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das redes sociais como Tinder

SOB NOVA EDIÇÃO

Diversas marcas tradicionais do jornalismo americano passaram a ser controladas por barões da nova economia. E no Brasil, qual é o futuro de nossos jornais e revistas?

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por paulo vieira

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Aa história, o fim do jornalismo foi decretado algumas vezes. Crises econômicas, ameaças de natureza política e a perda de anunciantes principalmente para Google e Facebook, empresas que reconfiguraram completamente o setor, colocaram a indústria sob enorme pressão. Enorme pressão é eufemismo: nos Estados Unidos, o número de jornalistas diminuiu de 456 mil para 183 mil em 16 anos. Como é de se supor, nem todos os veículos em que trabalhavam essas centenas de milhares de pessoas fechou. Diversas publicações ganharam sobrevida com novos controladores – vários deles do setor de tecnologia. O caso mais emblemático envolve duas marcas pesadas, o centenário The Washington Post e a empresa de maior valor de mercado do mundo, a Amazon. Seu fundador, Jeff Bezos, é, desde 2013, proprietário do Post. Por US$ 190 milhões, a igualmente célebre revista Time foi arrematada em setembro por Marc Benioff, da gigante Salesforce; e coube a Laurene Powell Jobs, viúva de Steve Jobs e fundadora da instituição filantrópica Emerson Collective, assumir o controle da The Atlantic, da revista The Atlantic Monthly, fundada em 1857. A onda teve início há seis anos, quando o cofundador do Facebook Chris Hughes, então com 28 anos, arrematou o hebdomadário político The New Republic. Na época ele justificou a aquisição dizendo ter interesse no “futuro do jornalismo de alta qualidade”. Por fim, vale ainda registrar que o bilionário mexicano Carlos Slim, da América Móvil (da Claro, no Brasil), tem substancial participação acionária no The New York Times. Diante dos principais negócios desses “tycoons”, a geração de receita de seus novos brinquedos tende a

Maria Cristina Frias, da Folha, e os novos barões da imprensa Jeff Bezos, da Amazon, e Marc Benioff, da Salesforce

zero. Assim, comprar órgãos de imprensa parece mera ação de filantropia, mas não é disso que se trata na opinião do consultor de comunicação Eduardo Tessler. “Apesar [de os empresários] se dizerem incentivadores do jornalismo, ninguém rasga dinheiro”, diz. “No The Washington Post já há um desenvolvedor para cada cinco repórteres e também engenheiros de computação dentro da redação. A ideia por trás da aquisição de um título como esse é a criação de conteúdo para clientes – e conhecer o cliente é o grande negócio da Amazon.” A imprensa brasileira também não vive seu momento mais esplendoroso. Em agosto, a Abril, maior editora de revistas do país, entrou em recuperação judicial por conta de um passivo de R$ 1,6 bilhão. Ficaram a

“Falta à nossa burguesia ‘clareza iluminista’ para fazer movimentos em favor da imprensa”

Eugênio Bucci

ver navios fornecedores e cerca de 1.500 funcionários, que tiveram suas verbas rescisórias congeladas. “É um ótimo momento para alguém levar a Abril, bem como o Estadão”, diz Tessler. Seja como for, os movimentos de compra de títulos relevantes no Brasil não têm como protagonistas os tycoons de tecnologia, mas gente mais interessada em adicionar decibéis à potência da própria voz – poder, numa palavra. Há também o genuíno interesse em ganhar alguns caraminguás em operações de compra e venda. Foi o que aparentemente aconteceu com o decano Jornal do Brasil, o JB, do Rio, arrematado pelo armador Nelson Tanure – que depois

Viúva de Steve Jobs, Laurene Jobs, da Emerson Collective, arrematou a The Atlantic, da centenária revista Atlantic Monthly faria o mesmo com a finada Gazeta Mercantil. O JB voltou a circular em sua tradicional edição impressa agora que foi licenciado por Omar Peres, também dono de restaurantes no Rio e em Brasília – ele se define como um amante dos “símbolos da cultura carioca”. Segundo Tessler, no JB Peres abdica de qualquer estratégia digital para investir unicamente no “modelo de negócio mais antigo possível”, a venda de anúncios.

Outro a entrar recentemente no mundo da comunicação é o empresário Carlos Sanchez, do laboratório EMS, líder no setor de medicamentos genéricos, que comprou o braço catarinense do Grupo RBS, da família gaúcha Sirotsky. A justificativa oficial é “diversificação de investimentos”. De fato, além de tomar posse de quatro jornais de Santa Catarina e de uma afiliada da TV Globo, o grupo empresarial de Sanchez arrematou das mãos da Odebrecht uma empresa de energia eólica no Rio Grande do Sul. Tanto aqui como nos Estados Unidos, um ingrediente a se somar às dificuldades estruturais dos órgãos de imprensa são os ataques à credibilidade deles. Agressões reiteradas especialmente ao The New York Times, por Donald Trump, e à Folha de S.Paulo, por Jair Bolsonaro, revelam a vontade dos novos mandatários de abafar o contraditório e as forças de oposição – ou, ainda mais grave, a própria verdade. O cenário pode se tornar mais grave por aqui. “Falta à nossa burguesia uma ‘clareza iluminista’ para fazer movimentos em favor da imprensa”, diz Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP. Ele faz questão de destacar a redundância da frase para marcar a diferença do que julga ocorrer nos Estados Unidos. “Lá o capitalismo é mais arejado e antenado com o futuro e vê importância na imprensa. Os empresários não estão entrando por dinheiro, ainda que seja claro que queiram ganhá-lo. Eles veem a imprensa como essencial para a democracia – e para o capitalismo.”

Talvez seja ainda prematuro cravar que a democracia brasileira está por um fio, mas registre-se que é pelo Twitter e pelo WhatsApp que se expressam os novos mandatários, em detrimento dos órgãos convencionais de imprensa. É por meio das redes sociais que eles veiculam suas verdades, ainda que essas verdades possam mudar dramaticamente do dia para a noite.

Voluntária ou involuntariamente, foram os pioneiros do mundo digital que decretaram o enfraquecimento – quem sabe o fim – do jornalismo como um dia o conhecemos. Que sejam eles mesmos os seus salvadores é uma espantosa ironia.

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DADOS SÃO O NOVO BACON

Recentemente, um ganhador do Big Brother Brasil ao sair do confinamento foi entrevistado pelo apresentador Pedro Bial, como de costume, e, no momento da explosão, suas primeiras palavras foram: “Amo muito tudo isso”. Pode ter passado batido para milhões de telespectadores, não para o McDonald’s, que teve seu slogan gratuitamente veiculado em horário nobre graças a uma estratégia eficiente de comunicação. Por que isso aconteceu? “O segredo é não ser invasivo e conduzir uma conversa com o consumidor de forma que ele sinta-se parte da marca”, explica EDUARDO SIMON, CEO da DPZ&T, uma das mais prestigiadas e modernas agências de propaganda do país e, no caso, responsável pela conta da rede de fast-food.

“As pessoas estão o tempo todo on-line, mesmo quando não imaginam. Pelo uso do celular a tecnologia diz por onde você andou, o que consumiu, quanto gastou. Ela entrega uma série de dados que estão transformando a relação entre marcas e consumidores. E isso é bom e positivo”, diz Simon. “Brincamos dizendo que os dados são o novo bacon, porque usamos eles em tudo.”

De fato os dados estão revolucionando quase todos os segmentos de negócio do planeta. Entretanto, o posicionamento das marcas diante de questões sociais relevantes é outra chave para entender a propaganda atual. De acordo com o CEO da DPZ&T, o momento de mudança de pêndulo pelo qual passa o Brasil é uma excelente oportunidade para as marcas se colocarem e serem mais ousadas.

“Elas podem assumir uma posição importante de levar adiante pautas progressistas, como discutir o papel das mulheres na sociedade, os direitos das minorias. É o que a gente chama de ‘espírito do momento’, sabendo usar a tecnologia e os dados para entender o que as pessoas estão pensando”, revela Eduardo Simon. “As marcas que não fizerem isso ficarão para trás.”

Se você acha que a sua forma de se relacionar com o consumo era bastante moderna, prepare-se para uma transformação ainda mais profunda.

por dado abreu foto bruna guerra

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