Revista Poder | Edição 108

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AGOSTO 2017 N.108

DELIVERY Há dez anos no comando da gigante de logística UPS no Brasil, NADIR MORENO passou por quase todas as áreas da empresa e ganhou a confiança dos norteamericanos por conhecer o negócio como ninguém: ela promete e entrega

TATAME Não bastasse o caos político, microdisputas regionais estouram pelo país SANGUE BOM As médicas que estão brilhando na cardiologia brasileira DURA LEX Lobby é bom, mas tem que ter regra

E MAIS A sala de trabalho de RODRIGO TEIXEIRA, produtor carioca que trabalha com Martin Scorsese; Mônaco tipo sonho; gadgets e aplicativos para dormir com os anjos; bordados no capricho; e carros verdes da hora

PARTITURA O maestro JOÃO CARLOS MARTINS

fala sobre boemia, política e Opus Dei

SEM PARAR

Com SELTON MELLO é tudo ao mesmo tempo agora


poder

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A robótica vai mudar a sua empresa. Você sabe como?

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F

ácil é ser coqueiro quando todos querem coqueiro e Leblon quando todos desejam Leblon. Difícil, como diz Caetano Veloso em O Quereres, é ser coqueiro quando se quer revólver, e Pernambuco na hora do Leblon. Olhar para onde não se olha, enxergar longe, é uma qualidade rara, apreciada em qualquer setor – apreciada e muitas vezes temida. Pois a paranaense Nadir Moreno, nossa capa desta edição, não teve medo de olhar para onde achou que deveria olhar. Quando adolescente, buscou nos estudos a saída para driblar os perrengues da vida pessoal e, ao chegar à gigante mundial de logística UPS, não se incomodou em passar por todos os departamentos possíveis. Primeira mulher a presidir a operação brasileira da UPS, ela agora avalia os novos degraus que tem à frente, não sem antes ter de lidar com os olhares curiosos e nem sempre amigáveis de homens que ainda não sabem o lugar que toda mulher merece ocupar. As cardiologistas Ludhmila Hajjar e Luciana da Fonseca sabem bem o que é enfrentar isso. Ludhmila levou uma bronca do chefe no InCor, o Instituto do Coração de São Paulo, por sua postura excessivamente contestadora – postura que a fez descobrir que é possível utilizar bem menos sangue durante operações de coração, hoje protocolo consagrado aqui e lá fora. Quando disse que gostaria de ser cirurgiã cardíaca, Luciana também não ouviu nenhuma palavra de encorajamento de seus colegas homens. Ela seguiu em frente e pouco tempo depois se tornou a primeira mulher a comandar um transplante de coração no país. O pianista e maestro João Carlos Martins também precisou ousar em um campo em que os brasileiros são pouco lembrados, o da música clássica. Nem os problemas de suas mãos o impediram de gravar a obra completa para teclado de Bach. Em um Almoço de PODER, falou ao repórter Fábio Dutra de música e também de política, dando uma justificativa sincera e inesperada a seus velhos rolos com Paulo Maluf. E já que é para olhar para a frente, que a gente comece a andar mais a pé, de bike ou a escolher carros que não aceitam combustíveis poluentes. Olhar para o horizonte é tudo, aliás. Por isso, fomos conhecer Shangri-lá, onde a China é mais Tibete, lugar que nos ensina a olhar Leblon e ver Pernambuco. E vice-versa.

G L A M U R AM A . C O M



COLUNA DA JOYCE Os bastidores da política e dos negócios. As novidades e tendências que estão por trás da notícia

FRASQUEIRA

O projeto de LUCIANO HUCK presidente parece estar ganhando a simpatia dos mandachuvas da Rede Globo. Quem assiste ao Estrelas Solidárias, programa que a emissora leva ao ar no início das tardes de sábado, não tem dúvidas de que ANGÉLICA começa a ser preparada para ser primeiradama. Ainda um pouco desconfortável, a apresentadora ancora reportagens sobre projetos sociais Brasil afora, algo um pouco inusitado para a programação do dia e do horário.

DÉBUT

Já circula entre os mineiros, por WhatsApp, a candidatura de SALIM MATTAR, fundador da rede de locadoras de veículos Localiza, ao governo do estado. Filiado ao Partido Novo, o empresário aparece à la O Aprendiz ao lado da palavra de ordem “SIM” e da hashtag #salimgovernador na imagem que está sendo compartilhada por seus correligionários.

PRESSÃO ZERO

Todo viajante experiente traz consigo balas ou chicletes para aliviar o incômodo nos ouvidos por conta da alteração brusca de altitude dos voos. Atenta a isso, a Air France lançou sua própria goma de mascar para aliviar a pressão dos passageiros. E com um toque francês: crème brûlée e macarons são os sabores disponíveis. Quem passar pelo lounge da companhia no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, ou voar de lá para São Francisco, Los Angeles ou Cidade do México já pode experimentar a novidade. E quem não aguentar a curiosidade pelos sabores inusitados, pode encomendar um punhado na loja on-line.+airfrance.com

8 PODER JOYCE PASCOWITCH

FOTOS VERA DONATO / DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO; ISTOCKPHOTO.COM; DIVULGAÇÃO

LOUCURA, LOUCURA, LOUCURA

Quem pretende ir a Nova York a partir do ano que vem terá mais opções na hora de escolher a companhia aérea: Azul e Avianca começam a voar para lá em 2018. Os funcionários de voos internacionais da Azul já foram até avisados.


AZARÃO

O infectologista DAVID UIP tem dito aos quatro ventos: não pretende ser candidato ao governo de São Paulo. Apesar da alegada insistência de GERALDO ALCKMIN, seu chefe, que lhe promete uma eleição segura, o secretário de Saúde diz que não tem interesse em entrar de cabeça na política. Menos um concorrente para João Doria, que, apesar de negar que deixaria a prefeitura e de também ser apontado como candidato ao Planalto em 2018, é sempre lembrado como o sucessor natural de Alckmin ao Palácio dos Bandeirantes no ano que vem.

FOTOS PAULO FREITAS; REPRODUÇÃO; ISTOCKPHOTO.COM; DANIEL ARATANGY

SILÊNCIO

A advogada JANAINA PASCHOAL, professora de Direito Penal da USP e autora do pedido de impeachment que tirou Dilma Rousseff da Presidência da República, tem novo objetivo: a intervenção americana na Venezuela. Via Twitter, em inglês, ela tem clamado Donald Trump a agir no país vizinho para retirar Nicolás Maduro sob pena de ser responsabilizado por omissão. Apesar de intimado pela advogada, que termina seus tuítes com “aguardo resposta em breve”, @realDonaldTrump ainda não se manifestou.

DIA DO FICO

Sondado para comandar a famosa Clínica São Vicente, no Rio, o cardiologista ROBERTO KALIL FILHO não pretende assumir esse desafio. Continua em São Paulo, no Hospital Sírio-Libanês.

FEITIÇOS E FEITICEIROS

Negociadores tarimbados, Eduardo Cunha e Lúcio Funaro começaram a “vazar” informações de seu tesouro de segredos já no ano passado para vender bem sua barganha com o Ministério Público Federal. Plantavam uma nota aqui, outra ali. Só não contavam com a astúcia de Joesley e Wesley Batista. Os irmãos pegaram no ar a jogada e viram que teriam de escolher entre ser vidraça ou estilingue – preferiram a segunda opção.


“Ao procurar pessoas para contratar, deve-se buscar três qualidades: integridade, inteligência e energia. E se elas não tiverem a primeira, as outras duas matarão você” WARREN BUFFETT

3 PERGUNTAS PARA... PETER VON LOESECKE, CEO da The MBA Tour, entidade privada que organiza cerca de 60 eventos em mais de 30 países pelo mundo por ano, promovendo diversas instituições que têm esses cursos de pós-graduação. No Brasil, o “tour” passa pelo Rio e por São Paulo

Que qualificação o estudante deve ter para ser aceito nos cursos de pós-graduação das melhores universidades do mundo? Além de inglês fluente, as escolas mais concorridas procuram candidatos

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com qualificação acadêmica forte, importante para a competitividade das turmas. Alguns programas de MBA requerem demonstração de habilidades quantitativas. É desejável ter também um bom histórico de trabalho com referências pessoais sólidas. O mais importante é que as referências realmente conheçam o candidato – isso importa mais do que a senioridade ou nível de autoridade do contato. Que áreas os brasileiros mais procuram quando buscam fazer pósgraduação fora do país e qual é o perfil do estudante brasileiro que prefere, por outro lado, fazer o curso dentro do Brasil? Quando pensam em pós-graduação fora, as áreas que mais despertam interesse são administração, marketing... Muitos estão buscando aprimorar suas habilidades de gestão e de liderança a fim de se preparar para comandar grandes empresas. Os estudos sobre empreendedorismo também são populares entre os brasileiros, pois muitos recém-formados pretendem gerir o próprio negócio.

Cursos que estimulam o pensamento inovador e tecnológico também estão em alta, já que ideias de negócios disruptivos precisam da tecnologia para ser executadas. Quanto aos brasileiros que preferem ficar no país, eles estão mais interessados em cursos de meio período, para conciliar os estudos com o trabalho. Alguns também têm carreiras, empregos ou empregadores que não permitem um hiato de um ou dois anos fora do país.

FOTOS DIVULGAÇÃO; BENNETT RAGLIN / GETTY IMAGES

Como são selecionadas as universidades que participam do evento? Há algum sistema de classificação? Como funciona o programa de bolsas de estudo para fazer MBA fora do país? Dentre nossos parceiros temos escolas muito fortes do Canadá, dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Espanha, da Alemanha e da Dinamarca. A maioria está bem ranqueada em suas regiões e algumas estão muito bem posicionadas em rankings globais. O processo de seleção para bolsas geralmente é separado do processo de aplicação para o curso. Algumas bolsas e financiamentos são totalmente independentes do processo de admissão. Minha recomendação é que os interessados busquem mais informações nas próprias escolas.


EM AGOSTO, A MULHER E O HOMEM DE PODER VÃO...

• Assistir à série de minidocumentários para o YouTube feito pelo MoMA sobre o trabalho de ROBERT RAUSCHENBERG, um dos mais provocantes representantes da pop art

• Comprar um HOODIE (moletom de zíper com capuz) e desfilar por aí sem medo de ser feliz • Deixar o preconceito de lado e fazer um curso de bordado livre no espaço Superbacana+, em São Paulo

• Tomar taças e taças de DOMAINES OTT, o mais

• Aproveitar para ler DIAS

FOTOS DIVULGAÇÃO

famoso rosé do mundo • Conhecer a nova galeria de LUCIANA BRITO em Nova York, projeto temporário de um ano em parceria com a novaiorquina Espasso, que abre com uma exposição sobre o

BÁRBAROS, UMA VIDA NO SURFE,

famoso grupo brasileiro Ruptura, dos anos 1950, que tinha Geraldo de Barros, Waldemar Cordeiro, Lothar Charoux e Luiz Sacilotto como alguns de seus expoentes • Resgatar todas as músicas de Astor Piazzolla no Spotify

de William Finnegan, jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer de 2016, que acaba de sair pela Intrínseca

com reportagem de fábio dutra PODER JOYCE PASCOWITCH 11


VIA AÉREA

PRONTA ENTREGA Há dez anos à frente da operação brasileira da gigante de logística UPS, empresa que tem mais de 200 aviões em sua frota, Nadir Moreno já fez de tudo: atendeu cliente, liberou mercadoria na alfândega, chefiou o RH e também o departamento jurídico de diversas sucursais latinoamericanas. Dar passos ainda mais largos agora depende dela – e de que alguém a convença que Miami é bacana por paulo vieira fotos roberto setton




E

xecutivos de simpatia calculada, que usam criteriosamente os sorrisos e os adjetivos: Nadir Moreno não tem muito a ver com vocês. Já há dez anos presidente da sucursal brasileira da gigante de logística mundial UPS, que só em sua frota aérea tem mais de 200 aviões de grande porte, a paranaense de Umuarama, quinta de oito filhos de um casal de agricultores com pouca instrução formal, conversa com o repórter que acabou de conhecer como se fofocasse com um velho amigo. É muito provável que seja assim com qualquer interlocutor, mas essa espontaneidade nada seletiva não deve fazer dela uma chefe menos criteriosa ou alguém que está a ponto de entregar todos os segredos para a concorrência. Norte-americanos, afinal, podem até rasgar dinheiro (não, não rasgam), mas não permitem que uma executiva lidere por uma década a operação de uma subsidiária relevante de uma empresa centenária, presente em 220 países, se ela não desempenhar. E não é de hoje que Nadir “performa”: ela vem sendo exigida desde a pré-adolescência. Em sua casa só as meninas ajudavam a mãe no serviço doméstico, mas o fato de ter três irmãs não aliviou muito as coisas: duas já não viviam em casa e a caçula estava na idade de dar trabalho. A vida também não era fácil na escola pública, que ao menos servia como um exílio das horas do lar. O tempo de ensino médio (então chamado colegial) demandou outros talentos – é que o Colégio Adventista, no Capão Redondo, ficava a 50 quilômetros e dois ônibus de distância de sua casa, em São Mateus, no extremo leste de São Paulo. Quem sabe estava aí a gênese de uma carreira de destaque numa empresa de logística. Como tanta gente que precisa trabalhar desde cedo, Nadir passou por muitos lugares, de escola a restaurante vegetariano. Chegou a sonhar com uma carreira no esporte profissional, mas teve seu idílio no vôlei abortado quando lhe comunicaram que era muito baixa mesmo para jogar como levantadora. O último de seus empregos foi exatamente na UPS, para onde foi por indicação de uma amiga que fez numa revenda de automóveis. Em 1992, trabalhar em “multinacional”, mesmo no mais

“Meu chefe

achava que todos deviam ser advogados” comezinho atendimento ao cliente, era um diferencial – e isso foi sublinhado pela colega. “Eu não sabia o que era a UPS e jamais tinha ouvido a palavra ‘courier’”, lembra Nadir. A gincana logística pessoal continuou na empresa, que, em 1992, tinha apenas três anos de Brasil (para seus 85 de fundação nos Estados Unidos. UPS, aliás, é sigla de United Parcel Service) e ocupava uma casa adaptada numa rua de bairro com “banheira no banheiro”, como recorda Nadir. Após concluir sua primeira faculdade, de letras, iniciou-se em Direito, por sugestão do chefe norte-americano, que achava que “todos tinham de ser advogados”. Cursos de inglês e de espanhol eram feitos em horários improváveis. Nadir passou por todos os departamentos da PODER JOYCE PASCOWITCH 15


UPS, do brokerage, em que cuidava do desembaraço aduaneiro do que vinha para o Brasil, RH e jurídico. E foi como diretora agregada desses dois departamentos, RH e jurídico, não só do Brasil, mas de todas as subsidiárias latino-americanas da UPS (exceto México, uma operação mais antiga e desenvolvida), que ela se cacifou para a presidência brasileira. Precisou antes passar por um processo seletivo interno, que diz ter aceitado participar não exatamente para galgar a presidência, mas “para tirar aprendizados que poderiam ser bastante úteis depois”.

SEM BANDEIRAS Como era de se esperar de uma executiva há tanto tempo na presidência, Nadir tornou-se uma liderança natural em questões de gênero, ajudando a UPS a cuidar de um programa internacional de igualdade de oportunidades e empoderamento feminino, o Women's Leadership & Development. Apesar de deixar claro em seu currículo no LinkedIn que é a primeira presidente mulher da UPS no Brasil, ela não trata a questão como bandeira. Um terço dos 1.200 funcionários da empresa no Brasil é de mulheres, um patamar

“Prefiro não criar cotas, ainda que ajudem a formar cultura” 16 PODER JOYCE PASCOWITCH


histórico, e Nadir fica mais à vontade para mencionar à reportagem outra diretriz da companhia, que faculta a fornecedores de menor porte disputar licitações na UPS em condições menos desfavoráveis. Atuante na organização Lide Mulher e outros fóruns de discussão que visam incrementar a participação da mulher em postos de liderança, ela diverge da colega Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, que acha necessário impor cotas para aumentar o número de vagas de mulheres nos conselhos corporativos. Mas contemporiza: “Você até vê empresas com produtos destinados

CIGARRO E ÁLCOOL

Em maio passado, a juíza federal Katherine Forrest, do Estado de Nova York, multou severamente a UPS americana por transportar uma quantidade exponencial de cigarros que teriam circulado sem o devido pagamento de impostos por distribuidores e clientes indianos. Como a juíza escreveu na sentença, multas modestas não “impactariam suficientemente a UPS como corporação”. O valor da multa, US$ 247 milhões, foi considerado excessivo e “acima dos limites constitucionais” pela UPS norte-americana, em sua manifestação oficial. A juiza já havia repreendido a companhia dois meses antes, como lembrou o jornal The New York Times, por, na sua opinião, ter uma cultura empresarial que “promove vendas sobre o compliance”. Dores de cabeça com o tabaco, alegrias com o álcool no mercado doméstico: tanto a UPS como a rival FedEx tiveram ganhos expressivos com o incremento da venda de vinhos sem intermediários, direto para o consumidor, dentro dos Estados Unidos. A parcela desse sistema de vendas, que usa os serviços das empresas de courier, para esse tipo de produto, é de apenas 4%, ou seja, ainda há muito espaço para crescimento.

às mulheres sem mulheres nesses postos, mas prefiro não penalizar, criar cotas, ainda que isso ajude a formar uma cultura”. Por ser mulher, Nadir já enfrentou preconceito explícito e também em demonstrações mais brandas. Não se incomoda em contar que negociou com caminhoneiros na Argentina – ser brasileiro aqui já era um

handicap, imagine ser brasileira – e que numa reunião com um órgão governamental em Brasília representando a Associação das Empresas de Transporte Internacional Expresso de Cargas (Abraec), entidade que preside há três mandatos, viu que os barnabés, todos homens, não tiveram a elegância de disfarçar a surpresa ao saber que era ela a principal liderança.

GARGALO O mantra de que o Brasil não é um país para principiantes deve ecoar com mais intensidade em empresas de logística e de importação e exportação, como a UPS, muito expostas a problemas de infraestrutura e ao peso da burocracia. Além disso, há aqui impostos que incidem sobre circulação de mercadorias, uma multiplicidade de inspeções e é preciso lidar com custos bastante altos de taxas de seguro – como a UPS garante a entrega “door to door” (porta a porta), para usar uma das muita expressões em inglês da executiva, há que precificar os constantes roubos de carga, agora epidêmicos no Brasil, seja em rodovias supostamente vigiadas ou nas quebradas da periferia. “De todas as operações mundiais da UPS, a do Brasil é uma das que é ranqueada como de risco, também por conta da instabilidade política e da corrupção. Isso faz com que a gente tenha de reforçar aqui os procedimentos de compliance”, conta. Nadir, que chega a dizer que a visão dos gringos sobre o Brasil não é muito diferente da que eles têm sobre a Venezuela, só não acredita, respondendo à provocação do repórter da PODER, que o custo final dos serviços da UPS por aqui sejam maiores que o das nações em guerra em que a companhia atua. Mas por mais “tricky” (complicado) que seja operar no Brasil, o país está numa lista de 13 “países emergentes relevantes” para a matriz. “Não estamos entre os três primeiros desses, mas andamos juntos com Rússia, China e Índia”, explica. Recentemente, ela recebeu aportes para expandir o negócio no Brasil, investimentos pelos quais certamente será cobrada, independentemente do pibinho nosso de cada ano. Os resultados da UPS brasileira, em 2015 e 2016, estão longe de ser essa Brastemp toda, e Nadir diz que vem tentado reforçar segmentos mal assistidos pela UPS no Brasil, como o de medicamentos e o de health care. Hoje, a UPS PODER JOYCE PASCOWITCH 17


“Você não tem necessariamente de resolver o tema, mas se assegurar que será resolvido” MÃO NA MASSA

Nadir diz que uma de suas características profissionais é ser “hands on” (algo como mão na massa), e isso é assim desde que fazia atendimento ao cliente em seus primeiros anos na UPS. Ela acha que não se deve deixar um e-mail sem resposta, mesmo que ele tenha sido enviado equivocadamente, para um destinatário errado. Diz que chegava a fazer isso mesmo com e-mails enviados a outros colegas. “Você não tem necessariamente de solucionar o tema, mas deve se assegurar que ele será resolvido”, diz. Seria esse então um sintoma de uma chefe extremamente centralizadora? “Não chamaria assim, pois delego muito e dou oportunidades. Centralizador é quem executa o trabalho alheio, e com isso acaba impedindo que a pessoa perceba o erro.” Gestão de pessoas é fundamental em qualquer setor, mas ela diz que é preciso mais para ser um bom executivo. “Acho que você tem de ter tudo. Se você faz uma boa gestão de pessoas, mas não está preparada tecnicamente, vai ficar com debilidade e não dar o suporte devido.”

conta com duas unidades para armazenamento de remédios com controle climático que obedecem padrões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), parte desse esforço de expansão que ainda incluiu a abertura de diversos escritórios pelo Brasil e aumento expressivo de frota. O número de cidades atendidas no país foi triplicada para 600, com 28 operações próprias em 22 estados.

EXPORTAR É O QUE IMPORTA O advento do comércio eletrônico, como era de se imaginar, fez bem a empresas como a UPS globalmente, mas os envios de produtos chineses ou de outros países para o Brasil não impactam o desempenho da equipe liderada por Nadir, que é cobrada principalmente pela geração de receitas de exportação. Para ela, à pedra no sapato do tal custo Brasil somam-se

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dificuldades aduaneiras diversas de nações nas quais o país tem relações comerciais. Segundo estudos recentes, por exemplo, um caminhão leva 15 dias para ter a carga liberada nas fronteiras entre o Brasil e a Argentina. Assim mesmo, Nadir vê avanços nos últimos seis anos, com uma interlocução muito melhor entre os órgãos governamentais e as empresas internacionais de courier. “Atualmente, desenhamos, junto com a Receita Federal, sistemas que vêm agilizando o fluxo aduaneiro”, diz. Ainda há muito a evoluir, mas aqueles anos pioneiros de 1990, quando passava longas tardes em Cumbica – hoje, os aviões da numerosa frota da empresa pousam em Viracopos – procurando desembaraçar as remessas que chegavam ao Brasil, parecem coisa do neolítico. “Empresas enviavam amostras gratuitas de produtos para o Brasil, mas como era preciso pagar para liberá-las, ninguém as retirava”, lembra. A piada diz que tudo no mundo é passageiro (menos o motorista e o cobrador), e assim como o incremento da informatização acabaria por amaciar até velhas bastilhas como a burocracia alfandegária brasileira, os dez anos de Nadir na mesma cadeira já causam certo comichão. Ela diz que “está muito na mesa” a conversa com a matriz sobre os novos degraus de sua carreira, que poderia ser uma posição “LATAM” baseada em Miami ou, se o Brasil crescesse significativamente, aqui mesmo. “Gostaria de continuar aqui”, diz. Ela já trabalhou em Miami, e acabou pedindo para voltar ao Brasil por razões pessoais – a doença de sua mãe –, mas mesmo não tendo filhos (“cachorro serve?”, pergunta) ainda desconversa quando a palavra Miami surge na conversa. “Quando a gente tem 25 ou 30 anos não se incomoda em ficar em albergue, mas depois quer menos correria”. Nadir tem apenas 48 anos e talvez não esteja acompanhando muito de perto o grande avanço do mercado imobiliário de Miami. n



PODER INDICA

Não adianta fingir que não está acontecendo: a robotização chegou para ficar. E já vai longe o tempo em que o assunto era tema de filmes de ficção científica. “Estamos falando de um processo inexorável, que começou a se tornar mais evidente no Brasil no segundo semestre de 2016”, diz Ricardo Vilanova, sócio de Consultoria da EY (Ernst & Young). Segundo o especialista, de dois anos para cá, Estados Unidos

e Europa, principalmente a Alemanha, já estão sentindo o aumento da adoção de robôs. Empresas de médio e de grande porte podem se beneficiar enormemente da robotização de processos – ou Robotic Process Automation (RPA), para utilizar a expressão em inglês – que pode ser usada tanto em atividades de back office, como contas a pagar, processos de TI, impostos e RH, por exemplo, e de front

office, relacionadas à prestação de serviços. Basicamente, a automação é realizada de três maneiras: • BASEADA EM REGRAS – o robô segue um conjunto predefinido de instruções sobre as tarefas que deve realizar. • BASEADA EM PROCESSOS – APRIMORADOS/INTELIGENTES nesse caso, ao incorporar técnicas de digital analytics, o robô adquire a capacidade de entender dados

FOTO ISTOCKPHOTO.COM

QUEM TEM MEDO DOS ROBÔS?


“Os robôs existem para nos ajudar a desenvolver capacidades essencialmente humanas, como intuição, criatividade, capacidade de julgamento etc.” (Ricardo Vilanova, sócio de consultoria da EY)

BEM MELHOR COM ELES Entre as muitas vantagens que o RPA pode trazer, Ricardo Vilanova destaca três, que têm impacto direto na base de qualquer negócio • REDUÇÃO DO PERÍODO DE EXECUÇÃO (LEAD TIME) – o tempo

não estruturados, fruto do big data, de obedecer comandos de voz ou via e-mail e de chegar a conclusões a partir de cruzamentos desses dados. • BASEADA EM PLATAFORMAS COGNITIVAS – mais moderno, esse tipo de robô aprende a partir das experiências, exatamente como nós, e é capaz de realizar tarefas sem a interferência humana. Vilanova diz que o tempo médio de retorno do investimento (payback) em automação é de cerca de um ano, principalmente quando a implementação é feita no setor financeiro (faturamento, impostos, contas a pagar etc.). Na área de logística, que tem

várias atividades passíveis de serem realizadas por robôs, o payback é menor: de três a quatro meses. Para o compreensível temor de algumas pessoas de que a máquina possa “roubar” o lugar do homem, Vilanova tem a resposta na ponta da língua: “Os robôs existem para maximizar nosso potencial como seres humanos”. O tempo livre que vamos ganhar graças às atividades que os robôs já executam e as que passarão a executar poderá ser utilizado de maneira mais inteligente. “Vamos, enfim, dar um uso mais nobre ao nosso cérebro e desenvolver potencialidades essencialmente humanas como intuição, capa-

que se leva para executar uma tarefa cai bastante com a robotização. Vilanova cita o caso do funcionário de uma empresa que precisava de cerca de quatro horas para realizar um trabalho que exigia cruzamento de dados de 160 municípios. Com o robô, esse tempo foi reduzido para inacreditáveis 29 segundos. • REDUÇÃO DO CUSTO OPERACIONAL – dependendo do tipo de empresa, essa economia pode chegar a 40%. No caso da área de logística, os ganhos são enormes, já que os robôs cruzam os dados rapidamente e sem erros. • COMPLIANCE - quando adequadamente programados, os robôs nunca erram e, por isso, ajudam as empresas a trabalhar em conformidade com regras e normas. cidade de julgamento, criatividade etc.”, acredita. No início, segundo Vilanova, as pessoas se assustam um pouco com a novidade. Depois, descobrem que os robôs, na verdade, são grandes aliados e que ajudam a direcionar nossa capacidade para o que é realmente importante. “Trata-se de uma mudança de cultura, de uma revolução mesmo.”


LOTERIA

GELEIA GERAL Disputas pelo poder em estados como Bahia, Minas, Rio e Paraná fazem lideranças do PT ameaçarem votar com o governo Temer e do PMDB atacarem o presidente, entre outras viradas de casaca por fábio dutra

O

Brasil não ser para principiantes é clichê acertadamente repetido. Em meio ao caos político que se instalou no país, uma teia de microdisputas regionais, paralelas, embaralham o jogo ainda mais, a ponto de não ser possível precisar exatamente como os partidos se posicionarão em cada parte. Michel Temer não é amador, está claro, e sabe muito bem como se movimentar nessa fauna política – a vitória no começo do mês na Câmara, na votação que poderia ameaçar seu mandato, o mostra.

22 PODER JOYCE PASCOWITCH

Vejamos o exemplo da Bahia: o governador Rui Costa, do PT, liberou dois de seus secretários, deputados federais eleitos, para irem a Brasília votar a favor do presidente, ou seja, contra a aceitação da denúncia por corrupção do escândalo JBS, já que os suplentes já haviam se manifestado que iriam votar de maneira distinta, seguindo a linha do partido. A explicação para essa paradoxal decisão do mandatário petista passa pelas eleições estaduais do ano que vem. ACM Neto, prefeito de Salvador e natural candidato ao governo, é do DEM, partido do presidente da Câmara, Rodrigo


Rodrigo Maia

Rui Costa

ACM Neto

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BAHIA Maia, que ascenderia à Presidência em caso de afastamento de Temer, o que obviamente fortaleceria a legenda. Ciente desse temor, Temer pôs gasolina no incêndio: prometeu benefícios na negociação da dívida e empréstimos à Bahia. No Paraná, Roberto Requião, também do PMDB, parece um líder de oposição, chega a ser mais histriônico que muitos petistas. Lá, o governador Beto Richa, do PSDB, já defendeu o governo federal veementemente, depois chegou a ensaiar uma pressão pelo desembarque de seu partido da base de apoio a Temer, mas ao fim e ao cabo se mantém fiel à agenda de reformas e à conquista de recursos para seu estado, não tendo jamais deixado de apoiar de fato o governo – até porque é difícil crer que esteja ao lado de Requião em qualquer assunto, água e azeite que são. O senador Álvaro Dias, ex-tucano, atualmente no ilegível Podemos, aderiu ao “fora todos” de palanque, mas já foi aliado de Beto Richa e tampouco topa Requião. Sua posição é aparentemente neutra entre os polos, mas muda-

rá conforme tenha apoio para seus tresloucados planos de concorrer à Presidência ou pelo menos ao governo do estado, o que dificilmente partiria da turma de Requião. No Rio de Janeiro talvez se tra-

ve a disputa mais esquizofrênica, dado que os atores mudam de lado a cada hora. Durante as articulações que culminaram na aceitação do processo de impeachment contra Dilma Rousseff pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha, Leonardo Picciani, líder do PMDB na casa, foi contra. Na época, pipocou na imprensa uma acusação de favorecimento à mineradora da família Picciani no fornecimento de brita em obras públicas fluminenses que teria o dedo de Cunha, uma represália a Jorge Picciani, pai de Leonardo e presidente da Assembleia Legislativa local. Apesar de ter discursado contra no começo, Leonardo aceitou ser ministro do Esporte da nova administração. Hoje é Cunha, preso, quem faz perguntas indigestas e ameaça delatar o presidente Michel Temer no

Roberto Requião

Álvaro Dias

Beto Richa

PARANÁ PODER JOYCE PASCOWITCH 23


Fernando Pezão Jorge Picciani Eduardo Cunha

RIO DE JANEIRO âmbito da Operação Lava Jato. Já o governador Pezão, também do PMDB, não tem condições de se manifestar e fica na moita: atolado em dívidas, seu estado depende do governo federal para atenuar a calamidade em que se encontra. Em Minas Gerais, parte do PMDB, o partido do presidente Temer, integra a base do governo petista de Fernando Pimentel, e, mais do que isso, é oposição a Temer – em muito por sua proximidade com Aécio Neves, inimigo de peemedebistas mineiros desde os tempos em que o senador do PSDB rompeu com o ex-presidente Itamar Franco. O cenário fica claro nas manifestações e articulações do secretário estadual de Saúde, Sávio Souza Cruz (PMDB), importante liderança local, que passa os dias a tuitar contra o governo federal. Há ainda pelo país a disputa entre Flávio Dino (PCdoB) com o clã Sarney, no Maranhão, os Barbalho

24 PODER JOYCE PASCOWITCH

Aécio Neves

Sávio Cruz

MINAS GERAIS versus os Maiorana, no Pará, e a sempre imprevisível disputa alagoana entre os senadores Fernando Collor e Renan Calheiros, entre tan-

tas outras pequenas batalhas. Vale ficar de olho nelas para não se surpreender (tanto) com as condutas de nossos representantes. n

ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM; FOTOS MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL; VALTER CAMPANATO / AGÊNCIA BRASIL; ANTÔNIO CRUZ / AGÊNCIA BRASIL; CARLOS MAGNO / GERJ; DIVULGAÇÃO PMDB; AGÊNCIA BRASIL

Leonardo Picciani


ESPELHO

TEMPO PARA TUDO

FOTO CLAUDIO GATTI / DIVULGAÇÃO

Difícil encontrar o empresário FREDDY RABBAT, presidente da 356 Distribuidora, e não notar que ele usa dois relógios. No braço direito, um smartwatch (‘‘Não consigo mais viver sem ele’’) e no esquerdo um relógio ‘‘normal’’ – de preferência um dos modelos das marcas que representa. Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Luxo (Abrael), Rabbat, um paulistano de 53 anos, trabalha com produtos premium desde o fim dos anos 1980. Engenheiro de formação, ele estreou nesse mercado quando o assunto ainda era desconhecido por aqui. Começou importando isqueiros Dunhill e S.T. Dupont, em uma época em que fumar ainda era politicamente correto, e ter um isqueiro desses, sinal de status. Quando a britânica Dunhill comprou a Montblanc, Rabbat passou a trazer para o Brasil as canetas e os relógios da grife alemã. Em 2015, três anos depois que o grupo Richemont assumiu o controle da Montblanc no Brasil, Rabbat, que já estava completamente envolvido com o universo da alta relojoaria, colocou outro de seus projetos em andamento – na verdade, uma ideia que já acalentava há tempos: trazer a TAG Heuer para o Brasil. E, desde julho deste ano, juntou mais uma marca sofisticada às várias outras do portfólio de sua empresa: a também suíça Frédérique Constant, famosa por seu design clássico. Fundada em 1988, a marca tem oito coleções e domina todo o processo de produção, o que garante seu reconhecido padrão de qualidade.

por márcia rocha


PODER INDICA

BELEZA PURA

Com pouco mais de um ano no país, a subsidiária brasileira da Jeunesse Global, empresa norte-americana de cosméticos presente em 140 nações, já está entre as cinco maiores operações do mundo A relação do executivo paulistano de 42 anos MARCEL SZAJUBOK com empresas ligadas ao uni-

verso feminino não vem de hoje: fez carreira na Natura, onde ficou por quase duas décadas com direito a períodos de trabalho nas regiões Norte e Nordeste (é casado com uma pernambucana, inclusive) e em Lima, no Peru – Eduardo e Gabriel, os dois filhos do casal, nasceram na terra do ceviche. Da Natura, onde chegou a diretor comercial, Szajubok foi, em 2012, para a varejista Marisa, na qual assumiu a área de novos negócios. O convite para criar a operação brasileira da Jeunesse Global veio pouco depois, em outubro de 2015. Na época, a empresa da área de cosméticos, que foi criada na Flórida pelo casal Randy Ray e Wendy Lewis, tinha apenas seis anos de atividade e já faturava US$ 1 bilhão por ano. Hoje, a Jeunesse Global está presente em mais de 140 países, fatura US$ 1,4 bilhão por ano e tem mais de 1 milhão de representantes pelo planeta. Segundo Szajubok, tecnologia de ponta é a marca registrada da empresa. Entre os carros-chefe, ele cita a linha Luminesce, que foi desenvolvida por dermatologistas e tem sete produ-

tos que ajudam a suavizar rugas e linhas finas e a deixar a pele com uma aparência mais luminosa; Reserve, gel à base de frutas vermelhas (mirtilo e romã, entre outras) que são ricas em resveratrol, substância de efeito antioxidante. Outro sucesso da Jeunesse é o Instantly Ageless, queridinho dos famosos por seu efeito tensor instantâneo que dura de seis a oito horas. DE VENTO EM POPA Atualmente, o portfólio brasileiro da Jeunesse conta com 12 itens entre produtos para cuidados com a pele e vida saudável, como bebidas energéticas. “A meta é chegar ao fim do ano com 22 produtos e lançar linhas para cabelos e maquiagem”, revela Szajubok. Satisfeito com o rumo dos negócios por aqui, o executivo conta que o Brasil é a operação mais jovem que mais cresceu no mundo – e que já está entre as cinco maiores, em alguns meses, inclusive, fica entre os três primeiros. E as novidades não param por aí, já que ainda este ano a Jeunesse vai fazer sua estreia na Argentina. + JEUNESSEGLOBALBRASIL.COM.BR


PAPEL SOCIAL Entusiasmado com o trabalho, os olhos de Marcel Szajubok brilham ainda mais quando ele fala sobre o Jeunesse Kids, programa social que atende a crianças e adolescentes de comunidades carentes. Por aqui, a empresa já comprou equipamentos para o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), hospital de Recife que é referência em oncopediatria; doou R$ 220 mil para o programa Teleton, e reformou o ambulatório do hospital infantil Martagão Gesteira, de Salvador. Isso sem falar do apoio para os projetos desenvolvidos pelo Instituto Neymar Jr.

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COMEMORAR É PRECISO

A antiga Arena HSBC, que fica na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, é Jeunesse Arena desde o início deste ano. Palco de diversos shows (Ed Sheeran e Ariana Grande já se apresentaram lá) e de lutas de MMA transmitidos ao vivo pela Rede Globo, a arena é uma das maiores da América Latina. Em abril, a Jeneusse comemorou o aniversário de um ano no Brasil no local com show exclusivo da funkeira Anitta e público de 18 mil pessoas. Já estão à toda também os preparativos da Jeunesse Tour, evento de lançamento de produtos da marca que vai rodar cinco capitais do país. E, entre os dias 27 e 29 de outubro, deve acontecer o maior evento do ano da marca no espaço de eventos São Paulo Expo. Dessa vez, a convidada para animar a festa é a cantora Ivete Sangalo.



ENSAIO

NON-STOP Selton Mello é do tipo que emenda um projeto no outro. Também é chocoholic confesso e conta que a sobremesa é a primeira coisa que olha no cardápio

por márcia rocha e camila boni fotos maurício nahas

P

ara Selton Mello, O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, é o nosso Cidadão Kane [um dos filmes mais conhecidos de Orson Welles]. Entre seus personagens favoritos estão, nesta ordem: Chicó, de O Auto da Compadecida, João Estrella, de Meu Nome Não É Johnny, e Leléu, de Lisbela e o Prisioneiro. Selton Figueiredo Melo é assim mesmo: cheio de opinião. “Meu sobrenome saiu escrito errado na primeira novela que fiz, aos 8 anos, e achei bonito. Mesmo criança já tinha noção estética e percepção de que aquele “l” a mais faria alguma diferença”, explica ele, que já atuou em mais de 30 filmes. Um deles, O Palhaço no qual se desdobrou como diretor e ator, representou o Brasil no Oscar, em 2012. “O trabalho é minha vida. Ali, eu coloco tudo que penso, sonho e desejo.” Entre suas principais referências estão Paulo José, Clint Eastwood, Sean Penn e Woody Allen. “Ele se desafiam o tempo todo”, afirma Selton que, aos 44 anos, também é cineasta, diretor, produtor e dublador. Além disso, toca violão, guitarra, baixo e bateria. Tem como fazer mais alguma coisa? Tem. Vamos à lista: em parceria com a produtora Moonshot Pictures, dirigiu a série Sessão de Terapia, exibida pelocanal GNT. Entusiasta da psicanálise (faz terapia há mais de dez anos), quis apresentar ao público uma obra que comovesse e desmistificasse a profissão de um psicanalista. Mês passado, Selton estreou em Soundtrack com Ralph Ineson, de Game of Thrones, como parceiro de cena - interpretando em inglês, of course. Seu terceiro longa, O Filme da Minha Vida, é baseado no romance Um Pai de Cinema, do chileno Antonio Skármeta, de quem recebeu carta branca para transformar o livro em filme. Claro que não conseguiu ficar apenas atrás das câmeras e deu vida a Paco, um dos personagens. “Em tempos tão sombrios, esse projeto exalta o lado bendito da vida. Sempre espero que o público se transforme e que saia diferente da sala escura”. Por se tratar de uma história de família, dedicou o trabalho aos pais, Selva Aretusa Figueiredo de Melo e Dalton Natal Melo.


“A ESTRUTURA DO PODER É ALGO TÃO MISTERIOSO, VIOLENTO E DIFÍCIL DE COMPREENDER QUANTO UM MISTÉRIO POLICIAL. HOJE, VIVEMOS UMA MISTURA DE REALISMO E SURREALISMO. E NÃO É SÓ NO BRASIL”

Atualmente, está filmando O Mecanismo, nova série de José Padilha para o Netflix sobre corrupção no Brasil, que estreia ano que vem. Na galeria de personagens que ainda gostaria de fazer está Simão Bacamarte, de O Alienista, conto de Machado de Assis. E ele já deu um jeito de fazer o projeto sair do papel. Questionado sobre a atual conjuntura política e econômica do país, Selton apresenta sua tese: “A estrutura do poder é algo tão misterioso, violento e difícil de compreender quanto um mistério policial. Dentro de qualquer organização sempre existem aqueles que sabem quase tudo e os encarregados de controlar quem sabe tudo. H0je, vivemos uma mistura de realismo e surrealismo - e não é só no Brasil”. Em seu perfil no Instagram, ele se declara Capricorniano com ascendente em Virgem e lua regida por Isaac Karabtchevsky. Conta que faz jus à descrição desses dois signos de Terra: é focado, perfeccionista, metódico e ambicioso. Por outro lado, também se diz sensível. Quando o assunto é dinheiro, porém, a objetividade volta e ele garante que faz questão de cuidar pessoalmente de seu patrimônio e que nunca quis ficar rico. “Não tenho carro, ganhei o suficiente para comprar uma casa, um conforto para meus pais, e para escolher o que fazer. Não faço nenhum trabalho por dinheiro”. n



Assistentes de fotografia: Caio Toledo e Charles Willy


PODER INDICA

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DE MÃO DADAS

Criada em 2013, a AH!SIM, empresa especializada em desenvolver e executar projetos de reformas de interiores, dispôs toda a sua expertise em prol da sociedade ao desenvolver o projeto AH!SIM Fazemos. Idealizado por uma das gestoras da AH!SIM, Mariane Cunha, o programa sem fins lucrativos e 100% financiado pela iniciativa privada tem por objetivo promover melhorias em espaços carentes e desatendidos. A primeira edição, transformou o Oratório São Domingos Sávio, uma creche mantida pela Aliança da Misericórdia, dentro da Favela do Moinho, no centro de São Paulo. Todo o trabalho colaborativo das empresas parceiras foi fundamental para fazer a ideia sair do papel. O Centro Universitário Belas Artes, Docol, Cerâmica Portinari, Oxford Porcelanas, Manufatti, GreenWall Ceramic, Ventisilva, Casa das Cortinas e Persianas, GK Produções, 4 Cantos Limpeza, Inovar Esquadrias de Alumínio, Wiler-K Decoração, Studio DLux, StarBox, DecorArt e o artista urbano, Thiago Mundano foram algumas das contribuições importantíssimas para a renovação do local. A Coral, além de fornecer todo o material de pintura e desenvolver layouts temáticos em algumas paredes, também promoveu através de seu programa Tudo de Cor um curso de capacitação aos jovens da comunidade. Ao todo foram mais de 40 pessoas, entre voluntários e funcionários da empresa, como pintores, eletricistas e pedreiros que trabalharam durante dois meses para que o espaço de 430m2, que atende 120 crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, se tornasse um local cheio de cor, alegria e aconchego. +AHSIM.COM.BR


CANTO DE PODER POR

márcia rocha

SEM FLASHES A sala de trabalho do produtor de cinema RODRIGO TEIXEIRA, de 40 anos, tem muito mais a ver com o realismo de um set de filmagem do que com o glamour do tapete vermelho. Com Frances Ha (2012), Alemão (2014), O Cheiro do Ralo (2007) e A Bruxa (2015), entre outros filmes no currículo, o carioca de nascença e paulistano de criação também produziu Call Me By Your Name, aclamado no Berlinale e no Sundance Festival deste ano. Sem falar na parceria com Martin Scorsese e que também está produzindo o próximo filme de Brad Pitt. Low profile e conhecido por seu cuidado com o orçamento das produções, provavelmente um dos objetos mais luxuosos que Teixeira tem em sua sala é uma cadeira Aeron Herman Miller [marca norteamericana conhecida pelo design e pela ergonomia], que ganhou de presente da mulher. “Passo horas nela e nem sinto.” A mesa de trabalho também é seu xodó. “A gente comprou para casa, mas eu gostei tanto que trouxe para cá.” Espaçoso, seu escritório tem uma sala de estar. Ele costuma ficar ali depois do almoço.

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1. Prêmios importantes como o do Festival de Havana, Kikito, Grande Otelo e Independent Spirit Awards. 2. A cadeira Aeron, da Herman Miller, foi um presente da mulher e, além da mesa, é um dos móveis que mais gosta em sua sala. 3. Fotos de família ao lado do prêmio da Mostra Internacional de Cinema 4. Acostumado a ler cinco livros ao mesmo tempo, tem muitos espalhados em seu escritório

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Ele geralmente chega na produtora, que fica no Jardim Paulistano, em São Paulo, por volta das oito da manhã. Aproveita o silêncio para ler os três jornais que assina (Folha de S.Paulo, Estadão e O Globo). “Gosto de papel, não adianta”, conta. Garante que não se perde na estante lotada que fica atrás de sua mesa. As pilhas que estão ao lado, no chão, são dos que estão na fila. Teixeira lê cinco livros simultaneamente. Em cima de sua mesa, por exemplo, há um exemplar de Liderança, do escocês Alex Ferguson, extreinador e ex- jogador de futebol famoso no futebol inglês como o maior técnico de todos os tempos. “Essa história de gerir pessoas, de encontrar talentos me interessa – tem tudo a ver com cinema .” Teixeira também é chegado num caderninho. “Anoto ideias, frases, coisas que podem render . Faço isso todos os dias há 14 anos.” Diz que é um jeito de manter o foco. Também não abre mão dos fones de ouvido. Vai a pé para o trabalho, ouvindo Beatles, Ella Fitzgerald, Legião Urbana e, ultimamente, Jimmy Scott [James Victor Scott, cantor de jazz que faleceu em 2014). Ah, todo ano vê O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola. n fotos lauro rocha


PÉ DO OUVIDO

Fazer lobby no Brasil envolve dinheiro e favores indevidos, mas projetos de lei tendem a disciplinar a atividade, que já é regulamentada em diversos países por eloá orazem

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FOTOS BUYENLARGE / GETTY IMAGES

NA PRESSÃO


A Casa Branca e o vizinho hotel Willard (canto direito), em Washington, cujo térreo (o lobby) virou sinônimo da prática de influenciar poderosos

“A

tividade de pressão por parte de um grupo organizado, a fim de exercer influência no voto de parlamentares, conforme determinados interesses”, eis a definição da palavra lobby segundo o dicionário Michaelis. No Brasil o vocábulo tem conotação negativa, pois o lobby está na raiz de diversos escândalos, mas ele pode parodoxalmente ser indicativo de processos bem conduzidos, já que faculta a participação dos diversos atores interessados ou impactados por determinados temas. Mas é preciso primeiro regularizá-lo. A entronização do termo na vida política se deu nos Estados Unidos, onde a expressão teria sido usada pela primeira vez pelo 18º presidente daquele país, Ulysses S. Grant (1869-

1877). Grant se entregava aos prazeres do conhaque e do charuto no lobby (térreo) do hotel Willard, em Washington, bem ao lado da Casa Branca, e ali era abordado por pessoas que desejavam discutir questões como disputas de terras, obras – o de sempre. Grant referia-se àquelas pessoas como ‘‘lobistas do hotel Willard’’. De volta ao Brasil, o lobby permeia a política e os políticos em vários momentos, do financiamento de campanha ao dia a dia do mandato, quando segmentos mais ou menos organizados pressionam para se fazer ouvir por governantes ou legisladores. Para o advogado Walfrido Warde Júnior, presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (Iree), há que se avançar com o tema em Brasília. “O financiamento públi-

Ulysses S. Grant, o presidente norte-americano que gostava de conhaque, charutos e conversas no lobby do hotel Willard

co pré-eleitoral precisa se submeter ao peso da regulação. Deveria haver uma regra meritocrática de alocação do recurso dentre os candidatos de cada partido”, diz. Já durante a vida legislativa, Warde Júnior vê riscos na forPODER JOYCE PASCOWITCH 37


O projeto que regulamenta o lobby tramita na Câmara (na foto, o dia da votação do impeachment de Dilma )

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lhista. “Estabelecer normas permite a rastreabilidade, a palavra-chave aqui”, diz Perman, otimista de que até o fim do ano saia a lei do lobby. Em entrevista a PODER, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), relatora do projeto sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, diz que se busca um “projeto plural, ao alcance de todos os segmentos da sociedade, dos mais abastados aos mais humildes”. Para Larissa, há assimetria entre demandas das grandes corporações e da sociedade civil. “O excesso de burocracia e os custos dos processos afastam justamente quem mais precisa ter pedidos atendidos. Se simplificar, mais pessoas poderão participar da construção de um governo com práticas mais eficientes”, conta. Larissa lembra que lobbies populares resultaram em projetos úteis, como um relativo à rotulagem dos

alimentos e outro sobre limites da publicidade infantil.

O PREÇO DO LOBBY Perman postula também que “é fundamental não misturar lobby com relações comerciais”, o que gera um nó difícil de desatar na opinião do colega Warde Júnior. “Vivemos num país de dimensões continentais, Brasília fica longe de São Paulo, a capital econômica do país. É preciso dinheiro para viagens, estudos e outras ferramentas que dão sustentação ao que é pedido”, diz. Seja como for, o Brasil tem um longo caminho a percorrer se quiser atingir um patamar de transparência digno de países escandinavos, considerados de execelência nas relações entre governo e sociedade civil. “Na Suécia não é necessário sequer disciplinar o lobby, já que lá todo mundo tem acesso a seus governantes.” n

FOTO IGO ESTRELA / GETTY IMAGES

mação das frentes parlamentares, que existem às centenas no Congresso e são permeáveis ao lobby. “Essas bancadas multipartidárias se organizam segundo temas de interesse de certos setores. Com isso, grupos com menos capacidade associativa e disponibilidade financeira podem ficar desguarnecidos”, explica. A dupla de advogados Larissa Wachholz, vice-presidente do Instituto de Relações Governamentais (Irelgov), e Bruno Perman, do escritório Pinheiro Neto, em São Paulo, acha imprescendível disciplinar o lobby – a atividade –, e o lobista, a profissão. Um projeto de lei com essa finalidade foi apresentado na Câmara há dez anos e só agora deve ir a plenário; outro tramita no Senado, este relatado por Ricardo Ferraço (PSDB-ES), senador que ganhou notoriedade por ser relator também do projeto da reforma traba-


PODER INDICA

SPAS DE SONHOS

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Da Espanha à Tailândia, quatro spas inesquecíveis para cuidar da beleza, equilibrar o corpo e relaxar a mente em grande estilo Há quem diga que a palavra “spa” vem da Roma Antiga, quando a aristocracia frequentava uma estância hidromineral na cidade belga de Spa; outros que é a abreviatura de “salutem per aquam” (saúde pela água, em português). Fato é que os spas são refúgios para cuidar do bem-estar e da beleza – e há aqueles que fazem isso com doses generosas de sofisticação. Da elegância da Suíça aos ryokans japoneses, a Copastur Prime oferece roteiros com alguns dos spas mais luxuosos do mundo. Aqui, quatro que são top.

ARAYA TOTOAN Um dos lugares mais especiais do Japão para experimentar o poder das águas termais, as chamadas “onsen”, é o Araya Totoan. Localizado no topo de uma montanha, trata-se de um autêntico ryokan, hospedaria tradicional. Os espaços são silenciosos, com pisos de tatame, banheiro de cipreste ao ar livre e portas de papel de arroz.

MANDARIN ORIENTAL SPA Verdadeiro oásis de tranquilidade, o hotel Mandarin Oriental, de Bangcoc, é famoso pelas terapias tailandesas. Na sala de espera, é possível tomar uma xícara de chá de frente para um maravilhoso jardim. Tratamentos baseados na medicina ayurvédica são a grande aposta do local. SHA WELLNESS CLINIC Localizado na cidade espanhola de Alicante, na Costa Blanca, o visual desse spa já vale a visita. Seu fundador, Alfredo Bataller Parietti, é adepto da alimentação macrobiótica, que é a dieta do spa. Quando o assunto é detox, aliás, o SHA Wellness está entre os melhores do mundo. CLINIQUE LA PRAIRIE Criado em 1931, o spa da La Prairie, em Montreux, na Suíça, é conhecido como centro de juventude e de reabilitação. O local utiliza produtos à base de caviar, de ouro, de diamante, de platina, entre outros componentes raros. Que tal mergulhar na “piscina da vitalidade” ou, então, fazer um “facial brightening”, que dá um up na pele do rosto. Os alpes, os vinhedos, os hotéis e o lago Léman, que ficam ao redor, completam o cenário. Mais informações COPASTUR PRIME, tel. (11) 2394-2136 INSTAGRAM @copasturprime


BATUTA

JOÃO CARLOS MARTINS O mais famoso pianista brasileiro, conhecido pela perseverança com que se reinventa a cada tropeço da vida, prepara-se para o lançamento de um filme sobre sua trajetória e aproveita para repassá-la neste almoço: música, mulheres, política – nada é tabu por fábio dutra fotos beatriz chicca

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ovem pianista, prodígio brasileiro incensado na imprensa internacional, se apresenta em Cartagena. Na plateia, ao lado do pároco local e do governador, nos assentos reservados à família do artista, algumas das moças mais notórias da zona boêmia local. Na primeira nota, em contraste ao silêncio habitual, sobe um grito feminino histérico, típico dos shows de rock: “Juaniiiito!”. E segue o jogo. Essa é apenas uma das saborosas histórias da movimentada vida de João Carlos Martins, pianista aposentado e regente para lá de ativo – são 200 apresentações de sua Bachiana Filarmônica por ano –, que acaba de virar filme pelas mãos de Luiz Carlos Barreto, com roteiro e direção de Mauro Lima. Talvez acostumado com a notoriedade desde sempre (ele já é famoso por pelo menos 60 de seus 77 anos), não demonstra timidez ao contar essa e outras histórias do baú. Ao contrário, e graças às amigas colombianas: o filme sustenta que foi justamente os três dias morando com elas em regime de Carnaval que o fizeram deixar de ser reprimido. Mas como fica sua relação com Ives Gandra Martins, seu irmão mais velho e um dos juristas mais respeitados do país, católico fervoroso: “O Ives

é a pessoa com quem eu mais me dou na vida, falamos diariamente pelo telefone quando ele volta da missa às oito da manhã; eu costumo dizer que ele é Opus Dei e eu sou opus night!”, diverte-se, ressalvando que há muitos anos já está “aposentado”. Está difícil conseguir um espaço na agenda do maestro. Para além dos diversos compromissos com sua orquestra, que forma músicos de comunidades pobres com o apoio do Sesi, ele já começa a se dedicar aos eventos de lançamento de João, o Maestro, estrelado por Alexandre Nero – que imita os maneirismos do músico filho de portugueses de forma impressionante. Mesmo assim, ele não parece ter pressa para almoçar com PODER no Rodeio, em São Paulo. Entre um pastel e outro pastel, e mais um – “acho que eu vou ficar só no couvert mesmo e comer uma saladinha”, rendeu-se, encantado, com as deliciosas entradinhas que são marca registrada da casa –, ele contou tudo sem modéstia ou papas na língua. Os diversos acidentes que o obrigaram a largar o piano, a amizade com o economista Roberto Campos, a paixão pelo futebol e pela combalida Portuguesa de Desportos, as mágoas que ficaram da malograPODER JOYCE PASCOWITCH 41


da incursão na política e o projeto social que toca, sua alegada volta por cima. João Carlos Martins, ladies and gentlemen. LIVRO DE JÓ A história de vida de João Carlos Martins parece ficção, não só pela celebridade internacional merecidamente precoce como pela quantidade de linhas tortuosas que a levaram a mudar de rumo. Aos 25 anos, jogando futebol com os jogadores de sua amada Portuguesa, em Nova York, onde vivia e o time excursionava, caiu e lesionou o cotovelo justamente na altura do nervo que comanda os dedos da mão direita. Com muito esforço, obsessivo notório que é, voltou a tocar com dedeiras de aço, mas logo o esforço hercúleo gerou lesões periféricas. Aposentou-se e foi ao mercado financeiro – tempos de militares,

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milagres e muita especulação –, mas não aguentou muito tempo e voltou à música, mãos consertadas pelo descanso. Na Bulgária, quando gravava as obras completas de Bach, sua grande especialidade, sofreu um assalto: paulada na cabeça, lesão cerebral, bye-bye piano. Foram 23 operações para voltar a ter alguns movimentos e enquanto isso os dedos esquerdos eram forçados ao máximo. O famoso concerto para mão esquerda que assombrou plateias levou a companheira a também se fechar. Hoje ele toca algumas peças com os polegares e indicadores de forma admirável e rege sua orquestra de cor e sem sacudir a baqueta – não é mais capaz de trocar as páginas ou verter o pauzinho no ar com a velocidade necessária. “Eu acredito em reencarnação, eu tive de passar por tudo isso para dizer no fim que a música venceu”, diz ele, paciente

feito Jó para o provável orgulho do irmão Ives, com a mão já fechando. “Por conta da lesão cerebral, falar muito faz piorar; saindo daqui tenho de deitar por duas horas num quarto escuro”, explica. AQUARELA DO BRASIL É certo que Nelson Freire é o pianista brasileiro de maior notoriedade atualmente. João Carlos Martins o elogia, mas ressalva: “Aquela verve, aquela chama natural mesmo quem tinha era o Arthur Moreira Lima. Aos 22 anos, ele possuía uma coisa que ninguém no Brasil teve igual. Mas ele quer viver a vida, faz uns concertos de caminhão por aí, mas é um gênio”. O maestro também comenta ter visto a mesma qualidade em Guiomar Novaes, “a maior pianista mulher que já surgiu no mundo inteiro”. Tom Jobim também merece menção: “Ao lado de (Astor) Piazzolla, (Ennio)


“Costumo dizer que meu irmão Ives Gandra é Opus Dei e eu, opus night”

Morricone e John Williams, ele foi um dos compositores populares de relevância, é um talento grandioso”, defende. A falta de orquestras ele crê ser falta de apoio e de iniciativa. Lembra o trabalho do maestro Julio Medaglia em promover orquestras onde não as há, como no Amazonas, e tece vários elogios à chegada de Roberto Minczuk ao Municipal de São Paulo, mas diz que ainda é pouco. Misterioso, diz que tem grandes planos para aumentar a produção de música clássica e popularizá-la no país. Nada

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PROFECIA

João Carlos Martins conta que teve muitas dificuldades em aceitar que suas mãos jamais seriam as mesmas após o assalto na Bulgária. Tentou de tudo, fez das tripas coração, submeteu-se a 23 cirurgias e, quando achava que a laranja terrena não tinha mais onde ser espremida, virou-se aos céus: entre várias andanças ecumênicas, tal qual seu velho pai que sempre foi aberto a diversas crenças, foi parar num pai de santo. O sujeito ouviu o relato, analisou bem os dedos direitos do pianista e deu de ombros: "mão direita é sempre mais fácil", garantiu. Após vários passes e rezas, o sacerdote avisou que não costumava errar. Em no máximo dois anos ambas as mãos estariam na mesma condição. "Não deu outra: passou dois meses e a esquerda também fechou!", gargalha o maestro.

modesto e até megalomaníaco, como parece ser sua tônica. Mas a tomar por sua biografia, talvez seja o caso de observar antes de duvidar. MAIS UM! MAIS UM! João Carlos Martins é praticamente sinônimo de obsessão. Ele credita a memória prodigiosa à genética, mas é difícil acreditar que saber de cor a obra completa de Bach – algo como três dias ininterruptos – ou reger um concerto de três horas sem consultar partituras seja mera vocação. Ele mesmo admite que talento representa apenas 2% de qualquer atividade, “o resto é disciplina do atleta”. Que o digam seus companheiros de voo nos tempos de pianista: são famosas as histórias de um homem que atravessava o Atlântico a praticar na pianola sem descanso. Durante nosso almoço, entre as várias histórias que conta com riqueza ornamental de detalhes, ele dedilhou por cacoete na mesa, comeu bastante, fez diversos telefonemas para perguntar a assessores e parentes sobre algum ponto obscuro do que relatava sem interromper a inteiração conosco, um hábito assaz desconfortável, e cumprimentou um sem-número de passantes. Um homem de hipérboles.

DARIA UM FILME A ideia de ter sua vida retratada nas telas do cinema começou a ser esboçada há cerca de dez anos pelas mãos de amigos, jura o maestro. Um deles, jazzista próximo de Clint Eastwood, queria porque queria que o famoso diretor e ator norte-americano pusesse o projeto de pé. Martins se sentiu lisonjeado, mas foi convencido por Bruno Barreto que sua história não faria sentido se não fosse feita no Brasil. “Veja o filme que fizeram do Pelé lá fora, a coisa se perde”, compara-se. Assim, diz que declinou de Eastwood e embarcou no projeto de Bruno, que ao fim foi dirigido por Mauro Lima. O retrato, focado somente na parte musical de sua carreira, que fique claro, é divertido, chega a ser tocante em alguns pontos, mas relata um artista amalucado com um fraco para mulheres e para a bebida que chega à beira do abismo suicida quando se vê impossibilitado de tocar. Ele assegura que não se incomodou: “Não quis me meter na criação dos cineastas, há coisa que não concordo, me põem como um pai ausente que nunca fui etc. O importante é que a essência da história é verdadeira; e fiz questão que a parte em que se toca piano não fosse claraPODER JOYCE PASCOWITCH 43


“Encontrei com o João Doria e avisei a ele que jamais aceitaria nem mesmo vaga de faxineiro”

BOB FIELDS Responsável pela operacionalização do alinhamento da ditadura militar aos Estados Unidos, golpista de primeira hora, ministro do Planejamento do governo Castello Branco (quando, ao lado de Octávio Gouvêa de Bulhões, na Economia, fez o ajuste fiscal que “encheu o copo” que derramou no milagre econômico do ministro Delfim Netto do governo Médici), Roberto Campos foi um dos mais poderosos e polêmicos brasileiros do século 20. Chamado Bob Fields pela esquerda, foi embaixador em Washington em

44 PODER JOYCE PASCOWITCH

1961 (governo Jango e período parlamentarista), época em que criou laços com o poder norte-americano, incluso o presidente John Kennedy, que o adorava. Pois justamente em 1961, o jovem pianista João Carlos Martins aterrissava para uma apresentação na cidade. Ficaram amigos durante a recepção que a embaixada deu para homenagear o músico e nunca mais se separaram. Donjuans, a dupla foi bastante comentada na sociedade paulistana dos anos seguintes. Foi para o maestro que Roberto Campos primeiro telefonou quando levou uma facada de sua amante, Marisa Tupinambá, e precisava de ajuda. Martins defen-

de com unhas e dentes que apesar de todo o poder e do banco que ele chegou a ser proprietário, Campos morreu duro, sem nunca ter se locupletado – ao contrário do que corre no boca a boca até hoje. MALUF QUE FEZ Nos anos 1990, João Carlos Martins viu seu nome trocar de editoria nos jornais: foi parar nas páginas de política e de polícia. Próximo a Paulo Maluf e amigo do tesoureiro das campanhas dele, Calim Eid, Martins entrou de cabeça nas campanhas de 1990 ao governo de São Paulo e, de 1992, à prefeitura, esta bemsucedida, acreditando que seria se-

ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

mente falsa como se vê por aí, como não o foi”, opina orgulhoso.


seu pai sofreu muito, e que apenas neste ano voltou à primeira página do jornal O Estado de S. Paulo por sua obra artística, ao lado das estrelas mirins que apadrinha. Reclama da “única coisa que não aceita” na vida, o dedo-duro, mas não avança no assunto. Reitera acreditar em reencarnação, que tudo faz parte de um todo, e que tudo isso aconteceu para que ele voltasse à sua vocação. “A música venceu!”, não se cansa de repetir quase religioso. O maestro vê a Operação Lava Jato como algo muito importante para o país, mesmo com a profusão de delações. “Júlio César dizia que se queremos paz devemos ir à guerra”, filosofa, satisfeito com a derrocada do PT. n

PRIMEIRO AMOR

cretário de Cultura. Emprestou sua empresa, a Paubrasil, para os operadores documentarem doações de origem incerta, digamos, e acabou acusado de laranja do mal afamado Maluf para todo tipo de fraude eleitoral, até sobre o que nem tinha o mais remoto envolvimento. Foi abandonado por todos, inclusive

seus sócios na Paubrasil, e apanhou feito Geni na imprensa. Afastado da política – “encontrei com o João Doria e avisei, mesmo sabendo que ele não tem intenção de me chamar pra nada, que jamais aceitaria nem vaga de faxineiro” –, ele hoje vê a coisa toda de longe, com poucas mágoas. Garante que foi um período difícil,

Um homem de inúmeras paixões, com uma biografia vasta, desses que se emocionam à toa: assim é João Carlos Martins. A sua amada Portuguesa de Desportos, equipe que já foi do primeiro escalão do futebol nacional e hoje pena para não fechar as portas, é uma delas. Ele diz que até tentou ajudar a minorar o sofrimento do clube, propondo uma fusão com o Audax, time do banqueiro Mário Teixeira, mas a diretoria, conservadora, refutou. Em outro campo, os corações femininos que fez suspirar por aí também parecem ter bom lugar e acolhida em seu espírito, apesar de ele não confirmar nem negar, tal qual um agente da CIA. Por fim, a orquestra que montou com jovens carentes lhe faz brilhar os olhos, é fato, e ele atualmente só fala disso. Mas nem mulheres, nem futebol nem projetos sociais: é o piano que está tatuado no peito de João Carlos Martins. Ele admite: "Jamais abandonei meu velho companheiro... todo dia, às cinco e pouco da manhã, eu sento lá, mesmo sem poder tocar, e fico tentando por umas duas horas... às vezes sai alguma coisa", diz, em tom quase melancólico.

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VÁLVULA

COM O CORAÇÃO NA MÃO As duas médicas que estão bombeando oxigênio na cardiologia do Brasil por chico felitti 46 PODER JOYCE PASCOWITCH


FOTO ANDRÉ GIORGI; ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

H

á um mês, Ludhmila Abrahão Hajjar completou 40 anos. Mas ainda não conseguiu pensar se a nova idade veio acompanhada por uma crise. Estava ocupada demais trabalhando. “Eu só pensei: ‘Será que já vivi metade da minha vida?’. Mas isso durou 30 segundos.” Pudera. Às 6h45, a cardiologista já está no InCor, Instituto do Coração, em São Paulo, como diretora clínica, chefe da UTI cirúrgica e coordenadora da pós-graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que administra o hospital. Por volta do meiodia, corre para o Hospital Sírio-Libanês, onde chefia a UTI. A depender do dia, ainda passa no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), no qual comanda uma UTI de 84 leitos. Repete essa rotina sete dias por semana. “Eu não desligo nunca. Nunca”, diz, com o sotaque de Goiás (vem de uma família de fazendeiros de Anápolis) e frases rápidas salpicadas com a palavra “top”. Enquanto conversava com PODER em uma sala de descanso do Sírio-Libanês, na Bela Vista, por exemplo, não desgrudava do celular, por conta de um transplante cardíaco que estava em curso. Ela segue nesse ritmo desde 2005, quando terminou a residência. Em 12 anos de carreira, passou de plantonista a chefe de dezenas dos melhores médicos do Brasil. Ludhmila atribui o sucesso a uma santíssima trindade. “Trabalho, pessoas certas e Deus.” A ordem dos fatores não parece ser coincidência para essa católica que não tem tempo de ir à missa faz alguns anos. Segundo ela, a pessoa mais certa que calhou de aparecer em sua vida tem nome: Roberto Kalil Filho, médico que cuida dos corações mais poderosos do Brasil e um dos nomes mais influentes nos dois maiores centros cardíacos – é diretor da Divisão de Cardiologia Clínica do InCor e diretor-geral do Centro de Cardiologia do Sírio-Libanês. “Ele me deu as oportunidades de trabalho mais importantes da minha carreira.” DANDO O SANGUE Mas, além de corresponder à confiança, Ludhmila teve de costurar suas próprias relações. Como no episódio que

Dra Ludhmila: tese de doutorado que ganhou fama internacional

diz ter mudado sua vida, em 2007. Foi chamada na sala da chefia do InCor e ouviu que muitos médicos mais velhos se queixavam dela – não de seu trabalho, mas de sua postura contestadora. “Reclamavam porque eu era jovem, porque eu era mulher, porque eu não aceitava o que todos os outros médicos queriam.” Ela saiu de lá decidida a se tornar uma pesquisadora faixa preta. Sua tese de doutorado, nascida naquela noite e apresentada três anos depois, analisou o uso de transfusão de sangue durante cirurgias cardíacas e conseguiu provar que utilizar, em média, 30% menos de sangue melhorava o prognóstico. A descoberta foi parar nas páginas do Journal of American Medical Association (Jama), uma das principais

PODER JOYCE PASCOWITCH 47


publicações científicas do mundo, e acabou mudando o protocolo de transfusão sanguínea em cirurgias cardíacas. “A partir desse momento, eu passei a, pelo menos, ser cumprimentada na porta da UTI”, diz, rindo. Ela também ri das lendas que se formaram ao redor dela na época da graduação, na Universidade de Brasília. “Falavam que eu varava noites estudando na biblioteca.” E era verdade? “Não era mentira”, ri. Hoje não é só cumprimentada, como procurada por médicos do mundo inteiro. E tem poder político para mudar áreas da saúde, como a de implantes de corações artificiais no país, por exemplo. Conseguiu verbas para financiar cerca de 40 implantes desse tipo de mecanismo por ano no sistema público. E, quando não consegue, faz tudo para trazer os pacientes para a filantropia do hospital particular. “A gente sempre dá um jeito.” Além das vitórias na medicina, Ludhmila comemora pequenas (grandes, na verdade, para alguém que tem uma agenda como a dela) conquistas pessoais. A mais recente foi conseguir levar a sobrinha para passear. “Eu não vou ter filho mesmo. Então, ela é minha paixãozinha.” Em um domingo, entre as visitas aos pacientes, conseguiu três horas livres para levar a menina a uma festa junina no Parque Villa-Lobos (“Não sabia nem onde era!”). Nunca tira férias. “Como dou muitas aulas em congressos internacionais, estico as viagens dois, três dias.” As roupas discretas com que anda rapidamente pelos corredores dos hospitais em que trabalha ainda são compradas

pela mãe. Mas ela garante ter zero arrependimento por levar uma vida tão ativa – aqui vale o trocadilho – quanto a do músculo cardíaco. “Eu amo minha rotina. Não faria nada diferente. Só queria ter mais de 24 horas por dia para me dedicar mais à pesquisa.” DO LADO ESQUERDO DO PEITO A médica mineira Luciana da Fonseca é tão encantada com a cardiologia quanto a doutora Ludhmila. “Me apaixonei duas vezes durante cirurgias cardíacas”, diz ela, que é a primeira mulher a comandar um transplante de coração no Brasil. Luciana passou a amar o ofício quando viu uma operação de peito aberto, ainda nos primeiros anos da faculdade. “É uma cirurgia muito bonita”, diz, enchendo a boca. A outra paixão à primeira vista aconteceu quando já era a única residente de cirurgia cardíaca no hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, e avistou seu instrutor (e hoje marido), o cirurgião José Pedro da Silva. Luciana não só se destacou na equipe dele, como foi uma das pioneiras dessa área no mundo. Hoje, aos 48 anos, já orquestrou 25 transplantes e centenas de outras cirurgias cardíacas. “Aquele momento em que a pessoa está sem um coração no peito é especial. Nunca perdeu a magia para mim”, diz ela, que conhece o nome e a história de cada paciente de cor. Mas sua experiência fora da sala de cirurgia talvez tenha sido um desafio ainda maior. Quando terminou a graduação e um professor perguntou em que gostaria de se especializar, Luciana respondeu calmamente: “Cirur-

“NUNCA TIRO FÉRIAS. COMO DOU MUITAS AULAS FORA DO PAÍS, ESTICO A VIAGEM” LUDHMILA ABRAHÃO HAJJAR

Dra Luciana em ação no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo

48 PODER JOYCE PASCOWITCH


FOTOS EDU CESAR / FOTOARENA ; ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

gia cardíaca”. Alguns colegas disseram se tratar de uma área muito difícil para mulheres, tanto pela dificuldade em ser contratada quanto pela discriminação em sala de aula. Hoje, os mesmos colegas a parabenizam no grupo de WhatsApp da turma toda vez que leem uma notícia sobre ela. A mais recente bombou nas revistas científicas internacionais. É que ela aprimorou uma técnica que permite operar crianças e bebês por uma incisão feita na axila sem precisar abrir o peito. Tudo sem diminuir o ritmo de trabalho, e ainda servindo como uma espécie de embaixadora para incentivar mais mulheres a abraçar a área. Em 2010, por exemplo, deu uma aula no Congresso de Cirurgia Cardíaca, na Alemanha, para incentivar as residentes a enveredar pela cirurgia, escolha que abraçou quando ainda estava se graduando na Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Também fundou uma tradição: um almoço anual só de mulheres no Congresso Brasileiro de Cirurgia Cardíaca. Mais recentemente, porém, Luciana decidiu respirar fundo e ouvir o que seu próprio coração lhe dizia. Faz um ano e meio que a médica passa mais tempo nos Estados Unidos do que no Brasil – para onde ainda vem com alguma frequência quando tem de operar um paciente. Doutora pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), migrou para a Universidade de Pittsburgh, onde o marido leciona. Atualmente, está fazendo uma revisão geral para uma série de quatro provas necessárias para validar a licença médica nos EUA. “Tive de reaprender muita coisa, mas foi um processo muito interessante. Porque estou com uma visão mais global do que quando saí da faculdade de medicina”, diz a mineira, que preserva o sotaque mesmo 25 anos depois de ter saído de Juiz de Fora. A mudança de país não teve nada a ver com crise na carreira. “Talvez tenha sido a condição política e econômica do país que me fez optar por isso.” A insegurança foi outro fator, já que ela teve o vidro do carro quebrado duas vezes no trânsito de São Paulo. Desde que diminuiu o ritmo da vida profissional, passou a usar as mãos hipertreinadas para cozinhar e cuidar do jardim, além de ter mais tempo para acompanhar o crescimento do filho, João, de 10 anos. Enquanto conversa com PODER por chamada de WhatsApp, pergunta para o garoto se ele sabe o que quer ser quando crescer. “Médico não”, responde o menino. Ela ri. “Não dá para ter tudo.” n

Dra Luciana: à frente de 25 transplantes e de centenas de cirurgias cardíacas

“QUANDO ESCOLHI FAZER CIRURGIA CARDÍACA, ME DISSERAM QUE ERA UMA ÁREA MUITO DIFÍCIL PARA MULHERES” LUCIANA FONSECA

PODER JOYCE PASCOWITCH 49


VIAGEM

SHANGRI -

loridas as, as co VENTO onstruções típic ao sabor do O A S O c BENÇÃ tes em meio às oração ondulam Ponto de n . e Oniprese tivas bandeiras d bre a paisagem gião. a re s so e signific alham bênção os incomuns na sp ir vento e e ra explorar rote a p a id rt a p

FOTOS ISTOCKPHOTO.COM

CALDO CULTURAL A beleza da indumentária das mulheres yi, naxi, baizu, lisu e han exibe a diversidade da região, onde vivem 25 das 56 etnias chinesas-tibetanas. Elas transitam com seus cestos em meio à explosão de text uras e de sabores do mercad o.


- LÁ!

No remoto sudoeste da China, onde Tibete e Yunnan se encontram, fica Shangri-Lá, a mítica região de paz e de felicidade plena descrita por James Hilton em seu livro Horizonte Perdido. Ali, o mosteiro budista-tibetano Songzanlin é reverenciado por seus tesouros e pelas histórias que datam do século 17 Texto e fotos Juliana A . Saad*

A

s s montanhas montanhassagradas sagrade das Meili, de Meili, BalangBalang e Habae envolvem Haba envolvem Shangri-La. ShanCheias gri-Lá.Cheias de terraços de ter-e rasgadas raços e por rasgadas rios epor larios gos, ecomo lagos,ocomo Bitahai o Bitahai e o Shudu, e o Shudu, são são muito muito apreciadas apreciadas por poradeptos adeptos de trekkings e de caminhadas com direito a piqueniques em meio aos vales floridos a 3.200 metros de altitude.


NA MALA

Cerâmicas negras nixi, madeira entalhada de Benzilan, joias de jade, peças de chifre e a colorida pintura tangka fazem de Yunnan um lugar muito especial para quem gosta de arte local.

e , pors de carn os prato mida vaidade AL n C sa O e L in R SABO sença ch s exibidos com tí betanas são nte a pre É marca lings e nos lámen do. Influências ti a p co, dum edores no merc de iaque. e nd pelos ve a saborosa carn n sentidas

PARA SEM

PRE

Ao girar a m maior do m agnífica roda de o ra não deixe undo) que coroa D ção (a de agrade u cer a sere kezong, conquista n d leza e as c a. A paz dos lamas, idade o a betanos ir res dos templos bu gentid ã que você váo acompanhá-lo ao istas-tinde quer .

Lodges deluxe, com banheiras de cobre nas suítes, spa, menus especiais e muito mais interligam circuitos que começam em Shangri-Lá e se estendem pela região. Conforto puro.

*A jornalista viajou com a Visa Turismo

FOTO ISTOCKPHOTO.COM

SONGTSAM LINKA


OLIMPO

olimpo OLIMPO

por guilherme abdalla ilustração bruna bertolacini por guilherme abdalla

APalavra RODA DA forte SOBRE ATALHOS FORTUNA

PARA O TOPO

84 poder joyce pascowitch

de ser derrotado por aquele pobre confundirem comdepois o próprio Estado a– homem? Pois, de lançar l’état c’est moi, como proclamou Luís seta entre as argolas, nosso herói presente. Fundamentos isolados do 14). De alguma forma, pretenderam mirou o próximo alvo: o pescoço passado, aprendidos nas antigas sadode mais dosjurídica pretendenestar acima da carteiras ordem aplilas aulainsolente com enfileiradas, tes. Findo o disfarce, apresentoucável a todos 21 deem janão dão contaos dedemais. explicarEm o poder se como osão, verdadeiro rei e, consemà neiro de 1793, Luís foitempos conduzido rede. Esses de 16 fato, pestanejar, da traição guilhotina avingou-se roda poder avançou turbados. Ee se tiverdo dúvidas, não pro-e de todo o sofrimento causado à sua mais umrede. dente. cure na Seja a rede. n família. Todos foram mortos. n Guilherme Abdalla Guilherme Abdalla Guilherme é advogado advogadoAbdalla ee mestre mestre éem advogado filosofiaeemestre teoria em filosofia filosofia ee teoria teoria geral do Direito direito geral do Direito pela USP. Para ele, o pela USP. Para ele, ele, USP. Para poder é a essência de essência otodas poderaséérelações aa essência as relações relações de todas as

PODER JOYCE PASCOWITCH 53 poder joyce pascowitch 57

foto divulgação

foto divulgação ILUSTRAÇÃO ISTOCKPHOTO.COM

Quem não se comunica, se trumbica, por guilherme abdalla diria Abelardotúlio Barbosa, o Chacrinha. ilustração fagim Se a frase já fazia sentido naquela época, hoje parece ainda mais acertada. Estamos em janeiro de 1793, LuísA vida em rede é o tecido de nossa exis-ao é de hoje que pretendentes 16, rei Não da França, está preso na Torre tência – e a tecnologia da informação, poder articulam por debaixo dos pado Templo, esperando para ser execuumnos grandes domáxipoa derrocada da autoridade tado. Ados realeza estácombustíveis abolida, seu modo der. Da mesma forma que o uso ma, seja ela rei, imperador, presidende viver foi liquidado e tudo que eleda energia elétrica foi a força que impulte ou chefe. Por preguiça ou mesmo aprendeu simplesmente perdeu o sionou Era Industrial, hoje o poder covardia, preferem manosentido. Oa julgamento de atalhos, Luís éCapeto, dabras comunicação a em Eraduro e subterfúgios ao trabalho nome “civil” de Luísque 16, domina começou 11da Informação. O sociólogo espanhol Mado dia a de dia1792. – simplesmente sabem de dezembro A primeira quesnuel Castells, um dosláprincipais pensaque não chegarão de outra forma. tão que se colocou era: como julgar um dores de nossa época, fala bastante sohistória Ulisses, rei de Ítaca, rei que,Asegundo adeConstituição então breilha essalocalizada nova forma poder baseadada na de parte ocidental aplicável, está acima da lei, da Justiça e noGrécia, fluxo instantâneo informação, ilustra bem de isso. Para se tordos poderes do próprio tribunal? Não nar herói da Guerra de Troia, deixou de capital e de comunicação cultural. tardou para que a convenção passasse para trás o reino, a esposa e o filho. Segundo Castells, três processos sobre tudo: “Luís, o povo francês acuEntre a batalha e a viagem de retorindependentes se uniram no fim do sésa-vos de ter longe cometido umapor série de no,20 ficou de casa cerca culo para inaugurar uma nova formade crimes para estabelecer a vossa tirania, décadas, aventuras deduas estrutura social.vivendo Primeiro, a econo- e destruindo-lhe a liberdade”. perigos, com direito a confrontos mia passou a exigir mais flexibilidade Durante a votação, ouviu-sedo com monstros, feiticeiras e (Gesereias, administrativa e globalização capiorges Jacques) Danton, advogado por exemplo. tal, da produção e do comércio. Depois, e político se destacou sua Pouco antes de chegar apor Ítaca, po- ses ao saber do brilhante estratagevieram asque demandas da sociedade, em atuação nos estágios iniciais da ReOs processos revolucionários se ma de sua amada. rém, foi avisado por sua deusa proteque a liberdade individual e a comunivolução Francesa, lançar do alto da sucedem, mas não Os Penélope protelara tanto somos a decitora, Minerva, que alguns pretendencação aberta se tornaram supremos; nossa intimidade. se Eisassemelham. o dilema: tribuna: “Peço à convenção para se primeiros acusados a ser julgados são são que os pretendentes não tolerates a seu trono haviam tomado conta e, por fim, os avanços possibilitados tão dependentes do fluxo informaciopronunciar sem na demora sobre soros representantes dofim, regime riam adiamento. Ao tudo de seus bens esperança dease casar sempre pela revolução microeletrônica. Sob nal que,novo mesmo sabendo que às vezes levava a crer que o regresso de seu Penélope, a rainha, e, dessa mateessas decom Luís”. No ano seguinte, seria depois, vêm por os contrarrevocondições, a internet, uma tec- deposto; somos manipulados quem detém marido não deveria mais ser espeneira, subir ao trono. Desdenhavam a vez do até próprio sentar seguidos nologia então Danton obscura ese sem muita lucionários o poder dentro dessepelos fluxo,revolucionão ousarado. Ela, então, sugeriu uma prova de Telêmaco, filho econdenado sucessor noaplicação banco dos réusdos e ser pouco ouodesviacio– além mundos isoladosde nários mos pregar aexaltados revolta. Se fizermos, de habilidade: aquele que atirasse Ulisses, e desejavam a coroa esqueem processo que durou quatro nistas. A Revolução Francesa mandou deum cientistas, hackers e comunidades estaremos marginalizados. uma flecha que atravessasse 12por arcendo-se de todas as virtudes que um dias. Do alto do cadafalso, Danton milhares de homens ao está cadafalso contraculturais –, tornou-se a alavanca Portanto, se o leitor desoriengolas enfileiradas, um desafio simlíder precisa ter. Penélope, a rainha, teria dito ao carrasco quenova seusforma ini- motivos bastante Mas, na transição para a nossa tado e acha que vive diferentes. em tempos confuples para Ulisses, seria seu novo enrolava seus pretendentes dizendo aparentemente, migos seriam destruídos em pouco todos sucumbiram de ser: a sociedade em rede. sos, não se desespere. Os paradigmas esposo.noção Para de encurtar a história, que Três se casaria com algum deles tão própria tempo. meses mais tarde, seus poder, para principalO problema é que, assim como Es- àintelectuais que usamos comMinerva metamorfoseou o rei se em logo terminasse de bordar um imenprincipais acusadores (Maximilien ao odesejo inquietante tados-nação perdem fronteiras, nós, mente preender que acontece a nossade volta mendigo, o que permitiu que ele so manto; durante a noite, porém, ela de) Robespierre e (Louis Antoine de sua responsabilidade pescom essa necessidade extrema de es- proteger foram determinados em circunstândesfazia a trama tecida durante o dia. participasse do torneio sem resisde) Saint-Just, também seguiram líderes não tinham restarmos sempre conectados, acabamos soal cias(muitos diferentes e dificilmente podem “Adorável mulher!”, teria dito Ulis- tências – afinal, quem teria medo para a guilhotina. serem deuses ou se perdendo nossos próprios contornos, ponsabilidade dar conta depor entender o momento


BASTIDOR

FIO A FIO

Desde que surgiu na Pré-História, o bordado sempre teve uma finalidade puramente estética e ganhou contornos variados mundo afora. No Brasil, Arthur Bispo do Rosário, José Leonilson e o grupo mineiro Matizes Dumont são alguns dos principais representantes da arte de desenhar com linha e agulha por ana elisa meyer 54 PODER JOYCE PASCOWITCH


M

uito antes que o século 20 impusesse seu postulado dogmático de que forma deve ser função, o bordado surgiu para brilhar como peça de valor artístico, não utilitário, uma diferença importante em relação a tantas outras atividades artesanais têxteis. A arte de ornamentar tecidos com fios e materiais variados é uma das mais antigas e esteve presente em diversas culturas desde a Pré-História, quando nossos ancestrais desenvolveram a técnica usando ossos de animais como agulha e fibras vegetais como linha. Nas civilizações antigas que se desenvolveram nas margens do rio Eufrates, essa arte foi muito cultivada e pôde ser apreciada nas túnicas bordadas das figuras que ilustram os monumentos da Grécia antiga. Mas foi só a partir do século 7 que o bordado invadiu o Ocidente e seu uso não se limitou apenas a ornamentar roupas solenes, se estendendo também para a decoração de interiores. Foi o período áureo das tapeçarias e dos tecidos elaborados especialmente fazer cortinas e revestir sofás.

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TRAMA MUNDIAL Durante a Renascença, o bordado assumiu a condição de artesanato puramente decorativo e a Itália, centro de todas as artes, tinha seus bordados como modelo para a Europa. Foram justamente os italianos que, no fim do século 19, trouxeram esse ofício para o Brasil, contribuindo para a formação de uma cultura do bordado que se expandiu pelos país. Exemplo dessa disseminação e assimilação são os bordados característicos do bumba-meu-boi maranhense, com suas lantejoulas e pedrarias, o ponto russo praticado em Primavera do Leste, no Mato Grosso, e as fantasias de Carnaval. O bordado é uma manifestação ar-

Acima, bordado do Grupo Matizes Dumont. Abaixo , obra Empty Man, de 1991, do artista Leonilson

tística que permite a qualquer um que tenha agulha e linha nas mãos possa se expressar. No Brasil, há exemplos muito distintos e fortes: Arthur Bispo do Rosário, o grupo Matizes Dumont e Leonilson são alguns dos nomes que têm papel importante na nossa cultura e contribuíram para essa história – cada um a seu modo. O primeiro, o sergipano Bispo do Rosário (1909-1989), narrou sua vida por meio de sua arte. Diagnosticado com esquizofrenia, foi internado na instituição psiquiática Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde permaneceu por mais de 50 anos. Sua sobrevivência psíquica encontrou no bordado um importante aliado. Considerado louco por uns e PODER JOYCE PASCOWITCH 55


gênio por outros, o conjunto de sua obra, de poderoso conteúdo lúdico, ganhou reconhecimento nacional e internacional. De Minas Gerais vem outro exemplo da força do bordado: o Grupo Matizes Dumont. Formado por três gerações da família Dumont, de Pirapora, cidade por onde

passa o rio São Francisco, eles exprimem a vida e seus costumes com o que chamam de bordado livre, forma artística com pontos abertos, desenhos sem limitações e cheia de significados próprios. Em outra vertente cultural, o artista cearense José Leonilson (1957–1993) intro-

duziu em suas obras um universo subjetivo no qual revelava seus afetos e experiências. O despojamento e o intimismo de seu trabalho guardam um incrível poder de comunicar e de comover. Em 1990, ao se descobrir soropositivo, Leonilson transformou sua obra em diário. n

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FOTOS DIVULGAÇÃO; REPRODUÇÃO; ARQUIVO PESSOAL

Acima, bordado com lantejoulas da Associação Miemart, de Paço do Lumiar, MA. Ao lado, face interna do Manto de Apresentação, de Bispo do Rosário


VIAGEM

TIPOSONHO Mônaco no verão europeu é tudo. Hospedar-se no Hôtel de Paris é icônico. E almoçar ou jantar no Le Grill, o novíssimo restaurante no rooftop do hotel, é das experiências mais agradáveis da saison à beira do Mediterrâneo. PODER esteve lá e super-recomenda por joyce pascowitch* Salada de frutas cítricas

Os melhores vinhos da cave estrelada num terraço pendurado sobre o mar

As cêpes, espécie de cogumelos raros, são algumas das estrelas do Le Grill

O cardápio só tem lugar para produtos locais e produtores da região, com sofisticação na medida exata

FOTOS DIVULGAÇÃO; ARQUIVO PESSOAL

Pense no melhor suflê ao licor Grand Marnier do mundo. Pensou? Este do Le Grill é muito melhor!

Os aspargos frescos, tratados como joias, é uma das entradas preferidas dos exigentes frequentadores Franck Cerutti, chef executivo do Hôtel de Paris-Monte Carlo (à esq.), e o chef Patrick Laine, que trabalha há 20 anos com Alain Ducasse: os responsáveis por transformar o Le Grill no melhor endereço da região * Joyce Pascowitch ficou hospedada no Hôtel de Paris-Monte Carlo a convite da Société des Bains de Mer


MOTOR

Sem fumaça

Eles já tomaram as ruas de várias cidades do mundo. Por aqui já há cerca de 4 mil veículos elétricos e híbridos (que funcionam também com gasolina) circulando e as vendas seguem em ritmo acelerado. Sinal dos tempos, que pedem carros verdes – aliás, esse é o “apelido” dele por camila boni

BMW I3 EFICIÊNCIA GERMÂNICA

À venda no Brasil, o modelo 100% elétrico da montadora alemã tem autonomia de até 160 km sem necessidade de recarregar a bateria. A estrutura é de fibra de carbono, material leve e resistente usado na Fórmula 1. R$ 160 mil


FOTOS DIVULGAÇÃO

PEUGEOT 3008 HYBRID4 CHIC E COMPACTO

O híbrido da francesa Peugeot deve começar a rodar pelas ruas em 2019. O crossover chega na versão Griffe e os primeiros compradores vão ganhar o e-Kick, patinete elétrico dobrável. A ideia é que, mais tarde, os modelos 208 e 2008 também tenham versões 100% elétricas. R$ 139.990

VOLVO XC90 T8 | O FUTURO É AGORA

Conhecida por fabricar os veículos mais seguros do mundo, a sueca Volvo anunciou que daqui a dois anos será a primeira montadora a ter apenas modelos elétricos ou híbridos. E a expectativa é vender 1 milhão de veículos elétricos até 2025. R$ 457 mil

PODER JOYCE PASCOWITCH 59


PORSCHE CAYENNE S E-HYBRID PERUA DO FUTURO

FOTOS DIVULGAÇÃO

Tecnologia híbrida, materiais leves, aerodinâmica otimizada e baixa resistência de rolagem – assim é a SUV da Porsche. Oliver Blume, o presidente da empresa, anunciou que a marca está investindo 1 bilhão de euros para desenvolver um modelo 100% elétrico, previsto para entrar no mercado em 2019. Até 2023, a ideia é que os carros elétricos respondam por metade das vendas no mundo. R$ 432 mil

LEXUS CT 200H SOFISTICAÇÃO EM ALTA

Para completar a lista, a divisão de luxo da montadora japonesa Toyota tem o modelo CT 200h, que aciona o motor elétrico quando necessário sem que o motorista precise mexer um dedo. R$ 130 mil


É DE PODER POR ANA ELISA MEYER

SOPHIA LOREN E CARLO PONTI

FOTOS ALFRED EISENSTAEDT / GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO

* PREÇOS PESQUISADOS EM JULHO. SUJEITOS A ALTERAÇÕES

Os 22 anos de diferença e o fato de terem de se relacionar na clandestinidade por um tempo não impediu Sophia Loren e Carlo Ponti de viver seu grande amor. Grande dama do cinema italiano e um dos mais belos rostos da sétima arte, Sophia, 82 anos, conheceu o célebre produtor de cinema ainda adolescente durante um concurso de beleza. Responsável por criar o mito ao colocá-la nas grandes produções italianas da época, Ponti era para ela a figura protetora de um pai – um professor, um mentor. Tiveram dois filhos e ficaram juntos por 50 anos até a morte de Ponti, aos 94 anos. em 2007.

CLUTCH Diane von Furstenberg R$ 1.250 dvf.com

VESTIDO YSL preço sob consulta ysl.com

ÓCULOS Persol para Luxottica R$ 860 luxottica.com PODER JOYCE PASCOWITCH 61


FERVE

Patricia e Toninho Abdalla

Augusto de Arruda Botelho

BRINDE PODER e Blue Label se uniram para

Isabel e Paulo Humberg

Paloma e Arnaldo Danemberg

Soraya Corona

FOTOS PAULO FREITAS

comemorar o Dia dos Pais antecipadamente. O almoรงo aconteceu no Piselli Sud, no Shopping Iguatemi, em Sรฃo Paulo.


Leonardo Ganzarolli

Gabriela Manssur e José Ricardo Muniz Freire

SORRISO FORTE

Joyce Pascowitch e a dupla de dentistas Fábio Bibancos e José Ricardo Muniz Freire, entrevistados da capa da PODER de julho, reuniram turma animada no Rodeio, em São Paulo, para comemorar o lançamento da edição e falar sobre uma grande aposta da odontologia: as células-tronco extraídas de dentes de leite.

Joyce Pascowitch e Fábio Bibancos

Juliana Gattaz

FOTOS PAULO FREITAS

German Carmona

Daniela Franco Bueno

Anna Paula Nogueira e Vania Ferrari

MAIS EM GLAMURAMA.COM/FOTOS

Mariana Scalzo


COZINHA DE PODER POR FERNANDA GRILO F O T O S G I O VA N N A B A L Z A N O

SU TIL

D IFERENÇA Com sabor mais suave que os outros tipos, a laranja-lima tem lugar cativo em pratos salgados e, claro, nas sobremesas também

D

e origem asiática, a laranja-lima é um presente trazido pelos portugueses no século 16. A Citrus sinensis (L.) Osbeck tem sabor doce e suculência fáceis de ser identificados, especialmente nos meses frios do ano, quando a variação de temperatura entre o dia e a noite faz a fruta armazenar mais açúcar, mas nada que faça o ponteiro da balança se mexer muito. É que as propriedades nutricionais da laranja-lima não são muito diferentes das outras variedades. Uma unidade de 120 gramas, por exemplo, contém 55 calorias, 14 g de carboidratos, 52 mg de vitamina C e 1,6 g de fibras. “Duas unidades de laranjalima fornecem a quantidade de vitamina C que um adulto precisa diariamente”, explica a nutricionista Avany Bon, graduada pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do curso de nutrição da Universidade Anhembi Morumbi, que também fica na capital paulista. Como acontece com as outras laranjas, só é preciso ficar atento ao consumo em forma de suco. Para preparar um inocente copo de 250 ml, por exemplo, é preciso espremer cinco frutas, em média, o que soma até 275 calorias. n

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CRUDO DI TONNO CON ARANCIONE

• Rúcula • Sal a gosto • Pimenta-do-reino branca a gosto • Azeite de oliva

RODOLFO DE SANTIS CHEF DO NINO CUCINA 1 PORÇÃO

INGREDIENTES MOLHO PESTO • 1/2 maço de manjericão • 1/2 xícara (chá) de azeite de oliva • 5 castanhas-do-pará • 1/4 de xícara (chá) parmesão ralado

INGREDIENTES • 90 g de lombo de atum fresco • 1 colher (sopa) de burrata fresca • 1 colher (sopa) de molho pesto • 3 gomos de laranja-lima

MODO DE PREPARO Para o molho pesto, bata o manjericão com o azeite, a castanha-do-pará e o queijo ralado. Reserve. Corte a burrata e o atum em cubos pequenos e tempere eles com sal, azeite e pimenta. Reserve. Em seguida, coloque o molho pesto, o atum e a burrata em um prato, um sobre o outro. Decore com os gomos de laranja-lima e as folhas de rúcula. Regue com azeite e sirva imediatamente. PANELA REDONDA 20 CM SIGNATURE PALM Le Creuset R$ 1.359 doural.com.br

PRATO RASO ÍNDIGO Tania Bulhões R$ 85 taniabulhoes.com.br

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FOTOS GIOVANNA BALZANO; DIVULGAÇÃO * PREÇOS PESQUISADOS EM JULHO. SUJEITOS A ALTERAÇÕES

CARPACCIO DE VIEIRAS E SUPREME DE LARANJA-LIMA

GUSTAVO ROZZINO CHEF DO RESTAURANTE TONTON 1 PORÇÃO INGREDIENTES • 4 vieiras canadenses • 1 laranja-lima em gomos e sem pele • 1 colher (chá) de tobiko (ovas de peixe) • 2 colheres (sopa) de vinagrete de baunilha • Brotos de coentro VINAGRETE DE BAUNILHA • 3 colheres (sopa) de azeite extravirgem • 1 colher (sopa) de suco de limão • 1/2 fava de baunilha (só as sementes) • pimenta MODO DE PREPARO Para o vinagrete, é só misturar todos os ingredientes em um bowl usando um fuet. Fatie as vieiras finamente, coloque os gomos de laranja-lima e o vinagrete por cima. Decore com as ovas de peixe e os brotos de coentro.

BANDEJA BAMBU Blue Gardenia R$ 1.900 bluegardenia.com.br

WAFFLE MAKER Tramontina R$ 1.350 tramontina.com.br

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HIGH-TECH POR FERNANDA BOTTONI

Operação zzzzzzzzz

Se você anda com problemas para dormir, conte com a ajuda destes pequenos anjos tecnológicos para zelar por seu sono

SLEEP GENIUS

App desenvolvido por especialistas em neurociência a partir de uma pesquisa da Nasa para melhorar o sono dos astronautas. Com ele, é possível programar uma noite perfeita com sons relaxantes que diminuem a frequência cardíaca e o ritmo da respiração. Há também uma seleção para quem quer tirar cochilos rápidos. R$ 16,99 DISPONÍVEL PARA ANDROID E IOS

AROMA THERAPEUTICS AROMACARE

SLEEPACE NOX SMART SLEEP LIGHT Este dispositivo ajuda a monitorar e melhora a qualidade do sono. A partir de informações do sono e também do ambiente onde o usuário dorme , o aparelho “calcula” as emissões ideais de luz e som, já que possui sensores para monitorar temperatura, umidade, luz ambiente e ruído. Por meio de um aplicativo, o Sleep Light também identifica o melhor momento de despertar do dono. R$ 470 SLEEPACE.COM

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O difusor criado pela start-up francesa Aroma Therapeutics usa cápsulas que exalam aromas feitos de misturas orgânicas de óleos de alfazema, hortelã, limão, eucalipto, laranja doce e alecrim para induzir ao sono de quem estiver por perto. Segundo o fabricante, esse é o primeiro difusor criado para sessões pessoais de aromaterapia. Cada cápsula pode ser utilizada até dez vezes. R$ 330 (APARELHO + 2 CÁPSULAS) AROMATHERAPEUTICS.FR


VIVO MEDITAÇÃO

Este aplicativo da Vivo ajuda a desenvolver a concentração e a capacidade de lidar com o estresse e a ansiedade por meio de sessões de meditação guiadas pela voz do mestre Satyanatha. O app oferece trilhas sonoras relaxantes, vídeos e animações que auxiliam na prática dos exercícios de respiração, atenção plena mindfulness e consciência corporal. R$ 24,99 (ASSINATURA MENSAL) DISPONÍVEL PARA IOS E ANDROID

2BREATHE SLEEP INDUCER

Trata-se de um “cinto” que funciona em conjunto com um aplicativo para smartphone que monitora e transforma a respiração em “tons” que vão guiá-lo gradualmente a uma respiração mais prolongada... até você pegar no sono de vez. Segundo o fabricante, bastam alguns minutos para acalmar corpo e mente. R$ 570 2BREATHE.COM

NADJA ALVES

Gerente de marketing da Air Europa no Brasil “Não vivo sem Waze, Instagram, WhatsApp e EasyTaxi. O Tecnonutri me ajuda a cuidar da alimentação e, quando o assunto é escolher a playlist do dia, meu app preferido é o Spotify, com opções para todas as ocasiões; e o Viva Decora, para me inspirar. Na hora de viajar, não dispenso o Skyscanner e os aplicativos das companhias aéreas. Para relaxar e dormir, o Sky Guide que identifica as constelações e planetas ao apontar o celular para o céu, e o Sleep Orbit, que permite fazer combinações personalizadas de mais de 100 tipos sons relaxantes.”

SMART NORA

Roncar nunca mais! É o que promete a Nora, empresa de tecnologia com sede em Toronto, no Canadá. Com esse aparelho não invasivo, silencioso e portátil a utilização é simples: basta colocar uma parte dele em uma superfície próxima à cama e a outra sob o travesseiro. Assim que o dispositivo detectar o ronco, a parte que fica sob o travesseiro infla e desinfla repetidamente até você pará-lo.

FOTOS DIVULGAÇÃO

R$ 950 SMARTNORA.COM

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CULTURA INC. POR ELOÁ ORAZEM

A NOVA ONDA DE

CAO HAMBURGER N

ovelas não faziam parte de seu roteiro de vida, mas como o destino não segue scripts à risca, o cineasta Cao Hamburger é hoje quem escreve a trama da nova fase de Malhação, novela adolescente levada ao ar pela TV Globo desde 1995. A ambientação, com ele, mudou: saiu a academia de ginástica carioca para entrar em cena São Paulo, onde cinco garotas de estilos e realidades diferentes compartilham suas experiências – amorosas, sexuais, culturais, comportamentais, políticas. Deu certo: a novela atingiu sua melhor audiência em oito anos. Num dos trabalhos mais desafiadores de sua carreira, o paulistano de 55 anos, diretor dos filmes Xingu e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, conta que vem se transformando junto com a obra. “Na minha adolescência, meu círculo de amizades era majoritariamente masculino. Agora descubro que as mulheres se relacionam de forma diferente, mais íntima”, diz ele, que tem usufruído de uma consultoria informal da própria filha, de 26 anos – nada que o faça mudar o rumo da trama: “Sei exatamente para

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onde quero levar essa história, mas a temperatura do público me faz destacar uma coisa ou outra”, completa. Além do conteúdo dos 200 capítulos que se comprometeu a escrever (na verdade coordenando, como é tradicional nesse tipo de trabalho, uma equipe de profissionais como o roteirista e dramaturgo Mário Viana), Cao teve de pensar também na forma, para que Malhação ficasse bem mais contemporânea. “Tenho empregado na novela o que aprendi fazendo séries. É difícil levar o jovem para a TV, sobretudo quando há tantas outras telas disponíveis”, diz. A boa recepção do público ganhou, aos olhos de Cao, ainda mais importância por conta do alcance da novela, exibida em território nacional. “É uma

O paulistano Cao Hamburger e as atrizes que deram uma cara completamente nova à velha novela global Malhação

responsabilidade enorme retratar histórias que se passam num momento conturbado da vida, um liquidificador de emoções”, c0nta. “Os pais deveriam assistir, porque a adolescência dos filhos é um período de transformação e adaptação para eles também.” Questões geracionais à parte, o autor tem trabalhado ainda questões sociais, ao enxertar na trama dualidades simbólicas, como a oposição escolas privadas/escolas públicas. Não é exagerado dizer que Cao incorporou o mesmo espírito questionador de seus jovens protagonistas para fazer Malhação justificar o slogan utilizado pela Globo como subtítulo desta edição da novela: Viva a Diferença. n

FOTO GLOBO / REINALDO MARQUES

O diretor paulistano do sensível O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias brilha em nova e inesperada encarnação, como autor da novela teen Malhação


FOTOS ANDRÉ/GIORGI FOTO GLOBO RAMON VASCONCELOS

“Uso em Malhação o que aprendi fazendo séries. É difícil levar os jovens para a TV quando há tantas outras disponíveis ” PODER JOYCE PASCOWITCH 73


FOTOGRAFIA

GUERRA SEM FIM Referência no tema indígena, Claudia Andujar segue lutando como pode pelo direito dos ianomâmis de ocupar as terras que lhe pertencem

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FOTO CORTESIA DA ARTISTA; FOTO DIVULGAÇÃO DA SÉRIE MARCADOS (1981-1983)

E

la sobreviveu a uma guerra na Europa para jurar a si mesma que jamais repetiria a experiência, mas o fez sem saber que tomaria para si como missão outra experiência violenta: ajudar a tribo ianomâmi, que vive no norte do Brasil, a existir. Sua arma? Uma câmera. Hoje, a fotógrafa é referência no tema indígena, tendo editado livros como Marcados, que ajudaram a dar conhecimento ao povo ianomâni. Nascida na Suíça e criada pelo mundo, Claudia Andujar, 86 anos, é filha de um engenheiro húngaro judeu, assassinado em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Toda a família paterna foi dizimada pelo mesmo motivo. Claudia e a mãe pagaram caro pela sobrevivência e quis o destino que a rota de ambas passasse pelo Brasil. Aqui, ouviu falar de uma tribo indígena quase intocada que vivia próxima à fronteira com a Venezuela. Em 1971, Claudia desembarcou nas terras dos ianomâmis, vestindo jeans e camiseta. “Eles não sabiam se eu era homem ou mulher, por conta da calça. As mulheres se aproximaram e me tocaram, na tentativa de decifrar meu gênero. Não foi nada agressivo, foi curiosidade mesmo”, relembra, do apartamento encharcado de luz natural em que vive sozinha, no bairro da Bela Vista, em São Paulo, onde recebeu PODER. A câmera, a princípio, seguia em ponto morto – não por falta de interesse, mas por excesso de respeito. “Não queria clicá-los sem consentimento. Era importante para mim que eles soubessem que eu não tinha a intenção de prejudicá-los”, explica.

Com o tempo e com a dedicação genuína para se moldar à vida local, e não o contrário, Claudia ganhou a simpatia da tribo e a bênção para eternizar o cotidiano que se desenrolava ali. Os cliques despretensiosamente artísticos (ela não gosta da palavra “arte”), foram o começo de uma revolução. A fotógrafa, alguns amigos e interessados passaram a lutar pela demarcação do território ianomâmi. A vitória chegou em 1992, mas a vida não segue o contrato: ainda hoje a porção de terra destinada aos índios é invadida por garimpeiros e ameaçada pela pecuária. Para além da ganância, as doenças trazidas pelos brancos impõem um desafio por vezes mortal aos membros da tribo. “Eu continuo fazendo o que posso para ajudá-los, ainda somos muito próximos”, diz, com a tranquilidade de quem aprendeu a respeitar o tempo das coisas – um dos muitos presentes que ganhou dos índios. A maioria dos regalos estão espalhados pela sala, como decoração ou lembrança, mas os mais valiosos Claudia carrega no peito – e esses ela usa para nunca esquecer que a luta ainda não acabou. n


TV ASSIM NA TELA, COMO NO LIVRO

FOTOS DIVULGAÇÃO; EAMONN MCCABE / GETTY IMAGES

O sucesso estrondoso do seriado The Handmaid’s Tale, adaptação televisiva de um conto perturbador de Margaret Atwood, abriu caminhos para que outros trabalhos da premiada escritora canadense estrelassem no streaming também. A Netflix acaba de divulgar o trailer de Alias Grace, minissérie de seis horas que narra a história da assassina Grace Marks, interpretada pela atriz canadense Sarah Gadon. Ambientada no século 19, Grace, imigrante irlandesa sentenciada a passar o resto da vida na prisão depois de assassinar seu empregador e sua amante.

LIVRO CONTAGEM REGRESSIVA Com 316 páginas, o livro Annie Leibovitz: Retratos 2005-2016 traz os principais cliques da fotógrafa norte-americana nos últimos 11 anos. Lançado pela editora Phaidon, a obra vem com imagens inéditas. Não faltam, claro, os portraits de celebridades, espécie de marca registrada da fotógrafa. O leque é variado, da performer sérvia Mariana Abramovic ao ator James Franco. Publicado em tiragem limitada, já está disponível para pré-venda no site phaidon.com por US$ 90 (sem taxas de importação e transporte). O envio começa em outubro. PODER JOYCE PASCOWITCH 75


PODER É

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2 - IR AO FESTIVAL INTERNACIONAL DE VENEZA... O mais antigo festival de cinema do mundo integra a

4

programação da Bienal de Veneza e, charmoso, inclui a exibição de longas em cinemas históricos pelos arredores da cidade. Um dos pontos altos é a solenidade de entrega do prêmio Jaeger-LeCoultre Glory to the Filmmaker, de que já foram merecedores a Al Pacino e Spike Lee, entre outros. De 30 de agosto a 9 de setembro. 3 - PERDER-SE NA FEIRA INTERNACIONAL DE DESIGN, EM HONG KONG… Além de peças e instalações, o evento reúne um time afiado de palestrantes. Este ano há nomes como Ander-

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son Lee, Inge Goudsmit e Alan Chan, entre outros. Dos dias 25 a 27 de agosto. 4 - FAZER UM TÚNEL DO TEMPO NA EXPOSIÇÃO A ERA DOS GAMES... O que antes era visto como mera diversão hoje é uma indústria que movimenta mais dinheiro que o cinema e a música juntos. Os videogames são tema de uma megaexposição que já rodou 25 países. A mostra dá ao público a chance de interagir com mais de 150 jogos de sucesso, do fliperama à caçada de pokémons virtuais. No Pavilhão da Bienal, no Parque

Ibirapuera, em São Paulo. Até 12 de novembro. 5 - ASSISTIR À MOSTRA DE CINEMA URUGUAIO… Promovida pelo Consulado-Geral do Uruguai em São Paulo, em parceria com o Instituto Cervantes, a mostra tem entrada gratuita. Um dos filmes programados é O Banheiro do Papa, de 2007. O longa conta a história de Beto, contrabandista que tenta explorar financeiramente a passagem do líder da Igreja Católica por uma cidadezinha do interior do paisito. De 21 a 25 de agosto.

FOTOS DIVULGAÇÃO; CORTESIA DIOR; IAN GAVAN / DIVULGAÇÃO

1 - VISITAR A MOSTRA DA DIOR EM PARIS… Christian Dior, Designer of Dreams tributa a obra do estilista francês e da maison que fundou. Além de cobrir diferentes aspectos da carreira do estilista, a mostra enfoca o trabalho dos diretores criativos que o sucederam. Os curadores Olivier Gabet e Florence Müller selecionaram mais de 300 vestidos. Até 7 de janeiro, no Musée des Arts Décoratifs, em Paris.

5


UNIVERSO PARTICUL AR POR CAMILA BONI

FOTOS GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO; ISTOCKPHOTO.COM

O ator Antonio Fagundes se define como “analfabyte”, já que, para ele, redes sociais são pura perda de tempo. No mundo analógico, ele se desdobra entre papéis no teatro, no cinema e na televisão, lê compulsivamente e tem uma coleção inusitada Aos 68 anos, Antonio Fagundes não está nem um pouco preocupado em ter um computador, muito menos em criar uma conta no Facebook, no Instagram ou em qualquer outro tipo de rede social. “Não que-

ro perder tempo fotografando batatinha frita. As redes sociais tomam de duas a três horas do dia. Eu prefiro usar esse tempo produzindo alguma coisa, assistindo a filmes ou lendo, por exemplo”, diz o ator que devora, em média, 100 livros por ano. Com uma intensa rotina profissional, que inclui cinema, teatro e televisão, ele ainda se dedica a uma curiosa coleção de bengalas. “Eu nunca parei para contar, mas devo ter mais ou menos umas 45”.

Em cartaz até 1º de outubro, no teatro Tuca, em São Paulo, com Baixa Terapia, faz par romântico com a ex-mulher Mara Carvalho, mãe de seu filho Bruno, que contracena com Alexandra Martins, atual namorada de Fagundes. Como se não bastasse, trabalha na peça ainda o diretor de produção Carlos Martin, que namora Mara, e a tradução do texto escrito pelo argentino Matías Del Federico coube a Clarisse Abujamra, que já foi casada com Fagundes. n

MELHOR LUGAR DO MUNDO:

biblioteca BRASIL: confuso DIRETOR: John Ford

POLÍTICA:

imprescindível CRENÇA: no homem FAMÍLIA: união COMIDA: simples ATRIZ: Claire Danes

PERSONAGEM MARCANTE:

Cyrano de Bergerac FILME: Queimada

(dirigido por Gillo Pontecorvo) PERSONAGEM QUE QUER FAZER: todos


CABECEIRA UM ESTUDO DE HISTÓRIA, ARNOLD TOYNBEE

CASA-GRANDE & SENZALA, GILBERTO FREYRE

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), LUIZ CARLOS CABRERA conta que adorou ser entrevistado para esta seção, mas que escolheu os livros com dor no coração. “Tenho uma biblioteca com mais de mil volumes e posso dizer que li quase todos. Nessa redução, ficaram pelo caminho livros sobre gestão, romances, crônicas”, lamenta ele, que é sócio-fundador da PMC - Panelli Motta Cabrera & Associados, uma das mais prestigiadas consultorias do país em executive search e conselhos administrativos. Para sofrer menos, Cabrera decidiu se ater a seis de seus vários livros de cabeceira, obras que revisita sempre e que o surpreendem todas as vezes. “Como o repertório da gente muda, a interpretação também é diferente.” Ele credita seu gosto pela leitura à mãe, dona Celina, e à dona Ivete, sua professora de português durante os três anos do colegial na Escola Estadual Professor Alberto Conte, em Santo Amaro, bairro da zona sul de São Paulo. por márcia rocha

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O FENÔMENO HUMANO, TEILHARD DE CHARDIN

“Meu contato com esse autor também foi por causa da conversa com Drucker. Comecei pela fisolofia existencial e, depois que li esse livro, percebi que todos os autores que escreveram sobre motivação colaram dele. Ler sobre história e filosofia foi um divisor de águas na minha vida pessoal e profissional.”

O GESTOR EFICAZ, PETER DRUCKER

“Quando li esse livro, já estava fazendo pósgraduação na FGV. Tive um professor, Carlos Osmar Bertero, que considero um dos melhores da escola, e ele falava do Drucker. Eu acho o máximo como Drucker escreve: ele diz o óbvio, o que está na cara e a gente achava complexo. Tenho um exemplar em inglês autografado.’’

O ENCONTRO MARCADO, FERNANDO SABINO

“Durante o curso de engenharia [no Instituto Mauá de Tecnologia, em São Paulo], tinha muita matéria para estudar. Por isso, lia menos, lia livros mais curtos. Minha paixão por cronistas e por Fernando Sabino vem dessa época. O que me encanta é o jeito que ele escreve. Já tinha paixão por escrever – e comecei a gostar mais ainda. Ler crônicas ajudou muito na minha maneira de analisar os outros e o mundo. Mudou até meu jeito de dar aulas.’’ THE GLOBAL CHALLENGE: INTERNATIONAL HUMAN RESOURCE MANAGEMENT DE PAUL EVANS, VLADIMIR PUCIK E INGMAR BORGMAN

“Na década de 1990, fiz alguns cursos do Insead [Institut Européen d’Administration des Affaires, uma das mais prestigiadas escolas de negócios europeias, que fica em Fontainebleau, na França]. Fiquei impresssionadíssimo com a estrutura acadêmica deles e me tornei muito amigo de Paul Evans, um dos professores. Eu o hospedei em casa quando ele veio ao Brasil, viajamos juntos para fazer palestras, e eu acompanhei o 'nascimento' desse livro. Eu tenho a primeira e a segunda edição autografadas por ele. Esse livro mudou minha maneira de dar e de estruturar as aulas. Tem muitas coisas das minhas aulas que são retiradas desse livro, que é uma verdadeira bíblia dos recursos humanos.’’

FOTOS DIVULGAÇÃO; LETÍCIA MOREIRA

ESTANTE

“Dona Ivete nos passou esse livro no segundo colegial. Disse que estava na hora de a gente entender o Brasil. Tinha 16 anos. Acho que aproveitei uns 40% .’’

“Tive o privilégio de ser aluno de Peter Drucker [guru da administração conhecido por ser conselheiro de grandes nomes do mundo corporativo] e, em uma conversa, contei sobre minha carreira. Ouvi o seguinte: ‘Você fez quatro perguntas durante minha apresentação (sobre o desenvolvimento da ciência de administração no mundo ocidental), e percebi que você não entende nada de história nem de filosofia. Se quiser ler melhor o mundo, precisa ler mais sobre esses temas’. Eu ainda perguntei de que historiador ele gostava e ele indicou [o britânico] Toynbee. Na hora, fiquei com raiva, porque achei que ele ia me mandar estudar finanças, recursos humanos.”


CARTAS cartas@glamurama.com

HOMENAGEM

Parabéns, Joyce Pascowitch, pelo merecido prêmio Contribuição ao Jornalismo, recebido no Troféu Mulher Imprensa [10 de julho, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo]. Certamente, você é um exemplo e inspiração para a nova geração de jovens jornalistas pela forma incansável com a qual se dedica ao seu objetivo e à profissão. Temos muito orgulho em tê-la como parceria e amiga, que tão gentilmente nos ajuda a divulgar e a incrementar as iniciativas que promovem a relação BrasilEstados Unidos. Mariju L. Bofill, adida de imprensa do Consulado-Geral dos Estados Unidos da América em São Paulo, via e-mail

DENTES PRA QUE TE QUERO

Extremamente importante a matéria de capa com os doutores Fábio Bibancos e José Ricardo Muniz Ferreira (PODER 107). Por meio de um procedimento relativamente simples (extração do dente de leite) podemos ter acesso às célulastronco. Estamos muito próximos de um futuro praticamente livre de doenças incuráveis e de tratamentos de longevidade com qualidade de vida. Meus sobrinhos vão fazer parte desse grupo de pessoas. Pablo Gil Silva, de São Paulo, via e-mail

FOTO MAURÍCIO NAHAS

SUAVE PRESENÇA

Renato Góes, além de lindo, é um superator! Gostei muito da matéria (PODER 107) em que ele fala sobre seus filmes e livros preferidos e estou amando vê-lo interpretar o doutor Renato Reis em Os Dias Eram Assim, na Rede Globo. Estela Nogueira, de Belo Horizonte, via e-mail

ELAS ESTÃO COM TUDO

Muito divertido o texto sobre as supersecretárias (PODER 107). Mesmo ganhando muito bem, tenho minhas dúvidas se a vida delas é mesmo tão boa assim. Elas devem aguentar cada coisa... Miriam Mendes de Almeida, de São Paulo, via e-mail

NA REDE: /Poder.JoycePascowitch

@revistapoder @revista_poder

PODER JOYCE PASCOWITCH 79


Diretora, roteirista, cantora e, principalmente, uma das atrizes mais emblemáticas do cinema francês, Jeanne Moreau atuou em mais de uma centena de filmes durante seus 65 anos de carreira. Jules et Jim, de François Truffaut, Amantes, de Louis Malle, O Diário de uma Camareira, de Luis Buñuel, e Joanna Francesa, de Cacá Diegues, entre outros. Defensora dos direitos das mulheres, a musa da nouvelle vague se aposentou aos 87 anos. Morreu no fim do mês passado, aos 89.

FOTO RON BURTON / GETTY IMAGES

TAPETE VERMELHO



trans•for•ma•ção (substantivo feminino)

Do latim TRANSFORMATIO. Qualquer tipo de alteração que modifica um sistema dando uma nova forma, aspecto, molde ou aparência a partir de um fenômeno de mudança. 2 Uma visão inovadora sobre novos modelos corporativos, alinhando talentos à estratégia de crescimento da sua empresa para impulsionar ainda mais seus negócios. Tudo isso, aproveitando oportunidades que criam valor nos mais diferentes cenários, explorando seus pontos fortes e gerando um crescimento contínuo. 1

Termos relacionados:

Transformar o capital humano, crescer e criar vantagem competitiva, otimizar deals, transformar dados em oportunidades de negócios.

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