4 minute read
NOVA ORDEM
Venerada nos clubes de livros e recordista de vendas no Brasil, a autora mineira Carla Madeira virou uma guru para as mulheres ao falar de temas espinhosos, como violência e perdão, sem rodeios e censuras
FOTOS MÁRCIA CHARNIZON/DIVULGAÇÃO; DIVULGAÇÃO Ointeresse pelas condições humanas e a habilidade admirável de lapidar palavras transformaram a publicitária Carla Madeira num fenômeno da literatura nacional. Em 2021, ela foi a autora brasileira mais lida no país, com mais de 40 mil cópias vendidas. O título que gerou a comoção, Tudo É Rio, já havia sido lançado em 2014, mas foi a nova publicação, pela editora Record, no ano passado, que o tornou um dos assuntos mais falados nos clubes de leituras e nas discussões entre apaixonados pela literatura. Segundo Carla, o segredo está na escolha dos temas e na linguagem. “A ressonância é muito forte nas pessoas porque fala de assuntos que nos rondam hoje, como sexualidade, religiosidade, violência, desigualdade de gênero. Eu entro nessas questões de forma direta, sem rodeios. Ao olhar para a história do outro, o leitor reflete sobre a própria vida”, fala a mineira.
Advertisement
Carla sempre teve tino para as artes. Quando pequena, compunha músicas no violão. Hoje, para além das palavras, pinta. “De forma amadora, no melhor sentido da palavra, de quem ama mesmo a atividade”, completa. Não é de se estranhar que, na faculdade, tenha deixado para trás dois anos do curso de matemática pura e se dedicado à comunicação. “Sou diretora de criação há 35 anos, o que me deu a possibilidade de trabalhar com várias linguagens artísticas, como a música e a interpretação, mas a redação publicitária sempre foi um destaque. Até dei aula da matéria na Universidade Federal de Minas Gerais. O contato
com as palavras impactou diretamente na escrita dos livros, nas características do meu texto. Minhas frases são curtas, sintetizadas”, conta ela, que não tem pressa para escrever e acredita ser fundamental praticar a escuta com os personagens e sua própria voz interna.
O processo autoral visceral fez com que os primeiros esboços de Tudo É Rio fossem abandonados por 14 anos. Depois de escrever a cena mais violenta do livro, Carla ficou paralisada por tamanha brutalidade. “Talvez eu não tivesse muitos recursos para lidar com aquilo emocionalmente ainda. Travei e não sabia como encaminhar a história”, revela. Só que a trama voltava com frequência aos seus pensamentos. Perguntas, saídas, refações. “Não abria o arquivo, não voltava
formalmente a escrever, mas fazia anotações. Foi um tempo de maturação que não tive com meus outros livros”, fala, citando A Natureza da Mordida, que está esgotado e será relançado este ano, e Véspera, lançado no fim de 2021. Quando retomou o best-seller, escreveu tudo em oito meses. “O leitor sente essa correnteza, é como se estivesse jorrando um texto aprisionado. O processo de escrita é demorado, de imersão; só assim nos permitimos ver a feiura de cada personagem, o desenho da história dele.”
Quando termina um livro, Carla confia seu tesouro a algumas pessoas próximas que considera importantes em sua vida. “Não mostro trechos, só quando está pronto. A estrutura, a linguagem, o tom das vozes já estão decididos e nisso eu não mexo. Mas escuto o que as pessoas falam sobre situações e ideias, porque elas me fazem revisitar e refletir sobre alguns pontos”, diz.
POLÊMICAS E ANGÚSTIAS DOS LEITORES
É difícil não se envolver com o estilo único de Carla, que mistura poesia à realidade. “Exponho a hipocrisia do que é considerada uma família de respeito e do peso que as mulheres carregam nessas configurações. Quantas mulheres não conseguem se afastar de relações agressivas, entrando num ciclo de violência sem saída?”, questiona ela, que rechaça títulos grandiloquentes de genialidade e originalidade, mas defende sua capacidade de criar protagonistas fortes e que rompem com expectativas e padrões. “Vivemos em uma sociedade em que o gozo é reservado aos homens e o sacrifício é o que cabe às mulheres. Porém, muitas vezes, as minhas personagens viram essa chave e assumem as rédeas de sua própria vida, não sem consequências de julgamentos externos, claro”, afirma.
Carla também descarta maniqueísmos, não há vilões ou heróis em suas histórias, mas pessoas reais. “Eu fico comovida de pensar em como o bem e o mal, essas potências, vão se equilibrando dentro de nós”, explica. Não por menos, outro tema que é frequente nas escritas da mineira é o perdão. “O perdão existe para perdoar o imperdoável. Escrevo isso em Tudo É Rio. É preciso tempo, conversa, tolerância, mas as pessoas podem ser perdoadas, mesmo que seus atos não setentar ler um dos títulos de Carla, você se pegar devorando as páginas, ansioso pelo fim e, ao mesmo tempo, triste por estar acabando a história. Ler Carla Madeira é um processo de se autoconfrontar com ideias e preconceitos pessoais. É uma sessão de terapia intensa que exige um respiro após o fim, apesar da vontade de já engatar em seu próximo livro e reencontrar personagens com vida tão familiar. n
jam. Sem o perdão, não teríamos chegado até aqui como sociedade. O ser humano erra e precisa ter a chance de aprender para não repetir o mal que fez. Nós confundimos perdão com vingança. Queremos que o outro sofra. Perdão não é impunidade, é uma libertação para a própria vítima, que não precisa se lembrar todos os dias do ódio que sente”, defende.
Não se surpreenda se, ao
FOTO DIVULGAÇÃO