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CURTIU MEU CV?

De olho na geração que usa aplicativos para tudo, Tinder, Bumble e outros gigantes das redes sociais investem em apps que parecem de namoro, mas servem para dar up na carreira e fechar negócios

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POR CHICO FELITTI

“S ó um minuto, deixa eu ver se ela curtiu meu perfil”, diz o estudante de direito Joseph Lee assim que sai para um intervalo de suas aulas na Universidade Columbia, em Nova York. “Ah, droga, ela ainda não curtiu!”, e mostra a foto na tela do seu iPhone X de uma mulher sorridente, vestindo tailleur preto, cabelos ondulados e com idade para ser sua mãe. Joseph não quer um encontro, ele quer um emprego, e a mulher da foto é uma advogada faixa preta, que ele encontrou num aplicativo com lógica semelhante à do Tinder.

Depois de criar um mercado que movimenta US$ 2 bilhões por ano, os aplicativos de encontro querem entrar no mundo corporativo. Só no último ano, foram lançados nos Estados Unidos três ferramentas que parecem feitas para encontrar o amor, mas na verdade servem para fechar negócios. Todas funcionam de maneira parecida: o chefe que tem uma vaga aberta vê a foto e um currículo resumido das pessoas na sua área de atuação. Se achar que a relação profissional pode ter futuro, desliza o dedo para a direita para curtir o minicurrículo que vem acompanhado de um punhado de fotos; ou, se não der match, desliza para a esquerda, ignorando o pretendente.

É nesse momento que se encontra Joseph. Faz uma semana que ele criou seu perfil na rede social Ripple, que nasceu dentro do grupo Match Group, criador do Tinder. As fotos e dados profissionais para criar seu perfil profissional foram importadas de suas outras redes sociais, como Twitter, LinkedIn e Google, e, em seguida, saiu curtindo o perfil de advogados com quem queria fazer um estágio.

Mas Joseph ainda não foi curtido por nenhum candidato a chefe, e ele só pode enviar mensagens caso haja algum interesse profissional do outro lado. “Eu te mando uma mensagem assim que alguém me curtir”, promete Joseph, antes de voltar para a segunda aula do dia.

Se o mercado de trabalho anda parado para o estudante de direito, não se pode dizer o mesmo dos aplicativos.

Maior app do tipo, o Bumble Bizz nasceu em 2018 e já concretizou 17 milhões de encontros por semana. São 64 mil novos usuários por dia, segundo a empresa.

Joseph não baixou esse aplicativo, disponível nos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Canadá. “Tem uma dificuldade a mais”, ele diz, e explica: assim como na versão para paquera, só mulheres têm direito de dar o primeiro like, e uma conversa profissional só vai se concretizar se elas tomarem a iniciativa.

SUPRINDO A DEMANDA

Eles podem parecer fruto de uma aposta revolucionária, mas os aplicativos profissionais nascem para suprir uma demanda que já existe. Uma pesquisa de 2018, do instituto de tendências Statista, mostra que 77% das pessoas no LinkedIn têm mais de 30 anos e a maior parte desses perfis quer um emprego em uma empresa de grande porte.

“A gente notou que os usuários estavam hackeando o aplicativo para tentar criar conexões de negócios”, diz Louise Troen, vice-presidente de marketing do Bumble ao site Business Insider. “Eles escreviam suas qualificações profissionais no campo que era feito para as características pessoais, como altura, peso e hobbies.”

A nova geração estava até então em outros aplicativos, o que não quer dizer que seja preguiçosa. A fundação Resolution entrevistou mil millennials e descobriu que eles estão dispostos a trabalhar mais por menos dinheiro.

Ou seja, a nova onda de profissionais que está entrando no mercado já estava usando os aplicativos de encontros para tentar conseguir uma vaga. “Os apps de encontros viraram um jeito de conhecer profissionais”, admite Alex Williamson, líder de marca do Bumble.

Anúncios do Bumble Bizz, um dos apps de match corporativo hoje em voga nos Estados Unidos

Alguns aplicativos menores haviam detectado esse nicho. Em um mundo de terceirização existe o Mixer, que conecta freelancers a empresas que necessitam de trabalhos picados. Mas, ao contrário dos apps de empresas gigantes, o Mixer serve mais para trabalhos artísticos.

QUESTÃO DE ÉTICA

Ainda há ajustes a serem feitos, inclusive éticos. O Ripple tem uma ferramenta que escaneia o rosto de alguém na sala e mostra quem é essa pessoa, se ela estiver registrada no banco de dados do aplicativo. A empresa afirma que essa opção deve ser usada com a autorização de ambas as partes. Nem sempre é o que acontece.

“Você está numa festa, chega alguém muito importante, um grande produtor. É claro que dá pra apontar o celular pra ele e tentar visualizar o perfil da pessoa, para curtir e depois pedir um emprego”, diz a estudante de cinema Joanna McCorney, da Universidade de Nova York. “É só não dar muito na cara”, diz ela, que conta já ter usado a tática duas vezes. A estratégia ainda não deu certo.

Por enquanto, esse novo mercado vive de promessas e factoides. O maior deles envolveu Kris Jenner, a matriarca do clã Kardashian, que usou o aplicativo Bumble Bizz para encontrar uma assistente pessoal. A descrição das qualificações desejadas era: “Saiba preparar um martíni, encontrar um emprego para Kourtney [a filha com fama de preguiçosa] e coordenar as datas das audiências de Rob [o filho homem, que vive às voltas com processos]”. Era uma ação publicitária na casa do milhão de dólares. Até Kim Kardashian se candidatou à vaga, de brincadeirinha: publicou um emoji de uma mulher levantando a mão, como se demonstrasse interesse. É impossível dizer se a contratação deu certo: Kris nunca mais tocou no assunto. n

AZARAÇÃO JURÍDICA

As redes sociais e os principais apps do mundo corporativo

LinkedIn

O mais conhecido deles. Funciona como um Facebook das firmas: o profissional faz um perfil e “cria conexões” em vez de fazer amigos, com pessoas do seu metiê. Existe desde 2002 e é o preferido por profissionais acima dos 35 anos. Foi adquirido pela Microsoft há dois anos.

Bumble Bizz

Com um ano, tem funcionalidade parecida com os aplicativos de relacionamento, mas uma pegada feminista: só mulheres podem começar uma conversa, por mais que o intuito ali seja de business.

Ripple

Dos mesmos criadores do Tinder, lembra a rede social de encontros amorosos: cada profissional tem uma série de fotos e um mini-CV. Se o consultor ou empregador se interessar por contratá-lo (ou ajudá-lo), dá um like na foto para iniciar o networking. Criado em 2018.

CityHour

Para os doidos por reunião. Esse app indica alguém que esteja a até 70 quilômetros de distância que tope tomar um café de negócios nas próximas duas horas. Os filtros para achar o parceiro de meeting podem ser o objetivo profissional, o campo de atuação ou apenas a localização.

Shapr

A partir de dados do seu perfil no LinkedIn, indica dez pessoas por dia que podem incrementar sua carreira. Também funciona no esquema clássico de curtir ou descurtir os perfis.

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