES. Na opinião do empresário, tal negócio era impossível de ser recusado pois “tratava-se de uma questão de Estado”, já que surgiria a maior empresa de varejo da América Latina, enquadrando-se na política
dos “Campeões Nacionais”.
Tal fusão chegou a ser anunciada com estardalhaço pelo BNDES. Mas por que não deu certo? Onde Diniz errou? A repulsa pública traduzida em inúmeros editoriais provocou um efeito cascata. Os principais jornalistas e veículos de comunicação do Brasil e do mundo, municiados com documentos claros e objetivos, compraram a briga de Naouri. Ajudou muito a má imagem de Abilio Diniz quanto aos negócios. Nenhuma entidade empresarial importante, ou empresário de porte, veio em seu socorro. Ao contrário, quando indagados em off defendiam que o negócio havia sido lícito e que Diniz teria que honrar o que tinha assinado.
A posição irredutível de Naouri de não negociar e não aceitar que seu patrimônio sofresse uma expropriação foi fundamental. A presidente Dilma, após ser inteirada da negociação, condicionou a realização da operação, com aporte de recursos do BNDES, a inteira concordância do Grupo Casino. Dois ministros, Fernando Pimentel e Gilberto Carvalho, ainda fizeram gestões a favor de Diniz, mas diante da firme posição da presidente bateram em retirada.
Fui uma figura menor na disputa, que contou com talentosos profissionais dos dois lados, mas pude acompanhar de perto um grande embate do mundo corporativo. n
Ney Figueiredo é consultor político e cientista social. Escreveu diversos livros, entre eles Diálogos com o Poder (ed. Cultura).