Karl Kepler
O Fascínio do Dever para os Cristãos Estudos em Gálatas e na História da Igreja
1ª Edição
Joinville, 2014
© 2014 Editora Grafar Ltda. Os direitos dessa edição estão reservados à Editora Grafar Ltda. As citações dos textos bíblicos são da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Sociedade Bíblica do Brasil, salvo indicação diferente.
Capa: Tuco Egg Diagramação: Editora Grafar
Ficha Catalográfica K38f
Kepler, Karl O fascínio do dever para os cristãos : estudos em Gálatas e na história da Igreja / Karl Kepler. - 1. ed. Joinville (SC) : Grafar, 2014. 98p. ISBN 978-85-63723-05-5 1. Bíblia - Leitura. 2. Igreja - História. I. Título. CDD 220.61 Elaborada por: Andréa Blaskovski CRB 14/999
Editora Grafar Ltda. Rua XV de Outubro, 4792 – Rio Bonito 89239-700 – Joinville – SC www.editoragrafar.com.br vendas@editoragrafar.com.br
Dedico este livro a você que também participa dessa caminhada que busca passar do medo para o amor e dos deveres para a cruz de nosso Senhor. Faço-o com a gratidão e a alegria por partilharmos um pouquinho dessa maravilhosa obra de salvação que Jesus promove conosco.
Sumário
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1 PERSPECTIVA HISTÓRICA: A MORAL DO DEVER NO CRISTIANISMO A Herança Judaica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Do Éden a Abraão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Êxodo e a Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Do Pós-Êxodo ao Pós-Exílio . . . . . . . . . . . . . . Dever e Prazer no Pensamento Grego . . . . . . . . . . . Platão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Aristóteles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A influência do Estoicismo . . . . . . . . . . . . . . . O século I – o período neotestamentário . . . . . . . . . . O combate de Jesus ao uso corrente da Lei . . . . . O contraponto da Moral da Felicidade e do Prazer . Os combates de Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . Dever e Prazer ao longo da História da Igreja . . . . . . . Tertuliano (155 – 220 d.C.) . . . . . . . . . . . . . . . Agostinho (354 – 430 d.C.) . . . . . . . . . . . . . . . Os Penitenciários e os Catecismos . . . . . . . . . . Tomás de Aquino (1225 – 1274 d.C.) . . . . . . . . . O momento crítico: Séculos XIV e XV . . . . . . . . . . . . Os primeiros sinais – a burguesia e o crescimento econômico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
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Os terríveis anos 1300 e 1400 – o império do medo . Neurose de Angústia Coletiva . . . . . . . . . . . . . A Reação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Na Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . No Pensamento: Guilherme de Ockham e a Moral do Dever . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Na religião: a base da ordem moral, social e política A Reforma Protestante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Martim Lutero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ulric Zwínglio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . João Calvino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Puritanismo, Ortodoxia e Pietismo . . . . . . . . . . . . . O Iluminismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A ética de Kant . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A evolução até hoje . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Na Igreja . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Na Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Breve análise psicoteológica . . . . . . . . . . . . . . . . .
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2 PERSPECTIVA BÍBLICA: DO DEVER À CULPA E DO FASCÍNIO AO ESPÍRITO Textos e Contextos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O início da Dívida: Adão e a Culpa Original . . . . . . . . . Vergonha e Inocência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . Conhecimento e Adorno . . . . . . . . . . . . . . . . . Visão, Morte e Cegueira: o “abrir dos olhos” . . . . . . A Aliança da Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Segundo Adão: da Dívida à Remissão . . . . . . . . . . . O arrependimento e o Reino: reconhecimento . . . . . A Nova imagem de Deus e a Fé . . . . . . . . . . . . . O Espírito Santo nos Corações e nossa paz “em Cristo” A MENSAGEM DE GÁLATAS . . . . . . . . . . . . . . . Gálatas 3.1-5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O que revela a linguagem . . . . . . . . . . . . Calvino e Lutero . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
55 55 57 57 57 58 61 64 64 66 67 68 69 70 70
Quem enfeitiçou . . . . . . . . . . . . . Verso a verso . . . . . . . . . . . . . . . Aplicando para nossa situação atual . Panorama do caminho do Espírito na epístola Capítulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 3 . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 4 . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 5 . . . . . . . . . . . . . . . . Capítulo 6 . . . . . . . . . . . . . . . .
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3 CONCLUSÃO: A TRANSFORMAÇÃO 89 A Lei de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Referências Bibliográficas
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Prefácio O dever fascina? À primeira vista, parece haver algo errado com o título deste livro. Falar de um fascínio do dever parece contraintuitivo. Somos fascinados pela liberdade. A todo momento a propaganda midiática nos reforça essa convicção, com mil imagens sedutoras. Imagens que representam liberdade como uma nova forma de dever, inclusive com mecanismos de exclusão tão sutis quanto tradicionais. O presente livro surge da experiência da vida vivida, acoplada à escuta atenta de um texto. Texto que desconstrói a experiência e lhe sugere novas formas. Viver sob o imperativo de um dever sustentado pelo que há de mais sagrado, tem sido a experiência de muita gente. No âmbito do cristianismo, esse imperativo surge de uma concepção da Bíblia aninhada num marco cultural. Sempre, ou quase, com a melhor das intenções. Por trás dela está uma determinada compreensão de ser humano, que com ela estabelece uma circularidade muitas vezes problemática. A concepção do propósito do texto bíblico reforça a compreensão de ser humano, e essa por sua vez reforça a concepção da razão de ser da Bíblia e de qual seria sua melhor interpretação. Uma Bíblia entendida mormente como manual de conduta, se dá bem com uma compreensão de ser humano como imaturo e com tendência ao desvio, e por isso mesmo necessitado de constante orientação explícita sobre o que fazer e o que deixar de fazer. O livro é ambicioso, no melhor sentido. Pela escuta atenta de um texto, busca interromper a espiral descendente fomentada pela circularidade viciosa. Primeiro, simplesmente sugerindo uma espécie de epoqué, de suspensão que possibilite ouvir algo não familiar, diferente. Uma espécie de sugestão ao silêncio por um tempo suficiente para que a nova palavra possa ser ouvida. A partir daí, há uma aposta na capacidade inerente ao Espírito inspirador do texto, uma aposta de que Ele pode realizar uma inversão, em lin11
guagem bíblica uma metánoia, uma mudança de caminhos. Não estancando a circularidade, ela é inerente aos nossos processos humanos. Uma nova circularidade está em vista, “virtuosa” em vez de “viciosa”. O texto selecionado para escuta é uma passagem da carta do apóstolo Paulo aos gálatas (3.1-5). Nela o apóstolo ousa questionar nossos conceitos. Para ele, o que nos fascina, sim, é o dever. A liberdade nos fascina tão pouco que surge sempre como graça divina, como doação a quem não a possui. Essas duas teses, que soam tão retumbantes, são correlatas. Nelas, o apóstolo ressignifica de modo profundo tanto a nossa noção de dever como a de liberdade. O dever, aqui, é fascinante. Um lado de nós sempre vai ficar insatisfeito com uma “liberdade” desenfreada como a que buscamos em nosso anseio por ser livres. Nos vãos dessa insatisfação, o “dever” espera, com mil disfarces. Fundamentalismos de todo tipo contam com esses momentos para nos introduzir ou reintroduzir ao fascínio do dever. Em tal contexto, liberdade passa a ser moeda preciosíssima. Ela é a vacina que pode nos preservar das guerras dos fundamentalismos. No texto que o autor do presente livro nos convida a escutar, liberdade é graça e doação divina. É realização do Espírito de Deus em nosso espírito. Espírito de amor, que nos mostra como a mudança de caminhos pode ser vivenciada, nos livrando dos fardos do dever e nos introduzindo à vivência do amor e da liberdade que ele traz. Nos introduzindo ao modo próprio de encarar o dever: como preservação da liberdade conquistada pela doação divina. Surge daí não só uma nova forma de vivência, mas também uma nova forma de leitura da Bíblia. Nela, o dever é sincronizado com o amor, passa a ser fruto do amor empenhado na vivência e preservação da liberdade. Leitura da Bíblia que acompanha os novos caminhos. Como eles, aberta ao Espírito. Caminhos do Espírito em que o dever passa a ser o cuidado para não ser de novo fascinados pelo dever impróprio. O livro que temos em mãos quer nos ajudar a propiciar esses momentos de parada e escuta. Quer nos mostrar, gentilmente, como temos seguido um caminho impróprio enquanto fascinados 12
por um dever cuja realização é colocada sobre nós próprios, de forma a nos perpetuar numa condição de imaturidade que nos torna presas fáceis de militâncias e fundamentalismos de todas as cores. Quer nos dar sugestões, enfim, de como podemos seguir caminhos mais próprios, que dignificam tanto a nós como o Deus revelado na Bíblia. São Leopoldo, fevereiro de 2014. Enio R. Mueller
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Introdução Ao longo de quase 50 anos frequentando igrejas cristãs, tendo visitado grande número e grande variedade delas, fico impressionado com as semelhanças encontradas, especialmente nas pregações. A grande maioria dos sermões, com exceção dos “evangelísticos”, tem como tônica e conteúdo principal alguma cobrança feita em nome de Deus: ou precisamos orar mais, ou trabalhar mais, ou evangelizar mais, ou ter mais compromisso com a igreja, ou mais santidade, combatendo esse ou aquele pecado; em suma, os irmãos e as irmãs ouvem em praticamente todas as reuniões da igreja uma mensagem de que Deus está insatisfeito, esperando que eles e elas façam alguma coisa, que cumpram melhor com seus deveres cristãos. Essa pregação de deveres para com Deus, de ensinar e cobrar “o que devemos fazer” como cristãos, pode facilmente trazer sofrimento aos ouvintes através da culpa, adia o sentimento de paz para um momento futuro que nunca chega e, principalmente, imprime no coração dos ouvintes uma imagem “cobradora” de Deus. Ao pensar em Deus, o cristão tenderá a se lembrar de como está em falta com seus deveres para com Ele. Numa análise preliminar, publicada há alguns anos, investiguei alguns componentes psicológicos dessa situação, que me pareceu adequado denominar de “neuroses eclesiásticas”. Neste livro pretendo aprofundar essa análise e desenvolver mais o tema. Agora tentaremos compreender por que, 20 séculos depois de Cristo, a mensagem da Igreja está novamente seguindo a lógica da obediência a leis e deveres – e gerando culpas – como que repetindo a situação dos tempos do Antigo Testamento. Nos ensinos de Jesus, como também de Paulo, João e outros autores do Novo Testamento, a motivação principal da vida cristã era outra: a mensagem do amor de Deus, da salvação e descanso em Cristo, e da alegria e comunhão no Espírito. Esta mensagem foi bem sucedida, dando forma a uma moral elevada, que não girava em torno de regras e 15
deveres. O cristianismo, portanto, não vivia predominantemente sob “o fascínio do dever” como acontece hoje. Por isso neste livro nos voltaremos a dois campos: a história e a Bíblia. Na história, mesmo que rapidamente, procuraremos descobrir quando essa reversão aconteceu. Até onde temos conhecimento e lembrança, nossos avôs e bisavôs já seguiam a moral do dever (possivelmente até mais do que nós), assim como os imigrantes e missionários europeus e americanos que trouxeram para o Brasil as principais confissões cristãs, com raras exceções. Então o primeiro capítulo deste livro trará rápidas e superficiais passadas pelo terreno da história e da filosofia, apenas o suficiente para iluminarem a pesquisa sobre “o fascínio do dever” e por que este ainda perdura entre nós até hoje. Já na Bíblia, procuraremos orientações para nos ajudar a reencontrar o alívio prometido por Jesus, e para isso queremos investigar mais a fundo o que a Palavra de Deus diz sobre deveres, leis e culpas, pecado e santificação. Provavelmente em nenhum outro lugar esse conflito se apresente tão claramente quanto no texto e no contexto da epístola do apóstolo Paulo aos Gálatas. Lei ou liberdade, dever ou prazer, carne ou Espírito: são vários os contrastes, flagrantes ou mais sutis, que entram em luta no entorno dessa carta, que merece nosso estudo. Se Deus nos ajudar, esperamos compreender melhor como a mudança de ênfase aconteceu, e como hoje poderia vir a ser diferente. Antes de começarmos, contudo, faço um pedido: que o leitor ou leitora não entenda mal o propósito deste livro. Alguém que critique o domínio do dever no meio cristão facilmente poderia ser considerado como simplesmente mais um rebelde, promovedor de libertinagem sem temor a Deus ou corruptor de bons costumes. Não é absolutamente essa a intenção deste livro; como diz Paulo, o mandamento é santo, justo e bom e nosso objetivo não é de deturpar nem desdizer isso. Ao final da leitura, cada leitor naturalmente terá sua própria conclusão, mas minha oração é que irmãos e irmãs de fé sejam aqui auxiliados a crescer na graça e no conhecimento do Senhor Jesus, e encorajados a se aprofundar no seu Caminho, o mesmo que a epístola aos Gálatas indica resultar no “fruto do Espírito”. Que a misericórdia do Senhor assim nos acompanhe e abençoe! 16
1 PERSPECTIVA HISTÓRICA: A MORAL DO DEVER NO CRISTIANISMO
Na época da fundação do Cristianismo, na Palestina e na Ásia Menor, a religião era judaica, a cultura predominante era grega, e o poder político era romano. Mesmo nesta abordagem histórica, como estaremos falando de povo de Deus, será inevitável nos valermos também do testemunho bíblico. Na segunda parte, porém, pretendemos estudar a Bíblia em maior profundidade.
A Herança Judaica O senso de dever se relaciona diretamente com “dívida”, com obrigação ainda por ser satisfeita; dívida, por sua vez, se aproxima bastante de “culpa”, do sentimento de “estar em falta” com alguém, indigno de merecer o bem, e na expectativa de ser cobrado ou mesmo castigado – no caso, por Deus. Essa atitude humana tem raízes bem anteriores à própria lei de Moisés: precisaremos retornar ao Jardim do Éden. Do Éden a Abraão Quando a mulher e o homem comeram do fruto do conhecimento do bem e do mal, estava dada a situação pela qual viriam a ser necessárias normas de conduta, definições de certo e errado, punições e recompensas, direitos e deveres. Com a queda e a culpa original, a primeira consequência foi o medo de Deus. Albert Plé acompanha o pensamento de Barthélémy, que destaca que o olhar de Deus (como também o olhar do outro) passa a atormentar o ser humano pecador, mas ao mesmo 17
tempo, a pessoa não pode viver sem ele. O recurso às folhas de figueira costuradas, uma espécie de adorno, constituiu então uma forma de podermos nos apresentar perante Deus, como se fosse um tipo de fantasia.1 A ideia por trás da tentativa de se cobrir é que, se ninguém vir meu pecado, ele não será tão grave. Então, ao adornar minha aparência, posso aparentar ser direito e aceitável (a Deus e aos demais), e isso pelo menos tranquiliza minha auto-percepção. Tal como a hipocrisia que mais tarde será condenada por Jesus nos escribas e fariseus, a condição de pecador leva o ser humano a representar, a como que utilizar máscaras (o significado literal de “hipócritas”), procurando aparentar uma santidade que não é autêntica. Esta, por sinal, é a segunda “neurose eclesiástica” que constatamos na análise preliminar: um afastamento (mesmo que involuntário ou inconsciente) da verdade.2 Mesmo já condenado à morte, o homem continua “espionado” pelo juiz divino, como ilustra a queixa de Jó: “Se pequei, que mal te fiz a ti, ó Espreitador dos homens?” (Jó 7.20). Esta deformação da imagem de Deus, de Pai amoroso em severo castigador, é ao mesmo tempo fonte e efeito do pecado original, e acontece paralelamente à criação da nossa “máscara”. Essa caricaturização da imagem de Deus será o obstáculo mais difícil de superar.3 O fundo do problema está no distanciamento da face de Deus, pois ela se tornou ameaçadora e insuportável.4 Para o humano pecador, a presença de Deus agora inspira medo acima de tudo – esta é a primeira e principal “neurose eclesiástica” identificada em nosso primeiro estudo. Veremos mais sobre o pecado e culpa original quando chegarmos à parte bíblica do nosso trabalho. Mas para a abordagem histórica, é importante deixarmos registrado que o sentimento de dívida vem nos acompanhando desde o primeiro casal. Mais adiante, a partir de Abraão e até Moisés, Deus vai tentando pacientemente reacostumar o homem a uma convivência familiar e amigável.5 Abraão creu em Deus e foi chamado de seu amigo, e esse relacionamento amistoso se estende também para 1 Plé,
1984. Por Dever ou Por Prazer? Paulinas. p. 58. 2009. Neuroses eclesiásticas e o evangelho para crentes: uma análise preliminar. Arte Editorial. p. 37. 3 Barthélémy, citado em: Plé, 1984, p. 59. 4 Plé, 1984, p. 59. 5 Plé, 1984, p. 60. 2 Kepler,
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Isaque, Jacó e José, antes de qualquer lei escrita da parte de Deus entrar na história. O Êxodo e a Lei Um bom tempo depois, na época da formação de uma pátria e nação com os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó, Deus entregou a Moisés a Lei escrita, como forma de orientar e disciplinar a vida comum dos israelitas e o relacionamento destes com Ele, garantindo a existência e sobrevivência desse povo, livre da escravidão e em sua própria terra. Os pecados – geradores de culpa – são finalmente identificados e, mais do que isso, são “enfrentados”: a Lei providencia um “modo de expiação”, ainda que limitado e crônico, através de sacrifícios de animais, para se poder organizar a vida nacional juntamente com a vida religiosa. A Lei prevê castigo para a desobediência e bênçãos para a obediência, e sua força motriz no coração humano é o temor do Senhor, uma imagem amedrontadora de Deus, que pretende causar a obediência aos deveres, conforme veremos na parte bíblica (Ex 20.18-21). Pouco depois desse espetáculo marcante da entrega da Lei no Sinai, num esforço em revelar seu lado amoroso, Deus convida Moisés acompanhado de Arão e mais setenta anciãos para “contemplar o Deus de Israel”, a comer e a beber na sua presença (Ex 24.9-11). Mas a idolatria de Israel (o bezerro de ouro) obriga Iahweh a se manifestar novamente como o juiz temível,6 e assim a narrativa do Êxodo segue alternando eventos de misericórdia com outros de castigo. Do Pós-Êxodo ao Pós-Exílio Vendo num relance geral a influência do Antigo Testamento, observamos que há, sim, uma forte ênfase na obediência a leis – portanto, uma moral do dever – e também há lugar para a celebração e para o descanso – uma moral do prazer. A ênfase na bênção para os obedientes e no castigo para os desobedientes, que tanto aparecem nas pregações atuais dos cristãos, aparece muito também na Bíblia e na história de Israel. Porém elementos como o rela6 Plé,
1984, p. 60.
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