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Jojo Todynho conquistou o Brasil com seu jeito despachado e irreverente

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por nina rahe

Gente, tô devendo resposta pra vocês, mas, por favor, compreendam: estou curtindo minha beleza, já me volto pros compromissos”, foi o que postou em seu Instagram a atriz e escritora Taísa Machado, criadora do projeto Afrofunk Rio, que utiliza a potência do rebolado como forma de empoderamento feminino. Curtir a beleza, no entanto, nem sempre foi fácil. “É um trabalho diário ir encontrando essa beleza que está no seu corpo, mas que alguém – muitos ‘alguéns’, na verdade – disse que não está”, ela explica.

Desde a adolescência, Taísa se lembra de como os padrões impostos às mulheres foram, aos poucos, minando sua autoconfiança. A sensação de se sentir bonita, ela conta, durou até os 7 anos, quando foi percebendo que em nada se parecia com os ídolos que eram cultuados, entre Xuxa, Angélica e Eliana, todas loiras e magras. Foi nas páginas de uma revista adolescente também que Taísa se deparou com uma declaração do cantor Rodriguinho, do grupo Os Travessos, de quem era fã, sobre o peito que uma mulher deveria ter para ser considerada bonita. Desprovida dos atributos contidos na descrição, o jeito encontrado por Taísa para se enquadrar nela foi conversar com os outros sempre com os braços pressionando os seios, em uma tentativa de torná-los aparentemente mais firmes e empinados. Nessa mesma época, o filme mais visto por ela era Uma Linda Mulher, no qual a atriz Julia Roberts interpreta uma prostituta que é contratada para ser acompanhante do personagem vivido por Richard Gere, um homem de negócios, e os dois acabam se apaixonando. “Ela já era bonita e foi escolhida para se tornar mais bonita porque um homem poderoso disse que ela podia”, resume a atriz e escritora.

Quando leu o livro Mulheres e Deusas (HarperCollins), do filósofo e pesquisador Renato Noguera, Taísa se identificou com a noção de beleza da mitologia iorubá, na qual uma mulher é considerada bonita a partir de suas realizações. É por isso que, no Afrofunk Rio, seu desejo é trabalhar contra essa cultura hegemônica que tira a autoestima e a capacidade das mulheres desenharem sua própria beleza. Ali, não há coreografias e a dança é feita em cima da improvisação, construindo o que é belo a partir “da coragem e habilidade de mexer o corpo”.

A ideia que temos até hoje da beleza como uma dádiva divina, de acordo com Noguera, vem da mitologia grega. O concurso entre Hera, Afrodite e Atena para determinar qual das três era a mais bela, por exemplo, está baseado em uma competição na qual não há nenhum treinamento ou esforço para vencer, já que a beleza está calcada apenas na genética e na juventude. “Mitos poderosos sustentam a ideia naturalizada que faz da mulher um ser humano de segunda categoria”, escreve o autor no livro, que também conta como as representações das divindades ajudam a construir uma ideia de feminilidade em desvalia, baseada na crença de que “mulher precisa de um homem que lhe dê o nome”; “mulher tem instinto materno natural e está ligada à natureza (uma di-

mensão que deve ser dominada pelo homem)”; e “mulher precisa atender minimamente aos padrões de beleza”. Entre os mitos femininos gregos que são destacados, há desde Hera – ela encarna a mulher fiel, recatada e discreta, que releva os deslizes do esposo (Zeus) sem atacá-lo e reafirma o patriarcado ao eleger outras mulheres como rivais – até Medusa, que deveria se manter casta e, quando é violentada por Poseidon, acaba desacreditada e destituída de sua beleza e da condição de deusa imortal. O último, conforme argumenta Noguera, aponta para as bases do sexismo no Ocidente: “Em uma sociedade patriarcal, a beleza é uma qualidade praticamente ditatorial: as mulheres não têm direito à feiura, sob o risco de serem rejeitadas, o que constitui, por si só, uma estratégia perversa de dominação e controle”.

Reescrever essa história, nesse sentido, tem se mostrado cada vez mais urgente para redefinir o papel feminino. Em Nós, Mulheres – Grandes Vidas Femininas (Todavia), a escritora espanhola Rosa Montero reúne mais de 90 biografias, com protagonistas de 2700 a.C até a atualidade. Nomes como Agatha Christie, Frida Kahlo e Simone de Beauvoir estão ao lado de outros menos conhecidos, como Merit-Ptah, médica-chefe no Antigo Egito, primeira mulher na história da ciência, e Valentina Tereshkova, operária em uma fábrica têxtil que se tornou não só a primeira mulher, mas o primeiro civil a viajar ao espaço. “São modelos tão diversos que, naturalmente, me sinto mais próxima de algumas do que de outras, e de algumas que são tremendamente egocêntricas, passivas ou assassinas, sinto-me distante”, conta Rosa. “Uma das maravilhas que esse livro mostra é que as mulheres podem ser tudo, corajosas e covardes, pessoas boas e muito más, assim como os homens. E isso é magnífico, porque não aspiro que as mulheres sejam santas, mas livres.”

Como ela, a escritora e historiadora Mary Del Priore também optou por um recorte diferente dentro dessa narrativa. Em seu mais novo livro Sobreviventes e Guerreiras (Planeta), por exemplo, ela decidiu fugir do que chama de “coitadismo” e resolveu que deveria refletir sobre as formas que a mulher brasileira encontrou de resistir ao patriarcalismo. “Nós ficamos com essa ideia permanente de que as mulheres foram sempre subservientes e o que os documentos históricos mostram é que não, que elas desde sempre foram à luta”, diz. “As mulheres começam a se tornar letradas desde o início do século 19 e vão escrever para jornais, abrir escolas, participar da política e depois, com o desenvolvimento cultural, partem para a vida pública e vão ser nacionalmente conhecidas”, argumenta. A própria escritora é um exemplo de protagonismo feminino. Como tantas outras mulheres, ela se casou cedo e se dedicou à maternidade antes de seguir uma carreira profissional. “Nasci em um ambiente social no qual o casamento era o mais importante para a mulher e saí do colégio interno diretamente para o altar, com 19 anos. Não havia projeto de trabalho e nenhum pai nem mãe dizia que você

precisava se formar para ter uma carreira.” Foi somente em 1980, com quase 30 anos, após o casamento e três filhos, que Mary ingressou na faculdade para estudar história.

No caso da arquiteta e urbanista Tainá de Paula, vereadora em exercício no Rio de Janeiro, foi justamente o nascimento da filha Aurora que configurou uma mudança de chave. “Antes disso, eu tinha uma trajetória muito marcada pelos movimentos sociais de esquerda, mas não conseguia fazer o recorte de ser mulher como marcador político. E isso faz toda diferença porque você acaba entendendo as nuances de machismo e misoginia no seu cotidiano de forma clara e acaba diminuindo o impacto disso na sua produção, sua vida e seu contexto”, explica. Tainá lembra que, enquanto na arquitetura sempre precisou produzir mais e melhor para ter reconhecimento no seu campo, na política há uma tendência a compartimentar a atuação das mulheres. Durante a campanha eleitoral, ela lembra que todos os candidatos do Partido de Trabalhadores, ao qual pertence, diziam que as candidatas não precisavam de mais recursos porque não teriam votos suficientes, o que gerou um movimento para retirar seu fundo eleitoral. Contra posturas como essa, Tainá diz que sua tática é reunir ao seu redor o máximo de mulheres possível para dividir o exercício, além de evitar pensar apenas em políticas com recorte de gênero. “As mulheres ainda se sentem incomodadas de chegar ao poder e eu quero ser uma mulher negra que chega ao poder, sim. É preciso dar um passo à frente e trabalhar nas decisões reais da sociedade e acho que essa é uma virada importante para todas nós.”

Na política, no meio acadêmico ou na dança, o caminho é de ocupação de espaços e de desconstrução de antigos padrões. “Sou uma mulher que me sinto muito bruta, marrenta, grandona, mas quando danço paro de achar tudo isso ruim. A dança cria uma fenda que torna tudo bonito”, explica Taísa, que acabou assumindo a alcunha de “chefona mermo”. O apelido, que começou como uma brincadeira, vem ganhando novos sentidos para a atriz e roteirista, que vê na escolha do nome a afirmação de uma liderança. “Ser reconhecida no meu trabalho é o que me ajuda a me achar mais bonita. Ver possibilidades na minha vida profissional e me sentir mais independente, tudo isso conta. Ser chamada de ‘chefona’ era primeiro uma piada interna, mas cada dia mais percebo que você não nasce chefona, torna-se chefona”, ela dá risada, fazendo uma referência à clássica frase de Simone de Beauvoir (não se nasce mulher, torna-se mulher). E a brincadeira não é sem um fundo de verdade. n

DIVULGAÇÃO FOTOS IMAGES; GETTY ILUSTRAÇÕES Tainá de Paula

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