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EDITORIAL COLUNA DA JOYCE BANDEIRA BRANCA
O ministro das Comunicações Fábio Faria chega ao Governo para conquistar as boas notícias 20
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A REVOLUÇÃO VEGETAL
Startups brasileiras de carne vegetal ganham valor de mercado e projetam a internacionalização 52
EXECUTIVO 4.0
Bill Dague: jovem, cabelo rastafári e VP da Nasdaq 54 56 57
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FÁBIO FARIA POR ORLANDO BRITO
RESPIRO
O fluxo máximo de Jack Kerouac
OPINIÃO
O advogado Renato Ochman aponta os caminhos para o jardim econômico florescer
OPINIÃO
Hugo Bethlem, chairman do Instituto Capitalismo Consciente, fala sobre lições da pandemia
OURO ARDENTE
Nosso repórter fotográfico documenta a tristeza na Transgarimpeira
EU ESTAVA LÁ
Lima Duarte, testemunha dos 70 anos da TV brasileira, posa para as lentes de PODER
CANTO DE PODER
As estantes e as escolhas literárias de uma turma de sábios 32
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A MARCA DA IGUALDADE
O reitor José Vicente e sua luta incansável pelo protagonismo negro no Brasil
NOVA VELHA CARTILHA
Laura Carvalho, uma das vozes mais potentes do debate econômico
CAIXA DE SURPRESAS
Novas regras redefinem a estratégia eleitoral de 2020 24
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NA REDE:
CONSUMO OPINIÃO
/revista-poder-joyce-pascowitch
Eliane Dias versa sobre a delícia e a dor da maternidade
@revistapoder
A CORRUPÇÃO NOSSA DE CADA DIA
@revista_poder
O psicólogo Luiz Hanns explica como é possível vencê-la
/Poder.JoycePascowitch
FOTOS MAURÍCIO NAHAS; ROBERTO SETTON; DIVULGAÇÃO
SUMÁRIO
O.S.: 357561 GLAMURAMA.
Thu Oct 1 03:34:46 2020
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marcelo
PAPO DE PODER
A CORRUPÇÃO NOSSA
DE CADA DIA
Corrupção não se combate só jurídica e politicamente. Ela não é apenas sistêmica, está umbilicalmente ligada à burocracia, má gestão privada e pública e à cultura cordial da complacência, segundo o psicólogo Luiz Hanns. É possível combatê-la, mas, neste momento, a sociedade só enfoca a corrupção sistêmica e se esquece da endêmica e sindrômica
O
POR ANGELICA MARI
psicólogo Luiz Hanns, que estuda há anos os mecanismos comportamentais do subdesenvolvimento, bem como um dos grandes males do país, a corrupção, defende que para combatê-la é preciso endereçar um diagnóstico abrangente e um plano de fôlego. Há parcelas da mídia que alimentam uma visão ingênua, ou messiânica, e moralista do combate à corrupção. Hanns, além de analista de comportamento social, é psicólogo clínico, palestrante da Casa do Saber e autor de livros sobre casamento e filhos e artigos sobre comportamento político-econômico. Segundo ele, as ações como as empreendidas pelo Ministério Público na Lava Jato ofereciam uma solução parcial para o problema. No papo com PODER, o paulistano formado em psicologia pela USP e em administração pela FGV, professor convidado da Sigmund Freud University, de Viena, discorre sobre os caminhos que considera possíveis para enfrentar as três dimensões da corrupção.
PODER: O SENHOR ENTENDE A CORRUPÇÃO COMO UMA QUESTÃO ESTRUTURAL OU ACHA QUE O INDIVÍDUO PODE SE CORROMPER COM BASE EM SUA ÍNDOLE? LUIZ HANNS: Ambos. Se quisermos ter uma visão mais
abrangente e articulada da corrupção no Brasil, podemos considerar três dimensões: sistêmica, endêmica e sindrômica. Quanto à bem conhecida dimensão sistêmica,
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muito já foi discutido sobre quais seriam as principais reformas necessárias para combatê-la. Podemos discordar da dosagem, formato e de medidas isoladas, mas, no geral, as dez medidas defendidas por promotores da Lava Jato cobriam os principais passos necessários para vencer a corrupção sistêmica, entre elas a importante reforma do financiamento eleitoral. Aliás, todo o sistema eleitoral precisaria ser aprimorado. No entanto, a tragédia em países como a Itália e o Brasil é que se enfoca somente nos aspectos sistêmicos, combate-se apenas um trecho, um tentáculo da corrupção. Outras dimensões acabam não sendo tocadas, ela se instala de novo e ocorre um fracasso, como o das Mãos Limpas e aparentemente agora com a Lava Jato. Cruzadas anticorrupção enfrentam um contra-ataque de dois grupos que se aliam rapidamente. De um lado, a poderosa coalizão entre aqueles que vivem da corrupção, muitos dos quais instalados no Executivo, Judiciário, Legislativo e sociedade civil, nas esferas federal, estadual e municipal e que em parte são movidos por egoísmo e mau-caratismo. De outro, aqueles que estão sufocados pela disfuncionalidade da gestão pública, foram envolvidos nos esquemas e querem agora escapar das punições. Estes últimos constituem grande parte do empresariado e muitos cidadãos comuns, que, para poder trabalhar e viver, tiveram de ceder a achaques ou pedir por “jeitinhos” para driblar leis absurdas, burocracias que inviabilizam a vida. Para estes a corrupção gerava oxigênio
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FOTO VITOR GARCIA/DIVULGAÇÃO
para que pudessem funcionar no cotidiano. Todavia, frente a uma ação moralista e ingênua, eles se veem colocados no mesmo nível dos criminosos e são punidos tão severamente, ou até mais, do que os achacadores, que têm muitos aliados no Judiciário. Se prosseguirmos com a mesma miopia, estaremos condenados a perder eternamente a luta contra a corrupção. Essa coalização nacional de achacadores e achacados é invencível se não atacarmos as dimensões endêmica e sindrômica e se não dividirmos a coalização, colocando os achacados do nosso lado (claro que também há achacados que se tornaram corruptores). PODER: AS PEQUENAS CORRUPÇÕES COLABORAM PARA QUE AS MAIORES VENHAM A OCORRER? LH: Quando falamos da complacência, das pequenas
contravenções, tratamos da dimensão endêmica da corrupção. Ela é tão impregnada em nossa mentalidade que aceitamos a pequena corrupção do cotidiano, embora fiquemos indignados com a grande corrupção pública. Embora, alguns ainda aceitem o “rouba, mas faz”, cada vez mais o político que age assim tende a ser malvisto. Na corrupção endêmica, a moral é regida pela regra de lealdade ao grupo, aos amigos e parentes tende-se a perdoar tudo. "Meu filho foi pego colando, mas vou ver se a professora dá um jeitinho." As pessoas param em fila dupla, roubam sinal de TV a cabo. Ainda que a miséria e a pobreza possam justificar algumas dessas ações, o fato é que empatizamos com os motivos que levam as pessoas a não cumprir regras e não ser corretas. Mas essa pequena corrupção aos poucos desliza para a corrupção maior. Por exemplo, o sujeito trabalha em uma grande empresa e dá para um primo dicas quentes para ele ganhar uma concorrência. No próximo passo, ajeita as coisas de maneira a afastar competidores e que o primo ganhe. Mais adiante, eventualmente, ele aceita um dinheirinho desse primo. E quando tiver um cargo público, como fará? E o menino que colava, o jovem que comprava descontos de pontos de multa na carteira de motorista? Ou se é correto ou se entra num terreno escorregadio em que aos poucos o poder corrompe. PODER: A GRANDE CORRUPÇÃO SEMPRE CHOCA MAIS, AS MENORES SÃO NORMALIZADAS. POR QUE ISSO ACONTECE? LH: Esse individualismo e pensamento de clã é muito
estudado pela escola de economia neo-institucional e está bem descrito no livro Por Que as Nações Fracassam?. Nós, como muitos países que fracassam, temos instituições disfuncionais que não favorecem que o sujeito se veja
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“O burocratismo, misturado a certa complacência, impregna todo o tecido, as empresas, os serviços públicos e a interação com o cidadão, gerando uma sociedade de desconfiança”
como cidadão, é uma sociedade da “Lei de Gérson”, da vantagem para quem é esperto, para os poderosos. O sujeito é estimulado a se refugiar em seus grupos de segurança e redes de apoio e o resto é um mundo cão. É uma economia da desconfiança, algo que aumenta em muito o custo de todas as transações entre cidadãos, empresas e instituições. Mas, além disso, no Brasil há a tendência de não entrar em contato com a realidade da escassez, o conflito distributivo e a necessidade de um pacto pelo desenvolvimento que implica um pacto distributivo (que será frustrante e exige embates, concessões e realismo). Preferimos o pensamento mágico e a autoilusão. Muitas vezes, a inflação é um modo de fingir que estou te pagando mais e você fingir que está recebendo mais. Durante décadas foi uma maneira de acomodar conflitos distributivos e não frustrar. Hoje fazemos isso, em grande parte, criando dívidas, precatórios, tentando afrouxar a responsabilidade fiscal. Corrupção se liga à soma da complacência que não pune, da complacência que aceita malfeitos, da disfuncionalidade das instituições que privilegiam os “espertos” e o arbítrio e da burocracia e má gestão. Por isso o combate aos aspectos sistêmicos não basta, está fadado aos fracassos que temos visto.
chos em que se instalam pessoas que criam dificuldades para vender facilidades e achacar o cidadão, as empresas e os políticos. A corrupção nesse cenário é um tubo de oxigênio que torna novamente o ar respirável, mas, claro, só por um tempo, mais adiante os achaques sufocam a todos. O segundo aspecto que faz parte da sindrômica é a grave ineficiência de gestão: não sabemos planejar, não utilizamos as melhores práticas, não entendemos que é mais importante cortar custos e aumentar a produtividade do que aumentar a arrecadação (ou os preços ou spreads). Nesse caso a corrupção se instala nas brechas da ineficiência, sobretudo no sistema público, nas licitações malfeitas e nos aditivos inevitáveis, no desconhecimento das condições de competição etc. PODER: QUAIS SERIAM AS SOLUÇÕES? LH: Nossa grande doença social é
FOTO VITOR GARCIA/DIVULGAÇÃO
PODER: O SENHOR ACHA QUE O FATOR LIMITANTE PARA O CIDADÃO ENXERGAR ALGUMA ATITUDE COMO CORRUPTA PASSA POR SUA IDEOLOGIA OU VISÃO DE MUNDO? LH: Se o Brasil quiser vencer essa luta, é preciso, além
de combater as formas de corrupção sistêmica e endêmica, endereçar a dimensão sindrômica (várias disfuncionalidades em conjunto). Em todo lugar, seres humanos podem tender a ser corruptos, ditatoriais, injustos, racistas, machistas etc. Do ponto de vista sindrômico, teríamos que ao menos endereçar dois aspectos. O primeiro é o burocratismo, que cria controles que sufocam a vida do cidadão comum, obrigado a entrar em uma redundância de procedimentos, documentos repetidos, idas e vindas desnecessárias a órgãos de controle que vão tornando a vida cotidiana um inferno e custam dinheiro, tempo, frustração. O burocratismo, misturado a certa complacência, impregna todo o tecido, as empresas, os serviços públicos e a interação com o cidadão, gerando uma sociedade de desconfiança. Ele faz com que o sistema se torne irrespirável e gera ni-
uma mentalidade de subdesenvolvimento, caracterizada por algoritmos comportamentais disfuncionais. Entre eles: o "curto-prazismo", a complacência de não frustrar, a tendência a não planejar, o burocratismo, ignorar as melhores práticas e a falta de iniciativas cívicas da sociedade civil. As medidas propostas pela equipe da Lava Jato basicamente cobriam o que era necessário para o combate da dimensão sistêmica da corrupção. Elas não exigiam mudanças na dimensão que incluem reformar o cipoal de leis que não se podem cumprir, enfim, atacar a chaga do burocratismo e o despreparo de muitos gestores públicos. Isso está fora da alçada de um promotor, mas a discussão teria de ser levada a público e seria preciso diferenciar achacador de achacado. Também seria necessário fazer uma grande campanha, que exigiria a participação de empresários e políticos lúcidos e de parte de uma imprensa lúcida, para resolver a prioridade número um para combater a corrupção, que é a redução da burocracia. É uma luta difícil, requer uma discussão pública e que pessoas-chaves saiam dessa visão primária e binária e entendam que as três dimensões estão altamente interligadas. Seria injusto exigir de promotores e dos membros do Judiciário que façam esse trabalho sozinhos. É necessário que lideranças políticas e empresariais ataquem o assunto de verdade, e não de uma forma eleitoreira ou para manter aparências, e que, de fato, discutam a relação da corrupção com as questões centrais que afetam o país. Isso não vai ser feito agora, não há clima, e mesmo os candidatos às próximas eleições parecem longe de ter essa consciência, bem como a população. n PODER JOYCE PASCOWITCH 61