Revista Poder | Edição 140

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ISSN 1982-9469

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771982

R$ 19,50

00140

NOV EM BRO 2020 N.140

946006

PROPÓSITO, INCLUSÃO E ESPERANÇA

VIDE BULA

A receita da retomada para o ex-presidente do Banco Central ILAN GOLDFAJN: vacinação e ajuste fiscal

PEIXE GRANDE

O mercado de pets chega à maioridade com IPO e investimentos milionários

TERCEIRO TEMPO

O médico ALEXANDRE KALACHE e a urgência de ressignificar o envelhecimento

SHOW DO BILHÃO

Como os bilionários multiplicaram suas fortunas durante a pandemia

ROUPA NOVA

Primeira mulher a presidir a centenária Sociedade Rural Brasileira, TERESA VENDRAMINI ajuda a moldar a cara do agronegócio E MAIS

O que os anos Trump deixam para a democracia mundial, a intensidade de FAFÁ DE BELÉM, um guia para a meditação perfeita, as casas icônicas do cinema e as escolhas do multifacetado JOSÉ JUNIOR






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SUMÁRIO EDITORIAL COLUNA DA JOYCE A MULHER DO CAMPO

Liderança feminina, a pecuarista Teresa Vendramini é a primeira mulher a comandar a tradicional Sociedade Rural Brasileira 22

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TRUMP POWER 60

RESPIRO

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TERESA VENDRAMINI POR ROBERTO SETTON

OPINIÃO

AGENDA PODER

CASAS DE CINEMA

Construções célebres que serviram de locação para filmes memoráveis

RESPEITEM MEUS CABELOS BRANCOS 67

OPINIÃO

O especialista Ney Figueiredo conta que nem tudo é ouro na Fiesp

MERCADO FUTURO

Como Masayoshi Son, fundador e CEO do SoftBank, se tornou o investidor mais poderoso do Vale do Silício

MEDITAÇÃO DE A A ZEN

Qualquer um pode ter uma prática meditativa para chamar de sua A psiquiatra Natália Mota analisa o viés de gênero que habita o inconsciente coletivo

UMA ESTRELA NO BANCO

O poder transformador da alegria de Fafá de Belém

OPINIÃO

Para Liliane Rocha, 2020 entrará para a história como marco na discussão da temática racial

O déficit democrático legado pelo populismo do presidente americano pode não ser superado

Ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn prevê desafios para a retomada econômica

REFLEXÃO SOBRE O TEMPO

O gerontólogo Alexandre Kalache fala sobre a necessidade de ressignificar o envelhecimento

O talento incomum e o destino trágico do pianista Glenn Gould 36

IMUNIDADE DE CLASSE

A pandemia fez bem aos bilionários do mundo, cuja fortuna, somada, passou dos US$ 10 trilhões

BRIGA DE CACHORRO GRANDE

O isolamento social impulsionou ainda mais a migração do mercado pet para o on-line 28

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NA REDE: /revista-poder-joyce-pascowitch @revistapoder

SONHANDO COM O CARIBE

Uma viagem visual à pequenina ilha de Canouan 70

BALMAIN + balmain.com BRUNELLO CUCINELLI + brunellocucinelli.com DOLPS + dolps.com.br EMILIO PUCCI + emiliopucci.com HECTOR ALBERTAZZI + hectoralbertazzi.com.br VIRGÍNIA TAVARES + @virginiatavaresjoias VIVARA + vivara.com.br

PODER VIAJA

@revista_poder /Poder.JoycePascowitch

FOTOS MAURÍCIO NAHAS; ROBERTO SETTON; DIVULGAÇÃO; ZÔ GUIMARÃES/FOLHAPRESS

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SOB MEDIDA

As escolhas do criador audiovisual e multifacetado José Junior 74 76 79

HIGH-TECH CULTURA INC. OPINIÃO

O advogado Renato Ochman faz uma releitura de Belchior em tempos de Covid-19 80

ÚLTIMA PÁGINA

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PODER EDITORIAL

E

quidade é tema hoje de todas as agendas, e a liderança feminina é uma realidade que vai se impondo em muitos setores. No agro, 30% dos postos de comando já estão com elas. Assim, faz sentido que a nova presidente da Sociedade Rural Brasileira, tradicionalíssima entidade fundada por cafeicultores paulistas em 1919, seja uma mulher, a socióloga Teka Vendramini, que virou pecuarista ao herdar uma das fazendas da família. O agro mostrou força durante a pandemia, com aumento de safra e de emprego, assim como performou, claro, o varejo on-line. A quarentena também fez muito bem à Petlove, que, como outras voltadas aos pets, vão na base do vento a favor: o IPO da Petz na B3 foi um sucesso. A Petlove, aliás, é uma das empresas com investimentos do SoftBank, a companhia do bilionário japonês Masayoshi Son, que perdeu US$ 70 bilhões na bolha da internet e recuperou mais do que isso com a valorização da chinesa Alibaba, da qual Son detém 1/3 – nosso repórter Anderson Antunes conta essa história com detalhes. Já por aqui, o ambiente de negócios deve muito a Ilan Goldfajn, que chegou mesmo a ser reconhecido como o melhor presidente de Banco Central dos vários países do mundo. Agora no Credit Suisse, ele navega no mar que ajudou a pacificar, como diz em entrevista a Armando Ourique, outro especialista no assunto. E, afinal, o que será do mundo depois de Trump? Sua conduta populista (e nada pacífica) irá se reproduzir? Tentamos responder à questão em reportagem especial. Mas poder e dinheiro, dizem, não é exatamente tudo, e falamos nesta edição das várias técnicas de meditação, prática que dez entre dez CEOs hoje executam. O gerontólogo Alexandre Kalache discute a falácia da juventude eterna e pede que as pessoas tenham orgulho de seus cabelos brancos – as que os têm, claro, como a intensa Fafá de Belém, que é a convidada do nosso Ensaio. Em artigo, a psiquiatra e doutora em neurociências Natália Mota chama atenção para o papel das mulheres na sociedade, na família, em tudo. Mostramos aqui também casas icônicas do cinema, em reportagem da editora de estilo Ana Elisa Meyer, aparelhos high tech para enfrentar o calor e as afinidades eletivas de José Junior, fundador do AfroReggae e hoje criador de séries de sucesso para o Globoplay. É só o começo desta edição de PODER. Consuma sem moderação.

R E V I S TA P O D ER . U O L. C O M . B R


SAVE THE DATE

O Itaú anunciou um novo presidente, o executivo Milton Maluhy Filho, 44 anos, que irá ocupar o posto de Candido Bracher, que chega à idade limite estatutária de 62 anos em dezembro. Mas é outra mudança que promete movimentar os quadros do banco – desta vez no âmbito pessoal. Copresidente do Conselho de Administração no Grupo Itaú Unibanco, ROBERTO SETUBAL marcou o seu próximo casamento para 28 de novembro. Conforme PODER antecipou, o banqueiro se separou de sua terceira mulher, Vera Maria Zugaib, e irá se casar novamente, desta vez com uma pequena recepção em sua casa na praia do Iporanga, Guarujá (SP). A noiva é uma corretora de imóveis que Setubal conheceu recentemente.

FOGO ALTO

SILVIA MACEDO LEVORIN,

uma das donas do Rodeio, precursor das churrascarias chics do país, não tem do que reclamar. Apesar dos salões no tradicional endereço paulistano não ficarem lotados por conta da pandemia, os pedidos de entrega do restaurante vão muito bem, obrigada. A casa precisou, inclusive, contratar novos funcionários para dar conta da demanda.

PORTA-RETRATO

Tem cientista político famoso estudando nomes conhecidos e bem avaliados no cenário nacional, mas fora do carteado, para testar possíveis candidatos a cargos expressivos em 2022. Pois bem: entre os que despontaram com força está o do cardiologista ROBERTO KALIL FILHO, diretor-geral do Centro de Cardiologia do Sírio-Libanês e responsável pela saúde dos ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. Seria mentira dizer que Kalil não amou o resultado.

8 PODER JOYCE PASCOWITCH

BANHO-MARIA

Articulistas da oposição garantem que o expresidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA pretende conquistar o apoio de CIRO GOMES até as eleições de 2022. No último pleito, Lula e Ciro tiveram um desentendimento e chegaram a romper porque Ciro não sinalizou apoio formal a Fernando Haddad no segundo turno. Com o ex-presidente, que está em liberdade, mas ainda é inelegível, Ciro pretende ganhar fôlego antes de se colocar como uma opção real na disputa pelo Planalto.

MEIA-VOLTA

Causou estranheza entre os mais próximos o fato de Jair Bolsonaro ter sido operado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para a retirada de um cálculo renal. Seu médico de confiança, DR. ANTONIO LUIZ MACEDO, havia trocado o jaleco do Einstein pelo do Hospital Vila Nova Star por um contrato milionário. Mas, mesmo assim, o presidente preferiu seguir para o Einstein. O motivo? É que um dos cirurgiões que cuidaria dele na moderna unidade da Rede D’Or é crítico afiado e assumido de Bolsonaro.


FUTURO DO PASSADO

Ainda que os presidentes Rodrigo Maia e DAVI ALCOLUMBRE comandem o tabuleiro de olho na reeleição em suas respectivas casas legislativas, um episódio recente aponta para um revés dos parlamentares. Em 2007, o ex-senador GARIBALDI ALVES tornou-se presidente tampão do Senado após a renúncia de Renan Calheiros. Na época, ele também tentou mudar as regras do jogo, mas foi aconselhado por juristas e ex-ministros do STF – entre eles Célio Borja – a desistir da ação. A legislação veda um segundo mandato dentro da mesma legislatura, por isso eles devem ficar no comando até o dia 31 de janeiro de 2021.

SANTUÁRIO

FOTOS GETTY IMAGES; PAULO FREITAS; RICARDO STUCKERT/INSTITUTO LULA; ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL; FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ AGÊNCIA BRASIL; ELZA FIÚZA/AGÊNCIA BRASIL; MARIA ANTONIA ANICETTO; AGÊNCIA BRAZIL NEWS/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO

A possibilidade de ter uma ilha para chamar de sua, ao menos por semanas, movimenta o mercado. Com o trabalho remoto, paraísos como Barbados e Bermudas estão oferecendo vistos de trabalho estendidos, um home office de luxo. E ao alugar não se tem as responsabilidades e os custos estratosféricos da compra – e da manutenção.

MEU BEM

O divórcio entre PEDRO GRENDENE BARTELLE e TANIA BULHÕES mexeu com a turma dos super-ricos. Primeiro porque envolveu cifras milionárias – ela teria ficado com cerca de R$ 100 milhões, além de apartamentos e uma bela fazenda. Segundo porque ele, que ao lado do irmão gêmeo Alexandre comemorou 70 anos com um festão no início deste ano em Punta del Este, está com uma mulher que conhece há muito tempo, gaúcha como ele, e da mesma idade: 70 anos. Ao contrário dos seus pares, ele não se separou por causa de uma mulher bem mais jovem.

SALA VIP

Unquiet é o nome do novo projeto da publicitária e viajante inquieta CORINNA SAGESSER. Depois de desbravar tantas culturas, sabores e paisagens, muitas delas registradas nas páginas de PODER, Corinna está lançando uma publicação trimestral – com portal na internet – que será distribuída para um mailing list selecionado e abordará experiências de luxo para viajantes ávidos por destinos pouco explorados. Entre os colaboradores, um time de peso com Zeca Camargo, J.R. Duran, Maurício Nahas, Tuca Reinés, entre outros. O lançamento da Unquiet acontece no dia 25 com um bate-papo virtual (@revistaunquiet) entre Corinna e Zeca Camargo.

POSTE

Em uma de suas últimas passagens por São Paulo, o presidente da Câmara, RODRIGO MAIA, viveu uma situação inusitada. Hospedado no Emiliano, nos Jardins, o deputado estava no hall do hotel quando viu se aproximar a socialite NARCISA TAMBORINDEGUY com seu habitual estardalhaço. Maia então se recolheu e esperou a banda passar torcendo para que não fosse notado. Deu certo. PODER JOYCE PASCOWITCH 9


O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que olham e não fazem nada ALBERT EINSTEIN

3 PERGUNTAS PARA... RAJ SISODIA, SISODIA, consultor e criador do Capitalismo Consciente, lançou recentemente Empresas que Curam,, livro em que reclama o protagonismo para as empresas no combate aos “males da sociedade” Curam O SENHOR CRÊ QUE CONSUMIDORES OPTAM POR COMPANHIAS DE MAIS ATENÇÃO PELOS STAKEHOLDERS. ASSIM, COMO EXPLICAR LÍDERES QUE LEVAM EMPRESAS A PROTAGONIZAR ESCÂNDALOS, COMO VISTO RECENTEMENTE NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA?

Apenas acreditar em alguma coisa não é suficiente. Temos de ter líderes que são comprometidos em fazer as coisas certas pelas razões certas. Temos de ter líderes que levem as pessoas para um lugar melhor. Infelizmente, há muitos cuja motivação maior é apenas dinheiro e poder. Essas pessoas têm grandes pontos cegos morais e demonstram um comportamento altamente questionável se acreditam em algo que possa trazer mais dinheiro e poder para elas. O AMBIENTE DE NEGÓCIOS É A GRANDE INVENÇÃO JÁ FEITA PARA O CUIDADO DE PESSOAS EM LARGA

ESCALA, NO SEU ENTENDIMENTO. COMO ESPALHAR ESSA MENSAGEM EM LUGARES EM QUE A MERITOCRACIA É AINDA O DISCURSO DOMINANTE, COMO O BRASIL?

Acredito ser essa uma postulação universal que se aplica para o ser humano onde quer que ele esteja. O Brasil não é exceção. A INSURGÊNCIA DE LÍDERES POPULISTAS PODE INTERFERIR NO CAMINHO DO CAPITALISMO CONSCIENTE, OU O SISTEMA É FORTE O SUFICIENTE PARA SE MANTER IMUNE ÀS PERDAS DEMOCRÁTICAS QUE ELES, EVENTUALMENTE, POSSAM ACARRETAR?

de que aquilo que for bom para as companhias e para o crescimento econômico seja igualmente bom para o cidadão comum. Isso exige que as empresas sejam mais conscientes na tarefa de criar valor para todos os seus stakeholders, especialmente seus funcionários. Temos de criar uma sociedade em que cada um importe e que no final todos ganhem.

Esses líderes surgiram em razão da insatisfação com o status quo. Muitas pessoas sentiram que não estavam desfrutando do capitalismo do mesmo jeito que uns poucos estavam. De muitas maneiras, desde a queda do muro de Berlim, 30 anos atrás, democracia e capitalismo têm divergido um do outro. Temos agora de reconectá-los no sentido

A VINHERIA PERCUSSI, comandada pelos irmãos Silvia e Lamberto Percussi, está com nova programação. Ocupando uma bela casa com salão aconchegante e ventilação natural de seu pátio interno, o restaurante anunciou a reabertura com todos os protocolos necessários de segurança. Fundado em 1985, o restaurante italiano contemporâneo dedicado à enogastronomia traz a perfeita harmonização entre o vinho e a comida – foi premiado como Carta de Vinhos nº 1 no guia italiano Gambero Rosso, em 2018. Entre os pratos do cardápio, destaque para o filé de badejo com sal rosado do Himalaia, aroma de baunilha e röschti de batatas e legumes, e o tortelli di Parma al triplo burro, massa fresca artesanal recheada com presunto de Parma e ricota servida com molho de creme de leite, manteiga e parmesão. Reservas ou delivery pelo tel. (11) 3088-4920 ou (11) 3064-4094. PERCUSSI.COM.BR | @VINHERIA_PERCUSSI

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MESA POSTA


INTELIGENTES E INCLUSIVAS

Cidades inteligentes já são realidade no Brasil. Em São Gonçalo do Amarante, no Ceará, a PLANET SMART CITY, líder global no setor, construiu a Smart City Laguna, considerada a primeira cidade inteligente inclusiva do mundo, para 25 mil habitantes, capaz de integrar uma série de soluções em planejamento, inovação social, sustentabilidade e tecnologia – com o Planet App é possível monitorar a casa, controlar o consumo de água e energia, consultar a qualidade do ar, acompanhar as notícias da região, o andamento da obra e ainda ter acesso aos serviços digitais da cidade. Para a CEO da Planet no Brasil, SUSANNA MARCHIONNI, o país representa um mercado-chave para a empresa. “O Brasil está entre os cinco países com maior déficit habitacional em todo o mundo e estamos muito satisfeitos em oferecer um novo conceito de morar, com mais qualidade, tecnologia e serviços.” Além de Laguna, a Planet Smart City está construindo outra cidade no Rio Grande do Norte e recentemente anunciou o Viva!Smart, um projeto com 2.500 apartamentos inteligentes em São Paulo, e a Smart City Aquiraz, também no Ceará. +PLANETSMARTCITY.COM.BR

ESTE MÊS A MULHER E O HOMEM DE PODER VÃO... VISITAR o

REVER Os Bons Companheiros

SELECIONAR boas

arquivo digital da fotógrafa americana Dorothea Lange (1895-1965), uma das principais documentaristas da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial. O site foi criado pelo Museu de Oakland e o acesso é gratuito

(Goodfellas, em inglês), obra-prima de Martin Scorsese que completa 30 anos. Estrelado por Joe Pesci e Robert De Niro

safras de vinhos rosé e branco antes da chegada do verão

DEVORAR

ADERIR AO Novembro

as páginas do aguardado livro de memórias do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Uma Terra Prometida será publicada em dois volumes pela Companhia das Letras

Azul e se empenhar na divulgação da campanha de conscientização a respeito de doenças masculinas, com ênfase na prevenção do câncer de próstata

DESCER a Estrada Velha de Santos em um passeio diferente, encarando os 9 quilômetros da trilha Caminhos do Mar. Aventura histórica e ecológica ESTUDAR o conceito de

racismo estrutural no mês que marca o Dia Nacional da Consciência Negra e entender por que, infelizmente, a discriminação mantém raízes no Brasil LER Um Dia Chegarei a Sagres (ed.

FOTOS DIVULGAÇÃO; FREEPIK

Record), o novo livro da acadêmica Nélida Piñon OUVIR All Rise, o novo álbum de

Gregory Porter, discípulo de Nat King Cole e um dos principais nomes do jazz na atualidade

OUVIR o podcast Praia dos Ossos, da Rádio Novelo. Sobre o que é ser mulher no Brasil e o feminicídio da socialite Ângela Diniz, em 1976, pelo então namorado Doca Street RENOVAR o conjunto de facas com um kit da Laguiole, marca ícone francesa fundada em 1829 e que carrega o nome da região onde são forjadas as melhores do mundo

VISITAR a

exposição Hélio Oiticica: A Dança na Minha Experiência. No Masp, que reabre com uma série de medidas de segurança: só será possível visitar o museu comprando ingressos antecipados pela internet LER Antônio Carlos Ferreira de Brito, mais conhecido como Cacaso. Poesia Completa (ed. Ci a. das Letras) reúne os seis livros publicados pelo poeta e uma farta seleção de textos inéditos CONHECER as histórias de um dos

maiores neurocirurgiões brasileiros com o livro No Labirinto do Cérebro (ed. Objetiva), de Paulo Niemeyer Filho

com reportagem de dado abreu, nina rahe e paulo vieira PODER JOYCE PASCOWITCH 11


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AGRO

A MULHER DO CAMPO

Pecuarista temporã, a paulista Teresa Vendramini, a Teka, é a primeira mulher a comandar a tradicional Sociedade Rural Brasileira, entidade fundada por barões do café há 101 anos. Sua posse reflete a crescente liderança feminina no agronegócio, setor que vem respondendo à crise da Covid-19 com aumento de produtividade e safras recordes POR PAULO VIEIRA

FOTOS ROBERTO SETTON

PODER JOYCE PASCOWITCH 13


E

m Aventuras do Dr. Bogoloff, o escritor modernista Lima Barreto faz do personagem que dá título ao livro, um professor de letras russo recém-chegado ao Brasil, a autoridade máxima da pecuária brasileira. Sem qualquer conhecimento técnico na área, bastou a Bogoloff ter conhecido um senador voluntarioso e cultor de armas para ser indicado ao almejado cargo público. Apesar de filha e neta de produtores rurais com décadas de lida, a paulista de Adamantina Teresa Vendramini, a Teka, de 61 anos, talvez tenha se sentido um pouco como Bogoloff quando herdou e assumiu a administração de uma das fazendas da família, a Jacutinga, em Flórida Paulista, cidade a 600 quilômetros de São Paulo, próxima ao rio Paraná e à divisa com o Mato Grosso do Sul. Formada em sociologia na capital paulista, ela se radicou com gosto na metrópole e empreendeu no setor têxtil, afastando-se do campo, onde nascera, mas que havia conhecido principalmente como desfrute. De volta à roça, no fim da década passada, teve de se entender com peões, processos e o próprio plantel bovino, que decidiu incrementar. Para isso começou praticamente do zero, comprando reprodutores zebuínos da raça brasileira tabapuã e sêmen de touros de origem inglesa angus, além de adotar várias outras medidas relacionadas à melhoria das condições do pasto. Diz-se que o tempo passa mais lentamente no campo, mas essa percepção não tem qualquer valor naquele pedaço do oeste paulista. Teka tinha toda a pressa do mundo para dominar o novo ofício e tornar a Jacutinga lucrativa. Após se capacitar em diversos cursos da Embrapa e da Escola Superior de Agricultura da USP, em Piracicaba, ela não apenas levou a propriedade a um novo patamar, como se tornou uma respeitada liderança rural. Primeiro dirigiu o Núcleo Feminino do Agronegócio, formado no começo da década de 2010 por 25 fazendeiras, depois, em 2017, Teka passou a ter o seu nome confundido com o da centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais tradicionais entidades de defesa do produtor agrícola, fundada em 1919 pela nata da aristocracia cafeeira paulista. Em 2020, tornou-se a primeira mulher a presidi-la. Pode-se argumentar que a chegada de uma liderança feminina ao posto máximo de uma entidade tão tradicional diga mais sobre a entidade e os tempos que correm, em que equidade e diversidade são temas de tantas agendas, do que sobre a própria Teka, mas ela fez por onde: tornou-se importante voz do

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setor ao participar de dezenas de encontros e fóruns em todo o Brasil desde que se tornou administradora rural e ainda mais ao ingressar na SRB, em 2017, a convite do então presidente Marcelo Vieira. Jamais uma mulher havia tido qualquer posição no comitê executivo da Rural, composto por seis pessoas. A diretoria de pecuária foi criada por Vieira – e abraçada por Teka, que a preferiu a liderar uma vertical feminina. Em sua gestão como presidente, também decidiu manter uma mulher no comando da pecuária. Cultora de alguns velhos hábitos, a Rural preserva uma coleção de retratos a óleo de ex-presidentes a ornar as paredes do auditório da sede, no 19º andar de um dos edifícios mais altos do Vale do Anhangabaú, no coração de São Paulo. O retrato só é encomendado e descerrado em solenidade própria pelo sucessor imediato, mas já dá para imaginar o contraste que seu quadro causará ao lado dos de dezenas de homens de bigodes hirsutos e posturas artificialmente rijas. Foi nesse silencioso ambiente de mobiliário pesado e registros de atos cuidadosamente encadernados em tomos, que uma muito informal dirigente conversou com a PODER. “Eu quero estar com todo mundo, vim para fazer isso, escutar todos os lados, compor com entidades, isso não é da boca pra fora. Se chamarem a ‘Teka’, eu vou.” A frase é genérica o suficiente para indicar inclusive uma vocação política isentona, mas Teka revela um objetivo menos vago ao se mostrar preocupada principalmente com as condições do “pequeno produtor”, aquele que pode ter apenas a família na lida, às vezes com alguns poucos funcionários a ajudá-lo, às vezes sem nenhum. Para ela, esse peque-


“A crise da Covid é transformadora, não só por legar novos hábitos, mas por mostrar a interdependência das sanidades humana e animal. E de como é importante ter isso bem equacionado no produtor representa de 80% a 88% do contingente de empreendimentos rurais do país – e, ironicamente, ele não tem condições financeiras de se associar a uma entidade como a Rural. Eis um agro que passa longe da mecanização intensiva, da tecnologia de ponta, daquele “agropop” exibido em horário nobre na TV aberta. “A gente brinca que já tem até a fazenda 6.0, eu estive numa no Pará que era uma loucura, tudo muito orquestrado, até a água usada para lavar caminhões e os aviões que pulverizam a plantação é escoada por grandes ralos e tratada; mas tem também aquele produtor que desconhece tudo isso. Pode ter 5G hoje para alguns, mas na minha fazenda no interior de São Paulo nem sempre o celular pega direito.” A dirigente, que “não é muito de falar de números, mas de pessoas”, tem algumas estatísticas na ponta da língua. Este ano, o Brasil, diz ela, entrega uma safra recorde de 250 milhões de toneladas de grãos. “É uma loucura. O agro emprega cerca de 1/3 da mão de obra brasileira e ainda contratou mais durante a pandemia.” Sabe-se com menos precisão o quanto desse 1/3 é mulher. Teka acredita que elas respondam sozinhas por 30% do conjunto de profissões ligadas ao setor – além das próprias produtoras rurais, agrônomas, veterinárias, advogadas etc. Dados compilados pela assessoPODER JOYCE PASCOWITCH 15


NOVO PAPEL

Com quadros e estatuetas espalhados por suas várias salas, a sede da Rural em São Paulo tem ao menos duas telas de pintores de estilos muito diferentes que mostram situações de certa forma semelhantes. Numa delas, ao lado, que retrata uma sessão solene de um congresso de cafeicultores liderado pelo presidente do Estado de São Paulo (posto equivalente a governador), Júlio Prestes, não aparece uma única mulher; já o óleo Florada do Café, do italiano Antonio Ferrigno, produzida em 1903 na Fazenda Victória, em Botucatu (abaixo), e que decora a sala da presidente, exibe no canto da imagem duas camponesas na lida do café. A posição secundária da mulher na pinacoteca da Rural expõe e reforça, para Teka, a simbologia de sua própria posse. “Eu olhava para essas mulheres do quadro e pensava: agora estamos em outro lugar.”

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ria da Rural indicam que as mulheres estão em 30% dos postos de liderança do segmento, o que coloca o agro nesse quesito à frente da indústria (onde elas ocupam 22% dessas posições) e tecnologia (20%); além disso, uma em cada cinco propriedades rurais é tocada por elas, mas o número praticamente dobra quando são somadas as profissionais que dividem a administração das fazendas com seus familiares. A lierança feminina no campo é fenômeno recente e crescente: só nos últimos 12 anos, houve acréscimo de 38%. Para Teka, as mulheres “têm um olhar mais amplo” nas fazendas. “A gente parece polvo, vê tudo, da cerca ao funcionário que não parece muito bem.” Se é assim, tudo indica que é bastante oportuno que ocupe o comando do Ministério da Agricultura e Abastecimento uma mulher, a deputada licenciada Tereza Cristina (DEM-MS), por quem a xará da Rural é só admiração. “Não falo por todo o agro, mas o apoio [do setor] à ministra é unânime. É muito engraçado, mas quase todas as pessoas com quem converso pedem sempre para eu mandar um abraço para ela. Se eu fosse realmente atendê-las, acho que não daria tempo de fazer mais nada. Quem está na roça está profundamente satisfeito com sua gestão”, diz Teka. RECORDE NA PANDEMIA Responsável por 21% do PIB brasileiro, o agronegócio vem exibindo vigor. O país é o principal produtor mundial de commodities agrícolas como café, soja, açúcar e suco de laranja e maior exportador de carne de frango do planeta. O setor teve ganhos até mesmo neste problemático 2020, subindo a barra durante a pandemia, quando tantos outros setores afundavam conspicuamente. O feijão, para exemplificar, deverá ter produtividade 5,5% maior na safra 2020/2021 em comparação à anterior. “O agro brasileiro mostrou para o mundo nossos protocolos sanitários, a gente estava muito preparado. A crise da Covid me parece transformadora, não só por legar novos hábitos, como as reuniões virtuais, mas por mostrar a interdependência das sanidades humana e animal. E de como é importante ter isso bem equacionado”, diz Teka. Para a dirigente, situações como as vividas na China, em que mercados públicos vendem – ou vendiam – carne de animais sem seguir qualquer protocolo de vigilância sanitária, origem potencial da difusão do vírus da Covid-19 entre as pessoas, seriam impossíveis no Brasil. “Menino, se eu quiser abater uma cabeça de gado, é uma dificuldade. Pra começar, a gente tem de ter

A gente brinca que tem fazenda 6.0, estive numa no Pará que era uma loucura, mas na minha no interior de São Paulo nem sempre o celular pega direito todas as vacinas em dia, seguir tudo direitinho.” Assim como quer fazer a Rural chegar ao pequeno produtor, possivelmente oferecendo algum tipo de capacitação técnica a quem precisa, ela diz que é urgente que os atores do setor tenham um posicionamento claro e decidido em relação às questões ambientais. Seu guia máximo é o Código Florestal, conjunto de regras tornadas leis em 2012, após longa sequência de debates e ritos legislativos. “Ele é fruto de mais de 900 audiências públicas, e dá para dizer que é bom justamente por não ter agradado muito nem a um lado nem a outro”, revela. O ex-deputado federal Aldo Rebelo (hoje no Solidariedade, mas por muitos anos do PCdoB), principal artífice do código, tornou-se consultor da Rural a pedido de Teka. PODER JOYCE PASCOWITCH 17


De fato, a pujança do agro brasileiro vem sendo empanada pelas péssimas notícias produzidas na área da preservação ambiental. É consensual entre especialistas e dirigentes setoriais que a agricultura e a pecuária do país têm muito espaço para crescer sem precisar transformar necessariamente florestas em áreas cultiváveis ou pastos. A pressão da mídia internacional e o aumento da exigência por parte dos fundos de investimento, mesmo aqueles que não se identificam propriamente como ESG, fez com que até os três principais bancos em operação no Brasil redigissem em conjunto um decálogo de medidas para sustar ou atenuar o desmatamento crescente da Amazônia. Para complicar, se nos últimos anos o fogo parece ter-se tornado “default” na região, em setembro e outubro a mata ardeu sem dó, muito acima dos níveis históricos, em outro bioma, o Pantanal. Fotos de macacos e tatus carbonizados, onças e muitos outros bichos endêmicos da região desesperados correram o mundo. Uma investigação da Polícia Federal colheu indícios de que, em busca de criar novas áreas de pastagem, quatro grandes fazendeiros de Corumbá, cidade nos limites com a Bolívia, teriam iniciado um dos prin-

VOCAÇÃO MODERNA

Atual secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, Gustavo Junqueira, que presidiu a Rural entre 2014 e 2016, diz que a SRB “sempre se pautou pela convicção, não pela conveniência” e que, mesmo em 1919, “ela olhava o futuro, pois já buscava a integração de toda cadeia de negócio”. Ao envolver na ata de fundação não apenas cafeicultores, mas atores de outras áreas, como os de logística, a Rural, na opinião do secretário, mostrava uma vocação de modernidade que volta a se cumprir neste 2020 sob Teresa Vendramini. Para ele, Teka, com suas viagens, “vem abrindo grande canal com produtores fora do circuito tradicional” e mantém boa interlocução com os entes governamentais. “Em São Paulo, Teka ajuda e tem grande papel na coordenação do setor, que é composto por muitas outras entidades além da Rural, para a implantação do nosso programa Agro Legal”, diz. O programa, lançado em setembro, regulamenta o Código Florestal no estado e busca ampliar as áreas de preservação ambiental sem redução da produção agrícola. Junqueira ainda destaca o fato de Teka estar sentada em conselhos de coalizões entre o setor financeiro e ONGs ambientais com vista à preservação de nossos biomas. De uma família de produtores rurais de Orlândia e hoje com 48 anos, Junqueira personifica uma ala que cresce na Rural – a que tem de 30 a 45 anos. Hoje a Rural “jovem” já tem mais assentos no conselho do que os membros mais idosos.

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cipais focos do fogo da seção sul do Pantanal. Nessa hora, Teka dá um boi, ou melhor, uma boiada inteira, para não puxar o produtor rural para essa conversa. “Sinceramente, fogo, desmatamento, grilagem, extração ilegal de madeira, isso tudo é caso de polícia, não tem nada a ver com a gente”, conta. ALINHAMENTO Ainda que esse discurso seja bastante alinhado com o do governo federal, não dá para creditá-lo às ligações históricas da entidade com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ex-diretor jurídico da SRB, com quem Teka não conviveu na Rural. De qualquer forma, a instituição vem endossando posições bastante polêmicas do ministério. Como as resoluções da reunião do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 2 de outubro, que colocaram sob ameaça áreas de restinga e manguezais – no fim de outubro, a ministra Rosa Weber, do STF, acolheu uma medida liminar da Rede que susta essas medidas até o julgamento do mérito. O Conama teve enfraquecida a representação de entidades desvinculadas ao ministério, o que permite a Salles controlar melhor suas decisões. Teka, contudo, vê nas medidas de outubro apenas a aplicação do Código Florestal. Foi em outro momento estrelar de Ricardo Salles, durante a famigerada reunião ministerial de 22 de abril em que o ministro sugeriu a aprovação de normas infralegais em sua área enquanto a atenção da mídia estava voltada para a crise da Covid-19 – na frase famosa: “ir passando a boiada” –, que a Rural da gestão Teka viveu sua principal crise. Em maio, após a divulgação daquela reunião, a entidade se juntou a outras dezenas num anúncio em desagravo ao ministério de Salles publicado em página inteira nos principais jornais brasileiros. O título dizia: “No meio ambiente, a burocracia também devasta”. Foi suficiente para que Pedro de Camargo Neto, ex-presidente entre 1990 e 1993, renunciasse a seu posto de vice-presidente. “Pretender usar o momento de dor e mesmo pânico na saúde pública para aprovar medidas contra a burocracia fere meus princípios”, disse ele ao jornal O Estado de S. Paulo. Pela importância econômica do agronegócio, os desafios da primeira mulher a presidir a Rural são grandes, mas com 27 conselheiros e vozes às vezes conflitantes entre seus associados, tanger o rebanho da SRB talvez seja a tarefa mais complicada que Teka irá enfrentar até o fim de seu mandato, em 2022. n


Sinceramente, fogo, desmatamento, grilagem, extração ilegal de madeira, isso tudo é caso de polícia, não tem nada a ver com o produtor rural

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Dejour Floating Club

VERÃO DE

H

á quem acredite que o momento é delicado e pouco propício para empreender. Não é o caso de Marcelo Checon, CEO do Grupo MChecon, e da empresária Flavia Bonfá, diretora de comunicação com passagem por companhias como Natura, FSB e CNN, que em plena pandemia se uniram para dar vida a b2US, um hub operacional que conecta grandes investidores com objetivo de criar oportunidades e gerar negócios relevantes, sustentáveis e rentáveis. A dupla está a todo o vapor. Na mesa da equipe da b2US estão projetos de branded content, eventos proprietários (um deles previsto para outubro de 2021), além de fusões, aquisições e experiências ino-

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vadoras. A começar por um projeto transformador no litoral paulista com a concepção de torres modernas de guarda-vidas. Estruturas montadas em pontos estratégicos das principais praias, de norte a sul, que além de dar conforto merecido aos heróis do Corpo de Bombeiros, irão criar uma atmosfera de segurança e gerar conteúdo e espaço para veiculação de comunicação. Algo semelhante a iniciativas consolidadas em areias internacionais, como os icônicos e coloridos postos salva-vidas de Miami Beach que atraem olhares e cliques de turistas do mundo inteiro. Em São Paulo, quase 40 torres já foram aprovadas pelos órgãos responsáveis e em breve estarão em funcionamento nas praias de Ilhabela, Ubatuta, São Sebastião, Santos e outros municípios.

Dejour é outro negócio grandioso que a b2US está trabalhando para viabilizar. Capitaneado pela AG/ Invest, do empresário Alvaro Garnero, será o primeiro floating club itinerante do mundo, uma base em alto-mar para 700 pessoas, com 12 camarotes para barcos e próxima às melhores praias da costa. Já imaginou flutuar sobre o oceano enquanto dança? É mais ou menos isso. “O floating club promete ser a evolução do beach club, com um conceito ainda mais exclusivo: as pessoas, com uma reserva prévia, se encontram em uma embarcação flutuante construída especificamente para balada. É a união de um ambiente incrível, com privacidade e a melhor paisagem possível: o Oceano Atlântico”, explica Garnero. O conceito ocean club fará

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NOVIDADES


“Em tão pouco tempo de b2US já temos dois grandes projetos de impacto

700 PESSOAS

45 EDIÇÕES, PASSANDO POR 3 CIDADES

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FLAVIA BONFÁ

CAMAROTES PARA EMBARCAÇÕES

” Torres Guarda-Vidas

39 TORRES RECEBERAM AUTORIZAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO NO LITORAL PAULISTA

turnês nas principais cidades do país e a escolhida para ser inaugurada foi Balneário Camboriú, a Dubai brasileira. Com a b2US, a viabilização do negócio de vanguarda também está sendo feita de forma moderna, através de um crowdfunding. Em menos de duas semanas o Dejour já tem mais de 80 investidores e levantou R$ 1,5 milhão. “Em tão pouco tempo de b2US já temos dois grandes projetos de impacto”, comemora Flavia Bonfá. “As torres vemos como um benefício para a população e uma imensa oportunidade para uma marca associar sua imagem a uma iniciativa que prestigia e valoriza o trabalho do Corpo de Bombeiros. Já o floating club nos coloca como pioneiros, uma iniciativa que será o primeiro clube náutico itinerante do mundo”, finaliza, sobre as duas boas-novas que em breve estarão nas praias brasileiras elevando o status do nosso litoral. Que venha o verão!

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PEDIGREE

BRIGA DE CACHORRO GRANDE

A pandemia impulsionou ainda mais a migração do mercado pet para o on-line. Ao mesmo tempo, a consistência com que o setor resiste a crises – e cresce – atrai novos investimentos e cria um ambiente cada vez mais competitivo ra o dia 12 de março de 2020. A Petlove, maior e-commerce pet do país, tinha acabado de estabelecer o home office para seus funcionários. Com o início da pandemia de Covid-19, trabalhar de casa era um fato extraordinário ao qual as equipes ainda precisavam se adaptar. Mas logo outro seguiu: “Nas primeiras horas do dia percebemos um aumento de 300% nas vendas”, lembra Marcio Waldman, fundador e CEO da Petlove. “E seguimos assim por vários dias. Depois foram caindo, mas não para o mesmo nível de antes.” A corrida para abastecer a casa e a família que se viu nos supermercados no começo da pandemia teve seu equivalente no comércio voltado para os animais de estimação. Um reflexo natural, quando se leva em conta que eles são cada vez mais tratados como gente: a humanização é uma das grandes tendências do setor, levando ao lançamento de produtos e serviços derivados daqueles desenvolvidos para crianças – ou “filhos não pets”. Estamos falando de creches a brinquedos, de pirulitos a carrinhos de transporte e acessórios fashion. “O cão, uns 15 anos atrás, nem era chamado de pet. Era uma forma de proteção de propriedade ou de pessoa”, diz Waldman. Agora ele é pet, mantido por um tutor, e não por um dono, termo em desuso no setor. “Em um estudo que encomendamos no início do ano, mais da metade dos respondentes disse considerá-lo como filho ou membro da família. Essa humanização

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tem impactado positivamente o mercado, que já mostrou que é resiliente e está em sua melhor fase. Tem crescido em média 11% nos últimos cinco anos.” A Petlove cresce mais. Criada por Marcio Waldman em 1999, na primeira onda da internet caminhou lentamente até 2011, quando o veterinário de formação percebeu que ou arrumava investidor ou seria engolido pelos grandes que chegavam ao mercado on-line. Algo semelhante já tinha acontecido com sua clínica veterinária no Bom Retiro, fechada em 2005 depois que os clientes migraram para uma Petz aberta nas redondezas. Mas Waldman conseguiu os investidores e, de lá para cá, seu faturamento cresceu 135 vezes. De 2019 para 2020, o aumento previsto é de 80%, levando em conta que, durante a pandemia, se revisou para cima o faturamento anual, de R$ 440 milhões para R$ 540 milhões. Neste ano, uma nova rodada de investimentos trouxe R$ 375 milhões de L Catterton e SoftBank (leia mais sobre a companhia de Masayoshi Son na pág. 50). O aporte permitiu fazer aquisições – como a da Vetus, empresa de software que oferece um sistema de gestão para clínicas e pet shops – e investir em reforço do time e melhorias em infraestrutura. Com 650 colaboradores (100 contratados durante a pandemia), 24 mil metros quadrados de área de armazenagem (em dois centros de distribuição no sul de Minas Gerais, um em Recife e um hub em São Paulo), a Petlove quer se tornar

ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES

E

POR MARIANA WEBER


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Humanização é uma tendência do setor, com o lançamento de produtos e serviços derivados daqueles desenvolvidos para crianças um ecossistema digital para resolver “todas as dores do pet”. Oferece, por exemplo, uma plataforma white label em que pet shops podem montar seus próprios e-commerce – já são 2.500 parceiros cadastrados. Hoje a Petlove conta com 40% do mercado pet online. Já foi mais. Porque outros concorrentes ingressaram na disputa ou pegaram uma fatia mais parruda do bolo. É o caso da Zee.Dog, que surgiu em 2012 com o propósito de criar acessórios cool que refletissem o estilo dos humanos tutores e em 2019 lançou o serviço de entregas Zee.Now. Um aporte de R$ 100 milhões recebido da TreeCorp no último mês de julho trouxe fôlego para expandir o novo negócio no Brasil e nos Estados Unidos. Outro concorrente digital de peso é a Petz, a mesma que atraiu os clientes do consultório de Marcio 15 anos atrás e que hoje é a maior rede em número de lojas. De-

PETS DO PODER Conheça os animais de estimação de alguns líderes de hoje e de ontem

Depois que seu poodle Rufus morreu atropelado por um carro, Winston Churchill ganhou outro poodle: Rufus II.

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pois de entrar para a bolsa de valores em setembro, a Petz divulgou ter crescido 51% em receita bruta no terceiro trimestre de 2020 em relação ao terceiro trimestre de 2019. Outro destaque: as vendas digitais quintuplicaram e passaram a representar 25,5% da receita (contra 7,8% do mesmo período de 2019). A expansão não foi apenas on-line. Nos últimos 12 meses, foram inauguradas 25 novas lojas físicas, chegando a um total de 124 em 15 estados e no Distrito Federal. “A pandemia reforçou duas tendências já existentes. Com o isolamento social e a permanência por mais tempo nos lares, intensificou-se a proximidade entre tutores e pets”, declarou Sergio Zimerman, fundador e presidente da Petz, na divulgação dos resultados. “Além disso, aprofundou-se a mudança de hábitos de consumo das pessoas, do varejo físico para os canais digitais, levando a participação das nossas vendas digi-

Koni, labrador do Koni, presidente russo Vladimir Putin,, ficou famoso em Putin fotos em que parece assustar a chanceler alemã Angela Merkel.

Beast é o cão da raça komondor de Mark Zuckerberg, Zuckerberg, fundador do Facebook.


tais a um patamar que, antes da pandemia, prevíamos que só seria atingido em cinco anos.” Os números da Petz apontam para uma integração cada vez maior entre os canais on-line e off-line, algo que se vê no mercado como um todo. “Com o crescimento do e-commerce, havia a preocupação de que ele pudesse canibalizar lojas físicas das redes, mas o que se viu foi o contrário: cada nova loja física se torna um novo centro de distribuição e aumenta o alcance das vendas on-line, elevando a eficiência da operação”, explica Angélica Salado, gerente de pesquisas da Euromonitor International. Dados da Euromonitor mostram que o Brasil é o terceiro maior mercado para produtos pet, com US$ 6 bilhões em 2020, atrás de Estados Unidos e China. Mas não é apenas o tamanho que o coloca em destaque. O país tem também características próprias, ou pelo menos acentuadas. Tendências como a oferta de produtos premium, por exemplo, são globais, mas por aqui ganham tons mais fortes. “Imaginava-se que com pandemia poderia haver um downgrade, para rações mais acessíveis ou menos brinquedos. Mas cada vez mais a gente percebe que o segmento de pet para o brasileiro é considerado essencial”, conta Angélica. “O que se viu foi uma aceleração de categorias relacionadas ao bemestar do animal, como produtos para higiene, lazer e desenvolvimento cognitivo.”

FOTOS GETTY IMAGES; REPRODUÇÃO

Oprah Winfrey teve mais de 20 cachorros ao longo da vida. Ela declarou: “Quais cachorros? Estes são meus filhos, pequeninos peludos que fazem meu coração se abrir um pouco mais.”

Nemo, cruzamento Nemo, de labrador e griffon, foi adotado por Emmanuel Macron em 2017, tornando-se o “primeiro cão” da França.

Segundo a pesquisadora, isso tem a ver com o movimento demográfico do país. Temos menos filhos, mas temos mais pets tratados como filhos. Estamos dispostos a pagar mais para dar a eles alimentos com ingredientes saudáveis. E, como temos menos espaço quando vivemos em centros urbanos, optamos mais por gatos ou cães de raças pequenas. Ou, se queremos cães de grande porte, pagamos para que tenham acesso a uma estrutura que lhes ofereça bem-estar, como serviços de passeadores, centros de convivência e estabelecimentos pet friendly em que a família pode se divertir unida. Uma visita a uma megaloja de pets, com arquitetura desenvolvida especialmente para recebê-los, serve como passeio. Pet shops de bairro também são pequenos pontos de convivência, mas, durante a pandemia, sofreram especialmente com a crise e muitos deles fecharam. O movimento atual é de concentração e migração para o on-line. Outro destaque é o aumento de espaço para produtos pet no varejo tradicional – supermercado, hipermercado ou “atacarejo”. Pioneira no formato de megastore, a Cobasi surgiu em 1985 como negócio de produtos agropecuários e cresceu junto com o mercado de rações para animais de estimação – “Em 1985, praticamente não tinha ração: o animal comia restos da comida”, diz a gerente de marketing da Cobasi, Daniela Bochi. A empresa foi

Sunny e Bo Bo,, da família Barack Obama, acompanharam Michelle em um vídeo de despedida da Casa Branca em 2017.

Quando o ícone da moda Karl Lagerfeld morreu, em 2019, houve rumores, não confirmados, de que ele teria deixado uma herança milionária para sua gata Choupette.

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se adequando na medida em que via se estreitar o relacionamento entre o tutor e o cão ou o gato. Agora os tutores estão mais cuidadosos, escolhem produtos com atenção e demandam mais informação. Por isso, a Cobasi tem uma diretoria de educação. “Um diferencial é ter especialistas no chão da loja”, diz Daniela. Em outra frente, criou-se o Cobasi Labs, área de inovação e tecnologia composta por equipes multidisciplinares para o desenvolvimento e implementação de produtos e serviços voltados para melhorar a experiência de compra dos clientes e acelerar a integração on e off. O e-commerce existe há dez anos, mas há dois se tornou um dos grandes focos da empresa. A expansão física também continua, com outro novo departamento criado especialmente para impulsioná-la. “Mantivemos o plano para 2020, que era inaugurar 20 lojas. Foram nove até agora (totalizando 106), porque as obras atrasaram. E esperamos inaugurar 30 em 2021.” A Cobasi era, até 2019, a líder em faturamento, fe-

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chando o ano com R$ 1,3 bilhão. Para 2020, prefere não divulgar previsões. Empresa familiar, passa por um movimento de profissionalização da gestão, com os fundadores “delegando mais” para as diretorias, segundo Daniela. Investimentos externos, de acordo com ela, não estão previstos, embora a companhia não se feche para oportunidades que possam surgir. “Um dos orgulhos que a Cobasi tem é de ser 100% brasileira. E ainda tem capacidade de fazer sua expansão com capital 100% próprio.” Mas, que o mercado está mais competitivo, isso está. “Em megalojas, há duas grandes redes com números parecidos. A gente briga ali na unha, loja a loja, real por real, porcentagem por porcentagem.” n

FOTOS ROBERTO SETTON; GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

Em sentido horário, Daniela Bochi, gerente de marketing da Cobasi, Sergio Zimerman, CEO da Petz, os sócios da Zee.Dog, e Marcio Waldman, fundador da Petlove

Crescimento de vendas on-line no setor saltou mais de 300% entre 2017 e 2020


PODER INDICA

FOTO DIVULGAÇÃO

NÃO INVISTA SOZINHO Se no passado a bolsa de valores era ambiente restrito a um pequeno grupo de brasileiros, com alto poder aquisitivo, isso há tempos vem mudando. Em 2020, o total de investidores pessoa física quase dobrou em relação a 2019, segundo dados da B3, chegando à casa dos 3 milhões. Parte desse crescimento se deve a ferramentas como o TRADERSCLUB, uma inovadora plataforma de comunicação, com ideias de investimento e inteligência de mercado, que tem transformado a maneira como mais de 300 mil usuários, dos leigos aos experts, dos técnicos aos fundamentalistas, investem e multiplicam o seu capital. “Nós temos a missão de democratizar o acesso à informação e revolucionar a educação financeira do país”, conta PEDRO ALBUQUERQUE FILHO, CEO e um dos fundadores do TC. “Sempre gostei muito de participar de comunidades, fóruns, buscar informação e debater sobre o mercado com outros investidores, mas não havia uma ferramenta segura para isso, era tudo muito descentralizado ou caro e inacessível para 99.9% dos investidores pessoa física.” E então, em 2016, nasceu o TC, a mais completa plataforma do mercado que coloca o investidor em contato, e no mesmo nível de acesso à informação dos grandes investidores institucionais. Com uma ampla área educacional e canais de discussão sobre as mais diversas classes de ativos, o app traz ferramentas e conteúdos diversos que atendem a todos os perfis de investidores, grafistas a investidores de longo prazo, e não somente traders. Entre as principais funcionalidades da plataforma, estão o serviço de informação e análise, com notícias e comentários 24 horas por dia e a possibilidade, inclusive, de o usuário “favoritar” as empresas que deseja seguir. “É um one-stop-shop do investidor pessoa física para que ele não invista sozinho, um think tank para validar estratégias, debater ideias, tirar dúvidas. Queremos que o nosso usuário esteja sempre muito bem informado antes de tomar as suas próprias decisões”, explica Albuquerque, que tem a expectativa de atingir a marca de 1 milhão de usuários no ano que vem. “Vai chegar um momento, em breve, em que todas as pessoas que investem no mercado financeiro vão trocar seus nicks do TC, como nas redes sociais.” O app TradersClub pode ser baixado na App Store e na Google Play. Qual o seu nick? TC.COM.BR



INTERNACIONAL

TRUMP POWER

O presidente americano pode ter enfim de deixar a Casa Branca, mas há dúvidas de que o déficit democrático legado pelo populismo de alta intensidade de líderes como ele será superado POR PAULO VIEIRA ILUSTRAÇÃO DAVID NEFUSSI

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o futuro, especialistas podem se ver tentados a dividir a história da democracia em AT e DT, antes e depois de Trump. Mesmo com a confirmação de sua derrota para o rival democrata Joe Biden e o início da contagem regressiva para ele desocupar a Casa Branca, o 45º presidente americano deverá deixar como legado duradouro uma forma de fazer política que juntou práticas populistas numa intensidade poucas vezes vista antes. Se não se pode dizer que Donald Trump inventou a fórmula, já que o populismo nos Estados Unidos remonta ao século 19, ele certamente a incrementou. Desqualificação sistemática de adversários, hostilidade à imprensa tradicional, disseminação de mentiras – ou “fatos alternativos”, no surpreendente eufemismo usado logo após sua posse, em 2017 –, negacionismo científico e ambiental, apelo a um certo espírito de grandeza e identidade nacionais, manipulação emocional, intervenção em investi-

gações de interesse, demissões arbitrárias, condenação das minorias, tolerância com a violência policial, desprezo pelas regras eleitorais. O coquetel é variado, e se visto de maneira individualizada, a partir de cada uma de suas partes, bastante déjà-vu. Até mesmo o slogan “Make

“A base de Trump vai continuar inspirando muitas políticas, no âmbito local ou no Congresso” Maurício Santoro, Uerj

America Great Again” foi chupado e reciclado do “Let’s Make America Great Again”, criado para a campanha vitoriosa de Ronald Reagan, em 1980. O problema é que tudo isso somado e oferecido generosamente por quatro anos seguidos à população levou ao que o colunista John Harris, cofundador do site Politico, chamou de “a mais profunda ameaça”. Diz Harris: “A grande ameaça de Trump não é a prisão ou o assassinato de jornalistas e opositores na calada da noite, algo que acontece no mundo, mas não nos Estados Unidos. A razão pela qual Trump é a mais profunda ameaça para tanta gente é que ele eviscerou o senso de normal de todos”. De todas as centenas de especulações sobre o legado de Trump, a de Harris talvez tenha chegado ao ponto fulcral, justamente por inverter o sentido comum da análise política e fazer do predicado, sujeito do enunciado. O problema, enfim, é a passividade do cidadão americano, que acabou por se conformar a um novo padrão ético, bastante PODER JOYCE PASCOWITCH 29


rebaixado, de seu presidente. Eis o tal senso de normal “eviscerado”. E se nem mesmo no potentado democrático do Ocidente os eleitores realmente se importam com os desmandos de seu líder, que dizer dos países da periferia do mundo. É tentador refutar essa análise lembrando das colossais manifestações contra a violência policial e contra o racismo que levantaram os Estados Unidos este ano, mesmo com a necessidade de distanciamento social, algo não visto havia mais de meio século. Mas mesmo aí, Trump ofereceu sua tradicional dose

ou prefeitos, seja no Congresso.” Para Santoro, “a marca das democracias contemporâneas é o pluralismo e o espaço que as minorias têm na sociedade livre”. O populismo, segundo o acadêmico, “rompe com isso” – antagonizar essas minorias, muitas vezes em nome de um passado nostálgico inverossímil, seria um dos grandes motores desse movimento. “Trump não inventou o populismo, mas é a expressão contemporânea mais forte dessa tendência justamente por ter chegado à Presidência americana.”

os autores. Mesmo no campo político antagônico de Trump, Barack Obama tem algo a contribuir para o debate. No discurso da convenção do Partido Democrata que oficializou a candidatura de Biden, em agosto, o ex-presidente usou palavras duras contra Trump e seus seguidores: “Não os deixe levar nossa democracia”. “Em quatro anos, [Trump] não mostrou interesse em encontrar um ponto de equilíbrio. Não mostrou interesse em usar seu impressionante poder para ajudar as pessoas, exceto a si próprio e

“A razão pela qual Donald Trump é a mais profunda ameaça para tanta gente é que ele eviscerou o senso de normal de todos” de divisionismo, alocando truculentas forças federais para reprimi-las e incitando uma vez mais a polarização contra “lunáticos” ou mesmo “terroristas” – expressão usada por John Dowd, chamado de “advogado superstar” pelo presidente americano num retuíte. Com tudo isso, como sublinha em entrevista a PODER Maurício Santoro, professor do departamento de relações internacionais da Uerj, Trump contou com quase 50% dos votos dos norte-americanos nas eleições. “É muita coisa para mais de 230 mil mortos da Covid-19, para a recessão, para todos os protestos que aconteceram lá. Essa base social de Trump vai continuar inspirando muitas políticas, seja no âmbito local, por governadores

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QUEBRA-REGRAS Pode-se argumentar que não há relação de causalidade entre o acesso de líderes populistas ao poder e um déficit de democracia, mas é opinião corrente entre cientistas políticos que o momento pós-Trump não é de celebração. No já canônico Como as Democracias Morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt afirmam que as grandes rupturas institucionais já não são feitas com tanques nas ruas, mas por microfissuras dentro da ordem constitucional, e a eleição de alguém como Trump pode catalisá-las. “Ao contrário de seus predecessores, Donald Trump é um quebra-regras inveterado. Sua administração é a menos pró-democracia desde a de [Richard] Nixon”, dizem

a seus amigos.” Em que pese estar a discursar menos como ex-presidente do que como alguém disposto a incitar – ainda que virtualmente – correligionários, a frase “não os deixe levar nossa democracia” não era apenas mais um ornato da elogiada oratória do ex-presidente. Obama ali juntava lé com cré: a partir de um discurso de confrontação contra uma suposta elite econômica e sobretudo contra uma elite intelectual, Trump conseguiu atrair eleitores com que à primeira vista não tinha afinidade alguma. Na opinião de Santoro, da Uerj, “apesar de uma vida bastante hedonista, ele conseguiu se comunicar com os religiosos; apesar de milionário, falou para o traba-

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John Harris, site Politico


Donald Trump e seu rival Joe Biden durante o primeiro debate eleitoral nos Estados Unidos, e Barack Obama, que viu em Trump desinteresse em “encontrar um ponto de equilíbrio”. Abaixo Matteo Salvini e Viktor Orbán, líderes populistas da Itália e da Hungria, alçados na mesma vaga que levou Trump ao poder

lhador da baixa classe média que o vê como um campeão contra a elite cosmopolita”. A questão é que, no poder, Trump e seus êmulos pelo mundo não baixaram a guarda e mantiveram suas bases aguerridas para um clima de confronto permanente, como se a campanha eleitoral jamais tivesse fim. Era disso que falava Obama. A vaga populista que elegeu Trump – e o ajudou a governar dessa forma belige-

rante –, é da mesma natureza da que alçou ao poder outros líderes improváveis como Matteo Salvini, na Itália, Viktor Orbán, da Hungria, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Na última semana de outubro, dias antes de 3 de novembro, o “election day” nos Estados Unidos, o centenário semanário The Economist, farol do liberalismo econômico e político mundial, foi lapidar: “Porque tem de ser Bi-

den”, titulou em editorial, para na linha fina que aprofunda a manchete explicar que “Donald Trump dessacralizou os valores que fizeram dos Estados Unidos uma baliza para o mundo”. “A mais desorientadora marca da presidência Trump é o desdém pela verdade. Nada do que Trump diz é crível”, disseram os editores, acrescentando que, diante da insurgência dos protestos pacíficos após o assassinato de George Floyd, o “instinto de Trump não foi curar, mas retratar esses protestos como uma orgia de saques e de violência insuflada pela esquerda”. Além de todos os prodígios que alcançou já mencionados, pode-se dizer que Trump deixa mais um: foi capaz de fazer esmagadora parte dos líderes, analistas e observadores do mundo democrático, dos moderados aos jacobinos, considerarem-no tóxico para o regime. Numa de suas frases mais relembradas, o dramaturgo Nelson Rodrigues costumava dizer que toda a unanimidade é burra. Assim, é bem capaz que, caso o conhecesse, Nelson simpatizasse com Trump. n PODER JOYCE PASCOWITCH 31



SUCESSÃO ACERTADA

Executivo com experiência de 20 anos na gestão de empresas nacionais e multinacionais, FLÁVIO BATEL é sócio fundador da SOLSTIC ADVISORS, butique de M&A especializada em operações de empresas de médio porte, especialmente as localizadas no interior do país. Em entrevista, ele detalha os diferenciais da companhia e fala sobre o cenário do mercado em tempos de pandemia PODER: COMO SE DEU O INÍCIO DA EMPRESA? FLÁVIO BATEL: Durante minha carreira, sempre

tive contato com operações de compra e venda de empresas, e, entre 2013 e 2017, fui country manager de uma multinacional no Brasil que crescia muito por aquisições globais. No fim de 2018, dois amigos brasileiros que fazem gestão de multi family office nos EUA me procuraram com o objetivo de auxiliá-los na compra de um ativo imobiliário no Brasil para dar lastro para um fundo de investimentos que eles tinham. Dessa operação, que teve muito sucesso, me propuseram montar um braço de M&A com a finalidade de captar negócios. Assim, começamos o escritório focados no middle market, pois o mercado entre grandes corporações já estava estruturado. Em março de 2019, decidimos separar o negócio do family office e criamos a Solstic Advisors, uma butique de M&A focada em empresas familiares e, principalmente, fora dos grandes eixos. Agro e saúde têm sido os setores mais procurados.

FOTO FERNANDO TORRES

PODER: NO QUE CONSISTE O MODELO DE NEGÓCIO DA SOLSTIC ADVISORS? FB: Conduzimos o processo integral de M&A, seja

de compra ou venda. Preparamos as empresas para todas as etapas do processo. Começamos com o entendimento do escopo do projeto de acordo com a estratégia da empresa, fazemos o estudo das características específicas do segmento de atuação do cliente, visitas às instalações, reuniões periódicas, coordenação de todo o processo de Due Diligence, incluindo interação com os stakeholders envolvidos, suporte e orientação no mapeamento e identificação de necessidades quanto à contratação de assessores contábeis, fiscais e legais na estruturação e execução do projeto.

PODER: QUAIS SÃO OS DIFERENCIAIS? FB: Temos um grupo de conselheiros

PODER INDICA

consultivos formados por executivos e ex-executivos c-level, com experiênciais em setores variados. Este grupo agrega todo o seu conhecimento aos projetos de nossos clientes. Optamos por ter um toque de pessoalidade no atendimento, então, escolhemos ter uma equipe enxuta, mas altamente qualificada e dedicada. Como sócio principal, estou à frente de todos os negócios, do início ao fim, e não apenas no momento da venda ou da assinatura da transação final. Outro diferencial é que, como não sou oriundo do mercado financeiro, quando converso com um empresário que está vendendo o negócio da família, consigo enxergar não apenas os números da transação, mas questões envolvendo as dificuldades da gestão, desafios do mercado e concorrência, pois daí vem minha experiência e isso facilita muito o entendimento e o processo de empatia com o cliente. PODER: QUAIS SÃO OS VALORES DA EMPRESA? FB: Prezamos muito por uma operação clara, com ética

e transparência. Quando você está se desfazendo de um negócio familiar, não está em jogo somente uma operação financeira, é uma operação que envolve uma história, há conflitos de emoção, muitas vezes uma questão passional para resolver. Saímos da posição de um advisor financeiro para nos colocarmos quase na posição de um membro da família, tentando conciliar pontos diferentes. PODER: QUAIS PONTOS EM COMUM VOCÊ ENXERGA NAS OPERAÇÕES QUE ENVOLVEM EMPRESAS FAMILIARES? FB: Há uma mistura de sentimentos, o que muitas vezes

é uma vantagem para nós em relação a um banco, que se coloca como um operador financeiro enquanto me coloco na posição do gestor. O ponto em comum é lidar com o legado da família. O que o cliente vai fazer no dia seguinte à venda, tem a questão de acomodar os filhos. PODER: DE QUE FORMA A PANDEMIA DA COVID-19 INFLUENCIOU NO MERCADO DE FUSÕES E AQUISIÇÕES? FB: Acelerou os negócios de forma geral, muito por conta

da necessidade de caixa das empresas dos setores mais afetados. No período de pandemia, do início ao momento que vivemos hoje, vemos muitas oportunidades em todo o setor de varejo, aquele com canal on-line, setor logístico e, claro, o agronegócio.



RESPIRO

GÊNIO SOLITÁRIO

FOTO GETTY IMAGES

A imagem do pianista solitário e algo misântropo, marcado pelos desígnios trágicos do destino, encontra guarida na ficção, mas nem sempre na vida real. No caso do canadense Glenn Gould, a vida imitou a arte. De talento incomum, aos 22 anos emprestou às Variações Goldberg, de Bach, uma interpretação virtuosa e inesperada, que lhe valeu o reconhecimento como um dos maiores do planeta. Nove anos depois deixou definitivamente os palcos – ato que prenunciou com inúmeros cancelamentos de última hora. Hipertenso, morreu aos 50 anos em 1982, vítima de um AVC que lhe paralisou o lado esquerdo do corpo.


BÚSSOLA

UMA ESTRELA NO BANCO

Para o ex-presidente do Banco Central, o economista Ilan Goldfajn, o Brasil tem dado passos em direção à retomada econômica. Contudo, para que o crescimento se sustente, o hoje presidente do conselho do Credit Suisse no país prevê desafios. “Não vai ser fácil aprovar as reformas, mas mais difícil, na ausência delas, será lidar com o aumento do desemprego e da recessão”

P

POR ARMANDO OURIQUE

residente do Banco Central entre 2016 e 2019, Ilan Goldfajn tem a aparência confiante que se espera de um economista que contribuiu para derrubar as taxas resistentes de inflação e de juros. Eleito melhor banqueiro central do mundo em 2018 pela conceituada revista Banker (Financial Times), ele hoje preside o conselho do Credit Suisse no Brasil e tem entre suas atribuições mostrar a investidores como navegar no ambiente de juros baixos. Em entrevista a PODER, Goldfajn sublinha a necessidade de o Brasil arrumar com urgência a sua difícil situação fiscal e promover as reformas econômicas. “Não vai ser fácil aprovar as reformas. Mas muito mais difícil, na ausência delas, será o aumento do desemprego e da recessão”, diz. Os juros básicos, para Goldfajn, não vão ficar nos níveis atuais por muito tempo, mas deverão permanecer em um dígito, o que é uma revolução para padrões brasileiros. A vacinação contra a Covid-19 é fundamental para a normalização das atividades econômicas, embora a retomada do crescimento já esteja ganhando forma. O ex-presidente do Banco Central considera que a grande ajuda que deu na condução da instituição foi “não atrapalhar” as inovações do mercado. E fez uma recomendação a quem entra nos órgãos públicos: não queira recomeçar tudo do zero.

36 PODER JOYCE PASCOWITCH

FOTOS ROBERTO SETTON

PODER: COMO VOCÊ SE ORIENTA NESSA TRAVESSIA POR MARES NUNCA ANTES NAVEGADOS, EM QUE PARA EVITAR O COLAPSO ECONÔMICO BANCOS CENTRAIS NO MUNDO INTEIRO FIZERAM INTERVENÇÕES MAIORES DO QUE AS DA CRISE DE 2008? ILAN GOLDFAJN: O choque que houve em março e abril

deste ano foi muito diferente. Não nasceu no âmago da economia e muito menos no sistema financeiro. Ele veio da área da saúde, da pandemia. O tamanho e a origem dessa crise a tornam fora do comum, e o papel dos bancos centrais é de mitigá-la. Eles servem como uma ponte para que a resolução do problema ocorra fora. O problema só será resolvido com a vacina. Os bancos centrais sabem que haverá momentos mais e menos agudos. Que haverá a primeira e a segunda ondas, mas que é tudo ligado à saúde. A solução virá com a vacina ou com a tal imunidade de rebanho, não pelo tamanho da ajuda dos bancos centrais ou pelo tamanho do auxílio emergencial.

PODER: QUAIS SÃO AS POLÍTICAS DE MITIGAÇÃO QUE FORAM ADOTADAS? IG: A primeira foi de ajuda financeira, de liquidez. Isso os

BCs fizeram logo no começo. Deram liquidez em troca de ativos, foi o papel mais fácil nesta crise, resolvido logo. Os mercados se acalmaram relativamente rápido. Um


PODER JOYCE PASCOWITCH 37


PODER: COM O NÍVEL DE DÍVIDA PÚBLICA QUE ATINGIMOS, SE OS JUROS VOLTAREM A 7% NÃO PODEREMOS TER UMA SITUAÇÃO DE ESTRESSE? IG: Acho que é uma taxa revolucionária os juros básicos no

Brasil ficarem em um dígito. Estou falando de uma forma permanente. Os nossos juros ficarão em um dígito se não andarmos para trás [pela questão fiscal]. Normalmente ficarão em torno de 6%, 7% no máximo. Quando tiver que apartear a política monetária para derrubar a inflação, os juros terão que subir mais para 8%, 9%. E quando precisarem cair poderão ir para 3%, 4%, acima dos níveis atuais, que estão muito baixos. E assim os juros vão flutuar em um patamar que é extremamente baixo para os níveis históricos no Brasil. Para a economia brasileira, ter juros nominais de um dígito, com juros reais de 1% a 2% ao ano, isso é uma revolução para o sistema financeiro. PODER: AINDA ASSIM, HÁ PREOCUPAÇÃO COM A GESTÃO DA DÍVIDA. COM UM AUMENTO DA TAXA BÁSICA DE JUROS, ESSA QUESTÃO NÃO PODE TORNAR-SE PREOCUPANTE? IG: Acho, obviamente, que dado o tamanho da nossa

outro problema, mais grave e mais difícil de solucionar, é como dar suporte de recursos tanto para as famílias que não podem trabalhar quanto para as empresas que não podem vender ou produzir. Houve o auxílio emergencial, mas para as pequenas e médias empresas houve dificuldades para o dinheiro chegar até a ponta. O último ponto envolve uma discussão mais delicada. É de política monetária. Reduz os juros ou não reduz? Faz QE (Quantitative Easing, política monetária que aumenta a oferta de moeda em uma economia), ou não faz? Diria que vale a pena o BC ter uma política ativa expansionista para sustentar a economia na recuperação, no momento em que há necessidade de dar um impulso. Nesta crise, durante a pandemia, os juros do BC ajudaram apenas na rolagem da dívida mais do que no impacto de impulsionar diretamente a economia. PODER: COM OS JUROS BÁSICOS A 2%, O SERVIÇO DA DÍVIDA HOJE ESTÁ MENOR DO QUE JÁ FOI. DAÍ A RELEVÂNCIA DOS JUROS CONTINUAREM BAIXOS. ACHA POSSÍVEL, A LONGO PRAZO, QUE SE MANTENHAM PRÓXIMOS DISSO? IG: Os juros hoje estão abaixo do neutro. Eles não vão ficar

neste valor por muito tempo. Porque estamos falando de 2% de juros nominais, o que significa juros reais negativos. Com uma inflação que vai flutuar entre 3% e 4%, se der tudo certo, e um risco Brasil que está em 2,5%, a Selic deve ficar entre 5,5% e 7,0%.

38 PODER JOYCE PASCOWITCH

dívida, que vai de 95% a 100% do PIB, qualquer subida de juros faz diferença. O problema não é se os juros voltam ao normal ou não. O problema é que a nossa dívida ficou muito alta. Temos um problema fiscal a resolver. PODER: E A QUEDA DO TETO FISCAL? IG: O Brasil precisa de uma âncora fiscal. Se não houver

âncora nenhuma, é um problema. Por muitos anos tivemos como âncora a meta do superávit primário. Mas depois o governo viu que as despesas sempre cresciam e a meta do superávit só poderia ser atingida com aumento de impostos. No governo Dilma, o primário despencou de um superávit de 3% do PIB para um déficit de 2% ou 3%. O pessoal então foi no foco do problema, que são os gastos. Foi criado o teto de gastos.

PODER: COMO EXTINGUIR OS BENEFÍCIOS CRIADOS DURANTE A PANDEMIA, ESPECIALMENTE POR SEREM BASTANTE POPULARES? PODEMOS TER UMA RESSACA COMPLICADA? IG: Acho que já estamos tendo uma ressaca

complicada, com muito pouco espaço de manobra. A gente não consegue investir. O investimento público foi a zero, a dívida pública chegou a 100%. O credor da dívida não está querendo mais pagar essa conta toda, ele está exigindo juros maiores. Os juros para comprar dívida não são 2% (atual taxa Selic), são 7%, 8%, 9%. Mesmo a dívida de um dia, as LFTs (Letra Financeira do Tesouro, termo substituído por Tesouro Selic), são compradas com desconto, o que nada mais é do que um juro maior.


PODER: COMO SE RESOLVE ESTA SITUAÇÃO? IG: A única solução que vejo é fazer as reformas. Reforma

emergencial para cortar gastos, reforma administrativa para cortar, lá no futuro, o gasto obrigatório e gerar espaço. Depois a reforma tributária para simplificar. Então você consegue crescer mais. O principal hoje é reduzir o crescimento dos gastos obrigatórios em pessoal e em promoções automáticas. PODER: ACHA QUE SERÁ DIFÍCIL APROVAR TANTAS REFORMAS? IG: Não vai ser fácil, mas acho que será mais difícil lidar

com um problema fiscal à frente. Não conseguir rolar uma dívida é um problema de uma natureza que as pessoas não estão imaginando o tamanho. Significa recessão muito maior do que a de hoje, um índice de desemprego muito maior. Essa reforma administrativa vai parecer moleza.

PODER: O MERCADO ESTÁ ESTIMANDO UMA RETOMADA NO ANO QUE VEM DE 3%. QUAL A SUA AVALIAÇÃO? IG: Pode ocorrer sim. Tenho confiança que na saída da

pandemia, na normalização da nossa vida, a economia

PODER: DEIXANDO A QUESTÃO MACRO UM POUCO DE LADO, COMO FOI A SUA EXPERIÊNCIA NO BANCO CENTRAL E COMO É ESTAR DE VOLTA AO SETOR PRIVADO? IG: É interessante experimentar trabalhos diferentes.

Estive no Banco Central durante um período como diretor e depois como presidente. Tive a sorte de estar no BC em um período de mudança estrutural, que permitiu queda relevante da inflação e da taxa de juros. E agora estou no setor privado, em que as pessoas têm de lidar com essa mudança. E tem gente que não sabe o que fazer: Essa mudança veio para ficar? Como ligo o real com o lado de valorização das bolsas? Está caro? Não está caro? A taxa de câmbio mudou? É para diversificar? Investir mais no Brasil ou lá fora? Então, hoje estou tentando ajudar a navegar no cenário que eu ajudei a criar. PODER: DURANTE SUA PRESIDÊNCIA, O BC CONSEGUIU CRIAR UM AMBIENTE MAIS COMPETITIVO NO SETOR BANCÁRIO? IG: Esse é um processo contínuo. De novos

entrantes, de mais tecnologia, de mais fintechs.

“Muita gente entra nas instituições, principalmente do setor público, e pensa: ‘Vou mudar tudo’. Se houver uma percepção, o próximo da fila dá continuidade” volta ao normal. É claro que haverá setores que não vão voltar, outros voltarão mais rápido. Acho que as pessoas subestimam o impacto quando todo mundo volta a trabalhar, a gerar valor. Está todo mundo pensando em demanda: se der auxílio emergencial, haverá o retorno do consumo. Mas quando as pessoas forem para a rua vender seu produto, gerar um negócio, isso irá gerar um valor de PIB significativo. A queda do PIB este ano deverá ficar em 4,5% a 5%. Ela se concentrou em março, abril e maio. Desde junho está voltando.

Diria que o sistema financeiro tem duas quase revoluções: a primeira é o novo patamar de juros; a segunda é a revolução da tecnologia, das fintechs. Toda essa mudança foi acompanhada também pela mudança da regulação, o BC permitiu entrar. Na verdade, a grande ajuda foi não atrapalhar. Tinha gente entrando, deixava entrar. Deixava todo mundo conviver, não limitava. Sabe quando na primavera começa a florescer? Você tem que saber apreciar.

PODER: COMO SE EXPLICA O FENÔMENO DOS JUROS NEGATIVOS? IG: Juro negativo basicamente resulta em você dar mais

PODER: SE TODOS GESTORES AGISSEM ASSIM SERÍAMOS MAIS EFICIENTES? IG: Muita gente entra nas instituições,

valor ao futuro do que ao presente. Tem muita gente querendo poupar, tem muita gente preocupada com o futuro, há pouco desejo de investimento hoje. Quando você tem muito mais poupança do que investimento, os juros acabam por cair. Não tem nada do lado do real que diz que o encontro dos dois teria que ser um número positivo.

principalmente do setor público, e pensa: “Vou mudar tudo, começar do zero”. Se houver uma percepção de instituição onde se cria, o próximo da fila dá continuidade e prossegue. Você cria alguma coisa sobre o que foi feito. Mas isso não existe tanto no Brasil, infelizmente. n PODER JOYCE PASCOWITCH 39


PROTAGONISMO undada em 1987, a FLORMEL surgiu sem muitas ambições de se tornar um grande negócio. Resultado do encontro de Maria Marta de Freitas, cozinheira de mão-cheia que produzia doces a partir das receitas de sua avó, e Laerte Casoni, responsável pelas vendas dos produtos, a empresa do casal paulista foi aos poucos ampliando sua presença no mercado para se tornar uma referência na produção de doces sem adição de açúcares. E quem esteve por trás dessa expansão foi a segunda filha do casal, Alexandra Casoni, que, desde 2015, responde como CEO da companhia. À frente da empresa que faturou R$ 70 milhões em 2019 com um portfólio de 93 produtos – entre chocolates, doces, snacks e barras –, Alexandra foi responsável por conectar a marca a clientes estratégicos, como os segmentos especializados em alimentos naturais e, durante o período de isolamento social, com o lançamento de novas linhas de produtos, viu o canal de vendas on-line ganhar relevância e crescer 40% ao mês desde maio. O impacto da pandemia serviu, inclusive, para a empresa pensar em novos projetos, como a plataforma para vendas “P2P”, de pessoa para pessoa, e um canal de telemarketing que acompanha o pós-venda. Mas para além de tudo isso, a empresária está revolucionando as engrenagens internas do próprio negócio. Exemplo de self-made woman, mãe e sócia de outras duas empresas, a Semealle e a ManaVida, Alexandra não deixa de investir no protagonismo feminino, com mulheres assumindo cada vez mais cargos de liderança.

40 PODER JOYCE PASCOWITCH

FOTOS DIVULGAÇÃO

F

FEMININO


“É importante contar com uma representação feminina expressiva, porque a mulher continua precisando provar que é capaz de conciliar sua vida pessoal para ingressar em um terreno dominado exclusivamente pela figura masculina”, explica Alexandra Casoni. Para facilitar essa jornada, o benefício da licença maternidade para as mulheres na Flormel é estendido por mais dois meses além dos 120 dias e, no caso dos homens, a licença totaliza 20 dias, enquanto o resto do mercado costuma conceder apenas cinco. Temas como maternidade, carreira e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional fazem parte do debate diário e a Flormel criou, como forma de facilitar o diálogo, fóruns para que os colaboradores possam ser ouvidos. “A

O DNA da Flormel: Alexandra com a filha, Maria, e, abaixo, a mãe Maria Marta de Freitas, fundadora da empresa

“Não fazemos distinção de gênero, mas levamos em conta que o mercado oferece muito mais oportunidades para os homens” nossa equipe de colaboradores é bastante diversificada. Quero continuar observando a combinação de gêneros e idades, e saber que todos estão em processo de aprendizagem e dispostos a mudarem”, conta a executiva, que busca incluir na gestão profissionais mais velhos que passam por dificuldades para retornar ao mercado. E todos esses desafios ainda ganharam novas camadas com a pandemia e a decisão de manter a equipe em home office, modelo que poderá ter continuidade para garantir qualidade de vida aos funcionários. Os planos futuros, no entanto, não param: em 2021, a Flormel deve lançar uma loja conceito em São Paulo e planeja, também, estruturar um projeto de exportação com início nos Estados Unidos. PODER JOYCE PASCOWITCH 41


ENSAIO

RESPEITEM MEUS

CABELOS BRANCOS

Aos 64 anos, Fafá de Belém assumiu a senioridade, que transformou em bandeira com a intensidade que caracteriza tudo o que a dona da gargalhada mais famosa da MPB faz. Entre uma live e outra, a cantora posou para o Ensaio de PODER e soltou a voz – do engajamento político por dado abreu fotos maurício nahas styling cuca ellias

A

pandemia transformou a vida das pessoas e alterou definitivamente os rumos da humanidade. Uma coisa, no entanto, não mudou. A alegria de Fafá de Belém. Completando 45 anos de carreira, a dona da gargalhada mais famosa do Brasil segue inabalável. “Sou uma mulher de fé, tenho sempre esperança e acredito no poder transformador da alegria”, confessa a cantora, convidada especialíssima do Ensaio de PODER. Um episódio recente, ocorrido durante o período de isolamento mais duro da pandemia, serviu para Fafá reforçar suas crenças. Era um dia de semana. Passava da meia-noite e ela se aprontava para dormir quando o telefone começou a tocar insistentemente. Sem parar. Do outro lado da linha uma amiga, Rosa, enfermeira de Aracaju, pedia para Fafá uma gravação, em áudio,

daquela contagiante risada que o país acostumou a ouvir. “Fiquei ligeiramente irritada, estava na cama, quase dormindo.” A amiga logo explicou o pedido inusitado. Médicos de um grande hospital no qual ela trabalha na capital sergipana haviam sido agredidos, humilhados e expulsos do ônibus a caminho do serviço, e por isso Rosa pensou em uma maneira de animar os colegas. Daí a ideia da sonora gargalhada de Fafá. “Fiquei tocada com a cena dos médicos sendo constrangidos. Levantei da cama, acendi a luz e comecei a cantar ‘há uma nuvem de lágrimas sobre os meus olhos...’”, lembra, enquanto solta a voz para a reportagem. Do outro lado daquela ligação a reação veio em coro uníssono, os profissionais de saúde seguiram a letra da canção e Fafá riu, gargalhou, chorou, emocionou-se noite adentro. “Fui dormir pensando no dom que Deus nos deu. Acreditava que o meu era cantar, mas descobri que também é distribuir alegria. Foi uma grande lição da pandemia.”


TricĂ´ gola alta Emilio Pucci, brinco Hector Albertazzi, anel acervo pessoal


Vestido Dolps, anel VirgĂ­nia Tavares


“Fui dormir pensando no dom que Deus nos deu. O meu é cantar, mas descobri que é também distribuir alegria” Também vieram outras lições, descobertas e mudanças. A começar pelo visual, ao assumir os fios brancos, “um desejo antigo” que esbarrava na pressão social em parecer mais nova. “Foi libertador, estou me sentindo belíssima e há tempos não estou tão em paz. Os que criticam, na maioria das vezes mulheres, dizem que estou parecendo uma vovozinha. Poxa, mas eu sou uma vovozinha!”, brinca, lembrando das netas Laura e Julia, filhas da cantora Mariana Belém. Envelhecimento saudável tem sido uma das principais bandeiras da artista, que se diz incomodada com a falta de visibilidade dos idosos no Brasil. No boom das lives, no começo da pandemia, a cantora de infinitos sucessos reclamou contra uma resistência dos patrocinadores, que até então depositavam toda a verba em apresentações de músicos jovens. “Não tenho 45 anos de história para ficar passando o chapéu, decidi bancar o projeto e os patrocinadores apareceram.” Desde então foram dezenas de lives, inclusive internacionais, como a que Fafá celebrou 64 anos de vida, em agosto, direto do santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, a sua segunda casa – apelidada de “a cantora brasileira mais portuguesa do Brasil”, ela vive entre São Paulo e Lisboa. “Nunca tive vergonha de dizer a minha idade e não uso botox. Usei uma vez e fiquei a cara de um políti-

co, toda congelada”, diverte-se. Nascida Maria de Fátima Palha de Figueiredo, Fafá sempre buscou força no contratempo. Da vida, não das notas musicais. “A minha trajetória foi cheia de ‘nãos’. Eu não era magra, não era a mais bonita, nunca tive paciência para brincar de boneca e nunca quis ser miss. Não tinha os ‘planos’ que a sociedade tinha para mim”, conta, sobre a postura crítica que sempre adotou. Ela também não se abstém de posicionamentos políticos. Nos anos 1980, participou ativamente das Diretas Já, foi um dos rostos marcantes do movimento e esteve presente em todos os 32 comícios realizados, apresentando-se gratuitamente. A causa feminista é outra de suas defesas. A propósito, antes de trocar o look para os cliques do fotógrafo Maurício Nahas, Fafá de Belém vestia uma camiseta com a hashtag “Precisamos Falar Sobre Abuso”, um presente da amiga e jornalista Ana Paula Araújo, autora do livro Abuso: a Cultura do Estupro no Brasil. “É uma questão muito séria, minha geração não tinha essa consciência. Eu já passei por isso, e olha que eu não sou mulher de levar desaforo para casa”, ressalta. “Não podemos ignorar esses movimentos sociais, como não podemos ignorar a ciência, a cultura, nossa ancestralidade. Porque não há nada pior do que não saber se reconhecer.” n



“Não podemos ignorar os movimentos sociais. Não há nada pior do que não saber se reconhecer”

Blazer Brunello Cucinelli, top acervo pessoal, calça Emilio Pucci, escarpim Balmain, brinco Hector Albertazzi, anel acervo pessoal. Na pág. anterior, vestido Dolps, brinco Vivara, anel Virgínia Tavares Beleza: Haline Bebiano Arte: David Nefussi Produção executiva: Ana Elisa Meyer Produção de moda: Jaqueline Cimadon Assistente de produção: Marina Araújo Assistentes de fotografia: Renato Zimmermann e Verônica Ritton Manicure: Rose Luna


AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL

A

Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que até 2050 serão 10 bilhões de pessoas no planeta. E uma das principais preocupações é como alimentar toda essa gente sem prejudicar ainda mais o meio ambiente. A JBS, segunda maior indústria de alimentos do mundo, há uma década monitora por imagens de satélites uma área superior ao território da Alemanha, garantindo que hoje 100% de seus fornecedores diretos de bovinos estejam em conformidade com suas políticas de compra responsável. Ou seja: desmatamento zero. A novidade agora é o programa Juntos pela Amazônia. Diante da relevância crescente com questões ambientais, sociais e de governança (ESG), a Companhia apresentou um conjunto de iniciativas que visam aumentar a conservação e o desenvolvimento do bioma, engajando o setor e propondo ações na cadeia de valor da empresa, como a Plataforma Verde JBS, que, com estrutura blockchain, vai permitir que a empresa inclua em sua base de monitoramento os fornecedores de seus fornecedores de bovinos até 2025. “Estamos reafirmando publicamente o nosso compromisso com a sustentabilidade da Amazônia. Esperamos pro-

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mover um avanço em escala não apenas em direção ao combate ao desmatamento, mas também em promoção é a meta de da bioeconomia, recursos agricultura sustendo Fundo tável e desenvolJBS pela vimento social”, Amazônia afirma Gilberto Toaté 2030 mazoni, CEO Global da JBS. A empresa criou ainda o Fundo JBS pela Amazônia, dedicado a financiar iniciativas e projetos para ampliar a conservação da floresta e o desenvolvimento sustentável das comunidades que nela vivem, com aporte de R$ 250 milhões nos primeiros cinco anos. A JBS convidará seus stakeholders a contribuírem para o fundo e se compromete a igualar sua contribuição às doações de terceiros na mesma proporção. A meta é levar os recursos a um total de R$ 1 bilhão até 2030. Serão apoiados projetos em três frentes: conservação e

R$ 1 BILHÃO


100%

dos fornecedores diretos de bovinos da JBS no bioma são monitorados

Estamos reafirmando nosso compromisso com a sustentabilidade. Esperamos promover um avanço em escala não apenas em direção ao combate ao desmatamento, mas também à promoção da bioeconomia, agricultura sustentável e desenvolvimento social

FOTOS GETTY IMAGES

GILBERTO TOMAZONI, CEO Global da JBS

restauração da floresta; desenvolvimento socioeconômico das comunidades e desenvolvimento científico e tecnológico. Segundo Joanita Maestri Karoleski, presidente do fundo, conter o desmatamento ilegal é um desafio central para a defesa da Amazônia. “Esse problema só será combatido efetivamente por um olhar voltado à qualidade de vida e à geração de renda para a população da região, indígenas, ribeirinhos e quilombolas, por exemplo. Preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico são indissociáveis”, afirma.

Atualmente, a JBS monitora 50 mil fazendas fornecedoras de bovinos segundo critérios rígidos de sustentabilidade, com tolerância zero para o desmatamento, invasão de áreas protegidas como terras indígenas ou unidades de conservação ambiental, trabalho análogo à escravidão, ou uso de áreas embargadas pelo Ibama. A análise é feita diariamente, e a Companhia pretende agora compartilhar a tecnologia com pecuaristas, instituições financeiras e outras empresas que quiserem aplicá-la. Juntos pela Amazônia.

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TECNOLOGIA

Fundador e CEO do SoftBank, o bilionário japonês Masayoshi Son apostou alto na “internet das coisas” para deixar de ser o homem que mais perdeu dinheiro na história e se tornar o investidor mais poderoso do Vale do Silício POR ANDERSON ANTUNES


FOTO GETTY IMAGES

D

e acordo com o Kojiki, o mais antigo livro sobre as origens do Japão, vários deuses da mitologia oriental nasceram da relação entre Izanagi e Izanami até que o deus do fogo, Kagutsuchi, queimasse as genitais de sua mãe no parto, ferindo-a fatalmente. Izanagi, num ato de desespero ao ver a esposa morta depois de dar à luz o filho deles, pegou sua espada e a usou para matar Kagutsuchi, de cujas entranhas e sangue nasceram mais outros deuses. Tal mitologia poderia ser usada para ilustrar a trajetória de Masayoshi Son, o homem mais rico do país asiático atualmente e um dos maiores experts quando o assunto é tecnologia viável. Aos 63 anos, o fundador do SoftBank foi vítima do próprio aquecimento que ajudou a criar no fim dos anos 1990 em torno da world wide web, então ainda vista como algo que renderia frutos somente no futuro. Na época o segundo homem

mais rico do mundo, atrás apenas de Bill Gates, Son viu mais de US$ 70 bilhões de seu patrimônio se evaporarem do dia para noite com o estouro da bolha da internet, em 1999, o que rendeu a ele o indesejável recorde de pessoa que mais perdeu dinheiro em toda a história. Ao contrário de Kagutsuchi, no entanto, o golpe financeiro certeiro não lhe ceifou a vida. Hoje dono de uma fortuna estimada em US$ 33,6 bilhões, a maior do Japão e 33ª maior do planeta, Son conseguiu se recuperar depois do golpe que levou há 21 anos graças aos deuses do mundo virtual. É notório, por exemplo, o investimento de US$ 20 milhões que fez no Alibaba naquele mesmo 1999 por meio do SoftBank, por quase um terço do líder chinês em e-commerce fundado por Jack Ma, e um negócio que agora vale perto de US$ 245 bilhões. A gigante britânica de telefonia Vodafone e o Yahoo! também receberam nos últimos anos aportes do SoftBank, que apesar do que o nome pode sugerir, não é um banco, mas sim uma multinacional dos ramos de telecomunicações e de internet e o player mais poderoso quando se fala em investimentos em tecnologia.

De origem humilde, Son sempre se mostrou determinado a conseguir o que queria. Uma história famosa a seu respeito trata justamente desse seu lado, a de um encontro que teve quando era adolescente com Den Fujita, o fundador do McDonald’s no Japão. Fascinado por Fujita depois de ler um livro sobre empreendedorismo escrito pelo executivo, Son tentou encontrá-lo em inúmeras ocasiões, até que foi a Tóquio para cercá-lo em seu escritório. Fujita, que anos mais tarde se tornaria membro do conselho do SoftBank, recebeu-o por 15 minutos, e o presenteou com o melhor conselho que Son ouviu até hoje: “Invista em negócios que foquem na realidade do futuro, e não na do passado”. Com um pé no mundo financeiro e outro no da tecnologia, e estudante de economia e ciências da computação na University of California, Berkeley, Estados Unidos, Son fez sua primeira empreitada empresarial quando era estudante ao criar um tradutor eletrônico que caiu nas graças de seus professores e foi vendido para a Sharp Corportation por US$ 1,7 milhão. Ele usou o dinheiro para importar videogames de sua terra natal, que instalou em dormitórios frequentados por outros universitários de lá, obtendo, novamente, enorme sucesso. Uma vez formado, retornou ao Japão em meados dos anos 1980 decidido a fazer fortuna com a internet, o que àquela altura era uma ideia utópica para muitos, e de quebra conseguiu ser visto como um modelo por seus pares. Descendente de coreanos, optou por usar seu sobrenome coreano dali para frente em vez do adotado pelos pais (o japonês Yasumoto), o que serviu para aumentar sua fama na terra do Sol Nascente. Mas o primeiro grande passo só seria dado na década seguinte, com a decisão de focar seus investimentos nas empresas pontocom. PODER JOYCE PASCOWITCH 51


A GRANDE APOSTA

O futuro na visão do SoftBank vai de uma startup focada em novos ambientes de trabalho a um app de entregas colombiano. Abaixo, algumas das principais apostas da holding de Son: WeWork: Fundada em 2010, a empresa projeta e constrói espaços de trabalho físicos e virtuais compartilhados para empreendedores e outras empresas. O SoftBank assumiu o controle da WeWork no ano passado, pagando US$ 1,7 bilhão por 80% de seu capital.

Son planeja lançar fundos de investimento a cada dois anos e, assim como a Amazon, estar cada vez mais presente na vida dos americanos

Rappi: O aplicativo de entregas fundado em Bogotá, capital da Colômbia, se tornou o primeiro unicórnio do país quando recebeu um aporte de US$ 1 bilhão feito pelo SoftBank em 2018, que reaplicou o mesmo valor no negócio um ano depois. Boston Dynamics: A fabricante americana de robôs futuristas que já apareceu em um episódio de Black Mirror foi comprada por US$ 100 milhões pelo SoftBank em 2017.

Brain Corp: A fabricante de sistemas de inteligência artificial para robôs recebeu um aporte de US$ 114 milhões do SoftBank em 2017, e atualmente pode valer até cinco vezes esse valor. Nauto: Startup de sistemas de piloto automático para carros criada em 2015, recebeu US$ 159 milhões do SoftBank em 2017 e em sua última rodada de investimentos foi avaliada em US$ 1 bilhão.

Durante anos, Son foi visto como um Warren Buffett moderno, um midas das empresas de tecnologia que viriam a se tornar ícones mais tarde. Suas declarações públicas a respeito dessa ou daquela companhia do Vale do Silício deixaram especuladores ainda mais agitados, e muitos seguiram seus conselhos sobre quais investir. Até que a Nasdaq, diante do claro cenário de promessas de lucros que nunca se realizaram tão carac-

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Loja do SoftBank em Tóquio, Japão

terístico das bolhas, entrou em colapso, resultando na quebradeira em massa de muitas delas. Son foi um dos nomes mais citados daquela crise, algo que não o deixa orgulhoso, segundo seus amigos próximos, mas agiu com a frieza de um samurai em seu pior momento, sem fazer grandes movimentações em seu portfólio. Foi graças a isso, argumentam analistas, que ele conseguiu ressurgir das cinzas. Nos anos seguintes ao estouro da bolha, Son testemunhou muitas de suas apostas sendo compensadas pela espera, sendo a mais notória a do Alibaba, que abriu seu capital na Bolsa de Valores de Nova York em 2014. Investidor em praticamente todas as gigantes de tecnologia, o bilionário japonês lançou em 2017 o Vision Fund, um fundo de investimentos do SoftBank focado em negócios sobre “a internet das coisas” - a enor-

me rede de dispositivos conectados. Com mais de US$ 100 bilhões em caixa, o Vision Fund reservou US$ 5 bilhões desses para a América Latina. Son planeja lançar fundos similares a cada dois anos (o último, que começou a tomar forma em 2019, ainda não foi fechado), e seu objetivo é participar o máximo possível da vida das pessoas por meio dos negócios escolhidos pelo Vision Fund – entre os quais os aplicativos Grab (de compartilhamento de corridas de carro), Coupang (e-commerce) e Paytm (sistemas de pagamento on-line) – e tal como a Amazon, cada vez mais presente nas casas dos americanos, já faz nos Estados Unidos. E quem sabe até destronando seu fundador, Jeff Bezos, no ranking dos mais ricos do mundo, o que seria um desfecho e tanto. Se conseguir isso, é certo que sua inclusão no livro das lendas japonesas estará garantida. n

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Gympass: O aplicativo que permite aos seus usuários acesso irrestrito às principais academias do mundo teve metade de seu capital adquirido pelo SoftBank no ano passado, em um negócio estimado entre US$ 100 milhões e US$ 150 milhões.


SEGURANÇA NA MIRA

PODER INDICA

Preparar, apontar, segurança e fogo. Assim é o THE RANGE, o mais sofisticado, exclusivo e seguro clube de tiro esportivo do Brasil. Com alta tecnologia e nível high class, o espaço, a ser inaugurado no início de 2021, está localizado no subsolo do Clube Hebraica, em São Paulo, em uma área de 1.400 m2, com duas pistas – de 15 m e 25 m – e uma estrutura de primeiro mundo aprovada por ninguém menos do que o medalhista olímpico FELIPE WU, prata na Rio-2016. “Estávamos carentes de um local de alto padrão para a prática de tiro esportivo no Brasil. Além da tecnologia que vai possibilitar ao praticante a melhor experiência possível, o The Range será um espaço para conectar pessoas interessadas no universo do tiro”, comenta Wu, que lamenta o preconceito e a desinformação com relação à modalidade. “O tiro esportivo é um esporte completo, desenvolve coordenação motora, atenção, disciplina e o senso de responsabilidade. Pratico desde os 8 anos e posso dizer que ajudou na minha formação como ser humano.” O The Range traz um novo conceito. Os associados terão acesso a uma seleção de equipamentos internacionais, operadoras alvo sem fio, targets programáveis 360 graus e cabines de última geração. Um sistema único de exaustação, importado dos Estados Unidos, remove 99.6% dos contaminantes tóxicos do ambiente e garante a qualidade do ar. Cursos, palestras e uma série de eventos também estão na programação e, para a experiência ser completa, a gastronomia do local fica a cargo do BBQ Company. Garanta já o seu título com condições especiais. The Range é tiro certo.

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PATRIMÔNIO

ano de 2020 começou com as bolsas de todo o mundo dando sinais de que um novo boom econômico estava por vir, um sentimento que era palpável mesmo no Brasil, entre a turma da Faria Lima. Até que em março veio a pandemia de Covid-19, que em pouco tempo ocasionou uma queda raramente vista no número de bilionários do planeta. Resultado: pela primeira vez desde a grande crise anterior, a do subprime, de 2008, o clube dos dez dígitos diminuiu consideravelmente. Mas esse downsizing não foi duradouro o suficiente para causar estragos generalizados. A apenas um mês do fim do ano, já é possível dizer que 2020 foi, na verdade, um dos melhores anos para os bilionários em muito tempo. As fortunas somadas dessa turma chegaram a US$ 10,2 trilhões recentemente, de acordo com um relatório divulgado pelo banco suíço UBS. Trata-se de um valor recorde, sendo que o anterior, de US$ 8,9 trilhões, data de 2017. Não apenas essas pessoas, as mais ricas do mundo, recuperaram seu patrimônio, como, em alguns casos, fizeram-no crescer. E isso aconteceu no mundo inteiro, e o Brasil participou da festa. De maneira geral, grandes nomes

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A pandemia fez bem aos bilionários do mundo, cuja fortuna, somada, passou dos US$ 10 trilhões. Varejistas como Amazon e Magalu, entre outros gigantes, fizeram a alegria de seus controladores POR ANDERSON ANTUNES

ligados ao universo da tecnologia e do varejo, como Jeff Bezos (Amazon), Bernard Arnault (LVMH), além dos chineses Ma Huateng (maior acionista da gigante de internet e da comunicação Tencent), cujo patrimônio aumentou quase US$ 20 bilhões em questão de meses, e Qin Yinglin (maior produtor de porcos do mundo) foram os grandes destaques desse “show dos bilhões”. No Brasil, um dos casos mais notórios foi o de Luiza Helena Trajano, maior acionista e presidente do conselho de administração do Magazine Luiza. A gigante varejista, que anos atrás resolveu nadar contra a maré em

que estavam seus concorrentes ao apostar as suas fichas no e-commerce, finalmente colheu os frutos da ousadia: suas vendas online durante a pandemia chegaram a aumentar, compensando a queda brutal de receitas nas lojas físicas, razão pela qual seu valor de mercado na bolsa disparou. E Luiza Helena, que começou 2020 com estimado US$ 1,7 bilhão de patrimônio pessoal, agora tem o triplo disso, o que faz dela a mulher mais rica do Brasil. Tão impressionante quanto a situação positiva do Magalu é a da WEG, a fabricante de motores elétricos de Santa Catarina. Com uma alta de quase 140% em sua ação negociada no Ibovespa, a empresa formada por um trio de descendentes de alemães de Jaraguá do Sul foi a companhia de capital aberto que mais se valorizou na bolsa brasileira neste ano. É possível que alguns de seus acionistas terminem o ano com fortunas individuais acima de US$ 1 bilhão, o que nenhum deles, digamos, vai gostar, uma vez que todos são discretíssimos e odeiam aparecer na mídia. Responsável pela compilação de um dos mais famosos rankings de bilionários do planeta, a revista americana Forbes afirma que existem 50 deles no Brasil atualmente. Há

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IMUNIDADE DE CLASSE O


Um 2020 para não esquecer para Jeff Bezos (Amazon), Bernard Arnault (LVMH) e Ma Huateng (Tencent), três bilionários que multiplicaram seu patrimônio Ma

sete meses, eram 37. Um deles, o banqueiro Aloysio de Andrade Faria, morreu em setembro. Suas fortunas somadas saltaram de US$ 124,2 bilhões em março para os atuais US$ 161,7 bilhões, um aumento de 30%. Em contrapartida, o PIB brasileiro deverá sofrer uma retração de até 8% neste ano, ao passo que o PIB global cairá estimados 4,4% de acordo com o Fundo Monetário Internacional. Se tal bonança vai continuar no mesmo ritmo, ninguém sabe ou quer dizer. Mas ao menos os banqueiros que cuidam dos patrimônios dos muito ricos torcem para que sim, já que eles também estão ganhando rios de dinheiro com o enriquecimento de seus clientes. Caso do próprio UBS, que sempre mantém um olho nas movimentações financeiras dessa elite econômica. O banco suíço, líder mundial em gestão de patrimônio, reportou dias atrás seus melhores resultados em uma década. Goldman Sachs e outros

grandes players do segmento deverão divulgar performances similares nas próximas semanas. De acordo com o Financial Times, 257 pessoas se tornaram bilionárias neste ano, em muitos casos seguindo conselhos de seus gestores para comprar ações que perderam valor no auge da crise causada pelo coronavírus e que viriam a se recuperar rapidamente.

O jornal britânico também revelou um caso notável de dois irmãos, um que vendeu tudo o que tinha no pior momento da crise, e o outro que preferiu manter seu portfólio. Adivinha qual deles ficou bilionário. Outro ativo que bombou na pandemia foi o ouro, que previsivelmente se valoriza em momentos de grande incerteza global. Neste caso, os grandes bancos, que controlam os maiores estoques do metal precioso, lucraram em dobro com transações feitas por seus clientes, já que retêm comissões sobre vendas e ainda cobram taxas para manter guardado o ouro em seus cofres. Em comparação, a crise de 2008 também gerou momentos de instabilidade tidos como grandes oportunidades por muitos investidores profissionais, mas o que se viu em tempo de Covid-19 não se iguala aquele período. Muitos já se preparam para o estouro de uma eventual bolha, enquanto a maioria ainda acredita que é possível lucrar mais. Do outro lado do espectro, as pessoas que formam o grosso da população do planeta lidam com situações bem menos animadoras, como o desemprego desenfreado e a queda acentuada de sua renda básica. Como se vê, 2020 será para sempre um ano de paradoxos. n

SOBE E DESCE Jeff Bezos se manteve imbatível no 1o lugar da lista dos donos das maiores fortunas do mundo, mas uma dança das cadeiras ocorreu entre os outros colocados no ranking desde o começo da pandemia, em março ANTES DA PANDEMIA 1. Jeff Bezos (Amazon) - US$ 113 bilhões 2. Bill Gates (Cascade Investment, Microsoft) - US$ 98 bilhões 3. Bernard Arnault (LVMH) - US$ 76 bilhões 4. Warren Buffett (Berkshire Hathaway) - US$ 67,5 bilhões 5. Larry Ellison (Oracle) - US$ 59 bilhões

DEPOIS DA PANDEMIA 1. Jeff Bezos - US$ 189,4 bilhões 2. Bernard Arnault - US$ 119,5 bilhões 3. Bill Gates - US$ 116,5 bilhões 4. Mark Zuckerberg (Facebook) - US$ 105,1 bilhões 5. Elon Musk (Tesla, SpaceX) - US$ 93,5 bilhões

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LONGEVIDADE

REFLEXÃO SOBRE O TEMPO

R

em 1975, fui para a Inglaterra, eferência em medicina geriátrica Médico especialista no país, Alexandre Kalache depois naquele momento era o senvolveu ainda na infância um país que estava com recursos na população idosa, mais avançados relacionados a olhar atencioso para os idosos. Formado o gerontólogo e essa área. Lá, percebi que havia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado em sciences in soepidemiologista carioca muitos idosos no local, mas pouco pela geriatria. Ao longo cial medicine e doutorado em epidemioAlexandre Kalache fala interesse do mestrado, na Universidade logia, aos 75 anos Kalache é presidente de Londres, fui fazendo estudos do Centro Internacional de Longevidasobre a necessidade relacionados ao ramo. Um grupo de e copresidente da Aliança Global de de ressignificar o de estudantes de medicina, Centros Internacionais de Longevidade. Um currículo tão extenso exige for- envelhecimento, idadismo após passar um mês atuando na me disse que não sabia tes convicções, e isso ele tem de sobra. e pede atenção à saúde geriatria, lidar com os idosos porque mal Dedicando sua carreira aos cuidados da população acima dos 60 anos, o médi- mental da população idosa, tiveram contato com os próprios Isso me marcou e me fez co afirma que um grande fator para alprincipalmente em tempos avós. pensar que para atingir a satisfação cançar a satisfação dentro da geriatria é plena como médico geriatra é de pandemia já ter convivido de maneira íntima com necessário ter tido contato íntimo idosos. Em tempos de pandemia, nuncom idosos, principalmente na ca se fez tão urgente a discussão sobre a POR ANNA LAURA MOURA família. É preciso sensibilidade. falta de empatia para com essas pessoas, Durante meu doutorado com foco assim como de recursos públicos, e Kalache tem muito a dizer sobre essa problemática. A seguir, no envelhecimento, percebi que a população tem um uma conversa sobre como a Covid-19 adoece não só o cor- olhar muito distorcido para o idoso. Envelhecer é uma conquista, mas não é assim que as pessoas enxergam. po, mas também a alma da população idosa.

ALEXANDRE KALACHE: Cresci em uma família grande e

estava sempre passando as férias na casa dos meus avós. Quando se é criança, ou você brinca com seus primos ou ouve as histórias da avó, e eu fazia os dois. Então, sempre nutri uma proximidade enorme e, aos 15 anos, minha avó desenvolveu um câncer e adoeceu. Passei parte da adolescência ajudando minha mãe a cuidar dela. Por isso, minha sensibilidade com pessoas idosas surgiu muito antes da graduação.

PODER: EM QUE MOMENTO DA SUA CARREIRA VOCÊ PERCEBEU QUE OS IDOSOS MERECIAM UM OLHAR MAIS ATENTO? AK: Quando iniciei meus estudos sobre saúde pública

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PODER: NA SUA OPINIÃO, POR QUE EXISTE A CULTURA DE QUE O ENVELHECIMENTO DEVE SER EVITADO A TODO CUSTO? AK: As pessoas enxergam o ato de envelhecer como algo

vergonhoso e que deve ser ocultado. Por causa desse pensamento, vemos indivíduos tornando-se vítimas de uma pressão estética que visa um padrão inalcançável. Botox, medicamentos, vícios e compulsões em academias e dietas mirabolantes, tudo para não aparentar que a velhice está chegando. É a busca pela juventude eterna. Precisamos ressignificar o ato de envelhecer, e entender que é um processo do que é ser humano. Devemos olhar para os fios brancos e para as rugas com orgulho por ter chegado aonde chegamos e não com vergonha por achar que esses sinais têm pouca beleza. É claro que uma alimentação saudável combinada com exercícios físicos

FOTO ZÔ GUIMARÃES/FOLHAPRESS

PODER: COMO SURGIU O INTERESSE EM SE ESPECIALIZAR NA SAÚDE DA POPULAÇÃO IDOSA?



cai bem, o que não pode é tornar-se refém de um corpo ou pele perfeitos. Eu não consigo dar uma volta no quarteirão correndo como conseguia aos 25, mas realizo minhas tarefas diárias, e isso já me satisfaz. PODER: COMO VÊ A SITUAÇÃO DO IDOSO NO BRASIL?

“Envelhecer é uma conquista, mas não é assim que as pessoas enxergam”

AK: Nós estamos envelhecendo o tempo todo. Não é necessário ter mais de 60 anos para falarmos de envelhecimento, a cada segundo nos tornamos um pouco mais velhos. O problema é que o brasileiro envelhece mal, principalmente com doenças que poderiam ser evitadas se houvesse mais recursos na saúde pública. O idoso precisa de segurança e proteção, e o brasileiro tem a cultura de entender a população +60 como um fardo que não precisa existir, ou que não necessita de cuidados. Nós envelhecemos com esse pensamento, e é por isso que temos tanto medo da velhice. O idadismo, preconceito contra idosos, existe e está à espreita todos os dias. PODER: VOCÊ ACHA QUE A CHEGADA DA COVID-19 ESCANCAROU ESSE PRECONCEITO? AK: Não só escancarou como intensificou. No início

da pandemia, tinha-se a ideia de que o coronavírus só infectava idosos – o que é mentira, e o que mais vimos foram comentários dizendo que “tudo bem”, pois já estavam perto de morrer. Esse pensamento só mostrou aquilo que quem é idoso ou estuda sobre, já sabe: a população +60 não é respeitada, tampouco valorizada. O governo federal, por sua vez, só fomentou esse pensamento ao negligenciar as medidas de segurança impostas pela OMS. Um país governado por representantes que não respeitam vidas idosas e que diminui o peso do luto só mostra que estamos em meio à desumanização da morte. A sensação de descaso diante de uma doença fatal também adoece.

PODER: DE QUE FORMA A COVID-19 PODE PREJUDICAR A SAÚDE MENTAL DA POPULAÇÃO +60? AK: A pandemia não está matando apenas corpos, mas

também a saúde mental de quem fica. A Covid-19 atingiu fatalmente jovens e adultos, e alguém se pergunta como

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fica a mente da mãe e do pai idosos com a perda desses filhos? E não só durante a pandemia, mas em outros contextos de violência. No caso de George Floyd, temos uma mulher, idosa e preta, sofrendo essa perda. Como está a saúde mental dessa mulher? A necropolítica, que atua não somente dentro do racismo e do machismo, mas também nesta crise sanitária atual, prejudica de forma exponencial essas pessoas. Essa desumanização da morte gera o luto patológico, ou seja, quando o sentimento é tão dolorido que transfere para o corpo.

PODER: EM MEIO À PANDEMIA, QUAIS ATITUDES INTERFEREM NA VIDA DE PESSOAS IDOSAS? AK: As medidas de segurança precisam ser respeitadas.

Nossos governantes reproduzem falas que deturpam o uso da máscara, por exemplo. Dizem que ser obrigado a utilizá-la em estabelecimentos é minar a individualidade de cada ser humano, e isso é uma falácia. Há obrigações coletivas que envolvem a saúde pública, e por convivermos em sociedade precisamos respeitá-las. Não é sobre obrigar o uso, mas sobre estabelecermos debates maduros a respeito da importância desses cuidados.

PODER: COMO TORNAR O PROCESSO DE ENVELHECIMENTO MAIS TRANQUILO E SAUDÁVEL? AK: Minha mãe tem 102 anos e possui Alzheimer. Antigamente, por sua personalidade altiva, nós a apelidamos de baronesa. Hoje, vejo ela como uma rainha. O idoso, antes de mais nada, precisa de uma palavra de conforto, precisa saber que está sendo acolhido de alguma maneira. Nesse momento de pandemia, devemos refletir sobre nossas atitudes. A vida é, na verdade, uma maratona. Encontramos obstáculos e daremos alguns tropeços, mas no fim conseguimos levantar, dar um salto e encontrar outros caminhos. Somos reféns do imediatismo, queremos tudo muito rápido e atropelamos nossos processos corporais naturais. O envelhecimento é algo corporal e natural, então diminua o ritmo, respeite seus limites e seja carinhoso com quem estiver nesse processo há mais tempo. n


OPINIÃO

O MUNDO NÃO SERÁ MAIS O MESMO. E PODE SER MELHOR POR LILIANE ROCHA ILUSTRAÇÃO CADÃO VOLPATO

O

ano de 2020 certamente entrará para a história como um marco na discussão da temática racial no Brasil e no mundo. Poucos foram os anos em que as desigualdades entre brancos e negros foram tão evidentes, notórias, debatidas. Em retrospectiva, poderíamos lembrar da morte de João Pedro, 14 anos, morto a tiros dentro de casa, em São Gonçalo (RJ), Bianca Regina, 22 anos, também morta em casa, na Cidade de Deus (RJ). E, se resgatarmos 2019, os nove jovens de Paraisópolis (SP) e a menina Ágatha Félix, 8 anos, no Complexo do Alemão (RJ). No entanto, o ápice dessa discussão no Brasil, e em escala global, foi o assassinato de George Floyd nos Estados Unidos. Uma morte filmada, disseminada nas redes sociais e na mídia de todo o mundo, e que nos colocou diante de oito minutos em que um policial esteve com o joelho sobre o pescoço de um homem negro até que ele viesse a óbito.

Falar desses assuntos não é fácil, não nos causa bem-estar. Normalmente, opto por abordagens menos dramáticas, focada em números, indicadores e dados, ressalto o que a diversidade humana, e particularmente a inclusão e a equidade racial podem trazer de bom para o planeta, para as sociedades e para as empresas. Em geral, acredito em falar no caminho a seguir, na vantagem competitiva que a diversidade agrega às empresas e no poder do afroconsumo, do pink money e na decisão de compra nas mãos das mulheres brasileiras. Em 2020, no entanto, isso não foi possível. Em um contexto no qual o mundo se atolou em medo, receios e inseguranças por causa de uma pandemia global, nossa capacidade de pensar a existência de maneira complexa e interconectada foi colocada à prova. Até mesmo Larry Fink – CEO da empresa BlackRock – lançou uma carta falando sobre ESG e liderando um movimento, no qual o mercado financeiro se posiciona para não mais financiar empresas que não estejam em compliance e

atuantes com questões ambientais e sociais. Tivemos realmente que parar, olhar para as mazelas humanas e refletir sobre o que não dá mais. Neste mês da Consciência Negra, um marco anual para refletirmos sobre consciência, sobre o que foi o período de escravidão no Brasil, sobre as desigualdades que incorreram na vida de um cidadão brasileiro, a depender da sua raça e etnia, e pautadas no fato de esse cidadão ser branco ou negro, precisamos falar que Vidas Negras Importam. Vozes Negras Importam. Valorização da Intelectualidade Negra é fundamental. Precisamos mostrar que somos capazes de construir uma nova sociedade, na qual seja possível ter representatividade e proporcionalidade da população negra em todos os espaços. Hoje, temos um país com 56% de negros, porém, nas 500 maiores empresas brasileiras, apenas 4,7% da liderança são negros, somente 0,4% da liderança é de mulheres negras. Negros ocupam só 17% do Congresso. Do outro lado da moeda, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Por isso, neste mês, e neste ano de 2020 especificamente, falar sobre assuntos incômodos e que normalmente “escondemos embaixo do tapete” se tornou, mais do que nunca, fundamental. Somente assim seremos capazes de criar um novo padrão civilizatório, de todos, com todos, para todos. E para você que está lendo esse artigo, sim, você mesmo! Eu acredito que você pode mudar o mundo e para melhor, para isso é só se comprometer com a valorização da diversidade e inclusão onde quer que esteja. n Liliane Rocha é CEO e fundadora da consultoria Gestão Kairós e autora do livro Como Ser um Líder Inclusivo

PODER JOYCE PASCOWITCH 59


AUTOCONHECIMENTO

MEDITAÇÃO

de A a ZEN Ansiosos a focados, medrosos a audaciosos, qualquer um pode ter uma prática meditativa para chamar de sua. E o melhor: há comprovações científicas de que exercitar a mente faz bem

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POR NINA RAHE


A

ntes de falar sobre os efeitos benéficos da meditação, o monge Satyanãtha nos lembra que os leitores de hoje certamente já leram mais notícias do que seus avós e já viram mais imagens do que qualquer um dos seus antepassados. Nessa época que ele define como “era da hiperestimulação” – e que na pandemia foi intensificada por um período incalculável diante das telas de computador e celular – uma das formas de manter algum equilíbrio pode ser simples: meditar. “Quando um casamento acaba, como vamos dizer que foi por falta de paz? Um ataque cardíaco, também, pode ser alimentação, genética, uma infinidade de fatores. Mas a falta de paz pode piorar tudo um pouco e sua presença consegue melhorar tudo um pouco”, diz Satyanãtha, nome monástico do brasileiro Davi Murbach, que viveu sete anos em Kauai Aadheenam, um dos mais ortodoxos monastérios indianos. No campo da ciência, o foco de atenção também se voltou recentemente para os benefícios da meditação na saúde e já são mais de 5 mil pesquisas sobre os impactos da prática nos transtornos e nas doenças. A neurocientista Claudia Feitosa-Santana, fundadora da Neurociência para Desenvolvimento Humano, explica que a evolução de técnicas de mapeamento cerebral, como o aprimoramento de aparelhos de ressonância magnética funcional, permitiu que o nosso cérebro pudesse, enfim, ser analisado. E já há um consenso de que a meditação ajuda, por exemplo, na redução dos sintomas de depressão e de transtornos de ansiedade. Um estudo de pesquisadores brasileiros, desenvolvido em 2012 com grupos de meditadores e não meditadores, demonstrou que os adeptos da prática se mostraram mais eficientes nas tarefas que exigiam grande carga de atenção. Mas os efeitos, segundo a pesquisadora, não serão necessariamente os mesmos para todos que começarem a praticar e dependem muito de atitudes que englobam alimentação saudável, dormir bem e fazer exercício, além da personalidade de cada um. n

QUAL PRATICA É A SUA? Há várias formas de meditar e o mestre Satyanãtha, após viver sete anos em um monastério indiano e ensinar adeptos nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil, conhece muito bem quais são elas. A pedido da PODER, ele indica os métodos que podem funcionar mais para cada tipo de perfil. Descubra com qual você se identifica

INCONFORMADOS, SONHADORES E VISIONÁRIOS

Zen é uma palavra que vem do sânscrito e significa meditar. Assim, zazen é nada mais do que sentar-se em zen para atingir o estado de samadhi, no qual não existe separação entre o ser e o objeto e é possível se sentir interconectado com tudo que existe. Na prática, difundida no Brasil pela monja Coen, é preciso se sentar de maneira que a coluna vertebral esteja ereta. As mãos devem ser posicionadas em forma de elipse, representando o cosmos, e os olhos permanecem entreabertos, num ângulo de 45 graus, em períodos que podem chegar a 40 minutos. Durante esse tempo e após três respirações profundas, deve-se respirar de forma natural pelas narinas e observar os movimentos da mente sem tentar controlá-los. Extraordinária para trazer o desapego e reflexão profunda sobre a vida, segundo Satyanãtha, a prática é uma das mais difíceis por se centrar no “pensar em não pensar” e por isso indicada por ele para pessoas que querem revolucionar a própria vida, assumindo novos contextos e prioridades.

FOCADOS, REALIZADORES E AUDACIOSOS

A meditação da linhagem Nãtha é baseada na concepção de que tudo é energia. De acordo com Satyanãtha, praticante dessa vertente, para que o corpo ajude é recomendado fazer exercícios antes de iniciar a meditação, como asanas de ioga, de forma que a coluna não comece a doer e a concentração não se perca. A indicação é fechar os olhos, se sentar no chão com as pernas cruzadas – ou em uma cadeira com os pés se conectando ao chão – para focalizar na existência interna. A cabeça e o tronco devem se equilibrar em uma posição confortável e as mãos repousam no colo, a direita sobre a esquerda, ou se mantêm apoiadas sobre cada joelho, com a palma virada para cima e o indicador segurando o dedão. A investigação das energias pode começar pela percepção do calor do corpo até atingir sentimentos, com o propósito de organizá-los e transformá-los, aumentando a coragem e diminuindo a tristeza, por exemplo. PODER JOYCE PASCOWITCH 61


INQUIETOS, ACELERADOS E ANSIOSOS

De acordo com Satyanãtha, a maneira mais acessível para meditar é o mindfulness. “Quem acha difícil e tem dificuldade de controlar a mente, é uma porta de entrada para a meditação, tão discreta que pode ir ao trabalho junto com você”, diz o monge. A prática, como define o médico e especialista na área Marcelo Demarzo, é um dos estados naturais da nossa mente (a atenção plena) e consiste em uma abordagem laica da meditação. Assim, o mindfulness utiliza as técnicas meditativas como treino para obter um estado de atenção. Uma das formas mais simples para começar é a prática dos três passos, que seriam adotar uma posição confortável e se centrar nas sensações físicas, como o contato do corpo com o chão ou cadeira, e nos pensamentos sobre essa experiência; concentrar o foco nos movimentos de respiração; e, por fim, retornar a atenção para o corpo e o ambiente, percebendo também os sons e a temperatura do local. “De maneira ‘informal’, a prática também pode ser utilizada intencionalmente nas atividades do dia a dia, como durante as refeições ou em reuniões de trabalho”, diz Demarzo.

INCONSTANTES, INSEGUROS E MEDROSOS

O pranayama, utilizado em práticas com foco na respiração, é, segundo Satyanãtha, útil para quem tem medo e pouca autoconfiança. A técnica, presente na meditação Nãtha e no Yoga Sutra, deve ser realizada com a passagem do ar pelas narinas, utilizando o diafragma. A ideia é manter o peito estático na maior parte do tempo e sentir a barriga se movendo. “São práticas muito interessantes para criar o hábito de meditação”, conclui o monge.

CALMOS E PERSEVERANTES

Para quem busca harmonia e estabilidade, a indicação são os mantras. A palavra significa em sânscrito “som sagrado”. Trata-se de uma sonoridade que tem como objetivo lembrar algo que seja importan- te, o que pode consistir tanto em um monossílabo, como o Om, uma frase curta ou uma estrofe de 24 sílabas, o caso do Gayatri mantra. “Você pode escolher um que tenha significado para você e, ao ouvir sua repetição, sentirá a vibração, deixando que cresça e reverbere”, explica Satyanãtha. “Só recomendo para quem já tenha calma”, diz.

Praticante de meditação, Christian Gebara, CEO da Vivo, é quem está por trás da iniciativa da empresa de lançar um aplicativo voltado à prática. O Vivo Meditação, gratuito para os colaboradores e clientes da companhia (para outras pessoas, o valor é R$ 15,99 por mês), reúne opções para meditar com duração entre cinco e 50 minutos. Baseadas na técnica Nãtha, as gravações são voltadas para diferentes objetivos, como “dormir melhor”, “aumentar o foco” e “melhorar a autoestima”. Para desenvolver o projeto, o monge Satyanãtha conta que meditou entre sete e dez vez ao dia durante cerca de quatro meses. “Não conseguia apenas falar, precisava meditar junto”, explica – ao todo, ele gravou 1.007 meditações guiadas. “Fui pegando o catálogo do monastério e adaptando para uma linguagem mais acessível.” De acordo com Rodrigo Gruner, diretor de Serviços Digitais e Inovação da Vivo, nos primeiros meses de isolamento social, de março a junho de 2020, o número de usuários do aplicativo registrou aumento de 124% em relação ao mesmo período no ano passado e a quantidade de downloads quase triplicou, com um crescimento de 183%.

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ILUSTRAÇÃO GETTY IMAGES

GUIA DE BOLSO


OPINIÃO

O OVO E A GALINHA EQUILIBRADOS NO TETO DE VIDRO POR NATÁLIA MOTA

FOTO GETTY IMAGES

Q

uem começou primeiro? Quem é causa e quem é efeito? Na ciranda de eventos que seguem seu curso no rio caudaloso da história nos perdemos. E segue ele o curso, nos aglomerando por dentro até fazermos parte desse coro, até somarmos nele mais histórias de mais mulheres que tiveram suas trajetórias interrompidas pelas circunstâncias da vida. Suas escolhas direcionadas no curso invisível desse rio que chamamos de sociedade, com a qual compartilhamos tantas crenças inconscientes. Ingênua mulher que acredita que sua decisão de desistir é exclusivamente sua, ela apenas não vê que pertence ao rio. O problema é um velho conhecido de toda mulher que almeja uma carreira profissional: o teto de vidro. Quantas somos nos altos cargos políticos, da magistratura, da academia? Quantas de nós tomam decisões e contribuem no debate que definirá as regras do jogo? Parte disso tem raízes no viés de gênero que habita o inconsciente coletivo. São nas pequenas escolhas cotidianas que grão a grão formam as bordas que podam os caminhos das mulheres que um dia foram meninas sonhadoras. Essas líderes nos fazem falta. O olhar de cuidado, a experiência de vida que compartilha o cotidiano não nos representa nas instâncias de

poder. E assim seguimos ensinando nossas futuras líderes que esse mundo não é para elas, fazendo com que desistam mesmo antes de tentar. Esbarram na falta de confiança e no sentimento de não pertencimento que lhes domina nos momentos cruciais de desafio. É justamente por não se identificar com seus líderes que uma garota constrói para si o destino de nem tentar. E então, quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Tão certo como o ovo veio primeiro é saber que a construção de um viés de gênero ao longo dos tempos é o fator oculto que explica esse ciclo vicioso. O ovo já existe desde muitas espécies anteriores às aves, da mesma forma o viés de gênero que habita o inconsciente coletivo existe mesmo antes de vários cargos de liderança. E como esperar que representantes tão distantes desse universo encontrem qualquer lógica em mudar o curso da trajetória que ciam? Nesse momento, testemunhamos a luta das mulheres para se manterem ativas no novo modelo de mercado de trabalho. Mulheres que antes cuidavam de jornadas duplas e triplas de trabalho, cuidando de suas carreiras somadas aos cuidados domésticos, e de seus filhos e idosos, na pandemia se viram trabalhando em jornadas simultâneas, sendo, sem dúvida, fortes candidatas ao sofrimento mental pós-pandemia depois de meses de pouco repouso e tanta ansiedade. Sua dedicação invisível continuará sendo o fator oculto que explicará por que a

carreira acadêmica de mulheres, principalmente as mães e negras, declinou tanto em seu curso. E como mudamos o curso do rio? Uma mulher apenas que acorde não dá conta da força hercúlea da história de tantas ancestrais. Mas juntas somamos, nas pequenas escolhas, na decisão de ajudar a mulher que está próxima, porque queremos que todas nós sejamos bem-sucedidas. Sucesso de uma mulher é despertar de outras, que se somam, acordam e empurram nosso futuro para outras trajetórias. n

Natália Mota é psiquiatra com mestrado e doutorado em neurociências pelo Instituto do Cérebro da UFRN e fundou o grupo SCIGirls, rede de apoio a mulheres na ciência

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ARQUITETURA

CASAS DE CINEMA

Uma seleção de construções célebres que serviram de locação para filmes memoráveis, e que, pela beleza dos projetos e harmonia de suas linhas, roubaram a cena POR ANA ELISA MEYER

MEU TIO, de Jacques Tati (1958)

FOTOS DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

O filme Meu Tio (Mon Oncle), do diretor francês Jacques Tati, mostra como o modernismo se reflete na vida cotidiana e doméstica da sociedade do fim dos anos 1950. A casa fictícia Villa Arpel é uma bolha moderna isolada por seus muros, com apenas um grande portão onde um automóvel pode servir de conexão com a cidade. Marcante, um jardim à francesa se presta à contemplação.

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DIREITO DE AMAR, de Tom Ford (2009)

O DESPREZO, de Jean-Luc Godard (1963) Produzido por Carlo Ponti, dirigido pelo francês Jean-Luc Godard e com Brigitte Bardot no elenco, O Desprezo (Le Mépris) foi filmado na incrível Casa Malaparte, localizada em Punta Massulto, na ilha de Capri, na Itália. Um exemplo eloquente do modernismo italiano, famosa por sua cobertura e paredes avermelhadas.

DA ANIMAÇÃO Casas que saíram das pranchetas dos desenhistas direto para o imaginário de gerações de espectadores

OS FLINTSTONES (1960) Desenho animado americano criado pela dupla William Hanna e Joseph Barbera, Os Flintstones mostra a rotina das famílias dos inseparáveis amigos Fred Flintstone e Barney Rubble. Os bons companheiros de um tempo pré-histórico moram em casas que lembram cavernas estilizadas na cidade Pré-Histórica de Bedrock. Exibido de 1960 a 1966, o desenho é reprisado até hoje em diversos países.

Com sentido estético apurado, era de se esperar que Tom Ford escolhesse o projeto de um arquiteto destacado como o americano John Lautner para ser a casa do protagonista de seu Direito de Amar (A Single Man), vivido pelo ator britânico Colin Firth. Situada em Glendale, na Califórnia, a Schaffer Residence foi construída em 1949 com muita madeira de pinho e vidro, materiais que a fazem se integrar harmoniosamente à paisagem do entorno.

OS SIMPSONS (1989)

Paródia cínica e profunda da cultura e estilo de vida das famílias de classe média dos Estados Unidos, Os Simpsons é talvez a mais famosa série de animação já produzida, há 32 temporadas no ar. Criada por Matt Groening para a Fox , boa parte da ação se passa na casa de Homer, Marge e seus filhos Bart, Lisa e Maggie, uma família aparentemente normal da cidade de Springfield. PODER JOYCE PASCOWITCH 65


Alain Resnais (1961) Filmado em preto e branco, O Ano Passado em Marienbad (L’Année Dernière à Marienbad), do diretor francês Alain Resnais, é um dos filmes mais incompreendidos da história do cinema, apesar de extremamente belo e poético. Algumas cenas da trama, que é ambientada em um luxuoso hotel repleto de salões com lustres rebuscados,

escadarias vertiginosas, corredores infinitos, muitos espelhos, estátuas e um jardim inesperado, foram rodadas nos castelos Nymphenburg e Schleissheim, em Munique, Alemanha, em 1960.

OS JETSONS (1962)

Dos mesmos produtores de Os Flintstones e exibida originalmente entre 1962 e 1963 e mais tarde de 1984 a 1987, foi relançada com novos episódios. Tendo como tema a era espacial, a série retratava uma família de 2062 e especulou como seria a vida no então longínquo século 21, inclusive no âmbito doméstico.

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PARASITA,

casa contemporânea com fachada de de Bong Joon-ho vidro impressionante (2019) construída especialmente O surpreendente para o filme. O cenógrafo Parasita, dirigido e Lee Ha-jun percorreu roteirizado por Bong diversos terrenos vazios Joon-ho, ganhou a Palma até achar um que tivesse de Ouro do Festival de bastante luz do sol ao Cannes e o Oscar de longo do dia. melhor filme em 2019. A produção capta o zeitgeist deste início do século 21 ao retratar o abismo social crescente das famílias de Seul, a capital sul-coreana. A locação principal é uma

FOTOS DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO

O ANO PASSADO EM MARIENBAD, de


FIESP: NEM TUDO QUE RELUZ

É OURO POR NEY FIGUEIREDO ILUSTRAÇÃO DAVID NEFUSSI

L

ogo após a vitória de Luís Eulálio Vidigal Filho, em 1980, derrotando um esquema que dominava a Fiesp há mais de 50 anos e devolvendo sua importância passada, José de Alcântara Machado, presidente da maior agência de publicidade da época, disse-me: “Agora você vai ficar rico ajudando a agência ser ainda maior. Quem tem dinheiro em São Paulo está lá e você foi o principal artífice da vitória”. Depois das habituais comemorações, assumi a chefia da assessoria da presidência, englobando o sistema de comunicação da Fiesp. Logo nos primeiros meses vi que a coisa não era bem assim. Os grandes empresários pouco frequentavam a federação, que era dominada por sindicatos fantasmas. Uma só sala abrigava mais de uma dúzia sem nenhuma expressão econômica, só serviam para votar e garantir a manutenção do poder. O Sindicato de Chapéu e Guarda Chuvas tinha o mesmo peso eleitoral do Sindicato de Fabricantes de Veículos. O Sindicato de Móveis de Leme ou Vinhos de São Roque valia tanto como o poderoso da Indústria Eletroeletrônica. Os dirigentes desses sindicatos menores é que frequentavam os corredores do imponente prédio sempre de olho nos amplos recursos do Sesi e Senai, formulando projetos que permitissem repasses de verbas burlando

OPINIÃO a fiscalização do TCU e atrás da bocalivre dos faustosos almoços. A Fiesp isoladamente é uma entidade modesta em termos materiais. Somente a contribuição sindical patronal não permitiria que tivesse um prédio na avenida Paulista. No máximo dava para ter um andar em lugar menos nobre no centro da cidade ou bairro afastado. Os recursos parafiscais do Sesi e Senai, que prestam excelentes serviços aos trabalhadores, sustentam mordomias, jatinhos, sedes faustosas e viagens internacionais. Fui testemunha de uma conversa entre o falecido presidente da Fiesp, Mario Amato, e o então candidato à presidência da República, Lula, que exemplifica bem o que estou dizendo. Preocupado com a possibilidade de Lula, se eleito, cortar os recursos do chamado “Sistema S”, principalmente o Sesi e Senai administrados pela Fiesp, Mario agendou um encontro em que transmitiu ao candidato petista, com quem tinha certa intimidade, sua preocupação. Lula abriu um largo sorriso e, com uma linguagem desabrida, pôs a mão no ombro de Amato e disse mais ou menos essas palavras: “Quem foi que disse uma besteira dessa? Você esqueceu que sou ex-aluno do Senai? Se eleito, o que pretendo fazer é utilizar os recursos do mesmo jeito que vocês, sustentando sedes luxuosas, alugando jatinhos, pagando altos honorários a advogados e economistas para defenderem o interesse dos empresários. Sei fazer conta. A arrecadação sindical que a Fiesp re-

cebe não seria suficiente para ter essa ‘pirâmide’ na Paulista. No máximo um andar no Brás.” Quando foi eleito, 12 anos depois, Lula cumpriu o que disse nomeando Jair Meneguelli, ex-presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), para ser presidente do Conselho Nacional do Sesi. Para tanto ele renunciou ao mandato de deputado federal que havia acabado de conquistar. Foi a primeira vez, desde a sua fundação em 1946, que um representante dos trabalhadores ocupou o cargo. Por lá passou também Gilberto Carvalho, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência no governo Dilma. n

Ney Figueiredo é especialista em marketing político, cientista social e foi consultor de entidades empresariais. Escreveu diversos livros, entre eles Diálogos com o Poder (ed. Cultura)

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VIAGEM

SONHANDO COM O

CARIBE

Poucas vezes na vida o desejo de liberdade foi mais forte do que agora. Enquanto esperamos por dias mais azuis, embarque nessa viagem visual à pequenina ilha de Canouan, parte do arquipélago caribenho de St. Vincent and the Grenadines, e planeje sua próxima escapada TEXTO JULIANA A . SAAD*

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n arã do Mandari Zarpe no catam em um cruise com an Oriental Canou ue e mergulho iq en u q pi a to ei dir

lha paradisíaca é um daqueles chavões que irritam. Muitas nunca são o que alardeiam. Mas, em Canouan, quilômetros de mata verde encontram outros tantos de praias de areia branca lambidas pelo mar do Caribe e o Oceano Atlântico, em uma conjunção de belezas naturais que faz dessa ilha, com menos de 8 km², o novo point dos viajantes que buscam destinos intocados para dias de puro reset. Faz todo sentido que seja o local escolhido para o Mandarin Oriental Canouan. Reaberto desde julho com os protocolos sanitários da OMS e o distanciamento social elevados à máxima potência, o resort é sinônimo de dias de puro isolamento e segurança. A começar, a maioria dos hóspedes aterrissa no jatinho do hotel em um voo panorâmico desde Barbados ou em aviões próprios. Praias branquíssimas e vegetação tropical fazem pano de fundo para


O trekking de duas horas até o topo do Mount Royal recompensa com esse panorama espraiado da paradisíaca ilha de Canouan

Acima, refúgio de barcos dos pescadores. Um dos programas mais gostosos é mergulhar em Tobago Cays e fazer scuba diving nas piscinas formadas pelos extensos recifes de coral no mar do Caribe

FOTOS ARQUIVO PESSOAL; GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

Na volta dos passeios, opções não faltam: relaxar na banheira with a view da sua vila ou ficar pela piscina com vista infinita, que oferece a sensação de liberdade do mar

26 suítes e 13 vilas incrustadas nas colinas que redefinem o luxo praiano com seu décor (das suítes coloniais às vilas contemporâneas), as experiências (cruises, piqueniques al mare, sunsets dinners com chef na sua vila) e detalhes (comandos via iPad). À exclusividade do empreendimento somam-se spa com terapias asiáticas nas palapas debruçadas em passarelas e vista do mar, seis restôs e bares, piscinas, campo de golfe, kids club, esportes aquáticos e toda simpatia caribenha. Lembrete: só entra no país com teste de Covid-19 RT-PCR negativo válido e o viajante precisa ficar 48 horas de quarentena no hotel - nada mal quando isso significa curtir sua espaçosa vila/suíte privativa com vista para o mar. n *A jornalista viajou a convite do Mandarin Oriental Canouan e apoio da American Airlines

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PODER VIAJA POR ADRIANA NAZARIAN

TOTALMENTE ISOLADOS O cenário é uma área isolada na Reserva Nacional Maasai Mara, um dos lugares mais imperdíveis do Quênia. É ali que o safari camp Angama esconde apenas quatro cabanas cheias de estilo, com jipe e serviço à parte do hotel principal. Depois dos safáris exclusivos, que acontecem na hora que você escolher, espere por drinques na fogueira, jantar sob o céu estrelado e outras experiências inesquecíveis para os viajantes em busca de emoção. +ANGAMA.COM

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Vista do Ysuri Sayulita

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Sorte a nossa que o México está aberto e tem uma série de destinos incríveis para quem busca férias com personalidade. Entre eles está Sayulita, um vilarejo de surfe no Pacífico sem o hype excessivo de Tulum, mas cheio de bossa. Pense em lojinhas charmosas, surf shops com clima de lugar esquecido no tempo, galerias escondidas e bares despretensiosos para uma Interior da margarita no pós-praia. Para se hospedar, entre Casa dos Chicos no clima hippie-chic de pequenos hotéis como o Ysuri Sayulita ou alugue sua própria vila privativa como a Casa dos Chicos. + HOTELYSURISAYULITA.COM + CASADOSCHICOS.COM

FOTOS DIVULGAÇÃO

HASTA LA VISTA


FORA DA ROTA

Se Istambul segue no seu imaginário, mas você prefere dormir longe dos lugares mais concorridos, boa notícia. O grupo Six Senses lançou recentemente um hotel em uma parte mais isolada da capital turca, mas ainda assim especial. O Kocatas Mansions ocupa uma mansão histórica, da era otomana, com vista para o Bósforo. Além de atrações imperdíveis como piscinas, o renomado spa da marca – a abertura é no próximo ano – e restaurantes, o local tem como diferencial uma lista de experiências nada óbvias. O passeio de barco a uma desconhecida vila de pescadores cercada por castelos, as corridas e pedaladas pela Floresta de Belgrado e o workshop de bebidas turcas estão entre os destaques. +SIXSENSES.COM

TEMPERO

Na próxima parada no Marrocos – entre os países abertos aos brasileiros, eis uma ótima opção –, vale anotar a dica. O Pepe Nero é um restaurante italiano com parada obrigatória na medina de Marrakesh. Não apenas porque as pastas frescas e outras delícias que saem da cozinha são memoráveis, mas também porque o local, por si só, oferece uma experiência e tanto. Fica dentro de um riad, que no passado funcionou como o palácio de um conhecido líder político. Reserve uma mesa no jardim ao redor da piscina. +PEPENERO-MARRAKECH.COM

ENTRE AMIGOS

A Casa Caiçara, no Ceará, uma das pousadas mais gostosas e despretensiosas do Preá – o vilarejo favorito dos velejadores, pertinho de Jericoacoara – está funcionando em um novo esquema para os próximos meses. Seus seis bangalôs pé na areia devem ser alugados por uma mesma turma, ou seja: você ganha uma espécie de casa com serviço de hotel e muita privacidade. Para juntar a família ou os amigos e aproveitar sua deliciosa piscina à beira-mar e cozinha repleta de boas surpresas sem nenhuma pressa. +CASACAICARA.COM

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SOB MEDIDA POR FERNANDA GRILO COMO SOBREVIVER A UMA PANDEMIA?

É preciso se rever e pensar no micro para depois pensar no macro. É necessária uma “refundação” individual e coletiva. SONHO DE INFÂNCIA: Ser astronauta. MANIA: Várias. Desentorto as coisas, arrumo até as travas de mesas do avião para ficarem no meio. GADGET PREFERIDO: iPhone, somos quase “smartphone sapiens” atualmente. FRASE PREFERIDA:

“É melhor ser um guerreiro no jardim do que um jardineiro na guerra” (autor desconhecido). MOMENTO DE MAU HUMOR:

Quando combino algo com alguém, a pessoa não faz e ainda diz que não foi “bem assim” que entendeu. LUGAR PREFERIDO NO MUNDO:

Minha casa. É clichê, piegas, mas é isso mesmo. VÍCIO: Dormir agarrado com meus filhos na mesma cama. Sem eles falta uma parte de mim (José Junior tem seis filhos). UM MEDO:

Que aconteça alguma coisa com meus filhos ou que eu possa gerar algum tipo de sofrimento para eles e para mim. QUALIDADE E DEFEITO: Sou focado e me irrito à toa. PEÇA DE ROUPA: Minhas camisas e blusas. Os brasileiros, que mesmo diante das suas intolerâncias, preconceitos e egoísmos, ainda são seres humanos que quando você consegue tocar no coração são diferenciados. O QUE FARIA SE FICASSE INVISÍVEL POR UM MINUTO:

Iria fuxicar para saber o que meus filhos falam de mim. MAIOR DESAFIO DA CARREIRA?

Criação do AfroReggae, que começou com jornal sobre cultura afro, depois virou ONG para tirar crianças do narcotráfico, reuniu vítimas de violência policial com polícias... O maior desafio da minha vida acontece todo o momento. SER BEM-SUCEDIDO É:

Ter orgulho de tudo o que fez e de tudo o que deixou de fazer e que não te faria bem. Tenho pensado muito nisso. O SENTIMENTO DE TIRAR AS PESSOAS DO CRIME:

JOSÉ JUNIOR Ele ficou conhecido pelo empreendedorismo social à frente da ONG AfroReggae. Atualmente, comemora o trabalho como autor, produtor, diretor e roteirista de séries bem-sucedidas, como Arcanjo Renegado, disponível no Globoplay e prevista para ir ao ar na Globo no primeiro trimestre de 2021

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É o que me move ao longo de 30 anos. RETRATAR MINORIAS É?

No Brasil elas são maiorias: negros, pessoas que moram nos lugares populares. Ajudar e transformar quem precisa é muito mais transformador para quem não entende o problema, oprime, é preconceituoso ou se acha superior. Transformar o próximo é transformar a si mesmo.

FOTOS STEFANO MARTINI/DIVULGAÇÃO; GETTY IMAGES; FREEPIK; AMANDA OLIVEIRA/GOVBA; DIVULGAÇÃO

MELHOR DO BRASIL:


ARTISTA QUE MAIS GOSTA:

Michael Jackson.

UM LIVRO:

Olodum: de bloco afro a holding cultural, de Marcelo Dantas.

NÃO PODE FALTAR NO CAFÉ DA MANHÃ: Café

é fundamental.

PRIMEIRA COISA QUE FAZ QUANDO CHEGA AO TRABALHO: Agora estou

PECADO GASTRONÔMICO:

em casa, mas acordo e já olho o telefone para responder mensagens.

Chocolate, doce.

QUEM GOSTARIA DE SER:

Arcanjo Miguel.

DESEJO PARA O FUTURO: Pensar no

MELHOR HORA DO DIA:

planeta de forma macro, respeitando a individualidade de cada cultura, a diversidade. Que não se admita que qualquer ser desse planeta, humano ou animal, sofra com algum tipo de necessidade.

Das 9h às 10h da manhã. Costumo acordar entre 3h30 e 4h, tomo café, faço exercícios e trabalho um pouco. Então, esse período de uma hora é minha pausa para fazer algo que me dá prazer.

MÚSICA QUE MARCOU SUA VIDA: “Faraó

Divindade do Egito”, com Olodum.

UMA REALIZAÇÃO RECENTE:

Deixar de ser empreendedor social bem-sucedido para começar do zero e me tornar produtor de audiovisual. Como se o camisa 10 do time não estivesse nem no banco de reservas.

COM O QUE SE PREOCUPA:

Violência. Trabalho com esse tema e me preocupa como as pessoas podem ter a sua vida dilacerada.

MELHOR FILME:

A saga do Rocky Balboa.

QUEM TE INSPIRA:

A filósofa Sueli Carneiro, Ayrton Senna, Mandela, Betinho, Steve Jobs, e João Jorge Rodrigues, fundador do Olodum. PODER JOYCE PASCOWITCH 73


HIGH-TECH POR FERNANDA BOTTONI

SAI, CALOR

Confira nossa seleção de gadgets para quem quer se refrescar do pescoço aos pés, literalmente, neste verão

AR PORTÁTIL

Ter um ar-condicionado particular pendurado no pescoço – literalmente –, onde quer que você vá, pode ser a solução para sobreviver nestes dias tórridos. É exatamente isso que promete a Polar Seal com o seu Gemm. Pequeno e potente, o wearable é capaz de refrescar a temperatura até 10 graus. E se o problema for o frio, ele resolve também, gerando aquecimento de até 42 graus. Perfeito, não? R$ 1.350 POLARSEAL.ME

GELO EXPRESS

A ideia do Juno Chiller, da Matrix Industries, é gelar bebidas rapidamente, como se fosse um micro-ondas ao contrário. Segundo a fabricante, o Juno é capaz de resfriar uma lata de cerveja de 350 ml (de 22 para 3 graus) em apenas dois minutos. Para resfriar uma garrafa de vinho, são cinco minutos. O aparelho é prático, estiloso e tem luzes de LED que mudam de cor para indicar quando a bebida está no ponto. R$ 1.700 MATRIXINDUSTRIES.COM

COSTAS FRIAS

O Reon Pocket foi apresentado pela Sony na última edição da CES, a Consumer Electronics Show, a maior feira de produtos tech do planeta. O wearable é nada menos que um aparelho de arcondicionado e aquecedor portátil. Realmente portátil. Menor que um smartphone, pesa 80 gramas e pode ser encaixado no bolso da camisa ou nas costas. A ideia é garantir que seu dia tenha a temperatura ideal, controlada por meio de aplicativo pelo smartphone. O pequeno gadget utiliza sistema de refrigeração e aquecimento com efeito Peltier, comumente empregado em automóveis e adegas climatizadas R$ 950 SONY.COM

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AMBIENTE REFRIGERADO

Com este aparelhinho sua casa estará livre do calor exagerado. Inteligente, o Airpatrol WiFi V3 se conecta à rede doméstica e permite controlar o sistema de refrigeração pelo celular, de onde estiver. Com ele você pode, por exemplo, chegar à casa de praia depois da viagem já sabendo que o ambiente estará fresquinho, na temperatura que escolher. Para completar, o wearable ajuda a poupar até 25% dos gastos de energia. R$ 1.350 AIRPATROL.COM

SONO FRESCO

Se você divide a cama com alguém que não sente tanto calor (ou frio), o BedJet é a solução perfeita. Com sistemas eficientes de aquecimento e arrefecimento ultrarrápidos, o aparelho promete deixar a cama do jeito que cada um gosta para aproveitar o sono dos justos. Metade de um jeito, metade de outro. Além disso, permite programar configurações de arrefecimento/aquecimento automatizadas e personalizadas para cada hora da noite.

* PREÇOS PESQUISADOS EM OUTUBRO, SUJEITOS A ALTERAÇÕES .

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R$ 5.200 BEDJET.COM

CLIMA PARTICULAR

ONDA GELADA

O Wave Bracelet é uma pulseira estilosa e toda tech capaz de resfriar (ou esquentar, no inverno) a temperatura corporal do usuário em mais de 3 graus de forma rápida e eficiente. O segredo é que ela modifica a temperatura do pulso, uma área bastante sensível, por meio de termorreceptores desenvolvidos com tecnologia da Nasa. Aperte o botão azul e após três minutos sinta aquela onda de frescor semelhante ao tomar uma bebida gelada. O gadget se conecta ao smartphone por aplicativo para melhorar a experiência do usuário e funciona em dois modos: um para resfriamento rápido do corpo e outro para uso prolongado. R$ 1.700 EMBRLABS.COM

Crie o seu próprio microclima. O Evapolar é um arcondicionado pessoal que pode ser controlado pelo painel touch screen ou por aplicativo no celular. Ele tem reservatório de 1,2 litro e é capaz de resfriar a temperatura do ambiente de 4 a 10 graus. Além disso, o aparelho é ecologicamente correto, biodegradável e livre de componentes tóxicos. Disponível em preto e branco, funciona também como umidificador. R$ 2.500 PROAIRBRASIL.COM.BR

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CULTURA INC.

CASA

NOVA

Com acervo de nomes celebrados, o Instituto de Arte Contemporânea abre exposição na nova sede, no coração de São Paulo

O

mais célebre corredor cultural de São Paulo agora tem novo ocupante. O Instituto de Arte Contemporânea (IAC), fundado e presidido pela marchand Raquel Arnaud, finalmente abre sua nova casa. Apesar de inaugurado em março, o espaço na avenida Doutor Arnaldo, na sequência da avenida Paulista, foi logo fechado em razão da pandemia. Com a reabertura gradual da cidade,

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o prédio de quatro andares e 900 m² recebe agora a exposição Luzes da Memória, com trabalhos de Antonio Dias, Carmela Gross, Ivan Serpa, Jorge Wilheim e Rubem Ludolf. A curadoria é de Marilúcia Bottallo e Ricardo Resende. Fundado em 1997, o IAC começou com a documentação do acervo de Sergio Camargo e Willys de Castro, então sob tutela de Raquel. A partir da iniciativa de conservar e difundir o legado desses dois artistas, veio a ideia de ampliar o trabalho e cuidar de outros nomes cujos Raquel Arnaud documentos também estavam em risco. “Isso se transformou na essência do projeto, único e inédito no Brasil”, diz Raquel. É a primeira sede própria do IAC em 23 anos de existência. Antes, a galeria ocupou espaços cedidos pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Ago-

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POR LUÍS COSTA


PODER É BACH NO RIO Um dos mais celebrados violoncelistas do mundo, Yo-Yo Ma apresenta o Projeto Bach: Integral das Suítes para Violoncelo no Theatro Municipal do Rio, no dia 2 de dezembro. O compositor barroco alemão tem sido objeto constante dos estudos de Ma há anos – a primeira suíte ele aprendeu a tocar na infância, com apenas 4 anos, ensinado pelo pai.

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EM BUSCA DA ÁGUA Foram quase dois anos seguindo famílias na Índia, no Chile, Brasil e outros países. O fotógrafo Érico Hiller lança agora Água (ed. Vento Leste), livro com 170 imagens, muitas delas impressionantes, que retratam a busca de adultos e crianças pelo mais básico e precioso líquido, às vezes escasso, tantas vezes desperdiçado.

ra sem precisar recorrer a parcerias com órgãos públicos, a sede aumentou sua área e a segurança para abrigar mais acervos. “Já possuíamos 50 mil itens digitalizados que estão sendo acrescidos com a chegada dos novos acervos e outros que virão”, conta Raquel. Depois de Sergio Camargo e Willys de Castro, o IAC passou a abrigar a documentação de Amilcar de Castro, Sérvulo Esmeraldo, Lothar Charoux, Luiz Sacilotto, Hermelindo Fiaminghi e Iole de Freitas. No último ano, recebeu os acervos de Carmela Gross, Antonio Dias, Ivan Serpa, Jorge Wilheim e Rubem Ludolf, que integram a exposição de abertura da nova sede. A entrada é gratuita e a mostra fica em cartaz até 14 de junho de 2021. n

ROTEIRO FAMILIAR Um Brasil odiento, de misérias e milícias está no novo romance de Michel Laub. Solução de Dois Estados (Companhia das Letras, R$ 49,90) traz o conflito inconciliável, mediado por uma roteirista de documentário, de dois irmãos ideologicamente distantes no Brasil contemporâneo. CINEMA ALEMÃO Eleito melhor filme pelo júri da 43ª Mostra de São Paulo, o alemão Transtorno Explosivo, da diretora Nora Fingscheidt, chegou aos cinemas este mês. O filme acompanha a história de Benni, uma menina de 9 anos de idade que vive migrando de lar adotivo em lar adotivo. O longa representou a Alemanha na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro em 2019. PODER JOYCE PASCOWITCH 77


DOCUMENTÁRIO

TODOS OS LADOS DA MOEDA Filme da HBO conta a história da economia brasileira, entre euforias e tombos, a partir da trajetória das 12 moedas que circularam no país desde 1822

MASP DE BOLSO, ADRIANO PEDROSA (MASP)

Sintético, este guia é uma boa porta de entrada para conhecer ou revisitar, na segurança da quarentena, o acervo do Museu de Arte de São Paulo, por meio de 57 obras escolhidas pelo curador da casa, acompanhadas de textos sobre os artistas e as obras. A VIDA NÃO É ÚTIL, AILTON KRENAK (CIA DAS LETRAS)

Na sequência de Ideias para Adiar o Fim do Mundo (2019), o filósofo indígena faz reflexões singelas e transformadoras sobre nosso destino no planeta, já sob o impacto da Covid-19 e da catástrofe ambiental que estamos produzindo. Um livro para abrir cabeças.

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As escolhas literárias do mês pelo editor Paulo Werneck A REPÚBLICA DAS MILÍCIAS – DOS ESQUADRÕES DA MORTE À ERA BOLSONARO, BRUNO PAES MANSO (TODAVIA)

Depois de um livro sobre a história do PCC, o experiente repórter narra como se deu a perigosa combinação entre criminalidade policial e política no Brasil, dos Esquadrões da Morte dos anos 1960 à recente ascensão à cúpula do poder federal.

em 12 Moedas; “Partimos da premissa de que as pessoas compreendem economia, mas não falem ‘economês’”, diz o diretor, Renato Rossi. Segundo João Varella, o Brasil patina para construir uma visão estratégica de longo prazo. Mesmo após duas décadas e meia de controle da hiperinflação trazido pelo Plano Real, a segurança é precária. “Por mais que a nova geração esteja acostumada com inflação anual de um dígito, creio que há uma crescente conscientização em termos de macropolítica e macroeconomia. Isso mantém as lideranças em xeque, impede loucuras com o nosso bolso”, conta. Entre acertos e deslizes econômicos, Varella sustenta a confiança. “Cada um é livre para fazer a própria leitura do filme, mas eu saí dele otimista.”

SAMUEL WAINER – O HOMEM QUE ESTAVA LÁ, KARLA MONTEIRO (CIA DAS LETRAS)

A biografia brasileira mais importante do ano exala poder em cada linha de cada página. O poder concentrado na pessoa do jornalista Samuel Wainer era múltiplo: de comunicação, de sedução, de superação – e de saber frequentar os círculos do poder econômico e político. Ler esta obra de Karla Monteiro devia ser obrigatório, tal como tomar vacina.

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FOTOS DIVULGAÇÃO; RAFAEL RONCATO/DIVULGAÇÃO

Em 1822, circulou a primeira moeda severos”, diz o repórter, que entrevista do Brasil independente – a Peça da personalidades como o ex-presidente Coroação, hoje item mais valioso do Fernando Henrique Cardoso e os colecionismo brasileiro. De lá pra ex-ministros Delfim Netto, Gustavo cá, 12 outras se sucederam, produtos Franco e Guido Mantega, além de de alguns bem-sucedidos e outros cidadãos comuns, que sentiram no bolso as decisões dos gabinetes. desastrosos planos econômicos. Para Varella, o país ainda O documentário 12 Moedas, vive num pêndulo eterno lançado este mês pela entre intervenção estatal HBO Mundi em e liberalismo econômico. coprodução com a O2 “O Brasil parece ter Filmes, percorre os excesso de soluções. É dois séculos em que o como se o motorista tivesse Brasil tentou se equilibrar João Varella um pé no acelerador e outro entre a promessa de ser no freio, enquanto os passageiros uma potência econômica e a brigam pelo lado que se deve dobrar e realidade de país cambaleante. Quem guia o espectador é o jornalista adolescentes brincam nos botões do João Varella. “O documentário mostra painel”, diz o jornalista. Tema normalmente árido, a a resiliência do brasileiro diante de desafios políticos e econômicos economia é explicada de maneira leve


OPINIÃO

UM EMPURRÃO PARA

O NOVO POR RENATO OCHMAN ILUSTRAÇÃO MARINA LEME

H

á muitas coisas que nos marcam pela vida toda e nos acompanham, agregando sentidos ou permanecendo fiéis ao instante por anos ou décadas. Dessas, a música é a mais forte, desafiando inclusive cérebros deteriorados por Alzheimer. Pessoas que esquecem o próprio nome lembram com facilidade de acordes que penetraram no seu lobo frontal e não se deixam destruir facilmente. Esses tempos pandêmicos têm nos deixados mais reflexivos. Eu nunca li um livro do americano Edgar W. Howe, sequer o conhecia, mas ele disse algo que concordo e classifiquei como uma pérola escondida: “Quando se tem música boa, fica-se com saudade de algo que nunca se teve e nunca se terá”. A música tem esse poder, é uma espécie de decifrador dos nossos desejos, desde os primeiros que acessamos na juventude, que nos tira da racionalidade excessiva. Quem já não se pegou distraído cantarolando uma música de fundo? Às vezes, até gesticulando, sentindo-se num palco. E a viagem de lembranças que isso causa? Uma espécie de caleidoscópio de sensações, memórias, sonhos, sentimentos.

Já fui um jovem contestador, creio que nem me despedi completamente da juventude, porque ainda insisto em brigar pelo que acredito, mas uma música que marcou a minha geração voltou com tudo no meu consciente fechado em casa, com minha família. Eu que já quis ir tão distante do lar, construir um mundo diferente, me peguei tentando imitar Elis Regina quase gritando “minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”, ou então “você pode até dizer que eu tô por fora, ou então que tô inventando, mas é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Tem sido tempos de insegurança, de

da música brasileira, uma canção que é também cantada por jovens como uma espécie de preparação para esse decorrente mudar de lado, um ensaio para aceitar e entender o passar do tempo, fazer as pazes com as origens e usá-las como base, como um agregador. O inimigo era outro, confio que já evoluímos e iremos vencer esse de agora, mas ainda há muito a evoluir, nossos pais poderiam ter vivido melhor se esse país já fosse mais justo. Que o conflito de gerações, que a leitura otimista da música permite ver como suplantado, sirva de estímulo para que consigamos, respeitando as diferenças, criar um novo espaço de diálogo, garantindo no mínimo o básico a muitos. Que cada brasileiro

questionamento, de dor, perdemos pessoas queridas, alguns sequer puderam se despedir. É comum ler que os adolescentes estão sofrendo, tento apoiar os que tenho em casa, tento resgatar o jovem contestador que fui e colocar para todos esse contraditório da vida, tão bem captado por Belchior. “Como Nossos Pais” virou um clássico

que superou esses tempos de Covid-19 tenha condições de encontrar nesse “novo que sempre vem”, uma vida digna, histórias com significado e a possibilidade de olhar com orgulho pela parede da memória. n Renato Ochman é advogado, mestre em Direito Societário e autor do livro Vivendo a Negociação

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O velho Fusca, a “chacarita”, a cuia de chimarrão, os hábitos austeros que a Presidência em nada mudou. Já houve um tempo em que chefes de estado não apenas se abstinham de toda a pompa e circunstância do cargo, eles também não se locupletavam dele. Ou talvez não, não houve esse tempo: José “Pepe” Mujica foi apenas a exceção que confirma a infausta regra. Depois que deixou a Presidência do Uruguai, em 2015, seguiu na vida política, elegendo-se duas vezes senador. A pandemia de Covid-19, que o paisito administrou bastante bem, com pouquíssimas baixas, teve o condão, contudo, de abreviar seu último mandato, que só se encerraria em 2025. Mujica revelou ter uma enfermidade imunológica que o impede inclusive de se vacinar contra o coronavírus, quando vacina houver. “Há um tempo para chegar e um tempo para ir-se na vida”, disse, justificando a renúncia no Senado. Aos 85 anos, Mujica, o homem que passou 15 anos encarcerado por conta de sua atuação na luta armada contra a ditadura e fez seu reentré glorioso como presidente do Uruguai em 2010, sai de cena.

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