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Bonequeiras de Minas: a arte com barro

nº 158 | ANO 28 | R$ 14,90

www.horizontegeografico.com.br

Boi,

amigo da floresta?

Novas práticas agropecuárias querem por fim ao desmatamento

Fronteiras do Brasil Cidades limítrofes unem culturas e tradições

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Klink, Gribel e Schurmann

Desafios e alegrias de famílias que viajam juntas

Mulheres do Chá

Sri Lanka preserva cultivo artesanal secular

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Editorial Caro leitor,

S

eria impossível formular a pergunta estampada na capa dessa edição há alguns anos. A pecuária no Brasil sempre foi associada ao desmatamento, ao prejuízo ambiental e ao uso exagerado de recursos naturais. A boa novidade é que, re-

centemente, surgiram diversas experiências demonstrando a viabilidade da pecuária ambientalmente responsável, minimizando os danos ao ambiente e apresentando vantagens concretas para a cadeia produtiva. Fundamental destacar que diversos estudos, já bem conhecidos e de longa data, indicam que a pecuária pode se expandir muito com novas tecnologias e aproveitar a grande extensão de áreas degradadas que se encontram praticamente abandonadas. É exatamente nesses exemplos de sucesso que você poderá mergulhar nessa reportagem, e tentar responder essa difícil pergunta. Na busca por vivências ao ar livre, em contato com a natureza e a cultura tradicional, um sonho da maioria dos leitores da Horizonte, selecionamos três famílias que levaram isso literalmente aos extremos. Os Klink, Gribel e Shurmann puderam concretizar esse sonho juntos, desbravando o Brasil e o mundo sempre com olhos atentos a uma nova visão, sob as lentes da sustentabilidade. Quem sabe, essas experiências mais ousadas sirvam de inspiração para você reunir seu clã e ensaiar excursões. Curtas, em um único fim de semana, ou mesmo em seu bairro, essa prática pode trazer novas vivências e percepções do universo ambiental e cultural que está disponível a nossa volta. Boa leitura!

Peter Milko

O capitão Vilfredo Schurmann, de vermelho, dissemina seu gosto por desbravar paisagens e culturas, em jornadas pelo mundo, com amigos, filhos e sua esposa, Heloísa.

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Horizonte Geográfico

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Sumário

Antiga ponte ferroviária sobre o Rio Quarai que liga Bella Unión (Uruguai) à Barra do Quarai (Brasil)

20 Nômades contemporâneos 28 As margens do Brasil 38 Churrasco sem culpa 48 Do barro à Arte 54 O poder das mãos

Nenhum CEP, pouca bagagem e uma infinidade de experiências para compartilhar Diferenças culturais se dissolvem em meio aos que vivem nas fronteiras brasileiras Melhores práticas buscam transformar a pecuária brasileira para reduzir seus impactos ambientais Anônimas artesãs mineiras moldam bonecas de fama internacional e reconhecidas pela ONU

A história de um dos mais valiosos chás do mundo, cujas folhas ainda são colhidas manualmente

Horizonte em foco

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Horizonte à vista

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Horizonte educacional

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Horizonte online

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Horizonte cultural

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Memória Horizonte

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GIULIO PALETTA

Seções

MAPA DE NAVEGAÇÃO

sites relacionados

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áudio disponível

mais fotos

acesso ao mapa

vídeo disponível

clique e ouça

entrevista

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Horizonte em foco

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Sal da Terra Salar de Uyuni, a maior planície de sal do mundo, com 10.582 km2. Ao contrário do Brasil, que retira do mar a maior parte das cerca de 7,5 milhões de toneladas anuais que consome desse produto, essa reserva de sódio fica a 3.656 metros de altitude na Bolívia, no altiplano andino. Estima-se que tenha 10 bilhões de toneladas de sal, das quais menos de 25 mil são extraídas anualmente. FOTO | FElLipe abreu

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Horizonte em foco

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Horizonte Geogrรกfico

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Mistério brasileiro No sertão da Paraíba, a 38 km de Campina Grande, repousa a Pedra do Ingá. Diversas teorias tentam explicar suas inscrições com animais, frutas, humanos e constelações, como a de Órion, além de símbolos similares à escrita fenícia. Estudos recentes defendem que elas datam de 6 mil anos atrás. Contudo, uma medida exata via Carbono 14 é inviável, pois o paredão fica junto ao rio Bacamarte, que lava o material orgânico das rochas, periodicamente. FOTO | andré dib

Horizonte Geográfico

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Horizonte à vista

Olhar de pássaros digitais Equipe do Parque do Cantão (TO) usa imagens de drones para pesquisar espécies e protegê-las. Tecnologia e inovação se revelam alternativa eficiente na preservação de recursos naturais.

U

ma imensidão verde emoldurada pelo serpentear de rios, que brilham sob a luz do sol. Nas bordas dessa paisagem, o contorno de areias brancas. Ao centro, pequenas porções de água encravadas na floresta. Silvana Campello, bióloga, doutora em ecologia e presidente do Instituto Araguaia, se emociona com essa cena, captada graças ao Phanton 2, um drone utilizado na preservação do Parque Estadual do Cantão (PEC), no Tocantins. Criada em 1998 com 90 mil hectares em Caseara, essa reserva fica em região de transição de três biomas: Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica. Em época de cheia, o PEC se transforma em uma área alagada maior que o Pantanal. Protegê-lo das ameaças humanas, como caça e pesca ilegais, não tem sido fácil. Sua extensão e a dificuldade de acesso

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são alguns dos obstáculos, atenuados atualmente graças à nova tecnologia. A ideia de lançar mão dos Veículos Aéreos Não Tripulados (os VANTs ou drones) surgiu em cooperação técnica com o Instituto de Natureza do Tocantins (Naturatins), órgão ambiental do Estado. “Os drones apoiam os estudos científicos e se revelaram úteis para a fiscalização. Quando a equipe de pesquisadores flagra irregularidades, como acampamentos ilegais, somos acionados”, explica Ricardo Fava, presidente do Naturatins. Essa vigilância ampliou o alcance e a precisão do monitoramento e gera informações úteis para a sensibilização ambiental da comunidade do entorno.

Isolados e conectados “O interessante é pensar que um local de difícil acesso e ‘longe de tudo’ inova

silvana campello/instituto araguaia de proteção ambiental

Texto | Ludmila do Prado

Horizonte Geográfico

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ao usar a tecnologia para cuidar de seu patrimônio natural”, comenta Silvana. As imagens captadas pelos pequenos aparelhos voadores são acompanhadas em tempo real por um centro de pesquisa dentro do parque. “Fomos os primeiros a testar essa tecnologia aérea em estudo de ambientes naturais”, informa a profissional. Seu sistema rendeu ao Instituto Araguaia o Prêmio Inovation, promovido pela fabricante de VANTs, Inspire. Como parte da premiação, o instituto ganhou mais um artefato, no valor de 19 salários mínimos. “Contamos agora com três drones e, além deles, usamos uma câmera do tipo “Go Pro” acoplada a um balão blimp (de gás hélio), que voa rebocado por uma canoa”, explica o diretor executivo do Instituto Araguaia, George Georgiadis. “Além do Inspire, recebido como prêmio,

temos o Phanton 1 de 720 dólares e o Phanton 2, de 1.800 dólares. Já o blimp custou 600 dólares”. Essas aquisições foram possíveis graças às captações financeiras da própria organização, que se mantém com o apoio de particulares e entidades como os zoológicos de Miami, nos EUA, e o de Dortmund, na Alemanha. George capacitará os guarda-parques na operação remota, assim que um programa oficial for lançado para essa finalidade. Ele explica que controlar esses ‘funcionários eletrônicos’ é simples. “Biólogos e pesquisadores podem operálos tranquilamente. Esta nova geração de drones é fácil de usar”. O trabalho requer atenção aos detalhes e disposição para horas ao ar livre ou em frente às telas dos computadores, com a contrapartida de assistir cenas inéditas a cada dia. O destaque da região são os

Equipamentos atingem até 500 metros de altura e trazem grande vantagem na vigilância de toda área do parque

Horizonte Geográfico

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O Parque Estadual do Cantão é uma unidade de conservação de proteção integral do governo do Tocantins. Tem uma área definida de aproximadamente 90 mil hectares, abrangendo os municípios de Caseara e Pium, em região de transição de três biomas: Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica.

Tocantins Caseara

Parque Estadual do Cantão

Palmas

Pium

Capital Estadual Município Parque

Escala

0

100 200 km

lagos, formados quando as águas baixam. A bacia do rio Araguaia abriga 1200 deles; 843 dentro do Cantão. Para Silvana a razão de ser do parque é protegê-los, pois são berçários de muitas espécies. “Sem eles, os animais não conseguem se reproduzir em quantidade suficiente para repor os estoques do Araguaia. Eles acasalam e engordam ali. A pesca comercial ameaça esse processo e reduz a quantidade de peixes na região”. O monitoramento é mais intenso de maio a outubro, período de seca, pois a cheia desestimula os invasores, para alívio das 23 pessoas das equipes do Naturatins e do Instituto Araguaia, alocadas no parque. Recentemente, o Cantão ganhou ainda a colaboração de 17 condutores de visitantes, além de 15 brigadistas. Os “pássaros digitais” têm papel decisivo no combate a incêndios.

Descobertas no Cantão Em dois anos de trabalho, os registros feitos pelos equipamentos permitiram identificar 55 espécies de mamíferos, 453 de aves, 301 de peixes e 63 espécies de répteis. Em 2014, especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) identificaram, graças às imagens do balão,

uma nova espécie batizada de boto do Araguaia. “Ele é maior, tem menos dentes e melhor articulação de movimentos do que o da Amazônia. O animal caça em meio às raízes da floresta inundada e uma movimentação mais flexível o ajuda nessa tarefa”, explica Silvana Campello. A limpidez das águas locais permite às câmeras registrar os botos submersos, com precisão para um censo e observação de seu comportamento. Silvana conta que os botos demonstram atitudes de ajuda e solidariedade, assim como os humanos. Mesmo assim, são alvo de perseguição e mortos por pescadores, que alegam ataques a suas redes de pesca. Atividades de educação ambiental combatem esse costume e explicam que os animais não causam a diminuição do pescado na área, mas quem o faz é a sobrepesca. Silvana trabalha confiante: “Ver o Cantão e sua biodiversidade, essa natureza tão bonita e intacta, me inspira. Tenho esperanças de que a gente passe pela onda de extinções e o Cantão se sobressaia depois dela, quando o ser humano tiver a consciência de não destruir. Quero construir um futuro de espécies e processos naturais protegidos. Eu olho e acredito que será possível”.

silvana campello/instituto araguaia de proteção ambiental

Onde fica

Um balão auxilia na captura das imagens. O sistema revelou nova espécie de boto

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PATRIMÔNIO CULTURAL

Vila folclórica de São Paulo

1 nelson kon/divulgação

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ternizada na cantiga popular, a Vila Itororó, fundada em 1922, começa a se transformar em um novo centro cultural na Bela Vista, na capital paulistana. Exemplo de arquitetura eclética, essa foi uma das primeiras construções brasileiras com materiais reaproveitados. As obras de arte do local, oriundas de teatros e casarões demolidos, foram escolhidas e implantadas por seu fundador, o comerciante português Francisco de Castro. A restauração pode ser visitada na Rua Pedroso, 238, no Centro de São Paulo, com agendamento por: info@vilaitororo.org.br.

A vila é composta por um palacete e 37 casas sobrepostas que são sustentadas por colunas adquiridas na época da demolição do antigo Teatro São José

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A raia batizada de “Oceanógrafo” possui mais de cinco metros da ponta de uma asa à outra

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Gigantes dos mares

P

esquisadores do Projeto Mantas do Brasil do Instituto Laje Viva localizaram quatro raias gigantes em uma região do Litoral Sul de São Paulo, chamada Parcel Dom Pedro II. Trata-se da primeira vez que raias mantas gigantes (Manta birostris) aparecem tão perto de costa. A equipe avistou primeiramente três fêmeas e, depois de quatro dias, um macho. Esta espécie pode chegar aos oito metros de envergadura e, dentre tubarões

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e raias, é a que possui maior massa encefálica, em relação ao corpo. Integrantes do Instituto Laje Viva intermediaram as conversas com o Governo Federal e foram os responsáveis pelas informações que comprovavam o alto risco de extinção da espécie. Como resultado dos encontros, foi sancionada a lei que proíbe a pesca de raias mantas em todo o território brasileiro. Mais em http://www.mantasdobrasil.org.br/

1 leo francini/mantas do brasil; 2 dollarphotoclub

VIDA MARINHA

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SUSTENTABILIDADE

Economia inovadora

C

1 leo francini/mantas do brasil; 2 dollarphotoclub

arlos Eduardo Guedes, aluno de mestrado em engenharia elétrica na FEI, desenvolveu um sistema que economiza cerca de 15 litros de água por banho. Carlos notou que no aquecimento a gás existe o desperdício até a água alcançar a temperatura agradável. Para anular a perda, criou um módulo elétrico acoplado que conduz água quente ao chuveiro, enquanto o aquecedor a gás se regula. Quando este alcança a temperatura ideal, a eletricidade desliga. O projeto busca recursos para desenvolvimento e implantação.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Proteção não chega às mulheres

E

studos internacionais apuraram que morrem quatro vezes mais mulheres em cataclismos, como inundações, tsunamis, terremotos, deslizamentos e secas. Após os desastres, as sobreviventes seguem responsáveis pela alimentação e saúde da família. Mesmo assim, são raras as linhas de apoio direto a populações femininas em risco devido às mudanças climáticas. Esses dados preocuparam o Fundo Global Greengrants (GGF), a Rede Internacional de Fundos de Mulheres e a Aliança de Fundos que elaboraram um guia para aproximar doadores de mulheres que trabalham em prol de suas comunidades. A publicação está disponível em: http://www.womenandclimate.org.

Publicação destaca líderes femininas que cuidam

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de comunidades com necessidade de apoio ©1

ECORRESPONSABILIDADE

Vida ao deserto

16% do território brasileiro é suscetível à desertificação

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ONU estima que seis milhões de hectares tornam-se improdutivos e transformamse em desertos a cada ano. Muitas entidades buscam uma forma de parar esse processo, sem sucesso. Já Yacouba Sawadogo, morador de Burkina Faso, na África Ocidental, conseguiu êxito nessa tarefa, sem precisar de grandes máquinas ou tecnologia sofisticada. Com uma antiga técnica agrícola, chamada “Zai”, Yacouba abriu buracos pela terra e os encheu com adubo e sementes. Durante o período de chuva, eles se enchem de água e, nas secas, a terra permanecesse úmida e com nutrientes. Em 20 anos, Yacouba transformou, com esse método milenar africano, 30 hectares completamente improdutivos, em uma floresta com mais de 60 espécies de árvores. Hoje, ele aconselha agricultores da região e foi a estrela do documentário “O homem que parou o deserto”, que propaga sua técnica e história.

1 Hitoshi Yamada/NurPhoto; 2 marcelino ribeiro/embrapa

A

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Horizonte educacional EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Preservando as Águas

E

scolas públicas de ensino fundamental e médio dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais, contam agora com um kit de ensinamentos e atividades que transmitem como cuidar das nacentes e corpos d’água. O material foi produzido pela Editora Horizonte a pedido do Ministério Público daquele estado e destaca técnicas que podem ser aplicadas em áreas urbanas e rurais, como biodigestores para proteger o lençol freático; captação de água de chuva, para evitar a escassez, e recuperação de mata ciliar para impedir que sujeiras e terra caiam nos leitos dos rios.

A um toque de nós...

Baixe as edições da sua Horizonte Geográfico no aplicativo da Editora Horizonte na loja virtual da App Store ou do Google Play. Disponível para tablets e smartphones.

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Horizonte do leitor Envie comentários e fotos à equipe da revista: redacao@edhorizonte.com.br ou Av. Arruda Botelho, 684, 5º andar, CEP 05466-000, São Paulo/SP. Nas redes @edhorizonte facebook.com/ed.horizonte sociais: +horizontegeografico

Editora Horizonte

Horizonte online

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www.edhorizonte.com.br

Acesse o conteúdo extra das reportagens da edição 157 da revista: exclusivo para o site horizontegeografico.com.br

Revista Horizonte Geográfico, edição de setembro/outubro de 2015, é uma publicação da Audichromo Editora Ltda. Diretor geral: Peter Milko Diretor ADMINISTRATIVO: Mauro de Melo Jucá Conselho consultivo: Décio Zylberstajn, Luiz Eduardo Reis de Magalhães, Roberto Falzoni, Roberto S. Waack

Redação Diretor de redação: Peter Milko Diretora editorial: Neuza Árbocz Diretor de arte: Diogo Franco do Nascimento Diagramador: Roberto Morgan Auxiliar de Redação: Ana Claudia Marioto

Giulio Paletta

redacao@edhorizonte.com.br

Confira a entrevista exclusiva com Giulio Paletta, o fotógrafodocumentarista, especialista em problemas sociais, que passou dois anos viajando pelas fronteiras brasileiras. O italiano, criado em grandes metrópoles, conta como foi a experiência de viajar por cidades tão pequenas e o prazer de retratar a abdicação de tradições nacionais por uma vida de culturas miscigenadas.

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Capa: Getty Images Publicidade Representante em São Paulo: Nominal Assistente comercial: Luana Fabio Solimeno Representante em Brasília: Sucesso Comunicações comercial@edhorizonte.com.br

administração e circulação Diretor administrativo: Mauro de Melo Jucá Serviços de apoio: Ane Coelho Ribeiro, Fernanda Rosa Miranda Alves, Circulação e assinaturas: Marcos Lopes dos Reis Distribuição Brasil: Dinap SA – Distribuidora Nacional de Publicações

Serviço de Atendimento ao Cliente Para aquisição de exemplares anteriores, exemplares atuais e outros serviços: Grande São Paulo - (11) 3022-5599. De segunda a sexta, das 9 às 12h e das 13h30 às 18h. www.horizontegeografico.com.br sac@edhorizonte.com.br andré dib

Veja também: fotos extras das Noivas do Jequitinhonha, as artesãs mineiras reconhecidas pela ONU por sua cerâmica. A galeria da fotógrafa Lucille Kanzawa, sobre a rotina das colhedoras do chá do Sri Lanka e mais imagens, especiais, feitas a partir de drones, do Parque Estadual do Cantão, em Tocantins.

Colaboraram nesta edição: André Dib, Carolina Pinheiro, Fellipe Abreu, Giulio Paletta, Lucille Kanzawa, Ludmila do Prado

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Em breve, lançamento do mais completo guia de campo de aves da Mata Atlântica do Sudeste mais de

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424 páginas

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No verĂŁo de 2006, Amyr e Marina Klink embarcaram as filhas para a primeira viagem em famĂ­lia para a AntĂĄrtida, a bordo do veleiro Paratii-2

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Famílias aventureiras Três famílias brasileiras enfrentam jornadas, escalam, velejam e compartilham as bagagens conquistadas em anos de expedições.

Marina Klink

Texto | Ludmila do Prado

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N

o topo das montanhas e na vastidão

com o casal. Adriana acredita que a união

do oceano. Desbravadores moder-

familiar permite conquistas que não se-

nos usam tecnologia de ponta, mas

riam possíveis se estivesse sozinha. Mas

possuem o vínculo com o meio ambiente

se preocupa com os riscos nas empreita-

como as populações tradicionais. Rendem-

das. “Eu me atenho muito à segurança da

-se aos limites impostos pela natureza en-

minha família. É preciso ter o preparo e

quanto enfrentam os seus próprios e se

o equipamento certo, além de excelente

motivam com a superação que instiga a

condição psicológica”.

humanidade desde as primeiras descobertas de terras desconhecidas.

Ela conta que em uma das subidas um alpinista de outro grupo escorregou e na

São viajantes que se deslocam pelo

descida deu uma “rasteira” sem querer em

mundo em família, ao mesmo tempo,

Renato. Ambos desceriam ladeira abaixo se

que se conectam com seu mundo interior.

não fosse a presença do guia que os anco-

“Escalar me faz ficar comigo mesma”, diz

rou e resgatou. “Foi no Aconcágua e meu

Adriana Gribel. Depois de uma viagem para

filho esteve perto de rolar 2 mil metros.

Bali com o marido, Eduardo, começou a

Precisamos sempre estar atentos para im-

inserir este tipo de programa nos roteiros

previstos. Este é um dos motivos que pelos

de férias da família. Isso há duas décadas.

quais me encanta ver, do ponto de vista

E nunca mais pararam.

da equipe, o quanto trabalhar juntos nos faz mais fortes que sozinhos; superamos

Família

grupo realizou em 2003 a Expedição Sete

obstáculos que pareciam intransponíveis”.

Gribel em um

Cumes pelas sete montanhas mais altas

Subir montanhas envolve perigos. A

terraço de

do Brasil; primeira família de que se tem

cada mil metros escalados perde-se 10%

Puyupatamarka,

notícia a ter esse feito no currículo. Os

do oxigênio disponível ao nível do mar. Isto

durante Trilha

Gribel são pais de quatro filhos e três deles,

provoca o chamado “mal da montanha” ,

Inca, no Peru

Renato, André e Mariana, escalam junto

causa de náuseas, diarreias, irritabilidade e

1 hernan Loyasa/arquivo pessoal; 2 Família Schurmann/pedro nakano

Moradores de Belo Horizonte (MG) o

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©2

até delírios. “Enfrentamos expedições lon-

o olho de uma tempestade com ondas de

As expedições

gas de até 16 dias. É fundamental confiar

30 metros de altura e por mais de 10 dias

ensinam a estar

em superar todas as dificuldades e manter

aquilo não parou, mas não quebrei um úni-

prontos para

a força de vontade de continuar”, relata

co parafuso da embarcação”. O mar exige

emergências,

André Gribel. Porém, nem sempre isso é

respeito e habilidade do marinheiro.

como as

possível. Na subida do Aconcágua, um in-

Os Schurmann também conhecem bem

tenso mal da montanha reteve Adriana.

essa postura, adotada em suas jornadas

pelos

“Eu me preparei muito e fiquei bastante

ao redor da Terra.“Vivemos momentos de

Schurmann,

frustrada, mas precisei aceitar as condi-

tensão durante uma tempestade no Cabo

em alto mar

ções que a natureza me impôs”.

Horn, com ventos de 67 nós. Em Puerto

Turbulências

enfrentadas

Deseado, com correntezas de até seis nós no canal, (um nó equivale a 1,85 km/h) a

Quem conhece muito bem a força dos

ancoragem se tornou complicadíssima. O

limites naturais é Amyr Klink, reconhecido

vento girava o barco e a correnteza o levava

por ter sido o primeiro a cruzar o Atlântico

para o outro lado. A corrente enrolou na

sozinho em um barco a remo. Anualmente,

quilha e arrastou a âncora. Foram várias

ele visita a Antártida. Em algumas dessas

noites sem dormir bem, com alarme no

viagens vai acompanhado da família.

GPS acionado para nos alertar caso fosse-

Em uma delas, atravessou condições

mos arrastados. Isso aconteceu quatro ve-

que lhe renderam destaque na revista náu-

zes e tivemos apenas alguns minutos para

tica internacional Yachting World. “Peguei

agir, caso contrário a correnteza levaria o

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As chegadas

barco contra o paredão de pedras” com-

A solução é o entendimento. “Faz bem

ao destino

partilha Wilhem Schurmann, o filho mais

compartilhar alegrias, conhecimentos, e

são momentos

novo. “Além do risco de piratas, tsunamis

medos com os tripulantes. É preciso evitar

de muita

e perda de tripulante no mar”, completa o

alguém ficar mareado ou com pensamento

comemoração,

pai, o capitão Vilfredo Schurmann.

negativo. Liderança é fundamental, assim

como essa

E por falar em perda de tripulante,

como escutar os colaboradores e realizar as

ancoragem

Klink completa: “Sabe em que situação

mudanças necessárias”, explica o capitão.

dos Schurmann

mais acontece de um homem cair no mar?

Amyr Klink afirma que, por outro lado, a

na Polinésia

Quando a água está sem ondas; o sujeito

situação de não poder sair do barco torna

se aproxima da beirada para fazer xixi, a

as pessoas mais solidárias.

embarcação dá uma balançada. Como ele

“O que importa é ter vontade de se har-

está distraído e sem segurar com as duas

monizar com o grupo. Já levei tripulantes

mãos, cai. O barco estando no piloto au-

atrapalhados, do tipo que derrubam as coi-

tomático vai embora”.

sas por onde passam. Ainda assim tudo

Como se não bastassem as turbulên-

saiu bem pela vontade e bom humor da

cias naturais, a tripulação enfrenta tam-

pessoa, pelo empenho em colaborar, em

bém as sacudidas comportamentais. É pos-

fazer um ambiente bom”.

sível imaginá-las, se pensarmos em 8 ou 10

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pessoas juntas o tempo todo, sem ter onde

Incentivos e renda

se isolar. “Nosso ambiente tem menos de

Para Klink, as dificuldades maiores es-

180 metros quadrados”, destaca Vilfredo.

tão em solo firme. Ele se mostra surpreso

“O maior desafio é o relacionamento no

com a falta de incentivo aos esportes náu-

pequeno espaço, entre idades e persona-

ticos, em um país com mais de oito mil qui-

lidades diferentes. Um exercício diário de

lômetros de extensão litorânea contínua.

adaptação e paciência”, completa Heloísa

“Só na baía de Paraty seria possível girar

Schurmann, sua esposa.

60 bilhões de reais por ano com atividades

1 Família Schurmann/pedro nakano; 2 Arquivo pessoal; 3 Liana Giubertoni/arquivo pessoal

©1

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©2

náuticas e a profissionalização vinculada

foram cinco anos de planejamento e busca

As Gribel

a elas. Palma de Mallorca, uma ilha espa-

de apoio. Após tudo isso, a construção do

interagem

nhola na região de Ibiza com 200 marinas

veleiro Kat”, comenta. Na Família Gribel a

com mulheres

movimenta 15 bilhões de reais por ano”.

incumbência dos planos pré-viagem estão

africanas em

Ele se esforça para disseminar esse estilo

nas mãos de Adriana.

viagem para

de vida mais perto da natureza.

1 Família Schurmann/pedro nakano; 2 Arquivo pessoal; 3 Liana Giubertoni/arquivo pessoal

©3

Atuar nos bastidores também é a espe-

o Kilimanjaro,

“Quanto mais conseguirmos inspirar

cialidade de Marina Bandeira Klink, esposa

na Tanzânia

outras pessoas a fazer atividades em fa-

de Amyr. Há nove anos, partiu dela a ideia

(no centro).

mília, estar com os filhos, melhor. Digo

de propor ao marido colocar as três filhas a

Marina, Tamara,

que os meus foram criados por mim, pelo

bordo, para surpresa do velejador. “A nos-

Laura, Amyr

Eduardo e pela montanha; aprendemos na

sa caçula, Marininha, tinha cinco anos na

e Marininha

prática o quanto somos pequenos diante

época. Ela fez seis anos no Cabo Horn. Meu

Klink na Base

da natureza”, concorda Adriana. Heloísa

objetivo era fazer com que nossas filhas

Ucraniana

Schurmann completa que compartilhar as

entendessem melhor o que o pai fazia e

de Vernadski,

experiências fortalece esse modo de vida.

as ausências dele por seis meses, pois era

Antártida

O legado nos bastidores

estranho despedir-se dele na beira do mar e só voltar a vê-lo depois desse tempo todo.

O intenso planejamento nem sempre

Por conta disso, às vezes ele não ia à festa

aparece, mas é fundamental para o êxito

dos pais na escola e eu queria que elas

das expedições. Cada um dos grupos tem

tivessem orgulho ao contar que o motivo

alguém que assume essa tarefa com mais

da ausência era ele estar na Antártida”.

força, embora todos contêm com apoio dos

A experiência deu tão certo que as

demais membros. Para os Schurmann, pla-

meninas passaram a realizar visitas ao

nejar está sob a responsabilidade do capitão

continente gelado todo ano, a cada verão.

Vilfredo. “Para a Expedição Oriente, nossa

A mãe aproveitou a ocasião e criou jogos

terceira grande viagem em volta do globo,

para incentivar as crianças a observar o

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meio ambiente e o comportamento dos

sobe a fenda

animais naquele universo. “A princípio minha intenção era evitar

geram frutos através de nossos frutos, li-

da mãe,

que se entediassem na viagem. Sabe como

teralmente. As meninas são consideradas

Adriana.

é, três crianças dentro de um barco”, con-

referência para garotos e garotas da idade

Schurmann

ta Marina. Com o passar do tempo e mais

delas. Eles as olham e percebem que não

apreciam

compromissos de estudo, a escola mostrou

é preciso ser adulto para se interessar por

dança na Ilha

resistência em liberá-las para as viagens.

esses temas, para escrever um livro. Quan-

da Páscoa.

Então, veio a ideia de tornar a experiência

do chegamos a uma escola onde os alunos

Marina Klink

um estudo do meio, com objetivos e tarefas

leram o livro delas, elas parecem pop stars.

rema sua

elaboradas pelos professores para serem

Estamos proporcionando a quem dificil-

canoa junto

cumpridos ao longo do percurso.

mente teria condições de acessar esse uni-

com a ajuda

a icebergs (pág. ao lado)

“Quando voltamos, depois da quinta expedição, elas, espontaneamente, deci-

Isso me deixa muito orgulhosa”. A conscientização também é consi-

que tinham aprendido. A escola ficou tão

derada um legado para a família catari-

entusiasmada que passou a pedir que elas

nense. Vilfredo Schurmann se preocupa

fizessem palestras para os alunos”. Dian-

em velejar em uma embarcação pensada

te desse sucesso, Marina criou o projeto

para ter o mínimo impacto ambiental. O

“Irmãs Klink”. De palestra em palestra,

Veleiro Kat possui gerador eólico, painéis

atualmente as irmãs Klink, Marina Helena

solares, sistema de tratamento de efluen-

e as gêmeas Laura e Tamara, somam 140

tes e composteira orgânica. Assim, não há

apresentações e um livro que está em sua

necessidade de despejar resíduos na água.

rede municipal de ensino de São Paulo.

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verso que o conheçam por meio da leitura.

diram fazer uma apresentação de tudo o

oitava edição e acaba de ser adotado pela

26

“Não gostaria que as viagens do Amyr terminassem em si mesmas. Hoje, elas

Amyr segue a mesma postura: tudo no barco é projetado para consumir pouca

1 arquivo pessoal; 2 Família Schurmann/pedro nakano; 3 Igor de Souza/arquivo pessoal

Mariana Gribel

©2

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água doce e energia. “O mar nos faz buscar

a que fiz para uma ilha que fica na região

eficiência e equilíbrio no uso dos recursos

da Islândia. É um arquipélago de 19 ilhas

o tempo todo. É uma experiência muito

que pertence à Dinamarca, chamado Ilhas

saudável”, comenta o velejador.

Faroe. Quando eu era pequeno, ouvia um

Bagagem inspiradora

tio jornalista falar sobre esse lugar. Um dia, olhando na carta náutica, vi a ilha, decidi

Uma das maiores vantagens desse es-

ir até lá e adorei. É um lugar maravilhoso,

tilo de vida é conhecer lugares remotos,

que possui pujança econômica e cultural,

além de culturas e povos distantes. Essa

formado por pessoas descendentes dos

bagagem inspira os viajantes. “Nosso filhos

vikings que falam a língua original nórdica.

admiram a diversidade, ao invés de estra-

Isso me impressionou, e ainda fiz amigos

As viagens são

nhá-la. Nossa próxima aventura será em

por lá. Outro dia, recebi uma carta deles”,

oportunidades,

2016. Subiremos o monte Elbrus, a maior

conta satisfeito.

tanto para

montanha da Europa na Cordilheira do

Dias de bons ventos e de chegadas

Cáucaso, entre Rússia e Turquia”, adianta

ao cume, outros de tempestades e de es-

espetáculos

Adriana Gribel.

corregões. Montanhistas e velejadores os

enriquecedores,

Da mesma forma, amigos conquista-

enfrentam como uma metáfora da vida e

quanto para

dos e lugares difíceis de chegar contam

compreendem que o que fica, de verdade,

vencer medos

muito para Amyr Klink. “Em todas as mi-

são a família, as amizades e os aprendiza-

e estar

nhas viagens, a que mais me marcou foi

dos com as experiências.

consigo mesmo

apreciar

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Uma jornada de dois anos, por 15 mil km de divisas brasileiras, revela desafios, alegrias e histórias de cidadãos que acabam por ignorar a separação entre as nações Texto e fotos | Giulio Paletta

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Cucuí, Amazonas Tripla fronteira entre Brasil, Venezuela e Colômbia. Uma família se refresca ao pôr-do-sol. Do outro lado do Rio Negro, está um território colombiano controlado pelo grupo guerrilheiro das FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia)

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Rio Negro, Amazonas Os barcos são meio de transporte comum na tripla fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela, na parte setentrional da Amazônia brasileira.

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leia entreista com o fotógrafo giulio paletta

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Venezuela colômbia Cucui

A

s nuvens escuras e ameaçadoras no

palafitas nessa ilha peruana, exatamente

horizonte anunciam uma iminente

em frente à cidade brasileira de Benjamim

tempestade, enquanto percorro o

Constant, na outra margem das águas que

rio Javari em uma modesta embarcação

Islândia

delimitam os dois países.

Benjamin Constant

brasil

peru Islândia

motorizada, na esperança de conseguir

Apesar de ter vivido toda sua vida no

chegar à pequena Islândia antes da chuva.

Peru, Esther não pronuncia uma palavra

O motivo que me trouxe até aqui, no

de espanhol. Por todos estes anos, tem fa-

noroeste do estado do Amazonas, ao longo

lado somente em português com o marido,

Cucui

da tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Co-

os vizinhos e seus doze filhos. “Não sei ao

lômbia, é dona Esther, uma senhora de 84

certo quantos netos tenho, é difícil manter

Benjamin Constant

anos, de origem brasileira, nascida e cria-

a conta”, diz a idosa senhora sorrindo, en-

da em uma casa simples construída sobre

quanto vários meninos e meninas chegam

Islândia, Peru Esther, 84 anos, brasileira. Nasceu e foi criada por seus pais, ambos brasileiros, em Islândia, um pequeno vilarejo de pesca em um ilha fluvial, no Peru, próximo à fronteira com o Brasil ao longo do rio Javari,

om o paletta

na Amazônia. Ela nunca aprendeu o espanhol, mesmo gerando 12 filhos em terras peruanas.

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Guayaramerin, Bolívia Marta, oito anos, espera sua mãe que retorna de mais um dia de trabalho como doméstica em Guajará Mirim, lado brasileiro da fronteira.

correndo para abraçá-la. Ela olha na direção

Venezuela Santa Elena de Uairén Pacaraima

colômbia

Letícia

Tabatinga

Guayaramerim

brasil

Guajará-Mirim

bolívia Pacaraima

Tabatinga

do rio, do outro lado o Brasil.

Viajando pelas mais remotas fronteiras brasileiras, tive a sorte de conhecer inú-

“Esta é a minha terra”, me diz. “Aqui

meras histórias fascinantes e intrigantes

nasci e fui criada, aqui morrerei, somente

como essa de Esther. Dos rios da Amazônia

neste lugar me sinto em casa”, continua a

às planícies desoladas e frias do extremo

falar, enquanto passeamos pelas estreitas

sul do Brasil, descobri um modo de vida

pinguelas de madeira que ligam uma casa

particular ao longo dos 15.179 km de fron-

à outra em Islândia. “Nós, habitantes da

teiras que dividem, mas, acima de tudo,

fronteira, não distinguimos entre ser pe-

unem o Brasil com dez outros países, da

ruano ou brasileiro. Aqui é tudo misturado,

Guiana Francesa ao Uruguai.

tudo unido. Dividimos a mesma terra, a

Uma viagem de quase dois anos por

água do mesmo rio, como podemos pensar

um país em contínua mudança, refletido

em ser separados por uma linha imaginá-

no dinamismo e na mistura racial do povo

ria?” pergunta enquanto as primeiras gotas

que habita suas bordas. Segundo o Insti-

de chuva começam a cair.

tuto Brasileiro de Geografia e Estatística

Guajará-Mirim

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Pacaraima, Roraima Seu José, 65 anos, metade brasileiro, metade venezuelano, em frente ao cruzamento da fronteira entre os dois países. Ele mora em Santa Elena de Uairén, na Venezuela, onde os alugueis são mais baratos. Todos os dias, ele caminha 15km entre Santa Elena e Pacaraima para vender picolés no Brasil.

Letícia, Amazonas Um jovem rapaz espera por passageiros para levar em seu barco até a Ilha da Fantasia, na Colômbia, uma pequena àrea fluvial exatamente em frente à Letícia, cidade fronteiriça que fica na região Amazônica do país, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.

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St. George

Guiana Francesa

São Jorge do Oiapoque

brasil

uruguai

Chuy

Chui

São Jorge do Oiapoque Chui

(IBGE), o Brasil possui 122 municípios de

Na pequena e empoeirada Oiapoque, no

fronteira ao longo dos mais de 15.000 km

extremo norte do Amapá, me espera sen-

que delimitam o território brasileiro a sul,

tado em um café, Thiago. Quarenta anos,

oeste e norte. Dez desses municípios fa-

originário de uma família muito simples

zem parte das chamadas tríplices frontei-

de Macapá, capital do estado, o brasileiro

ras, pontos comuns que ligam três países.

trabalha em uma agência de empregos do

A Bolívia é o país que tem mais quilô-

governo da França. Ainda pequeno, foi ado-

metros de divisas com o Brasil, 3.126 km,

tado e criado por seu padrasto Jean Marc,

seguida pelo Peru com 2.995 km e Guiana

um cozinheiro francês que, em 1979, se

Francesa com 1606 km.

mudou para a Guiana Francesa para atuar

É difícil conseguir o número preciso dos

em um restaurante e conheceu sua mãe

habitantes desses lugares, já que boa par-

justamente do outro lado do rio Oiapoque.

cela dessas fronteiras são locais remotos

O resultado é que Thiago fala perfeita-

da Amazônia, onde há vários obstáculos

mente francês, tem passaporte europeu e

para um censo exato.

tira seu sustento em St. Georges, uma pe-

Oiapoque, Amapá Nascido em Macapá, capital do estado brasileiro do Amapá, Thiago foi criado por seu padrasto, um francês que veio trabalhar como cozinheiro na Guiana Francesa nos anos 70. Atualmente vive no lado brasileiro, mas ganha seu sustento em euros no país vizinho.

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Chuí, Rio Grande do Sul Sr. Shafik Ibrahim Khaled e seu filho Muats Khalid em frente à sua loja em Chuí, no lado brasileiro da fronteira com o Uruguai. Comerciante, foi um dos primeiros imigrantes palestinos a chegar aqui em 1959. Desde então, apoiou mais de 200 pessoas entre parentes e amigos a vir de lá para cá. Seu filho Muats, nasceu em Jerusalém, mas tem nacionalidade brasileira e viveu seus 25 anos aqui.

quena e tranquila cidadezinha da Guiana

do Brasil, na pequena cidade fronteiriça de

Francesa. Mas, mora em terras brasileiras,

Chuí (RS ), (Chuy do lado uruguaio), paro

em uma bela casa com jardim na periferia

curioso diante de uma loja de roupas do

de Oiapoque, de frente para o rio que di-

lado brasileiro da rua que divide as duas

vide a Europa da América do Sul - o país

cidades e os dois países. O senhor Khaled

vizinho é uma extensão oficial da França.

me faz um sinal com a mão e me convida

“É curioso pensar que todas as manhãs

a sentar ao seu lado. Shafik Ibrahim Kha-

pego um barco e em cinco minutos atra-

led é um elegante senhor de uns 70 anos,

vesso um rio que me leva até a Europa”,

um dos primeiros palestinos a chegar ao

se diverte. “Ganhando em euros e vivendo

Chuí em 1959. Comerciante desde sempre,

no Brasil, posso dar uma vida melhor à

imigrante por necessidade.

minha família.”

Nestes 56 anos de vida na fronteira,

Há mais de 4.100 km de distância em

Khaled ajudou a trazer dos territórios pa-

linha reta de Oiapoque, no extremo oposto

lestinos, onde ocorrem conflitos constan-

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tes, para o Chuí e seus arredores, mais de

Os cidadãos das cidades fronteiriças

200 pessoas entre amigos e parentes. Seu

mantêm um cotidiano alegre, onde o conví-

filho Muats, 25 anos, nasceu em Jerusa-

vio e o acolhimento da diversidade tornam

lém, mas, cresceu e passou toda sua vida

as linhas oficiais invisíveis. Há problemas

no Brasil. “Sou e me sinto brasileiro, ainda

para enfrentar, como o da ilegalidade e do

que meu sangue seja do Oriente Médio.

tráfico de drogas e de armas. Aspectos talvez

Falo perfeitamente árabe, português, espa-

mais lembrados para quem nunca pisou

nhol e portunhol”, me conta Muats, rindo

nesses lugares e os conhece apenas pelos

enquanto atende alguns clientes na loja.

noticiários da TV e dos jornais. Esses, em

Ponta Porã, Mato Grosso do Sul Pais paraguaios da cidade de Pedro Juan Caballero, como Jimmy, customizador de motocicletas, buscam seus filhos na escola em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. Eles colocam os filhos em colégios brasileiros, pois consideram o ensino daqui melhor.

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Lethem, Guiana John é de Guangzhou, China. Ele veio à Lethem para abrir um comércio e não fala inglês, nem português. Um funcionário, morador local, lhe ensina os dois idiomas para que ele possa se comunicar com os muitos clientes brasileiros que vêm à sua loja todos os dias.

vez das belezas de Foz do Iguaçu (PR), por

Revolucionarias de Colombia), produtoras

exemplo, na tríplice fronteira entre Brasil,

de cocaína que buscam infiltrar no território

Paraguai e Argentina, divulgam com maior

brasileiro pela floresta.

Guiana Lethem

frequência os casos de polícia; sobretudo,

Mas mesmo nesses locais, a integra-

os na divisa com o Paraguai. Outro exemplo

ção e mistura cultural, religiosa e racial,

de tensão é Cucuí (AM) um pequeno e isola-

se consolidam. Nas fronteiras, as pessoas

do vilarejo, formado pela instalação de um

de tradições, raízes e nacionalidades dife-

posto avançado de vigilância no extremo norte do Alto Rio Negro, coração da floresta

rentes se compreendem, mesmo sem falar Pedro Juan Caballero Ponta-Porã a mesma língua, e se entendem apesar de

amazônica, na tríplice fronteira entre Bra-

suas diferenças. Para elas, as palavras “li-

sil, Colômbia e Venezuela. Ali existe uma

nha” ou “divisão” significam bem pouco.

forte presença militar brasileira devido à

A demarcação territorial se dissolve em

proximidade com um território colombiano

encontros, intercâmbios culturais e em

controlado pelas FARC (Fuerzas Armadas

união ao invés de separação.

brasil

paraguai Lethem

Ponta-Porã

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Boi, amigo da floresta? Novas práticas querem aliar a pecuária à preservação ambiental Texto | Neuza Árbocz

A integração lavoura, pecuária e floresta alcança 2 milhões de hectares no Brasil, atualmente

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FotografiasaĂŠreas.com.br

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A

carne estala na grelha e deixa pingar

questão ganhou ainda mais repercussão

suculentas gotas até o carvão. Seu

com o dossiê “A Farra do Boi na Amazônia”,

cheiro preenche todo o ambiente. As

fruto de uma investigação elaborada pelo

bocas enchem d’água, antecipando o prazer de morder uma boa picanha assada na brasa. Quem já não esteve em um ambien-

Greenpeace e divulgada em 2008.

Má fama disseminada

te assim? Reunir amigos e parentes em

Sem ter como provar de onde vinha o

torno de um churrasco é uma tradição bra-

bife que enviava às mesas do velho con-

sileira, desde o Sul, com sua cultura gaúcha

tinente, o Brasil sofreu o embargo do pro-

ligada à criação de gado e seus espetos

duto na Europa. Em resposta, o governo

fincados no chão, até a Amazônia, onde a

federal acordou para a necessidade de

extração de madeiras nobres, produção de

medidas para coibir atividades extrativis-

carvão com as árvores menores e formação

tas e agropecuárias abusivas, como ini-

de pastos sobre a terra queimada foram as

bir o crédito agrícola para propriedades

maiores causas do desmatamento.

sem documentação ambiental em dia. As

Nas décadas de 90, perderam-se em

denúncias repercutiram também junto à

torno de 20 mil quilômetros quadrados ao

opinião pública interna e as maiores redes

ano (metade do Estado do Rio de Janeiro)

de supermercados do país firmaram um

da maior floresta para esse modelo preda-

compromisso público, em outubro de 2009,

dor. Sem cuidados intensivos, ele exauria

de não comprar carnes de áreas autuadas

a terra em cerca de 15 anos e voltava sua

por desmatamento ilegal.

ganância para novas áreas intocadas. Esse

Desde 2007, os maiores atores da pe-

movimento chegou a ultrapassar, no início

cuária nacional já se reuniam para avaliar

do século 20, 25 mil quilômetros quadra-

esse aspecto negativo da cadeia produti-

dos anuais. Em 2006 e 2007, o Brasil foi o

va da carne bovina e, no mesmo ano do

principal exportador de carne bovina para

compromisso, formalizaram um Grupo de

a União Europeia. Dado comemorado como

Trabalho pela Pecuária Sustentável (GTPS).

positivo, embora escondesse um grande

A iniciativa reúne produtores, indústria de

custo ambiental, apontado pelo relatório

insumos agrícolas, varejistas, universida-

da ONU “A Longa Sombra do Gado de Corte”.

des, centros de pesquisa e até restaurantes,

O documento usou as práticas brasileiras

entre outras instituições ligadas à criação

como exemplo de produção inadequada,

e abate de animais. Seu foco inicial estava

que resultava em altas taxas de emissão de

em rastrear a origem do gado enviado aos

gases de efeito estufa (GEEs). Em 2008, essa

grandes frigoríficos, conforme exige a Lei de Rastreabilidade de 2009. Com o amadurecimento do trabalho, compreendeu-se

Ocupação do território brasileiro

vidas no país desde os anos 90, surte um resultado mais prático e transformador em

329

38,8%

Unidades de Conservação

122

14,4%

Terras indígenas

107

12,6%

2

0,2%

Terras não ocupadas

150

17,6%

serviços de inspeção e fiscalização, em

Outros usos

138

16,1%

convivência com 1,2 milhão de pecuaristas

BRASIL

851

100%

com fraca união e articulação”, observa o

Fonte: IBGE, IBAMA, INCRA, FUNAI, CNA - 2010

carne2.indd 40

%

Agropecuária

Cidades e Infraestrutura

40

ÁREA (milhões/ha)

toda a cadeia de produção do setor. “Na estrutura do mercado brasileiro de carne bovina, estão por volta de 150 empresas de insumos e 83 frigoríficos com

economista Francisco Villa, integrante do

1 Marco Massimo/pixabay

USO

que difundir melhores práticas, desenvol-

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©1

Árvores junto ao pasto evitam a diminuição do leite devido ao calor durante o verão

Fazenda Bang Bang – São José do Xingu (MT) 3,4 mil ha; 3% das pastagens transformadas em floresta com plantio de nativas para regularizar reserva legal. Em 2006, iniciou parceria com uma grande rede de supermercados, para produzir carne com responsabilidade social, o que motivou a adoção das boas práticas socioambientais. Luiz Castelo: ‘Desmatar demais foi um erro do passado’.

Pequeno produtor – São Paulo das Missões (RS) 1,5 ha – plantou 300 mudas de eucalipto no pasto. Reduziu silagem – ganhou em equilíbrio térmico e menor probabilidade de geada; leite não diminui no verão; vacas não sofrem no calor e não deitam em local estercado. Odair Klein : “Importante ter mudas de qualidade, bom solo e controle de formigas”.

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Fazenda Santa Brígida – Ipameri (GO) 992 ha - 2 arrobas de boi por hectare com abate aos 4 anos, em 2006 De 2006 para 2013, passou de 80 para 180 sacas/ha de milho; de 40 para 62 sacas/ha de soja e para 16 arrobas de boi/ha, com abate aos 3 anos. Marize Porto Costa: “Produzimos recompondo o meio ambiente e temos lucro”.

Fazenda Japema – Ivinhema (MS) 1800 ha - proprietária iniciou a integração pecuária-floresta (IPF) em 1994 no Paraná, quando era ainda novidade. Mais 50% de engorda do gado com a integração com floresta. Maria Eloá Rigolin: “Quero aumentar para 2700 ha a área de IPF”.

‘Condomínio’ Pizzolato – Saudade do Iguaçu (PR) 10,2 ha – gado leiteiro Jersey com pastagem e árvores

Vizinhos os viam com desconfiança, hoje são uma Unidade de Referência Tecnológica e demonstram como garantir melhor conforto animal e conservação do solo. Eugênio Pizzolato: “Antes animais sofriam muito com o calor. Com IPF o animal agradece! Importante buscar informação para não errar. Acompanhamento técnico é fundamental.”

GTPS. Alcançar essa vasta malha de peque-

e com menos de um animal por hectare.

nos e médios produtores é o maior desafio,

Hoje, isso não tem mais cabimento”, ob-

inclusive por estarem espalhados por todo

serva João Kluthcouski, especialista da Em-

o território nacional.

brapa, Empresa Brasileira para a Pesquisa

42

carne2.indd 42

Agropecuária fundada em 1972. Seus estudos detectaram que o manejo

Até o início dos anos 70, o Brasil era

inadequado e a falta de reposição de nu-

grande importador de alimentos. Para se

trientes no solo comprometiam a engorda

libertar dessa dependência, o governo in-

do gado e impulsionavam a busca por no-

centivou a ampliação das fronteiras agro-

vas áreas, cobertas por vegetação nativa.

pecuárias para o interior do país. “A prática

Assim, a empresa se dedicou a testar con-

dos criadores daquela época era encarar a

sórcios produtivos capazes de interromper

pecuária como uma atividade extrativista

esse ciclo pouco sustentável. Aliar arroz de

1 Gabriel Faria/Embrapa

Expansão x Produção

Horizonte Geográfico

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sequeiro com as forrageiras que alimen-

Brígida, que resultou em pasto de melhor

tam o gado, por exemplo, trouxe como

qualidade e gado mais gordo, em menor

resultado a correção da acidez do solo,

intervalo de tempo. Outros consórcios e

redução da incidência de cupinzeiros e o

práticas foram desenvolvidos, conforme

fortalecimento do capim no período seco.

desafios específicos de cada área e torna-

Em 1993, havia, só no Cerrado, 34 mi-

ram claras as vantagens da integração la-

lhões de hectares de pastagens degradadas

voura-pecuária (ILP). “Ainda há resistência.

ou em vias de degradação. O mesmo acon-

Mas ao arrendar seu pasto a produtores de

tecia com 50% da área destinada à produção

soja, por exemplo, os pecuaristas notam a

de grãos na região, que poderiam se bene-

diferença do solo e do rendimento do gado.

ficiar do esterco gerado pelo gado. Surgiu,

Assim, se convencem”, comenta Kluthcou-

então, ali, um dos primeiros sistemas de

ski, que acredita na mudança da mentali-

integração, batizado de Barreirão, recorda

dade rural brasileira. Com pasto melhor, é

o pesquisador. A ele, seguiu-se o Santa Fé

possível ter mais bois por hectare e evitar

que aliou grãos e gramíneas para garantir

a expansão sobre as matas nativas. Essas,

alimento para o gado durante a seca. Nesse

ao contrário, podem ser restauradas para

caso, experimentou-se manter a palhada no

melhorar as condições das águas e do clima,

campo e plantar diretamente sobre ela. A

o que fortalece todo o ambiente do entorno.

prática mais comum era limpar o terreno, o

A rotação

que deixava o solo descoberto e vulnerável

Sombra e água fresca

à erosão e à maior perda de nutrientes.

À rotação lavoura-pastagem, com acú-

lavourapastagem,

Em seguida, os técnicos testaram incor-

mulo de palhada para renutrir o solo, so-

com acúmulo

porar também leguminosas, como o feijão-

mou-se outro saber antigo: a introdução de

de palhada,

-guandu-anão, no chamado sistema Santa

florestas plantadas. O imigrante europeu já

renutre a terra

©1

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As árvores no campo trazem benefícios como aumento de matéria orgânica e clima mais ameno

©1

Fazenda São João – Jataí (GO) 40 ha – 2 animais por ha, integrados com eucalipto para madeira. Gado na sombra ganha mais peso e dá menos trabalho de manejo (não precisa tirar do sol no meio do dia). Madeira aumenta a rentabilidade da propriedade.

44

carne2.indd 44

mantinha árvores frutíferas e para madeira

A integração lavoura, pecuária e flores-

junto ao seu gado. Uma prática que existiu

ta (ILPF) se espalha atualmente pelo Brasil.

no Sul, mas que quase desapareceu com a

“Antes, era estranho você pensar em um

mecanização e a difusão das monocultu-

pasto ou plantação com árvores no meio;

ras. As árvores no campo trazem benefícios

hoje, a coisa mudou”, afirma Vanderley

como aumento de matéria orgânica, clima

Portifírio, da Embrapa Floresta do Paraná.

mais ameno, menor ocorrência de doenças

A ILPF marca sua presença em aproxima-

e de plantas daninhas às culturas vizinhas,

damente 1,6 a 2 milhões de hectares, so-

melhor renda com extração planejada de

bretudo nas regiões Centro-Oeste e Sul.

madeira e aumento de bem-estar animal.

Estima-se que nos próximos 20 anos será

Ao contar com sombra para se refugiar na

adotada em mais de 20 milhões de hecta-

hora do sol quente, o gado engorda mais

res. “Integrar a lavoura à pecuária e/ou à

e mais rápido.

silvicultura permite neutralizar os gases de

1 Gabriel Faria/Embrapa

Christovam Bittencourt: “Estou satisfeito; vou aumentar a área de integração”.

Horizonte Geográfico

16/09/2015 16:38:00


Tecnologias de Integração

Da conservação do solo e da água ao bem-estar animal 1 Barreirão Consórcio de capim com culturas anuais para recuperação de pastagens

3 Plantio Direto A semeadura é feita sobre palhada de cultura anterior, sem revolvimento do solo e com rotação de culturas

4 Rotação de culturas Alternância ordenada ciclìca e sazonal de diferentes culturas na mesma área 2 Santa Fé Consórcio de grãos com capim para alimentação animal na estação da seca e cobertura de solo para plantio direto

Ano 1

Ano 2

Fonte: EMBRAPA

Compromissos da Agricultura de 2010 a 2020 PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS Recuperação de áreas de pastagens degradadas Integração lavoura-pecuária-florestas Sistemas de plantio direto na palha Área de florestas plantadas Fixação de carbono na produção de grãos Tratamento de dejetos de animais (*)

efeito estufa emitido pelo gado”, acrescenta Eduardo Assad da Embrapa Informática Agropecuária. Um fator fundamental a jo-

ÁREA

REDUÇÃO

(milhões/ha)

DE GEE (**)

15

83 a 104

4

18 a 22

8

16 a 20

3

10

5,5

8 a 10

gar a favor da saúde do planeta. Os ruminantes emitem em média 6% da energia bruta do alimento ingerido na forma de metano (CH4 ), um gás 23 vezes mais prejudicial para a atmosfera do que o gás carbônico (CO2 ). Além disso, suas fezes e urina, fontes de nitrogênio e uréia para o solo, respectivamente, se não bem manejadas, desprendem óxido nitroso (N2O), outro gás que intensifica o efeito estufa. Essas emissões são mais intensas com animais confinados e alimentados

4,4

6,9

(*) milhões de m3 , (**) Gases de Efeito Estufa – milhões de toneladas equivalente de CO2 Fonte: MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

com ração, sem liberdade para pastar, como ocorre na Europa e Estados Unidos, por exemplo. Assim, as técnicas agrossilvipastoris brasileiras chamam atenção no

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Projetos apoiados pelo programa Pecuária Sustentável na Prática: 1 Pecuária de Baixo Carbono (MT): promove a ideia da pecuária integrada, a partir de uma visão sistêmica da propriedade. Busca o equilíbrio entre os recursos naturais, produtivos e o ser humano;

3 Novilho Precoce (MS): disponibiliza para todos os frigoríficos uma mesma solução tecnológica, com cruzamento de dados comuns e informações qualificadas do território, de onde se origina matéria-prima bovina, garantindo sigilo e eficácia nos processos técnicos e operacionais; 4 São Felix do Xingu (PA): implementa uma pecuária sustentável na região amazônica com um modelo colaborativo. Associa produção, indústria e varejo a uma parceria públicoprivada, desenhada e desenvolvida como solução para os principais gargalos; 5 Paragominas (PA): atuação em três frentes: adequação ambiental (separação das áreas

©1

Produtores em Dia no Campo, em Paragominas (PA), aprendem as novas práticas

de preservação permanente e, de acordo com a aptidão técnica, escolha de reservas legais e de produção), bem estar e ética na produção e a importância da produtividade; 6 Pecuária Sustentável na Prática em Rolim de Moura (RO): foco no relacionamento com o produtor; 7 Diagnóstico da Pecuária de Corte no Oeste da Bahia (BA): avalia a situação da pecuária regional, diagnostica os efeitos dos diferentes sistemas de produção de carne e levanta informações relevantes em apoio à análise da dinâmica do sequestro ou emissão de carbono relacionado com o uso de pastagens.

cenário internacional, agora, de um ponto

cerca de 210 milhões de cabeças (mais de

de vista positivo.

um boi por habitante). O setor sente a gran-

Mais boi que gente

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de responsabilidade que tem no presente e face às futuras gerações. “O principal

Hoje, o Brasil é o quinto produtor e o

objetivo do GTPS é construir uma pecu-

terceiro exportador de víveres e tem o se-

ária sustentável, justa, ambientalmente

gundo maior rebanho de bovinos do pla-

correta, e economicamente viável”, afir-

neta (atrás apenas da Índia), estimado em

ma Fernando Sampaio, atual presidente

1 GTPS/Marco Flávio/divulgação ; 2 Fabiano Marques Dourado BASTOS/embrapa

2 Carne Sustentável no Pantanal (MS): preservação da cultura do homem pantaneiro, responsabilidade social (mão-de-obra contratada de acordo com a legislação trabalhista), manutenção dos ecossistemas e proteção contra o desmatamento;

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©2

O Brasil tem o segundo maior rebanho de bovinos do planeta: 210 milhões de cabeças do grupo. Entre suas ações prioritárias

“O Brasil tem como fazer a pecuária

está colaborar para a recuperação de 15

mais sustentável do mundo, com uma le-

milhões de hectares de pastagens degrada-

gislação avançada, tecnologia em produ-

das e promover a regularização ambiental

ção tropical e alta rentabilidade. O GTPS

das propriedades rurais, de acordo com o

espera que, aos poucos, os projetos que

CAR – Cadastro Ambiental Rural definido

apoiamos espalhados pelo país, que unem

pelo Código Florestal de 2012. Para isso,

boas práticas ambientais, sociais e econô-

mantém o programa Pecuária Sustentável

micas, se tornem exemplo e sejam replica-

na Prática, que envolve 856 produtores em

dos por todo o território brasileiro”, fina-

mais de 777 mil hectares, em cinco estados

liza Sampaio. Sendo assim, até mesmo os

brasileiros: Mato Grosso, Mato Grosso do

maiores defensores das florestas poderão

Sul, Pará, Rondônia e Bahia.

comer seu bife sem hesitar, a não ser que

O Programa escolheu sete projetos que

tenham laços de afeto com bois e vacas

atacam problemas comuns à agropecuária

como temos com outras espécies de ani-

brasileira para apoiar (ver box ao lado).

mais, como cães e gatos, por exemplo.

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A artesã Zezinha, da vila de Coqueiro Campo, Turmalina (MG), montou casa e criou três filhas com seu trabalho

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As

noivas do

Jequitinhonha

Nos rincões de Minas Gerais, mulheres artesãs transformam barro em Arte Texto | Carolina Pinheiro Fotos | André Dib

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C

Cada uma retira

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om as mãos socadas num barro

prateleiras de diversos países. “Eu recebo

escuro, a artesã modela a primei-

encomenda de tudo que é canto. Dias atrás,

ra peça do dia de trabalho. Começa

um colecionador me ligou. Ele queria um

cedo, logo depois do café, pelas seis ho-

presépio típico daqui. Eu disse tá bom. Foi

ras da manhã. O olhar fixo no dedilhar

o primeiro que fiz. Um desafio”, conta.

da matéria bruta acompanha a maçaroca

Quem a vê garbosa, em seu vestido de

que, aos poucos, ganha forma humana. Na

chita, não imagina a sua trajetória de luta até

maior parte das vezes, de mulher – olhos

chegar onde está. “Esse negócio de ganhar

grandes, brincos, cabelos compridos, seios

nome não foi da noite pro dia. Eu não tive

bem postos e roupas ajeitadas sobre o

oportunidade de fazer outra coisa na vida.

corpo curvilíneo. Quem já não ouviu falar

Era pegar o que estava na minha frente. To-

das noivas do Jequitinhonha? O artesanato

dos diziam que eu tinha muito talento, mas

produzido na região nordeste de Minas Ge-

demora tanto pra ter retorno que em vários

rais é famoso no mundo inteiro. Foi expos-

momentos pensei em parar. O meu trabalho

to até na sede da Organização das Nações

é a minha fonte de sobrevivência. Gosto do

Unidas (ONU), em Nova Iorque, durante a

que faço. Por isso, nunca desisti. Montei casa,

mostra Mulher Artesã Brasileira, em 2013.

criei as meninas, tudo com o artesanato. Só

A representante, em solo norte-ame-

que foi uma longa jornada”, diz.

seis carrinhos

ricano, da arte feita no Vale foi Maria

A tradição regional está na confecção

de argila a

José Gomes da Silva, a Zezinha. Nascida

de bonecas. Incontáveis. Algumas cabem

cada três anos,

em 1968, a moradora ilustre de Coqueiro

na mão. Outras exigem o esforço de um

quantidade

Campo, uma vilazinha pequetita, de ca-

ou mais marmanjos para serem tiradas

suficiente para

sario baixo e ruas de uma terra rubra, é a

do chão. Parte das obras foi separada para

o trabalho

artesã mais bem-sucedida do Estado. Suas

decoração. Enfeitam a casa e o jardim da

nesse período

bonecas são exibidas em vitrines ou sobre

família Gomes da Silva – imenso e colorido

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de flores e peças para todos os gostos. A

acondicionado no galpão que a CODEVALE

Bonecas vestidas

ceramista pertence à segunda geração de

construiu na vila, espaço que desde a déca-

de noiva

bonequeiras do Jequitinhonha. A primeira

da de 80 abriga a Associação de Lavradores

tornaram-se

surgiu por volta dos anos 70, quando uma

e Artesãos de Campo Alegre (Alaca).

símbolo regional

equipe técnica da Comissão de Desenvol-

Anísia Lima de Souza Santos, 44 anos,

vimento do Vale do Jequitinhonha (CODE-

é uma das associadas. São 56 ao todo. A

VALE) chegou ao lugarejo. “Vieram para dar

artesã de Poço D’água, um povoado com

um curso de aperfeiçoamento da produção

aproximadamente 48 famílias, trabalha

artesanal aqui no Vale. Foi assim que co-

com a criação de peças desde criança. “A

meçou a nossa história”, afirma Zezinha.

matéria-prima que utilizo eu compro de

Potes, botijas e carqueiros (objeto para

um moço que vende o barro para muitas

colocar planta) eram criados pelas mu-

pessoas”, relata. A maioria, contudo, extrai o

lheres das comunidades e vendidos nas

material de um barranco, em um ponto no

feiras de Minas Novas, Turmalina e Cape-

meio da mata, usado para essa finalidade

linha. “Minha mãe e as colegas sentiram

há algumas décadas. De três em três anos,

necessidade de fabricar utensílios para

as bonequeiras promovem um mutirão para

uso doméstico, como panelas e pratos. Aí

retirada de seis carrinhos cada; quantidade

esse pessoal trouxe novas ideias. Naquele

suficiente para o trabalho nesse período e

tempo, era difícil entender o significado de

combinada de forma espontânea entre elas.

produto de qualidade. Então, a gente fazia

Não existe um estudo sobre o tamanho da

uma peça com cabeça de cachorro, rabo de

jazida de argila que utilizam.

lagartixa, uma coisa muito misturada por-

Embora o ofício seja reconhecido como

que não se tinha noção.” O estoque ainda é

símbolo da cultura mineira, poucas são as

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ceramistas que vivem apenas do artesana-

o sustento das matas de Cerrado com a

to. Há oito anos, Anísia trabalha também

extração de frutos, flores e ervas, entre ou-

com hospedagem de até cinco pessoas em

tros produtos, se viram obrigadas a mudar

sua casa. “O turismo é uma forma de mos-

de hábito. A falta de acesso aos recursos

trar o nosso trabalho. Quem chega gosta,

naturais gerou êxodo rural.

compra, divulga. Não temos apoio de quase ninguém”, comenta. Não por menos, em 2013, a Raízes Desenvolvimento Sustentável criou o roteiro Do barro à Arte.

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Novos rumos Enquanto as mulheres mantêm os roçados e confeccionam bonecas em casa,

Segundo Mariana Madureira, funda-

os homens partem na tentativa de fazer

dora da empresa com sede em Belo Ho-

dinheiro. Muitas mulheres do Jequitinho-

rizonte, o turismo é um poderoso vetor

nha se dizem viúvas de maridos vivos. Os

de transformação social. “A modalidade

mais jovens migram para outros Estados

contribui para a permanência das pessoas

atrás de melhores condições de vida. Ra-

no campo.” Nos recônditos das Gerais, as

zão pela qual a implantação do Turismo

Maria José

comunidades tradicionais se espalham por

de Base Comunitária (TBC) surgiu como

Gomes da Silva,

um território de antigos costumes extra-

um contraponto relevante. O modelo de

a Zezinha, dá

tivistas. Entretanto, há mais de 40 anos a

gestão se difere do convencional por in-

os últimos

monocultura do eucalipto, desenvolvida

centivar a autonomia da comunidade na

retoques em

em larga escala com a finalidade de abas-

formulação de planos estratégicos durante

uma boneca

tecer a indústria siderúrgica e de celulose,

a execução do projeto. Os habitantes, que

com bebê

transformou radicalmente a paisagem do

disponibilizam as suas residências para os

no seu ateliê

nordeste mineiro. Pouco restou das flores-

turistas, são os responsáveis pelo sucesso

residencial

tas originais. Famílias inteiras que tiravam

do empreendimento.

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Entre os benefícios da iniciativa estão

O trabalho das Bonequeiras provou

o pagamento imediato dos proventos ao

ser uma boa alternativa ao sistema agro-

Gomes

proprietário associado e a valorização do

extrativista dos arraiais situados em mu-

dos Santos

roteiro. “Percebemos que os interessados

nicípios como Turmalina, Minas Novas,

gerencia a loja

nos pacotes já haviam tido muitas expe-

Itamarandiba e Veredinha, praticamente

dos artesãos

riências com o turismo tradicional e esta-

extinto com as mudanças trazidas pelas

localizada

vam em busca de vivências mais autên-

atividades das empresas silvicultoras na

em Coqueiro

ticas”, esclarece Mariana. A acolhida do

região. Graças a elas, sobrevive a cultura

Campo (MG)

povo hospitaleiro é o ingrediente a mais

das grotas, beiradas de rio onde os mora-

que conquista os visitantes. Na borda do

dores locais instalam suas casas. A artesã

fogão a lenha, na varanda das casas, na

Rita Gomes Ferreira, 55 anos, é mais uma

porteira das hortas cultivadas no quintal,

que conquistou a sua independência por

todo canto é lugar para esticar a boa prosa.

meio da Arte. “Criei meu menino sozinha

Os costumes e o jeito de ser dos rincões

com o dinheiro do meu trabalho”, conta.

realçam a experiência dos viajantes. “Re-

Hoje, sua situação é motivo de orgulho.

cebo gente de todos os tipos. É uma troca

Antigamente, de vergonha para muitas.

muito rica. Falta só um maior movimento”,

“Compreendemos que éramos artistas,

pondera Anísia. Em busca de público, as

que tínhamos algo de especial para deixar

associações organizam uma força-tarefa

para os nossos filhos”, afirma. No Jequiti-

para levar as peças a feiras e exposições.

nhonha, são elas, as bonequeiras, que dão

Também contam com uma loja com pro-

forma ao futuro. Forma esta que modelam

dutos de ceramistas locais.

com as próprias mãos.

Valdirene

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ouro verde As colhedoras do

Sri Lanka

do

O país dos templos budistas, elefantes, pedras preciosas, praias ensolaradas, pescadores equilibrados em pernas de pau produz um dos melhores e mais famosos chás do mundo, o do “Ceilão” Texto e fotos | Lucille Kanzawa

Mulheres tâmeis colhem o chá, produto que deu ao Sri Lanka o status de terceiro exportador e quarto maior produtor do mundo

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Pausa para a triagem das folhas retiradas do topo dos arbustos na regiĂŁo de Nuwara Eliya, considerada ideal para o cultivo da Camellia sinensis

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É

o paraíso! Isso realmente é o paraíso!”,

seguinte e, por volta de 1660, já controla-

gritou Hermann Hesse, escritor ale-

vam quase todo o país. Por último, vieram

mão, ao desembarcar no antigo Ceilão,

os ingleses, em 1796, dos quaisa nação só

em 1911, em busca de paz e espiritualidade.

ficou independente em 1948.

O atual Sri Lanka (do sânscrito: ilha res-

Seu formato de uma lágrima no meio

plandecente), que também já foi chamado

do oceano Índico, com cerca de 21 milhões

de Taprobana pelos gregos e romanos, e

de habitantes, parece querer nos lembrar

Serendib pelos árabes, inspirou celebrida-

do tsunami que a antigiu em 2004 e dos 26

O trabalho

des do mundo literário pelas cores do céu e

anos de guerra civil (de 1983 a 2009) entre

diário quase

do mar, pela diversidade étnica e religiosa,

a minoria tâmil hinduísta e a maioria cin-

nada mudou

pelo povo caloroso e o ar refrescante das

galesa budista. Conflito esse que chegou

desde que seus

montanhas da região central do país.

ao fim com a rendição dos Tigres Tâmeis,

ancestrais

Os primeiros europeus a ocupar a ilha,

grupo de rebeldes que iniciou o combate

foram trazidos

atraídos pelas especiarias, foram os por-

do sul da Índia

tugueses, no século XVI, rebatizando-a de

Hoje, é um lugar renovado e tranquilo.

nos anos 1860

Ceilão. Os holandeses chegaram no século

O país dos templos budistas, monges, ele-

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em busca de independência.

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fantes, pedras preciosas, cidades antigas,

tos da sinensis deve-se em grande parte ao

praias ensolaradas, pescadores equilibra-

escocês James Taylor. Ele trouxe a planta

dos em pernas de pau e paisagens deslum-

de Assam, noroeste da Índia, em 1867, e

brantes produz um dos melhores e mais

difundiu a comercialização da bebida no

famosos chás do mundo, o do “Ceilão”.

país. Mal imaginava que, dois anos depois,

Nuwara Eliya, no centro sul da ilha, a

uma praga dizimaria os campos de café

cerca de 1.800m acima do nível do mar,

plantados no início da colonização bri-

reúne características ideais para o cultivo

tânica. Isso abriu caminho tanto para o

da planta Camellia sinensis, que dá origem

florescimento do chá, quanto para uma

à bebida. Sua altitude e clima influenciam

invasão ainda maior de ingleses atraídos

na obtenção de um aroma e sabor raros.

pela possibilidade de enriquecimento com

Na arquitetura, na educação, nos esportes

o “ouro verde” do Ceilão.

e na variedade de chás, notam-se ali as

É verão e os termômetros batem os 12º C

marcas do domínio britânico. Nessa área,

no início da manhã. Temperatura ‘quente’

a paisagem bucólica de colinas suaves com

para a região, em constraste com o calor

infinitos tons de verde cobertas por arbus-

das praias paradisíacas do litoral sul. Os

ÁSIA China

India

china

Rio Ravi

paquistão butão

nepal

Rio Beas

Ri

o G ges an

Rio Yamuna

bangladesh

índia

mianmar

ia ráb a A Mar d

Golfo de Be n ga la

sri lanka ESCALA 0 400

Nuwara Eliya 600km

Colombo

Horizonte Geográfico

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Simplicidade

primeiros raios de sol iluminam e aquecem

ximar. Permitem que se participe de suas

está na origem

mulheres vestidas de sáris que desfilam

pausas para descanso, quando, como não

do requintado

pela estrada com seus passos apressados.

poderia deixar de ser, tomam uma xícara

Às oito horas da manhã, elas pontuam

da bebida nacional. Afinal, “o chá estimula

identificado por

as montanhas com suas roupas coloridas e

o sistema nervoso central; aumenta a aten-

um leão com

criam uma das cenas mais icônicas do país.

ção, diminui a sonolência e a fatiga”, como

uma espada,

Na parte superior dos arbustos, estão as fo-

diz uma placa bem na entrada da empresa,

após o rigoroso

lhas mais tenras que garantem a pureza e o

proprietária das plantações.

controle do

frescor do chá. Suas mãos hábeis arrancam-

Ao término do serviço, as folhas são

“Sri Lanka

-nas com movimentos rápidos e constante

pesadas em balanças, sob o olhar atento de

Tea Board”

delicadeza antes de lançá-las num cesto

um supervisor que anota os valores num

que carregam nas costas, preso por uma

caderno individual. Único a falar inglês

tira na cabeça. Um verdadeiro trabalho de

no grupo, ele explica que cada colhedora

formiga. Umas conversam, outras cantam,

junta em média 16kg de folhas durante

algumas preferem o silêncio. Visivelmente

oito horas de trabalho, recebendo pou-

concentradas, parecem não se incomodar

co mais de 5 dólares por dia. O valor au-

com outros movimentos a sua volta. O in-

menta caso ultrapassem 20 kg, completa.

compreensível idioma tâmil e uma certa

As folhas seguem então para um galpão

timidez as distanciam dos demais funcio-

onde passam por um processo de secagem

nários da fábrica e de estrangeiros que se

e fermentação. Vinte e quatro horas depois,

aventuram por lá. Embora, ofereçam gestos

está pronto o mais refinado dos chás. Ele

amistosos e sorrisos largos a quem se apro-

é comercializado tanto como chá preto

produto

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O valor do chá Inúmeras são as lendas sobre o surgimento do chá, entretanto a mais conhecida vem da China. Em 2737 a. C. o imperador Shen Nung fervia água sob a sombra de um arbusto quando algumas folhas caíram dentro do recipiente. Ao sentir um agradável aroma, resolveu experimentar o líquido de cor acastanhada achando-o muito saboroso e refrescante. Assim nasceu o chá. Rico em antioxidantes como os polifenóis e flavonoides, dentre outros benefícios, logo proliferou nos quatro cantos do mundo e tornou-se a segunda bebida mais consumida depois da água. No Sri Lanka, o chá é classificado, sobretudo, de acordo com a altitude em que é produzido. Na baixa, com até 600m acima do nível do mar, onde há longos períodos de sol, ele é mais encorpado, menos perfumado e com

uma coloração marrom. Na média, que vai de 600m a 1.200m, o sabor é suave e o líquido adquire uma cor de mel. Na alta, a mais de 1.200m acima do nível do mar, sua infusão é dourada com tons esverdeados e é considerada “premium”. Aqui o crescimento da planta é mais lento, mas o chá exala um aroma mais delicado que nas baixas altitudes. A ilha é um dos últimos lugares do mundo onde as folhas de chá ainda são apanhadas à moda antiga, pois só as mãos humanas são capazes de escolher as melhores de forma precisa e eficiente. A colheita à máquina frequentemente pega também galhos que podem comprometer o sabor da bebida. Não é à toa que o chá cingalês é considerado um dos melhores e mais finos do planeta.

ou branco ou verde. Com propriedades similares, as versões são preparadas com a mesma Camellia sinensis e se diferenciam pela época de colheita e processamento. Com aproximadamente 250.000 pessoas envolvidas no trabalho da coleta, ele segue, até hoje, executado principalmente por mulheres tâmeis, cuja etnia corresponde a 18% da população. Dessa porcentagem, 5.5% encontram-se nas plantações. O ritual diário quase nada mudou desde que seus ancestrais foram trazidos do sul da Índia pelos ingleses, nos anos 1860, para trabalhar nas plantações de forma exploratória, beirando a escravidão. Ao longo dos anos enfrentaram muitas batalhas por seus direitos, inclusive o de votar, conquistado em 2003. Contudo, suas condições de vida pouco melhoraram e a comunidade ainda se sente marginalizada do ponto de vista econômico, étnico, cultural e linguístico. Os tâmeis dessa região

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Apenas as mãos humanas conseguem selecionar

montanhosa ainda vivem em guetos, como

as folhas mais novas e saborosas com precisão

na época colonial.

Horizonte Geográfico

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A indústria do chá tem um papel vital e fundamental na Embora o Sri Lanka goze de um índice

economia do país e emprega mais de um milhão de pessoas

de alfabetização de 91,2%, um dos melhores

direta e indiretamente. Um dia de trabalho rende, em média,

entre os países em desenvolvimento, entre

16kg de folhas e cinco dólares de remuneração

elas o analfabetismo é alto e o trabalho extenuante nas plantações leva as colhedoras a dedicar menos tempo à saúde e aos estudos. Vivendo sob um regime patriarcal e machista, costumam casar cedo e ter filhos ainda bem novas, com os quais, normalmente, dividem uma casa sem saneamento básico, nem luz elétrica. Sonham com um futuro melhor para seus filhos e filhas e reforçam, para eles, que a escola é o caminho. Algumas fábricas oferecem condições de trabalho melhores para seus colaboradores. Mesmo assim, as cerca de 140.000 colhedoras de chá estão entre as camadas mais baixas e desfavorecidas da ilha, apesar de toda a riqueza e dos cenários da mais pura poesia que ajudam a criar. Sua história nos fazem pensar que, por trás de suas belas imagens, os paraísos terrestres podem esconder uma realidade de desafios sociais a superar.

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Horizonte cultural

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Família, amor e tradição à mesa Raízes tradicionais se encontram no Brasil e formam a diversidade que conhecemos. “Cozinha de afeto – Histórias e Receitas de Doze Mulheres Imigrantes no Brasil” conta, na forma de e-book, um pouco dessa mistura, através da relação de entrevistadas com os pratos típicos preservados por suas famílias vindas do exterior. Uma de suas autoras, Sônia Xavier, revela etapas de sua produção: Como surgiu a ideia da criação desse livro? Sempre gostamos de ouvir das pessoas suas histórias. Durante os anos como repórteres, encontramos mulheres estrangeiras que comandavam restaurantes no país. Além delas, outras personagens cruzaram nossos caminhos, como a dona Ana, uma senhora grega que conheci em um voo entre Roma e Atenas. Ela me indicou as ilhas menos turísticas para conhecer, contou que morava no Brasil e que aqui fazia docinhos gregos para vender. Com o passar do tempo, percebemos que tínhamos em mãos uma

coleção de histórias inspiradoras de adaptação a uma nova cultura e resolvemos transformar esse conteúdo em livro. Como foram escolhidas as doze mulheres e as receitas apresentadas no livro? Na verdade, gosto de dizer que as histórias nos escolheram, pois em algum momento essas mulheres cruzaram nossos caminhos. Nessa primeira edição, o único critério que usamos foi selecionar as mais próximas de São Paulo, para viabilizar a publicação do livro. Por que ele está disponível exclusivamente no formato digital? Para compartilhar as histórias com o máximo de pessoas possível. Dá para ler via computador, tablet e até celular. E o preço final também é um atrativo, apenas R$ 9,50. Cozinha de afeto – Histórias e receitas de doze mulheres imigrantes do Brasil

| Alexandra Gonzalez e Sônia Xavier. Editora Alpendre, 2015, 109 páginas

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Horizonte Geográfico

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Inspiração animal A história do resgate e reabilitação de um filhote de onça-parda transformou-se em livro ilustrado para crianças. “Abayomi, um encontro feliz” é uma história verdadeira de como um pequeno felino perdeu sua mãe na armadilha de um galinheiro, enquanto procuravam por comida e foi salvo por especialistas

O Brasil possui mais de cem

em vida selvagem. A autora norte-americana Darcy Pattison

idiomas indígenas vivos e em

nos mostra como o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade

uso nas aldeias do país

(ICMBio), em parceria com a FMC Corporation e a Única (União da Indústria da Cana-de-Açúcar) se inspiraram nesse triste fato

Dossiê linguístico

para criar o centro de reabilitação para onças Cana Conviver,

Embora o Brasil seja dominado pelo português, nosso país possui mais de cem idiomas nativos, ligados aos nossos primeiros habitantes, que continuam sendo falados, principalmente na região Amazônica. Para preservação da cultura e da memória tradicional, treze dessas línguas que estão sob maior ameaça de extinção foram registradas em áudio e vídeo pelo Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas (Progdoc), parceria entre o Museu do Índio, da Fundação do Índio (Funai) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Dez desses idiomas receberam um banco de dados próprio, que será utilizado em gramáticas pedagógicas de escolas indígenas e poderá dar origem a dicionários.

que cuida e devolve os animais resgatados à natureza. Abayomi, um Encontro Feliz: a verdadeira história de um filhote de onça órfão | Darcy Pattison. Editora Insight, Curitiba, 2015, 32 páginas

@ Extinção também é coisa de criança O tradicional Livro Vermelho das espécies ameaçadas de extinção ganhou uma versão infanto-juvenil, com ilustrações de 76 crianças e descrições com citações de grandes autores, como Orlando e Cláudio Villas Bôas, para conscientizar, desde cedo, sobre a importância e as ameaças que sofre a nossa fauna, e influenciar atitudes conscientes em relação ao meio ambiente. Livro vermelho das crianças | Maia, Otávio Borges Freitas, Tino. Livro Aberto, 2015. O livro não será vendido, mas pode ser baixado gratuitamente em: http://livroaberto.ibict.br/handle/1/1056

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@ Descubra toda a vida ao seu redor 1divulgação; 2 sidney oliveira/ag. pará

Para o Map of Life – MOL (Mapa da Vida, em tradução literal para o português) basta rastrear a sua localização e ele te dará uma lista de quais espécies de fauna e flora estão nas proximidades. O aplicativo facilita a vida de naturalistas, pesquisadores e curiosos, que ao invés de procurar por páginas impressas ou sites, podem usar apenas o GPS para conhecer a biodiversidade local. O Map of Life funciona a partir da tecnologia de nuvem, o que permite o acesso simultâneo de milhares de pessoas à mesma página. O aplicativo tem versão para cinco línguas e espécies brasileiras já estação catalogadas. Mas, ainda não há versão em português. Para baixar o aplicativo, acesse: https://auth.mol.org/mobile.

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Memória Horizonte

A edição 113 já destacava a importância de preservar a Amazônia, maior extensão de mata nativa ocidental, responsável pelo ciclo de chuvas que chega ao Sudeste brasileiro. Uma viagem de 2 mil km por uma parte devastada da floresta expôs as visões antagônicas de quem defendia sua preservação e de quem, ao contrário, preferia ver o modelo de fazendas com pastos e agricultura ocupar seu lugar.

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andré pessoa/hg

Florestas e pastos

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