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CULTURA INC
POR LUÍS COSTA
ESSE CARA SOU EU
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Breno Silveira diz que levar a vida de Roberto Carlos para a telona é o maior desafio de sua carreira
Era começo de 2017. O diretor Breno Silveira rodava Entre Irmãs, no sertão alagoano, quando recebeu um convite irrecusável: filmar a vida de Roberto Carlos. Foi o próprio cantor quem o escolheu para contar sua história no cinema. Silveira conhecia Roberto desde a produção de À Beira do Caminho, de 2012, filme baseado nas canções do Rei. Na verdade, Silveira conhece Roberto há muito mais tempo, só que de outro jeito. Aos 19 anos (hoje, tem 54), depois de uma decepção amorosa, recebeu do pai um disco de Roberto e um conselho: “Para você aprender que todo mundo sofre”. Começava ali a admiração que se mantém até hoje.
Para conhecer em detalhes o biografado, foram longas horas de reuniões nos estúdios do cantor, na Urca, zona sul do Rio de Janeiro. O mais popular artista brasileiro contava sua vida a Nelson Motta e a Patrícia Andrade, que assinam o roteiro do filme. Segundo o diretor, Roberto foi sincero e aberto, sem fugir de temas delicados – o episódio do acidente na infância que o fez perder uma perna, por exemplo, vai ser contado por ele pela primeira vez. “O que eu sinto nele é uma vontade muito genuína de relatar o que aconteceu”, diz Silveira. E completa: “Não é uma biografia não autorizada ou uma pesquisa, mas Roberto contando o que viveu pelo próprio olhar” [em 2006, o jornalista Paulo Cesar de Araújo lançou a biografia Roberto Carlos em Detalhes, impedida de circular por conta de uma ação civil movida pelo cantor.
RECORDAÇÕES
São as canções que guiam as memórias de Roberto. “Esse cara cantou o que viveu”, diz Silveira, que conta ter ouvido histórias de um homem que experimentou os amores e as angústias das letras que compôs. “Quando você descobre as fases e interliga as músicas, é muito emocionante. Eu chorei várias vezes porque, quando você vai à música e começa a entender o porquê daquela letra, entende também a vida do Roberto. Isso é lindo.”
A primeira leitura do roteiro aconteceu em dezembro do ano passado. A expectativa é que a produção – que envolve um complexo trabalho de caracterização de diversa épocas – avance até 2019, quando se espera que o filme seja lançado.
“É um dos maiores desafios da minha vida”, diz Silveira, que, em 2006, dirigiu 2 Filhos de Francisco, cinebiografia da dupla Zezé di Camargo e Luciano e nona maior bilheteria da história do cinema nacional. “Estou morrendo de medo e ao mesmo tempo de vontade. Quero que seja algoque transforme a visão que a gente tem do Roberto, alguma coisa que fique para sempre.”
CRIADOR E CRIATURA
Vencedor do Jabuti, maior prêmio literário brasileiro, o escritor mineiro Silviano Santiago fala sobre Machado e revela que pretende escrever suas memórias
Silviano Santiago, 81 anos, diz que Machado (Companhia das Letras) começou a ser escrito ainda na sua juventude, em Belo Horizonte, quando passou a ler o maior gênio literário brasileiro. Essa longa jornada de compreensão do mestre rendeu ao escritor mineiro o último Prêmio Jabuti de livro do ano de ficção, entregue em novembro do ano passado.
Entre a pesquisa documental e o romance, o livro narra os últimos anos de vida de Machado de Assis (1839-1908), combalido pela viu
vez e pela epilepsia. Fato e imaginação se conjugam em uma narrativa histórica e literária. Doutor em letras pela Sorbonne e escritor com extensa obra ficcional, Santigo experimentou em Machado um exercício de hibridismo textual. “É a intercomunicação entre os vários usos e as várias formas da linguagem literária e artística que me ajudam a imaginar e a compor um texto”, diz o escritor, que refuta a ideia de uma segmentação restrita na literatura. “Sou um tanto avesso à ditadura das categorias tradicionais: romance, conto, ensaio, biografia. Acredito que a noção de ‘texto’ tirou do pedestal a noção canônica de gênero, assim como a revolução comportamental originada dos anos 1960 vem questionando a organização sexual da sociedade por duas identidades fixas”, compara. O pesquisador – e julgo que o seja – busca e, se tiver sorte, encontra o fato histórico que pode alimentar a imaginação vigorosa do romancista”, pontua. Com base em pesquisas, ele mostra, por exemplo, os primeiros passos do tratamento clínico da epilepsia no Brasil, com destaque para o Hospital dos Alienados, que reuniu grandes especialistas da época. “Tenho de acreditar que tanto Machado de Assis quanto o conhecimento histórico do período saem enriquecidos pelo híbrido”, afirma.
O que Machado ensinou a Silviano Santiago? “Tudo e nada”, ele responde. “Umas das belas coisas da literatura é que o artista pode trair o mestre, deve trair o mestre, para que melhor saliente tanto o aprendizado quanto a própria originalidade”, diz. “Faço coisas que Machado fez, e fez muito melhor do que eu, e outras que ele nunca teria tido coragem de fazer. Aquilo é dele; isto é meu, só meu.” Aos 81 anos, Santiago acredita que já é possível, para usar suas palavras, dar-se de presente a escrita das memórias. “Tive uma vida que se não foi interessante foi ao menos divertida, e acho que ela merece ser contada em suas andanças pelo mundo e aprendizados em variados países”, afirma. São os “exílios” de Silviano Santiago – não no sentido político, ele explica, mas no de aprendizado pela viagem. As memórias passeariam por cidades que estão no itinerário afetivo do escritor, a começar por Formiga, onde nasceu, na região oeste de Minas Gerais. Viriam ainda, entre outras, o Rio de Janeiro e a Paris dos anos 1960, em plena guerra da Argélia. “Poucas pessoas sabem que fui, em Paris, um anônimo locutor da Radiodiffusion-Télévision Française, tendo como companheiro, numa sala ao lado, o então jovem e desconhecido Mario Vargas Llosa”, lembra Santiago.
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A METRÓPOLE EM PROSA
Um painel de 20 narrativas guia a leitura de A Cidade Dorme (Companhia das Letras), novo livro do premiado escritor mineiro Luiz Ruffato. São textos escritos nos últimos 15 anos sobre o tempo, a memória, a família. A partir do ponto de vista do trabalhador urbano, Ruffato reflete sobre o Brasil dos grandes centros e das periferias. As narrativas passeiam da infância à idade adulta, da margem ao miolo das metrópoles, com histórias sobre futebol, ditadura, violência urbana, drogas, entre outros tópicos da vida na cidade.
PALCO
NIKOLAI LUGANSKY NO RIO
Um dos mais consagrados pianistas da atualidade, o russo Nikolai Lugansky faz única apresentação no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 20 de março. Considerado pela revista especializada Gramophone como “o mais peculiar e mercurial de todos os intérpretes”, pela profundidade e versatilidade de suas interpretações, Lugansky, vencedor do tradicional Concurso Internacional de Piano Tchaikovsky, vai interpretar obras de Schumann, Chopin e Rachmaninoff.
Câmera nômade
Uma exposição com cerca de 120 fotografias documenta o itinerário nômade de Pierre Verger, um dos mais importantes fotógrafos do século 20, na Galeria Marcelo Guarnieri, no Jardim Paulista. Entre os anos 1930 e 1960, Verger – francês que se naturalizaria brasileiro – fotografou a vida em países da África, da Ásia e das Américas. A mostra reúne trabalhos feitos para agências e revistas, estudos etnográficos na costa do Benin e na Bahia, além de fotos que retratam festas, rituais e cotidiano em países como Peru, Vietnã, Estados Unidos, Nigéria e Brasil. A visitação é gratuita e fica aberta até 4 de abril.
BALÉ PARA CAETANO O Balé da Cidade de São Paulo – que completa 50 anos em 2018 - estreia a temporada com o lançamento mundial de Um Jeito de Corpo, espetáculo inspirado nas músicas e na literatura poética de Caetano Veloso. A criação é de Morena Nascimento, que foi integrante da renomada companhia Tanztheater Wuppertal, de Pina Bausch. As apresentações ocorrem de 15 a 25 de março, no Theatro Municipal.