Claudete M. F. Bressan Dunia Comerlatto Organizadoras
POLร TICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO: a interface com o Serviรงo Social
Passo Fundo IMED Editora 2015
© 2015 Autores Faculdade Meridional IMED Diretor Geral: Eduardo Capellari Diretora Acadêmica: Daiane Folle Diretora Administrativa: Marilú Benincá de David Diretor de Relações com o Mercado: William Zanella Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação: João Alberto Rubim Sarate Conselho Editorial Drª. Daiane Folle Dr. Daniel Knebel Baggio Me. Eduardo Capellari Me. Fahad Kalil Me. Marcele Salles Martins Dr. Fausto Santos de Morais Me. Vanessa Sebben Dr. Vinícius Renato Thomé Ferreira Edição: IMED Editora Projeto gráfico e diagramação: Diego Ecker, Elias Fochesatto e Wanduir R. Sausen IMED Editora R. Senador Pinheiro, 304 - Rodrigues 99070-220 - Passo Fundo/RS, Brasil Fone: (54)3045-9081 E-mail: editora@imed.edu.br www.imed.edu.br/editora
CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
P769
Políticas sociais e desenvolvimento : a interface com o serviço social / organização Claudete M. F. Bressan e Dunia Comerlatto. – Passo Fundo : IMED, 2015. ISBN: 978-85-99924-80-8 1. Serviço social. 2. Desenvolvimento. 3. Políticas públicas. 4. Políticas sociais. I. Bressan, Claudete M. F. II. Comerlatto, Dunia. III. Título. CDU: 364
Bibliotecária responsável Marina Miranda Fagundes - CRB 10/2173
2015 Faculdade Meridional IMED - IMED Editora
SUMÁRIO Prefácio....................................................................................................... 6 Apresentação............................................................................................... 8
Parte I Políticas sociais, Desenvolvimento e Gestão territorial Teorias do desenvolvimento: panorama internacional e a racionalidade da formulação e implementação de políticas públicas................................................................................... 12 Cláudio Machado Maia
Políticas sociais e Desenvolvimento: desafios à organização e gestão territorial...................................................................................... 22 Mariangela Belfiore Wanderley
Desenvolvimento e dinâmicas regionais em territórios rurais............... 34 Rosana Maria Badalotti
O programa minha casa minha vida em um loteamento na cidade de Chapecó: alguns aspectos da realidade............................... 48 Maria Luiza de Souza Lajús
Parte II Políticas públicas, Planejamento e Prática profissional O desafio das políticas sociais: uma proposta de integração articulada de políticas públicas sociais para o enfrentamento da desigualdade social.................................................. 58
Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles
Política e Planejamento Social: decifrando a dimensão técnico-operativa na prática profissional................................................. 67 Odária Battini
O trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos: limites e desafios em debate....................................................................... 84 Eliane Aparecida Pinheiro, Dunia Comerlatto
Políticas públicas e enfrentamento de violências: Contribuições do Serviço Social................................................................ 103 Deborah Cristina Amorim, Helenara Silveira Fagundes
Sobre os(as) autores(as).............................................................................. 112
PREFÁCIO Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê passaram 50 anos! Mário Quintana
Este livro é uma homenagem aos 25 anos do curso de Serviço Social da Unochapecó. Como podemos observar pelo título, não se trata de um livro de memórias ou de registros históricos. A obra reúne artigos de pesquisadores/as que lançam luzes sobre o desenvolvimento social e a interface do Serviço Social. Vem a público, com o imprescindível apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). A memória, o registro é uma forma de guardar o passado, iluminar o presente e projetar o futuro. Neste sentido, entendemos ser oportuno trazer nesta obra comemorativa alguns dados que forjam o retrato dos 25 anos do curso. E como falar sobre os 25 anos do curso? Em números? São precisamente 647 profissionais formados, mais de uma centena de pesquisas realizadas; a avaliação do curso e dos estudantes no ENADE (nota 4) nos coloca entre os bons cursos do país. Poderíamos citar a formação continuada: os cursos de pós-graduação lato sensu realizados, vários reeditados ao longo dos anos em temáticas como família, responsabilidade social, saúde mental e dependência química, gestão social de políticas públicas, este último embrião do Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. Falar dos projetos de extensão implementados nesta trajetória, sem dúvida, resultaria em um conteúdo rico e diverso pela seriedade do curso no profícuo diálogo a realidade social. Da mesma forma, resgatar os vários campos de estágios obrigatórios e não obrigatórios, destacando sua relevância no processo de formação expressaria a interlocução com a realidade local e regional. Enfim, o compromisso com o ideal da realização da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão certamente seria um bom caminho para resgatarmos os 25 anos do curso. Há outros recortes possíveis como o de inventariar a presença ativa dos estudantes, egressos e docentes nos diversos espaços democráticos de participação da gestão pública, como as conferências e os conselhos das três instâncias de governo. Presença que tem qualificado e fortalecido a participação democrática da população na formulação e implementação das políticas públicas. Resgatar o significativo trabalho das/os profissionais egressas/os que fazem do seu cotidiano o lugar de defesa da cidadania e da justiça social certamente traria dados quantitativos e qualitativos. Estamos certos de que a defesa da cidadania ampliou-se, notadamente na região Oeste de Santa Catarina e noroeste do Rio Grande do Sul, com o trabalho desenvolvido por esses profissionais. A institucionalização 6
Prefácio
das políticas públicas na perspectiva da cidadania, bem como para a consolidação do projeto ético-político da profissão tem no curso de Serviço Social da Unochapecó uma grande contribuição. São inúmeros profissionais egressos aprovados em concursos públicos, em programas de pós-graduação stricto sensu, à frente da gestão pública e setores da iniciativa privada e organizações não governamentais fazendo a diferença na qualidade de vida da população. Traduzir o esforço coletivo de 25 anos de caminhada que não cabem neste espaço e fogem do escopo da obra. Contudo, é imprescindível destacar o compromisso do curso de Serviço Social da Unochapecó na consolidação do projeto ético-político da profissão. Trata-se de um projeto profissional que contempla uma dimensão ético-valorativa, um novo projeto de sociedade que lhe confere conteúdo utópico e também político. A direção social da formação, o perfil do egresso almejado pelo curso vincula-se a essa nova utopia civilizatória, fundamentada em valores, como a liberdade, a emancipação humana e a democracia. Portanto, um curso com forte acento na formação. Na última década os esforços do curso têm sido redobrados para que não sejamos derrotados pela expansão desmesurada da educação superior. A política educacional brasileira vive o paradoxo da ampliação de políticas de acesso e, ao mesmo tempo, a mercantilização do ensino diante da minimização do Estado em sua função reguladora. São tendências e lógicas que perpassam o cotidiano das instituições e o curso de Serviço Social não passou (e não passa) incólume. Apesar do contexto adverso, o corpo docente mantém-se convicto no propósito de dotar a profissão de um referencial teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo, portanto, não prescindindo de uma formação acadêmica crítica e eticamente comprometida com a realidade social. Dito de outro modo, defendemos uma universidade voltada para a formação da cidadania que se realiza, por excelência, na experiência democrática do acesso e da produção livre do conhecimento. A propósito, é imprescindível destacar o comprometimento do curso com a construção da instituição social universidade ao longo destes 25 anos, comprometimento que, podemos dizer, tornou-se sua marca. A presença ativa na construção, no debate e na gestão da universidade à frente de diretorias, vice-reitorias e Grupos de Trabalho lhe credencia esta marca. Mesmo porque, a história do curso se mescla com a história da universidade que carrega em seu nome – Universidade Comunitária da Região de Chapecó – e na sua missão o vínculo orgânico com a comunidade, aliás, foi a comunidade que encontrou no modelo comunitário uma alternativa para que a população regional tivesse acesso ao ensino superior quando o Estado, por décadas e décadas desconheceu a demanda por ensino superior na região. Um livro comemorativo requer um agradecimento especial aos atuais e ex-professores do curso que, ao longo dos anos, conseguiram – na pluralidade – amalgamar uma unidade capaz de gerar utopias. Utopia que no sentido atribuído por Adolfo Vázquez, consiste em subverter o real e abrir janelas para o possível. E assim, abrindo janelas para o possível o curso tem conseguido alçar voos e comemorar sua exitosa caminhada e, parodiando Mário Quintana, dizemos: quando se vê passaram 25 anos! Claudete Marlene Fries Bressan Agosto de 2014. Voltar ao sumário
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APRESENTAÇÃO “Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial e histórico”. (Paulo Freire, 1994)
Fazer 25 anos é reafirmar a maioridade. O curso de Serviço Social da Universidade Comunitária da região de Chapecó (Unochapecó) assim o faz demonstrando maturidade, serenidade, próprias de quem já experienciou momentos de felicidade e de profundas dificuldades. A realização deste livro demonstra um processo construído por um grupo de profissionais que trilharam uma caminhada pautada em valores éticos de compromisso com a garantia e ampliação de direitos sociais voltados para a cidadania de fato e de direito. Foram anos de trabalho e de compromisso com a formação de Assistentes Sociais cidadãos, capazes de propor ações transformadoras baseadas no conhecimento das expressões da questão social como apoiadoras na construção de uma nova sociedade, pautando o enfrentamento das desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais. Os capítulos aqui apresentados representam o esforço coletivo dos profissionais de diferentes áreas do conhecimento e profissionais, que se propuseram a contribuir por meio de um processo de reflexão sobre temas atuais, capazes de possibilitar aos leitores pensar sobre suas práticas, propor estratégias e construir novos conhecimentos. Este livro é dividido em duas partes, sendo a primeira referente às Políticas Sociais, Desenvolvimento e Gestão Territorial, que debate teorias voltadas para o desenvolvimento numa perspectiva de construção de uma sociedade voltada para o compromisso com a sustentabilidade e o combate às desigualdades em seus múltiplos aspectos. Também reflete sobre o desenvolvimento voltado para as políticas sociais na perspectiva da organização e gestão dos territórios. É objeto de discussão os territórios rurais numa perspectiva de pensar o desenvolvimento e as dinâmicas regionais do oeste de Santa Catarina. Ainda faz uma análise da realidade da Política Habitacional a partir de um estudo de caso do Programa Minha Casa Minha Vida. O capítulo intitulado “Teoria do Desenvolvimento: Panorama Internacional e as Racionalidades da Formulação e Implementação de Políticas Públicas” de autoria do Professor Doutor Cláudio Machado Maia reflete sobre o processo de desenvolvimento e a inserção das políticas públicas num contexto de globalização vis-a-vis elementos que cada vez mais dão importância à participação social regional como o principal elemento integrador do seu processo de desenvolvimento regional. Fala-se de globalização, sua caracterização e gênese, impactos, mudanças e a questão do Estado-nação, sobretudo, como as políticas públicas tem se evoluído historicamente no sentido de apropriação da ação social organizada. 8
Apresentação
“Políticas Sociais e Desenvolvimento: Desafios à Organização e Gestão Territorial”, capítulo escrito pela Professora Doutora Mariângela Belfiore Wanderley está estruturado em duas partes: a primeira, relativa ao complexo tema das políticas sociais e desenvolvimento, com destaque para a política social brasileira, a partir de uma breve contextualização das sociedades capitalistas contemporâneas no tratamento da questão social. A segunda, debate gestão social das políticas sociais, enfatizando os desafios de organização e gestão territorial. O capítulo da Professora Doutora Rosana Maria Badalotti intitulado “Desenvolvimento e Dinâmicas Regionais em Territórios Rurais” traz uma análise sobre os pressupostos que orientam as concepções de desenvolvimento e território do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), seus rebatimentos e dinâmicas regionais associadas às ações planejadas para o território rural oeste. E, o capítulo intitulado “Programa Minha Casa Minha Vida em um Loteamento na cidade de Chapecó: alguns aspectos da realidade”, escrito pela Professora Doutora Maria Luiza de Souza Lajús, apresenta uma breve descrição que contextualiza historicamente a habitação de interesse social no Brasil e revela questões referentes ao Programa Minha Casa Minha Vida em uma dada realidade estudada. A segunda parte deste livro, voltada às Políticas Públicas, Planejamento e Prática Profissional, aborda estudos articulados com a construção e integração de políticas públicas, capazes de enfrentar as desigualdades sociais. Ainda, aborda a dimensão técnico-operativa da prática profissional do Assistente Social na perspectiva da política e do planejamento social. Discutindo questões referentes ao trabalho com famílias de crianças e adolescentes que estão em processo de acolhida e políticas públicas voltadas no enfrentamento de violências que os atinge. O texto do Professor Doutor Carlos Nelson dos Reis e de Heloisa Teles apresenta uma proposição que tem por objetivo tornar mais eficiente e eficaz os resultados esperados dos programas implantados nas diferentes áreas sociais de responsabilidade do Estado: eliminar a superposição de ações de políticas sociais públicas; orientar maior grau de articulação entre os órgãos executores e tornar mais transparente e organizada para o usuário das políticas sociais a oferta de bens e serviços que são disponibilizados. A Professora Doutora Odária Battini escreve seu capítulo sobre o tema “Política e Planejamento Social: decifrando a dimensão técnico-operativa na prática profissional”. O texto trata da dimensão técnico-operativa da prática profissional de assistentes sociais na esfera da política pública de assistência social, dirigida para assegurar e ampliar os direitos sociais. O capítulo que versa sobre “O trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos: limites e desafios em debate”, escrito pela Assistente Social Eliane Aparecida Pinheiro e professora Doutora Dunia Comerlatto traz reflexões que permitem analisar aspectos em torno dos limites e desafios no trabalho com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos, na perspectiva do direito à convivência familiar e comunitária. O capítulo escrito pela Professora doutoranda Deborah Amorim e Helenara Silveira Fagundes, “Políticas Públicas e enfrentamento de violências: contribuições do Serviço Social”, reflete sobre a forma como as políticas públicas brasileiras têm sido implementadas para o enfrentamento de violências, garantia dos direitos humanos e consolidação da cidadania para crianças e adolescentes. São traçadas Voltar ao sumário
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Apresentação
algumas aproximações, com argumentos que possibilitam uma compreensão acerca da intersetorialidade e do trabalho em rede na efetivação do sistema de garantia de direitos, reconhecendo a importância da ética profissional e as contribuições do Serviço Social como profissão nesse processo. Todos esses capítulos representam um importante processo de reflexão, trazendo à baila a temática das Políticas Sociais e do Desenvolvimento na interface com o Serviço Social, significativo tema do Seminário comemorativo aos 25 anos do Curso de Serviço Social. Boa leitura a todos e a todas. Profª. Drª Maria Luiza de Sousa Lajús Dezembro de 2014.
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PARTE I POLÍTICAS SOCIAIS, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO TERRITORIAL
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PANORAMA INTERNACIONAL E A RACIONALIDADE DA FORMULAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS* Cláudio Machado Maia**
1 Introdução O verdadeiro nome da globalização é mundialização do capital, um processo de desenvolvimento do capitalismo mundial que possui características particulares e que não pode ser confundido com a expansão do mercado mundial ou de outras fases de desenvolvimento do capitalismo moderno. Falar de mundialização do capital é referir-se a um regime de acumulação que se caracteriza pela predominância hegemônica do capital financeiro na dinâmica da acumulação de riqueza capitalista (MACHADO, 2003, p. 13). Em primeiro lugar, pelas suas próprias características de privilegiar os agentes financeiros em detrimento do crescimento econômico e da produção sob a promessa de uma suposta modernização, tendo dessa forma o impacto direto no mundo do trabalho e na produção contribuindo para o aumento do desemprego estrutural e das formas de precarização do estatuto salarial da força de trabalho. Em segundo lugar, por acirrar uma lógica intrínseca à própria modernização capitalista, o processo de financeirização tende a ser seletivo, excludente e desigual, pois passa a selecionar países, regiões e setores da economia que lhe interessam à rentabilidade líquida e segura. Em terceiro lugar, a crescente mundialização do capital explicita sua face mais áspera na sua incontrolabilidade como processo sócio-metabólico, atingindo a modernidade capitalista1 (MACHADO, 2003, p. 13-14). Entretanto, neste ambiente de predominante descontrole, os países e regiões que tem obtido melhores resultados na economia nos últimos anos foram aqueles que conseguiram com maior eficiência dirigir e controlar políticas públicas externas que beneficiassem seus interesses, priorizando seus atores locais no processo de desenvolvi* Esta reflexão é parte da Tese de Doutoramento, como Bolsista da CAPES, no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), assim como, foi apresentada comunicação no XIV Congresso Internacional sobre Integração Regional, Fronteiras e Globalização no Continente Americano, realizado em Porto Alegre/RS (Brasil) de 20 a 22 de novembro de 2013. ** Doutor em Desenvolvimento Rural. Professor Titular. Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, UNOCHAPECÓ – Santa Catarina, Brasil. E-mail: <claudiomaia.dr@hotmail.com>. 1 Sobre esse conceito, a globalização pode ser vista como resultado histórico da derrota política dos trabalhadores em seus polos mais organizados e da ofensiva do capital nos vários campos da vida social. Tal incontrolabilidade do capital financeiro, pode ser vista também, como a perda de controle dos agentes sociais.
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mento. Conforme Machado, “a decisiva capacidade de controles de alguns atores em tal cenário é, portanto, elemento chave para se entender o desenvolvimento desigual, fragmentado e contraditório que se observa hoje nos diferentes locais” (2003, p. 15). O desafio deste artigo é dar andamento a uma série de estudos e debates que tem sido desenvolvidos2 considerando os desafios para o desenvolvimento territorial que tem emergido das dinâmicas geradas pelos processos de integração regional conjugados com a consolidação da globalização e de fenômenos associados às complexas relações entre o global e o local, numa perspectiva comparada. Considera-se que os estudos sobre globalização apresentam vastas perspectivas de interpretações e o caráter multifacetário das transformações observadas relacionadas com as diferentes associações entre mudanças globais e consequências locais.3 Cabe aqui esclarecer um pouco mais sobre este termo e sua relação com a perspectiva analítica aqui, resumidamente, apresentada. Este processo de mudança tem sido modificado ao longo do tempo e adquirido diferentes significados. Conforme afirma Sztompka (1995), as sociedades antigas vivenciaram um completo mosaico de unidades sociais, que viviam frequentemente isoladas e eram extremamente diversificadas. Haviam múltiplas entidades políticas separadas, que iam desde as hordas, as tribos, os reinos, os impérios, até a forma relativamente recente de dominação, que são os Estados-Nação. Haviam economias independentes, fechadas, autárquicas, e variadas culturas indígenas que conservavam sua identidade única. A sociedade atual apresenta um quadro completamente diferente (SZTOMPKA, 1995, p. 111-112). Neste ínterim, houve enorme processo de mudança, cujos pontos de intersecção, contato e ruptura local estão descritos ao longo da história da humanidade. Por outro lado, Moreira descreve que: Globalização é um conceito recente e polissêmico que, mau grado o vastíssimo e sempre crescente acervo bibliográfico que lhe é dedicado, está longe de se poder considerar consolidado e de aceitação universal. Neste texto globalização é entendida como o resultado de um processo dialético e desigual de compressão do espaço e do tempo4 que envolve um sistema de forças muito diversificadas. Forças econômicas, sociais, políticas, ideológicas e até religiosas que, desde as últimas três décadas do século XX, vêm modelando e remodelando a divisão internacional de trabalho, favorecendo a acumulação de capital e promovendo a homogeneização dos comportamentos e dos consumos humanos ou a elas se opõem (2006, p. 17).
Nesta perspectiva, no centro da globalização está o capital financeiro internacional5 que desenvolve estratégias para adaptar os padrões de acumulação a condições geoeconômicas e geopolíticas em mudança acelerada num ambiente econômico de crescimento do poder de compra de parte significativa dos países e populações mais diretamente envolvidos pelos fenômenos acima descritos. Conforme Moreira (2006), embora a globalização tenha ambição planetária, tem sobretudo que ver com os paí2 No âmbito do Projeto ALFA II-0541-FA (Europe Aid Co-operation Office) – Rede de Desenvolvimento Territorial e Integração Regional (ReDeTIR). 3 Conforme Machado (2003), “a palavra globalização converte-se num termo adequado para designar de forma mais geral a uma força que atua em diferentes dimensões, superior a vontade dos atores individuais ou coletivos locais”. 4 No sentido de Giddens (1992). 5 Entendido em sentido lato como o conjunto das empresas transnacionais e as instituições financeiras com dimensão e âmbito de atuação transnacional. Voltar ao sumário
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Cláudio Machado Maia
ses da tríade EUA, Europa Ocidental e Japão, deixando muitas áreas e populações mais pobres como meros sujeitos passivos ou completamente a parte das manifestações econômicas do fenômeno. Sobre esta problemática da globalização, apresenta-se aqui uma interpretação dos processos de ampliação dos mercados mundiais que deram forma à globalização atual e estabeleceram suas regras. Entretanto, é possível substituir o acerto político que criou este estilo de globalização, por outro (ou políticas) que oriente o aumento da integração entre as sociedades do mundo em torno dos objetivos de equidade social para solução de problemas nacionais que hoje aparecem como sem solução (MOREIRA, 2006, p. 17). Inspirado em Riella, esta reflexão, também […] busca ser un aporte a la reflexión sobre dichas políticas para alentar a que sean diseñadas con un abordaje interdisciplinario que considere el desarrollo territorial como una construcción social fortaleciendo las instituciones, las acciones colectivas, la gestión participativa y el fomento cuidadano sobre los territorios menos favorecidos por las dinámicas económicas globales (2006, p. 13).
Conforme apresentado por Moreira (2006), para se entender a dimensão econômica da globalização, tal como a conhecemos na atualidade, deve-se levar em consideração os fenômenos de agency que passaram a existir pela conjugação de vários fatores. Agency entendida como o resultado da ação política em grande parte determinada por uma agenda ideológica que, também ela, resulta de fenômenos de agency6. Na gênese desse processo, de um lado assumem papel determinante certos fenômenos no âmbito do político e do ideológico os quais estão na base da hegemonia ideológica neoliberal, e de outro lado, estão considerações geopolíticas ligadas aos interesses da potência hegemônica.7 Conforme Moreira (2006, p. 18-19), a agenda ideológica neoliberal resulta de fenômenos de agency decorrentes da ação de influentes grupos de reflexão que, ao longo dos anos, foram capazes de desenvolver uma ação persistente de estudo teórico, pesquisa empírica e propaganda, revelando resultados eficientes. Tais grupos de reflexão envolvem acadêmicos de reputação, capitalistas com vocação filantrópica ideologicamente orientada, que os financiam, políticos influentes que vão desde jovens promissores até os que ocupam cargos de dirigência e que também canalizam verbas estatais para esses fins, ou os que se fazem ouvir pela opinião pública, ou mesmo proprietários ou diretores de órgãos de comunicação e influentes jornalistas. Em resumo, individualidades que além de serem capazes de financiar esses grupos de reflexão (think tanks), sua influência na opinião pública os transforma em fazedores de opinião pública (opinion makers) com presença constante nos órgãos de comunicação social, muitas vezes a eles ligados por formas contratuais ou outras. 6 Fenômenos de agency que configuram exemplos de organized agency ou o resultado de atos conscientes e deliberados em contraponto à spontaneous agency (MOREIRA, 2006, p. 18). 7 Conforme Moreira (2006, p. 18), mesmo aceitando-se a posição de Wallerstein (2001) sobre a forte diminuição do poder que vem ocorrendo desde os anos 50 do século passado, defende-se que os EUA são a potência hegemônica. A supremacia militar e o peso, determinante, dos EUA nas organizações internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou até mesmo a OCDE reforçam esta tese. Mesmo que necessitando do suporte das outras economias desenvolvidas, os EUA, detém a liderança no centro do G7, o fórum onde acontece grande parte da política econômica internacional e o sentido da globalização acaba por ser determinado. Voltar ao sumário
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Em termos geopolíticos apresenta-se a posição convergente dos críticos de esquerda ao afirmarem a globalização ser uma nova roupagem do imperialismo americano, ou a posição de observadores do establishment americano, como o antigo secretário de estado americano Henry Kissinger que afirmou tratar-se de uma nova palavra para caracterizar o papel dominante da América no mundo, ou mesmo Lawrence Summers, responsável do Tesouro na administração Clinton (e atualmente no governo de Barack Obama) que afirma “a nossa ideologia, o capitalismo, está em ascensão em todo o lado”, defendendo que é do interesse para a segurança da América assegurar-se que todos os países seguissem o globalizador Consenso de Washington8 (LAXER, 2003, p. 138-139 apud MOREIRA, 2006, p. 19). No entanto, esta visão é bem restrita, pois mesmo que seja importante o impulso dado à globalização pelos EUA, o fenômeno não é eminentemente americano. Assim como não se aceita a ideia de que não importa a nacionalidade da origem das transnacionais só pelo argumento que é o capital global o dinamizador da globalização. Entretanto, numa posição intermediária, defende-se que a globalização decorre da relação dialética do capital com os diferentes estados-nação, onde aos aspectos estruturais inerentes a essas relações se juntam as contingências consequentes de contextos diferenciados e dos fenômenos de agency que acabaram por se revelar determinantes para o iniciar da globalização. Outra perspectiva de análise para abordar a globalização é desenvolvida por Rodrik (2002, p. 1), naquilo que define como trilema político da economia global, descrevendo que o sistema estado-nação, políticas democráticas e integração econômica total não são compatíveis. Segundo o autor, a globalização é uma alternativa de melhoria do padrão de vida, ao mesmo tempo em que a democracia garanta que as decisões políticas possam ser tomadas pelos que são diretamente afetados por elas (ou pelos seus representantes) e não se abdicando da autodeterminação que se exprime através dos Estados-nação. E, que não é possível assegurar simultaneamente essas três condições, uma vez que seguir a direção de mercados globais sem governança global é insustentável. Quanto muito, para diferentes situações, assegura-se que ocorram no máximo duas destas condições (ou pólos) do trilema. Figura 1 – The political trilemma of the world economy
Fonte: Rodrik (2002, p. 25). 8 Consenso de Washington que impõe aos países dependentes a receita da liberalização, da privatização e da desregulação e como corolário a exigência de equilíbrio orçamental, da chamada verdade dos preços e da recusa de subsídios estatais para os mais desfavorecidos, embora não se oponha à concessão de apoios estatais para atrair o capital global. Voltar ao sumário
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Satisfazer os três polos ao mesmo tempo, levaria a uma situação extrema que mais pareceria de ficção científica.9 Situação que, por mais que sejam poderosas as forças globalizadoras, não parece viável num horizonte temporal de médio prazo10, mostrando-se claramente incompatível com os processos democráticos correntes e com a manutenção de uma ordem mundial baseada em Estados-nação soberanos e independentes. Importa esclarecer que se a hegemonia ideológica neoliberal pode legitimamente ser considerada como condição necessária para a globalização que conhecemos, não pode ser tida como condição suficiente. Uma vez que outras condições são necessárias e levadas em consideração, tais como, condições materiais como o desenvolvimento das tecnologias de transporte, da logística e, principalmente a revolução nas tecnologias de informação (CASTELLS, 1996 apud MOREIRA, 2006, p. 20; CASTELLS, 2003).11 Ou seja, o entendimento é de que na gênese do processo de globalização interessante ao capital financeiro internacional estão as decisões políticas. Decisões que puseram em marcha um processo que inaugura uma outra fase do capitalismo mundial.12 Aspectos que apresentam mudanças tanto qualitativas quanto quantitativas no panorama do capitalismo mundial justificando a variada produção teórica sobre um novo conceito para delas dar conta, a globalização (MOREIRA, 2006, p. 20-21). Importa nessa gênese um processo que ao longo dos anos, a indispensabilidade da intervenção do Estado na economia, ao estilo keynesiano, não questionado desde a grande depressão, foi substituída pela retórica da recusa dessa intervenção.13
2 Uma progressiva abertura do mundo Na perspectiva de uma análise da globalização apresentada por Paulet (2009), o contexto inspirador do progresso tecnológico tem dois rostos: de um lado, a aldeia planetária que se unifica; e de outro lado, a difusão, que é muito desigual. Um modelo de mecanização agrícola europeu ou norte-americano desenvolvido para aquela realidade e que, no entanto, é adotado pela agricultura brasileira. A internacionalização dos pacotes tecnológicos, a mecanização, representou uma fase da mundialização (chamada de mondialisation, pelos franceses) ou globalização (chamada de globalisation, nos países anglófonos), que só fez acentuar os movimentos da população, com a desestabilização dos campos. Situação em que os 9 Numa exemplificação apresentada por Rodrik (1998, p. 1-2), vê-se: numa economia mundial completamente integrada economicamente teríamos uma situação em que o preço da mão-de-obra seria aferida pelos salários de Shenzen (China), o preço do dinheiro seria fixado em Wall Street e a fiscalização determinada pelos padrões das ilhas Caimão. 10 Médio prazo no sentido de Keynes, para quem no longo prazo estaremos todos mortos. 11 As condições materiais acabam por determinar a rapidez e o alcance da globalização, mas só mostram efeitos práticos a partir do momento em que a situação amadurecer até um ponto em que, ao nível da ação política, os decisores governamentais, sobre pressão do capital internacional, conseguirem fazer passar as mudanças que criam as condições de exequibilidade do processo globalizador. 12 Fase caracterizada, entre outras, pela mudança dos modelos de organização das empresas (crise do modelo fordista e emergência do pós-fordismo); pela liberalização do comércio internacional; pelo crescimento do investimento direto no estrangeiro; pelo surgimento de um verdadeiro mercado financeiro globalizado caracterizado pela liberdade dos movimentos de capitais, bem diferente dos mercados financeiros do passado. 13 Conforme Moreira (2006, p. 24), diz-se retórica porque o capital não deixa de exigir a intervenção estatal sempre que dela necessita. Como foi amplamente documentado na resposta à crise financeira de 2007/2008. Voltar ao sumário
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Estados, com suas políticas, tentam limitar o êxodo, assim como os espaços rurais que sequer possuem potenciais têm poucas chances de serem repovoados. Neste contexto, duas etapas preliminares caracterizam o processo de mundialização: a internacionalização e a transnacionalização. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a mundialização desenvolveu-se em diversas fases. A princípio, a internacionalização corresponde à etapa mais antiga deste processo, na qual as empresas se abrem para o exterior desenvolvendo suas exportações. A internacionalização é caracterizada pelo aumento dos fluxos de exportação. Portanto, o comércio internacional é muito antigo, e o mundo da antiguidade já conhecia muitos intercâmbios. Entretanto, conforme Paulet (2009, p. 12), foi na segunda metade do século XIX que se produziu a verdadeira internacionalização do comércio, quando a Inglaterra ao adotar o livre-comércio entre 1848 e 1875, está na origem dessa diversificação geográfica dos mercados. Já, a transnacionalização, caracteriza-se pelo aumento dos investimentos e das implantações no exterior. Sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial, a transnacionalização correspondeu a uma segunda etapa do processo, caracterizada pelo incremento dos investimentos diretos no exterior (as deslocalizações). Por exemplo, em 1950, estes investimentos limitavam-se aos setores agrícolas e de mineração, ou seja, as matérias-primas. E, a partir de 1960, é a indústria que atrai grande parte dos investimentos: as empresas se tornam, então, transnacionais ao atravessar as fronteiras graças à liberação dos intercâmbios e dos fluxos de capitais. E, à internacionalização dos mercados adiciona-se assim um fator maior: a partir da década de 1960, os países industriais mandam fabricar no exterior uma parte cada vez maior de sua produção. As últimas décadas do século XX ofereceram um contraste marcante em relação aos períodos anteriores. A palavra mundialização surgiu em 1964, mas não com o significado atual, pois via-se a época da oposição Leste-Oeste. Os termos mundialização e globalização designavam apenas territórios que se abriam para o comércio internacional. Em 1989, a destruição do muro de Berlim marcou a o início da desagregação de toda a organização geopolítica, econômica e social dos países do Leste Europeu e da URSS, que deixou de existir em 1991, onde o fato importante é a passagem de todos estes Estados para a economia de mercado. O fim da bipolaridade do planeta. Sendo assim, a terceira fase da mundialização sucede, portanto, à internacionalização e à transnacionalização. Esta etapa tem causas complexas, e as representações mentais dos habitantes da maioria dos países mal assimilam a amplitude das transformações e, em particular, das relações internacionais. Seja como for, a abertura dos mercados se torna realidade. Depois da queda do muro de Berlim, foi, sobretudo, a tecnologia que criou uma revolução das relações internacionais: seria ela o fundamento do poder geopolítico e geoeconômico?! A terceira fase desta transformação é, então na sua origem, chamada em francês de mondialisation (mundialização) e de globalisation (globalização) nos países anglófonos. Em tais condições, como diferenciar essas duas palavras, levando em consideração as ideologias que interpretam os fenômenos? Embora seja difícil construir uma explicação simples, é possível dizer que a mundialização é o crescimento da interdependência dos países e dos habitantes, Voltar ao sumário
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fazendo desaparecer as fronteiras. Tal integração é simultaneamente econômica, social e cultural: o planeta seria como uma aldeia única (aldeia global) (SOUSA; CURVELLO; RUSSI, 2012). Na década de 1970, a escola neoliberal americana, sob o governo Ronald Reagan, explicava que os produtos estavam dentro deste “sistema-mundo” e que qualquer intervencionismo das organizações e das nações era inútil. Nestas condições compreende-se a ampliação do debate. A globalização designaria, sobretudo, a mundialização econômica, ou seja, os mercados de bens, de serviços, de trabalho e de capitais em escala, de todo o planeta. A liberdade no coração do sistema. A mundialização repousa, antes de tudo, sobre uma ideologia dominante e sobre uma concepção unitária do mundo: o espaço geográfico não teria rupturas nem barreiras. Ou, na mente da maioria dos observadores, a mundialização está associada à noção de livre comércio, de capitalismo e de liberalismo. Logo, o enfoque globalizador encontra sustento em um conjunto de perspectivas acadêmicas e de instituições internacionais que sentenciam a diluição dos espaços nacionais e seus respectivos Estados-Nação ante o avanço do processo de globalização. O quadro de interpretação geral sobre o qual se elaboram os enfoques se sustenta na existência de um processo de globalização que relativiza os espaços nacionais a partir do crescimento nos fluxos de comércio, bens e serviços e a internacionalização da produção através de redes que operam globalmente, assim como o destacado processo de integração e expansão dos mercados financeiros. Agora, frente a este contundente (e hegemônico) planejamento, tem surgido uma corrente de aportes acadêmicos (e de agências internacionais) que tem reafirmado o papel estratégico (e inclusive determinante) que cumpre os espaços (regionais) nacionais, no sentido de preservação das especificidades nacionais na configuração das variedades de capitalismo (RODRIK, 1998).
3 A participação social, a governança e o desenvolvimento (regional) Logo, refletir sobre globalização e políticas públicas no âmbito de um processo de desenvolvimento nos remete às práticas participativas da sociedade civil vis-a-vis a problemática e as políticas de promoção do desenvolvimento. Conforme Bandeira (1999), a participação da sociedade civil guarda especificidades em âmbito tanto territorial quanto temático. Em âmbito territorial, tais práticas participativas referem-se a espaços sub-regionais, ou seja, espaços intermediários entre o estado e o município, em que não se encontram instâncias político-administrativas correspondentes. Em âmbito temático, buscam promover não a implementação de ações específicas ou setorialmente bem delimitadas, mas, ao contrário, a articulação social em caráter permanente, visando influenciar o processo de tomada de decisões públicas que se refiram ao desenvolvimento regional (BANDEIRA, 1999, p. 4).
Nos últimos anos, as principais instituições internacionais14 de promoção e financiamento do desenvolvimento têm incorporado práticas participativas às suas rotinas operacionais. No Brasil, cada vez mais é aceita a ideia de que é necessário criar meca14 Banco Mundial, Bando Interamericano de Desenvolvimento (BID), United Nations Development Programme (UNDP). Voltar ao sumário
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nismos que possibilitem participação mais efetiva e direta da comunidade na formulação, no detalhamento e na implementação das políticas públicas. Enfoque que, em parte, é fruto do processo de democratização do país, e por outro lado, se deve a uma nova abordagem que tem predominado no contexto internacional. Para Bandeira (1999, p. 7), o estabelecimento de mecanismos sólidos de participação nesse nível geográfico exige esforço prévio de construção institucional que leve ao surgimento e à consolidação de organizações que se dediquem em caráter permanente a conscientizar a comunidade sobre a natureza dos problemas regionais, buscando, simultaneamente, envolvê-la na formulação e na implementação de ações voltadas para a superação desses problemas. Aí, surge espaço para ressuscitar a região, não somente econômica mais socialmente construída, onde o sistema capitalista recupera (ou quem sabe, se apropria) o espaço para o diferente, o diverso, o plural, o heterogêneo, numa construção que onde diversificar, diferenciar e pluralizar transformaram-se em pressupostos e objetivos viabilizadores de inserções diferenciadas e diferenciadoras, logo, alternativas das múltiplas regiões no processo de desenvolvimento global. Onde as histórias locais, as tradições, os desejos e fantasias localizados, possuem espaço para colocar em concorrência as múltiplas regiões. Ou, lembrando Gil (2002, p. 65) onde região pode ser entendida como um cenário para interação social, o qual desempenha um papel fundamental na produção e reprodução das relações sociais. Abordagem que emerge do fato de o espaço, suas dimensões simbólicas e ideológicas e suas bases materiais serem construtos sociais e culturais.15
4 Considerações finais Logo, se para Rodrik (2002), a globalização é uma alternativa de melhoria do padrão de vida, ao mesmo tempo em que a democracia garanta que as decisões políticas possam ser tomadas pelos que são diretamente afetados por elas (ou pelos seus representantes) e não se abdicando da autodeterminação que se exprime através dos Estados-nação. E, seja, o entendimento de que na gênese do processo de globalização interessante ao capital financeiro internacional estão as decisões políticas. Também, é interessante observar que importa nessa gênese um processo que ao longo dos anos leva à indispensabilidade da intervenção do Estado na economia, ao estilo keynesiano. Ainda, considerando os enfoques que sustentam a existência de um processo de globalização que relativiza os espaços nacionais a partir do crescimento nos fluxos de comércio, bens e serviços e a internacionalização da produção através de redes que operam globalmente, caracterizando-se num destacado processo de integração e expansão dos mercados financeiros. Frente a este contundente (e hegemônico) planejamento, tem surgido uma corrente de aportes acadêmicos (e de agências internacionais) que tem reafirmado o papel estratégico (e inclusive determinante) que cumpre os espaços (regionais) nacionais, no sentido de preservação das especificidades nacionais na configuração das variedades de capitalismo (RODRIK, 1998). Observando-se uma renovada importância do local e uma tendência para estimular culturas regionais. O regional, o desenvolvimento regional passa a incorporar a articulação de agentes oriundos dos mais 15 Ao que muitos autores enfatizam ao desenvolver interpretações sobre capital social. Voltar ao sumário
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variados segmentos da sociedade civil. O regional remetendo à compreensão de busca de autonomia, sobretudo, porque requer considerar aspectos relacionados às demandas sociais, desafios, negociação com instâncias governamentais em busca de um espaço (mercado) a partir de políticas públicas. Como aponta Becker (2002, p. 35), fica-se surpreso quando alguns autores afirmam que é em função de seu histórico de valores culturais acumulados regionalmente, ou do “capital social” existente, que algumas regiões conseguem responder positiva e ativamente aos desafios regionais da globalização contemporânea construindo seus próprios modelos de desenvolvimento. Para tanto tais regiões, conseguem desenvolver suas potencialidades e aproveitar as oportunidades decorrentes da dinâmica global de desenvolvimento. Ao combinarem eficientemente o desenvolvimento de suas potencialidades locais com o aproveitamento eficaz das oportunidades globais oferecidas pelo processo de desenvolvimento contemporâneo, constituindo uma dinâmica própria regional. Algo que só é possível, abrindo caminho para a crescente participação social no processo de decisão e construção regional e garantindo a adaptação rápida às constantes mudanças provenientes do dinamismo global do desenvolvimento contemporâneo. Assim, distintos processos de desenvolvimento regional passam a depender diretamente das diferentes dinâmicas de envolvimento social das comunidades. O que remete às considerações de Becker (2002, p. 36, 40), [...] uma antiga tese de que o desenvolvimento não é a causa, mas a consequência da democracia (TOURAINE, 1996) e esta, por sua vez, é resultado da organização social. Em consequência, e conforme afirma Bobbio (1991), uma sociedade organizada é uma sociedade mais democrática, ao que emenda de imediato Touraine, uma sociedade mais democrática é uma sociedade muito mais desenvolvida (BECKER, 2002, p. 40).
Portanto, hipoteticamente, “as diferentes dinâmicas de desenvolvimento regional dependem de uma crescente organização social das comunidades regionais. E uma crescente organização social equivale diretamente a um melhor envolvimento político nas decisões e definições dos rumos do desenvolvimento regional. Da mesma forma, uma melhor participação política leva, consequentemente, a um maior desenvolvimento econômico das comunidades regionais” (BECKER, 2002, p. 40).
Referências BANDEIRA, Pedro S. Participação, articulação de atores e desenvolvimento regional. IPEA. Textos para discussão, n. 630, fev. 1999. BECKER, Dizimar Fermiano. A economia política do (des)envolvimento regional. Redes. v. 7, n. 3. p. 35-59, set./dez. 2002. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Trad. Roneide Venâncio Majer. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. [A Era da Informação: economia, sociedade e cultura; v. 1]. GIDDENS, Anthony. As conseqüências da Modernidade. Oeiras: Celta Editora, 1992. MACHADO, Jorge Alberto. La Globalização (des)Controlada: crisis globales, desajustes econômicos e impactos locales. São Paulo: Tendenz, 2003. 300 p. MOREIRA, Manuel Belo. Globalização econômica: gênese e reflexões prospectivas. In: RIELLA, Alberto (Org.). Globalizacion, Desarrollo y Territorios Menos Favorecidos. Montevideo: Rosgal S.A., 2006. Voltar ao sumário
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PAULET, Jean-Pierre. A mundialização. Trad. Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: FGV, 2009. RIELLA, Alberto (Org.). Globalizacion, Desarrollo y Territorios Menos Favorecidos. Montevideo: Rosgal S.A., 2006. RODRIK, Dani. Feasible globalizations. Harvard University, 2002. Disponível em: <http://ksghome. harvard.edu/~drodrik/Feasglob.pdf>. Acesso em: 20 out. 2009. RODRIK, Dani. Symposium on Globalization in Perspective: an Introduction. The Journal of Economic Perspectives. v. 12, n. 4, p. 3-8, autumn, 1998. SOUSA, Janara; CURVELLO, João José; RUSSI, Pedro (Orgs.). 100 anos de McLuhan. Brasília/DF: Casa das Musas, 2012. SZTOMPKA, Piotr. Sociologia del Cambio Social. Madrid: Alianza, 1995. WALLERSTEIN, Immanuel. America and the World: The Twin Towers as Metaphor. Charles R. Lawrence ll Memorial Lecture. Brooklyn College, dec. 5, 2001. Disponível em: <http://essays.ssrc. org/sept11/essays/wallerstein_text_only.htm>. Acesso em: 18 fev. 2012.
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POLÍTICAS SOCIAIS E DESENVOLVIMENTO: DESAFIOS À ORGANIZAÇÃO E GESTÃO TERRITORIAL Mariangela Belfiore Wanderley
1 Introdução Desde as últimas décadas do século passado, o mundo contemporâneo vive uma crise global, exacerbada em 2008, basicamente pela crise do capital financeiro, a qual coloca em cheque nossas propostas desenvolvimentistas e nossas utopias transformadoras. São de conhecimento amplo as inúmeras análises feitas sobre o “triunfo do neoliberalismo” que ocasionou mudanças nas sociedades contemporâneas, com impactos diferenciados, consideradas as realidades de cada país, quais sejam: a restruturação produtiva, a crise do fordismo, a financeirização da economia, a acumulação flexível, para citar algumas delas. Vivemos, desde então, sob [...] o signo de uma nova ética capitalista de regulação social, que condena a proteção pública como direito devido do Estado, as políticas sociais enredaram-se na engrenagem da competitividade capitalista mundial, que têm como linha mestra as regras antissociais do mercado (PEREIRA, 2012, p. 731).
As políticas sociais universais decorrentes da afirmação e reconhecimento do direito do cidadão de acesso universal aos bens e serviços, foram sendo substituídas por políticas focalizadas, rompendo-se com o marco civilizatório que vinha se consolidando, mesmo em países que ainda não tinham alcançado um real estado de bem estar social. Assiste-se, pois, a um verdadeiro desmonte dos direitos sociais, civis e políticos. De modo a enfrentar as consequências do novo regime de acumulação capitalista, políticas de ajuste impuseram-se, repercutindo na qualidade de vida das populações e violando seus direitos historicamente adquiridos. Lavinas (2012) analisa o que ocorreu: essa “janela de oportunidade” vem no bojo da crise, cujos impactos dramáticos nos orçamentos públicos das economias desenvolvidas ameaçam de imediato os sistemas de proteção social vigentes - que perdem efetividade para contrabalançar tamanha perda de bem-estar em tão grande escala. Assim, a profunda crise por que passa o capitalismo questiona modelos implantados em países desenvolvidos, nos chamados “trinta anos gloriosos”, período que vai do fim da Segunda Guerra Mundial até meados dos anos 1970, quando o capitalismo industrial promoveu uma gestão regulada das desigualdades, que passaram a ser o coração da questão social. Predominavam, então, as regulações coletivas pilotadas pelo Estado. O coletivo era um alicerce fundamental da proteção social. 22
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Especialmente pela mediação das políticas sociais, o Estado era o principal provedor e garantidor do bem estar social. Sem ter um modelo único, os países capitalistas centrais implantaram seus “Estados de Bem Estar Social” ou ‘Estados Sociais”, que veem sendo corroídos pela regulação social especialmente nas últimas décadas. Vemos, então, desmoronar a sociedade salarial (CASTEL, 1998), fundada sobre o pleno emprego, colocando em xeque a universalização dos direitos sociais. Reconfigurações profundas (CASTEL, 2009) se processam - na organização do trabalho (individualização das tarefas, adaptabilidade, responsabilização dos operadores (pois, a expressão trabalhador está fora de moda), - nas trajetórias profissionais, uma vez que cada trabalhador é responsável por seu percurso profissional e as carreiras passam a ser descontínuas e deixam de estar inscritas em regulações coletivas (desregulamentação das profissões). Estamos cada vez mais numa sociedade de indivíduos (ELIAS, 1991) que valoriza a capacidade de cada um agir como ator social responsável e autossuficiente. Acentua-se a lógica mercantil no campo social e a extensão do apelo à responsabilidade individual: é o triunfo do princípio da individualização. Assistimos, em consequência, a escalada das desigualdades, iniciada nos anos 1970 ou 1980, fruto do processo de desconstrução desta arquitetura econômica e política que serviu de sustentação aos anos dourados do capitalismo. Como sabemos a desigualdade é inerente ao capitalismo, está no seu DNA.1 Nesse contexto, rapidamente descrito, expandiram-se, como já dissemos, as Políticas Sociais focalizadas, não universalizantes, enfatizando-se, por exemplo, os programas de transferência de recursos monetários para que grupos extremamente pobres administrem seus riscos. A transferência de renda objetiva, igualmente, a disseminação de relações monetárias visando expandir mercados através de um piso de sobrevivência, o que o pensamento conservador sempre reconheceu como necessário (BARR, 2004 apud LAVINAS, 2012). Por outro lado, o Estado desonera-se, também, de suas responsabilidades, descomprometendo os cofres públicos, deixando-se substituir em grande parte pelo mercado. Trata-se de uma nova configuração da Proteção Social, que se pretende universal e não só para os países pobres, denominada Piso de Proteção Social, conforme Lavinas (2012) explica, que objetiva estabelecer um mínimo para todos, a partir de um conjunto de provisões, de modo a prevenir ou aliviar a pobreza, a vulnerabilidade e a exclusão social. Como sabemos, essa concepção de proteção social e das políticas públicas focalizadas dela decorrentes, desconhece as verdadeiras razões estruturais que engendram as desigualdades de toda as ordens, como analisa Yazbek (2012, p. 2), A questão social, constitutiva da sociedade capitalista amplia seu fosso de desigualdade e injustiça, assumindo novas configurações e expressões em um mundo globalizado pelo capital financeiro, pelos interesses das grandes corporações, das mídias, do conhecimento planetarizado, saturado, e a serviço de minorias.
O padrão de desenvolvimento da proteção social brasileira, embora tenha suas particularidades, não pode ser descolado da situação global que o engendrou. Como é amplamente sabido, o Brasil nunca viveu um Estado de Bem Estar Social em sua completude. Embora com peculiaridades, o capitalismo brasileiro também curvou-se aos 1 Sobre a escalada das desigualdades sociais após os anos dourados ver DIEESE, O avanço das desigualdades nos países desenvolvidos: lições para o Brasil, Nota Técnica, no. 18, julho 2014. Voltar ao sumário
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ditames do neoliberalismo com consequências profundas no desenho e implantação da política social brasileira nos anos mais recentes. Mesmo reconhecendo os avanços inegáveis que têm ocorrido no Brasil, somos ainda um país de desproteções e de históricas e crônicas desigualdades, resultado de projetos em disputa presentes na sociedade brasileira. Projetos esses que são coletivos, estruturados por escolhas que expressam e produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas (DAGNINO et al., 2006, p. 38-40) e que, contraditoriamente, convivem, inclusive no interior dos próprios governos. Predominam na cultura brasileira valores individualistas e de consumo, com a afirmação do mercado como principal provedor de bens coletivos. Ora, a política social deve afiançar e concretizar direitos, não mercadorias. Desta forma o social perde seu significado de direitos universais de cidadania, conforme concebido na Constituição Federal de 1988, a serem assegurados por um Estado democrático2 (FLEURY, 2013). Temos aqui uma questão essencialmente política3, que reflete claramente uma determinada concepção de desenvolvimento para o país. Afirma Fleury (2013, p. 3) Essa disputa de significados sobre a qualificação do social é ideológica, mas também político-institucional [...] Do ponto de vista político-ideológico a disputa foi claramente favorável às políticas focalizadas, que ganham espaço na mídia como as principais responsáveis pela atual reestratificação social que culminou com ampliação da classe média. Em vez da noção de direitos como articuladora das relações e das normas que orientam as políticas, o que qualifica o social, nesse caso, é a capacidade de consumo dessa nova classe emergente.4
Não é demais reafirmar a importância do papel mediador do Estado, como administrador da crise, por meio das políticas sociais. Ressalte-se, no entanto, seu papel contraditório, pois, se por um lado, as políticas sociais representam conquistas históricas da sociedade, dos movimentos sociais, de outro, têm se constituído em respostas setorizadas, fragmentadas face a manifestações da questão social, não tocando na raiz estrutural dela geradora. Enfrentar a questão social com políticas focalizadas não é um caminho viável e sustentável. O que se tem visto, então, nas últimas décadas, especialmente neste milênio, conforme já mencionado, é o enfrentamento da pobreza, e da miséria (pobreza extrema) pela via do consumo, como fosse esta uma questão acidental. Pobreza e desigualdades têm tido um tratamento desvinculado da sociedade como um todo, ou seja, desconhecendo-se os condicionantes estruturais da pobreza, como afirma Yazbek (2012, p. 289), 2 Sonia Fleury, em seu citado artigo, afirma de forma contundente que está havendo uma transmutação regressiva e conservadora do social, o que vem afastando cada vez mais a nossa possibilidade de construção um país democrático, corporificado na Constituição Federal de 1988. 3 Há um debate atual e polêmico em nosso país sobre o modelo de desenvolvimento predominante desde a ascensão do neoliberalismo. Há autores que consideram que vivemos uma nova fase de desenvolvimento capitalista iniciada nos governos FHC e aprofundada nos governos do PT – designado como novo desenvolvimentismo ou nacional desenvolvimentismo. Ver, dentre outros, artigos sobre esta temática publicados na Revista Serviço Social & Sociedade, nº. 112, out./dez. 2012 4 A ampliação da classe média brasileira é outra questão bastante polêmica. Para tomarmos apenas dois autores como exemplo, temos Marcelo Neri (A nova classe média. SP: Saraiva, 2011) que defende a existência de uma nova classe média, em nosso país, fruto da combinação do crescimento com a equidade, e Marcio Pochmann (A nova classe média? SP: Boitempo, 2012) que discorda da emergência de uma nova classe – muito menos de uma classe média. Voltar ao sumário
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A pobreza como expressão direta das relações vigentes na sociedade, localiza-se no âmbito das relações constitutivas de um padrão de desenvolvimento capitalista, extremamente desigual, em que convivem acumulação e miséria. Os “pobres” são produtos dessas relações que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político, econômico e cultural, definindo para eles um lugar na sociedade [...] onde são desqualificados por suas crenças, seu modo de se expressar [...] qualidades negativas e indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe, por sua condição social.
Assim concebida, a pobreza5 é multidimensional e não apenas ausência de renda, o que exige enfrentá-la na sua totalidade. Cabe, no entanto, deixar claro que a garantia de renda é um direito de todo cidadão. Em artigo denominado Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil, Potyara Pereira (2012) aponta algumas características da política social na contemporaneidade, presentes não exclusivamente na Política Social brasileira. Sob o domínio do neoliberalismo algumas ortodoxias ideológicas e moralistas (DEAN, 2006) foram construídas. Uma delas é a autorresponsabilização dos pobres, ou seja, eles devem ser responsáveis pelas suas necessidades sociais ou, quando recebem auxílios do Estado, devem dar algo em troca (daí, as contrapartidas). Uma consequência disto é a focalização da política social na extrema pobreza e nas políticas de ativação que incitam os trabalhadores a estarem disponíveis para o mercado de trabalho, geralmente em empregos e condições precarizadas. Como pertinência, a autora analisa que essas são manifestações de um continuo e crescente esvaziamento do padrão capitalista de Estado social como direito, em favor do padrão capitalista de Estado neoliberal meritocrático, laborista ou do que a literatura especializada vem chamando de transição do Welfare State para o Workfare State6, laborista (2012, p. 738). Essa ética de “auto proteção social”, continua a autora, produz consequências dentre as quais se destaca a focalização da política social na extrema pobreza, o que pode ser exemplificado, no caso brasileiro pelo Programa Brasil Sem Miséria, do Governo Federal, ultra focalizado em famílias abaixo da linha da pobreza7. Essa parcela da população é sem dúvida credora de uma dívida social que só fez aumentar nos mais de cinco séculos da história brasileira. A representação do pobre como não cidadão é naturalizada na cultura brasileira. Parcelas dominantes da sociedade e seus governos fizeram escolhas por premissas, muitas delas equivocadas, como 5 Sobre essa questão ver: WANDERLEY, M. B.; ARREGUI C.C. A vulnerabilidade social é atributo da pobreza? Serviço Social e Sociedade, v. 97, p. 143-165, 2009. WANDERLEY, M. B.; ARREGUI C.C. Gestão Pública e Pobreza: um estudo de família chefiadas por mulheres. Sawaya. In: A.L. et al. (Orgs.) Desnutrição, Pobreza e Sofrimento Psíquico. São Paulo: EDUSP, 2011. 6 Workfare State (bem estar em troca de trabalho) e Welfare State (bem estar como direito incondicional). 7 O Brasil nunca explicitou oficialmente uma linha de pobreza. No entanto, para fins político-administrativos de gestão de programas sociais, estabeleceu a linha oficial de extrema pobreza no País em R$ 70 per capita/mês, com base em conceito do Banco Mundial que define como miserável quem vive com menos de US$ 1,25 por dia. Em 2011, a presidente Dilma Rousseff anunciou a ampliação das transferências de renda às famílias mais pobres que constam do Cadastro Único do governo. Com a mudança, os mais pobres passariam receber repasse complementar para que a renda per capita de suas famílias alcance ao menos R$ 70 ao mês – patamar abaixo do qual são consideradas extremamente pobres pelo governo. A alteração, segundo o governo, criaria condições de que 2,5 milhões de brasileiros se somem a 22 milhões de beneficiários do Bolsa Família que ultrapassaram a linha da pobreza extrema nos últimos dois anos. Os números atuais referentes ao Programa Bolsa Família indicam que praticamente ¼ da população brasileira participa do Programa, ou seja, aproximadamente 11 milhões de famílias ou 45 milhões de pessoas. Voltar ao sumário
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por exemplo, de que o atendimento das necessidades básicas dos diferentes grupos sociais se faria como um “subproduto”, uma consequência do crescimento econômico ou, ainda, de que o mercado é o principal agente do bem-estar da população. Esse tipo de escolha política é acompanhada da necessidade de inserção da população no mercado de trabalho, ou seja, a ativação dos demandantes da proteção social para o trabalho (PEREIRA, 2012). Porém, quais são os postos de trabalho possíveis para uma população que tem déficits históricos de educação, saúde, condições de moradia, etc.? O mercado de trabalho está cada vez mais exigente de qualificação. Ora, essa inserção laboral é, no mais das vezes, precária e resultante das condicionalidades da própria política social. Seria esta uma estratégia de efetivação de direitos sociais? A lógica implícita nessas estratégias de enfrentamento da pobreza é a lógica do mercado, considerando o pobre, não só como consumidor, mas também como “empreendedor”, questão esta bastante polêmica. O empreendedorismo8 envolve diferentes atores como o poder público, os bancos, as organizações não governamentais e cria normas, explicitas ou não, de conversão do pobre em consumidor, o que exige disciplina e controle. É necessário, pois, penetrar na lógica do mercado que acaba por definir quem entra e quem sai nesse jogo do capital. Quem fica fora acaba caindo na invisibilidade. Com isso, se fortalece a ideia, e o estimulo decorrente, de que a inclusão se faz via trabalho, consumo e crédito. Os serviços de saúde, educação devem ser acessados via mercado, baseados na falsa premissa de que “os que podem pagar é justo que o façam, num contexto em que os gastos do estado devem ser direcionados, em última instância, para o fomento ao chamado setor produtivo, rumo ao desenvolvimento” (FALLEIROS, 2012). Na crítica desta concepção, a autora conclama, com veemência, os pensadores, políticos e militantes defensores de políticas universalistas, a mobilizarem com urgência o debate sobre a mercantilização das políticas sociais, na disputa por um projeto societário que enfrente as injustiças e as desigualdades e contribua na rearticulação das forças publicizantes, com vista a superação dessa concepção mercantilista. Vera Telles, em Seminário9 realizado na PUC-SP, em 2012, apresentou interessante análise do que ela chamou de um fenômeno novo: a celebração da pobreza como virtude e mercado, lembrando que esse não é apenas uma concepção brasileira mas tem perpassado o “sul global”, num entendimento de que a pobreza é fonte de expansão do capital, daí a ênfase em programas de microcréditos, por meio da criação de bancos populares, empreendedorismo, etc. Com isso, vai se conformando uma nova forma de subjetivação da pobreza e do pobre como empreendedor, diferente da subjetivação do cidadão de direitos. Nas escolhas políticas feitas no Governo Lula, não se pode deixar de ressaltar um importante avanço: o aumento real do salário mínimo10 dos trabalhadores for8 O governo Lula, com o objetivo de enfrentar a informalidade do trabalho de grande número de brasileiros, incentivou a expansão de micro e pequenas empresas (Programa Simples 2007 2 - Lei do Microempreendedor Individual – MEI (2008), além de programas de financiamento e de economia solidária. 9 Seminário: Territórios e suas abordagens no âmbito da pesquisa. Mesa: Território Singular e Plural. Promoção do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social, coordenado pela Profa. Dra. Aldaiza Sposati – Missão Capes Cofecub – agosto de 2012. 10 O Relatório Global sobre os Salários 2012/13, da Organização Mundial do Trabalho (OIT), informa que a média anual de crescimento do salário real no Brasil superou a média mundial entre 2009 e 2011.No mundo, os salários cresceram 1,3% em 2009; 2,1% em 2010 e 1,2% em 2011. No Brasil, os níveis atingiram quase o dobro: 3,2% em 2009, ano da crise; chegando ao ápice em 2010, com 3,8%; e 2,7%, em 2011. Voltar ao sumário
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mais, que tem tido continuidade na gestão Dilma. Aliado à retomada do crescimento, estes fatores contribuíram não só para o crescimento do nível de emprego e sua formalização, como para o sucesso da atuação positiva dos sindicatos nas negociações coletivas, fazendo crescer o salário médio em mais de 17% em termos reais, no período de 2003-2010 (PAULANI, 2012). As alterações no mercado de trabalho são, de longe, as mais importantes na queda da desigualdade, sendo este o fator responsável por 60% dessa redução. Portanto, são esses dois fatores em conjunto – aumento real do salário mínimo e retomada do crescimento – os verdadeiros responsáveis pela queda verificada no índice de Gini11, cabendo ao Bolsa Família um papel apenas subsidiário. E qual é a natureza desses dois fatores? O mínimo que é preciso admitir é que nem um nem outro tem qualquer parentesco com as políticas sociais focalizadas que tanto combinam com o receituário neoliberal.
Conclui-se destas análises que os fatores econômicos – crescimento e mercado - têm sido os principais vetores de enfrentamento da pobreza e não propriamente as políticas sociais. E, ainda, que a desigualdade social tem se movido muito timidamente. Sedimenta-se, em nosso país, a percepção que a política social adequada é aquela que possibilita a retirada de parcelas da população da pobreza extrema. Principalmente, pela transferência de renda, possibilitando seu acesso, ainda que precário, ao consumo. Cuida-se que os valores transferidos sejam mínimos, de modo a não desestimular a inserção no trabalho. E, ainda, tais medidas resultam na ampliação do mercado de consumo. Dissemina-se a falsa ideia de que são as políticas sociais focalizadas, especialmente a transferência de renda, as responsáveis pelas mudanças que se processam na realidade brasileira. Políticas sociais focalizadas, como amplamente exposto, não são garantidoras de direitos para todos cidadãos e nem afiançam sua sustentabilidade. A inserção precarizada no mercado de trabalho não é garantia dos direitos da população. Ao invés de ter garantidos os seus direitos de cidadania, pelo Estado, com serviços públicos de qualidade, a população vê-se obrigada a buscar respostas para as suas necessidades no mercado, pelo consumo de bens e serviços, cuja qualidade nem sempre é óbvia. Estamos diante do que Pereira (2012) analisa como monetarização da política social que aponta, inclusive, como um efeito secundário dela, para a transformação desse tipo de consumidor em portador de cartão de crédito, que não raro se enreda num sistema de dívidas impagáveis. É importante esclarecer, no entanto, que os programas de transferência de renda que se disseminaram pelo mundo todo, ao focalizarem na extrema pobreza, aliviam as situações também extremas de miserabilidade, e, portanto, são necessários. Porém, não podem ser a única estratégia, como temos visto acontecer em muitos países que acabam sendo celebrados pelas agências internacionais como tendo encontrado a solução eficaz para o enfrentamento da pobreza. O real enfrentamento da pobreza e da desigualdade social dependem sim do enfrentamento de questões estruturais e da opção pelo modelo de desenvolvimento que se quer para o país, no seio do qual a proteção social pública é dever o Estado e direito inalienável de todo cidadão. 11 O Índice de Gini que mede o grau de desigualdade na distribuição da renda domiciliar per capita entre os indivíduos apresentou queda representativa, ainda que pequena: passou de 0, 544 (2008) para 0, 519 (2012). Voltar ao sumário
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Estado e a Sociedade Civil são atores fundamentais na construção de uma nação democrática, responsável por seus cidadãos, sem distinção, tanto no plano nacional como internacional, fortalecendo o que alguns autores denominam de globalização contra-hegemônica. As manifestações populares que ocuparam as ruas em 2013, são reveladoras de uma crise da cidadania social percebida pela mercantilização e pelas lacunas das políticas sociais universais e urbanas, que atinge feições críticas principalmente nas grandes metrópoles (MARICATO, 2013). Conforme Fagnani (2014, p. 4), a insatisfação popular está sinalizando que os avanços recém-conquistados na inclusão de parcela significativa da população ao mercado de consumo, apesar de positivos, não são suficientes. Os protestos apontam que é preciso ir além e promover a inclusão pela cidadania; pedem direitos e não mercadoria; exigem serviços públicos de qualidade e não serviços regidos pelo lucro.
Ao exigir qualidade dos serviços públicos, os cidadãos brasileiros expressam o desejo de um outro tipo de desenvolvimento para o Brasil, que não seja subjugado às dimensões econômica e de mercado. Politicas focalizadas não são suficientes para se alcançar o bem-estar. Ao mesmo tempo, as manifestações populares reforçam a visão de que o desenvolvimento requer os mesmos valores do Estado de Bem-Estar Social que foram formalmente inscritos na Carta de 1988, oficializando assim as políticas sociais e os serviços sociais básicos como direitos. Uma sociedade de democrática, portanto igualitária e justa, requer a universalização da cidadania e a desmercantilização das políticas sociais, que no seu papel de redistribuidoras de renda e bens socialmente produzidos são fundamentais para a equidade social. Os protestos de 2013 recolocaram o conflito distributivo no centro do debate nacional (FAGNANI, 2014, p. 4).
2 Gestão das políticas sociais: sentidos e desafios Para a reflexão deste segundo ponto, iniciamos apresentando nosso entendimento sobre gestão de políticas públicas. Temos trabalhado com o conceito de gestão social. Concebendo, prioritariamente, a política pública como a ação desenvolvida pelo Estado, seu regulador, a gestão social é compreendida como a gestão das ações públicas. Não se confunde, não se resume e nem é sinônimo de gerenciamento (embora este seja um de seus aspectos constitutivos). Assim, é preciso contextualizar o entendimento sobre concepções de gestão social, no cenário das profundas mudanças ocorridas nas últimas décadas na sociedade brasileira, já expostas anteriormente. Após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a afirmação dos direitos dos cidadãos trouxe mudanças na política e, consequentemente, na sua gestão, exigindo da gestão pública, novos arranjos institucionais e organizacionais na coordenação e condução de ações articuladas em redes multinstitucionais e intersetoriais (BRANT DE CARVALHO, 2013, p. 48). Ora, para que isso possa se dar efetivamente, a participação dos atores implicados na gestão social é fundamental. Estado e sociedade devem partilhar democraticamente o espaço público, sem esquecer, como já mencionado, que na arena pública estão em disputa os projetos societários e os projetos ético-políticos dos atores enVoltar ao sumário
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volvidos (Estado com seus órgãos e organismos governamentais e seu corpo técnico; a sociedade civil, os movimentos sociais, as organizações não governamentais, o terceiro setor, as igrejas, as famílias, o cidadão; a mídia; o mercado, as organizações privadas e os partidos políticos). Cabe, portanto, ao Estado assumir seu papel de regulador e à sociedade exercer o controle social na garantia do acesso, da qualidade da prestação de serviços e da garantia dos direitos dos cidadãos. Da participação desses sujeitos depende a governança, ou seja, a capacidade mais alargada de gestão das políticas de governo e do controle de seus efeitos (LESSA, 2013, p. 426). Partindo-se da premissa de que as políticas públicas são o Estado em ação, a governança é imprescindível para o se possa atingir a qualidade de vida e bem estar de todos os cidadãos. É nesse contexto que se insere a gestão social, como afirma Brant Carvalho A Gestão Social refere-se fundamentalmente à governança das políticas e programas sociais públicos; intervém na qualidade de bem estar ofertada pela nação; na cultura política impregnada no fazer social; nas prioridades inscritas na agenda pública; nos processos de tomada de decisão e implantação de políticas e programas sociais; nos processos de adesão dos sujeitos implicados. Guarda, (assim) um caráter retotalizador no conjunto das variáveis, constrangimentos, oportunidades, processos e projetos políticos que dão direção e forma à gestão das ações sociais públicas (2013, p. 43, grifos nossos).
Em recente artigo publicado no periódico Serviço Social em Revista (2013), discutimos os sentidos de social e de público, conceitos que estão umbilicalmente vinculados. Retomamos aqui alguns aspectos que julgamos fundamentais nesta reflexão. A primeira ideia a reter é que o social é objeto das políticas sociais, o que pode parecer óbvio, mas que faz toda a diferença na concepção aqui abordada. Portanto, não é sinônimo de favor, ajuda, compaixão, assistencialismo, benemerência, caridade. O social não é apenas reparador de destruições e destituições, sejam elas de que natureza forem! O social envolve as relações sociais de cada sociedade e, no campo especifico do econômico e do político, a relação entre capital e trabalho. Expressa dimensão do coletivo, do público, das relações sociais direcionados na perspectiva dos direitos, que é a finalidade da gestão social. Ao se falar em gestão da política social se está afirmando os direitos sociais e o reconhecimento da cidadania como seus fundamentos (OFFREDI, 2013). O social que adjetiva a gestão, é objeto da gestão social que, por sua vez, tem finalidade pública. E, assim sendo, o sentido de público é dado por atributos como: universalidade, transparência ou visibilidade social, controle social, cultura cívica e sustentabilidade (WANDERLEY, 2013). Portanto, nunca é demais perguntar: as políticas sociais que se operacionalizam por ações públicas estão a serviço de quem e do que? Da qualidade de vida das populações? Do acesso universal e da garantia de direitos? Da equidade? Da distribuição e redistribuição dos bens e riquezas socialmente produzidos, materiais e imateriais? São transparentes? Acolhem em seus desenhos a participação democrática e o controle social? A gestão das políticas sociais está, portanto, fundada na lógica da cidadania e dos direitos. A arquitetura contemporânea das Políticas Públicas põe novos desafios à gestão. É um processo democraticamente partilhado por diferentes atores envolvidos na ação pública, o que implica em disputas, em constantes movimentos de conflito e cooperação. Voltar ao sumário
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Para que possamos dialogar sobre os diferentes desafios postos à gestão das políticas públicas, passamos a salientar alguns deles. O desenho de grande parte das políticas sociais tem sua matriz calcada na família e no território, o que vai exigir novas respostas e estratégias. O primeiro desafio a ser destacado é o da interdisciplinaridade12. Cada vez mais as equipes são multiprofissionais. Se tomarmos como exemplo a Política Nacional de Assistência Social, veremos que são múltiplas as formações dos trabalhadores do SUAS. A complexidade das demandas implica em questões epistemológicas, teóricas e metodológicas. O diálogo entre saberes, o encontro entre o teórico e o prático, entre a ciência e a tecnologia abalam as fronteiras do conhecimento, na tessitura de um saber complexo (CAPES, 2008). Há na concepção de interdisciplinaridade a ideia de reciprocidade, de diálogo e colaboração entre saberes distintos, que não perdem suas características particulares, mas recompõem-se num novo conhecimento, com diversas interações possíveis. A interdisciplinaridade é um fundamento importante da intersetorialidade, conforme discutimos a seguir. Sabemos que uma das fragilidades da ação pública está na setorialidade das políticas. As necessidades e demandas das pessoas, coletivos e seus territórios, são interconectadas, articuladas. O desenho das políticas setoriais decorre de uma arquitetura de Estado setorializada que fragmenta a ação pública, desconectando programas, serviços e ações. A incompletude das políticas setoriais exige articulação e complementaridade, inclusive entre as esferas de governo, o que nos leva a outro desafio que é o da intersetorialidade. A necessidade da intersetorialidade tem sido amplamente reafirmada em documentos oficiais, em discussões das mais diferentes naturezas como um imperativo! Sua operacionalização, porém, carrega enormes dificuldades. É certo que a intersetorialidade deveria permitir uma totalização da ação pública, pois o cidadão fica submetido ao que poderíamos chamar de violência da fragmentação da política pública que se materializa em serviços que, muitas vezes, ficam fechados entre os muros da política setorial. No entanto, atenção, a intersetorialidade não pode ser uma panaceia, a única resposta para a criação, organização e gestão das políticas públicas. Num instigante artigo, Sposati (2006) nos coloca a seguinte questão: Gestão pública intersetorial: sim ou não? Seu intuito é esclarecer que a intersetorialidade não pode ser considerada um remédio para todos os males, um dogma, apontando seus limites e possibilidades: A intersetorialidade na gestão púbica significa adotar uma decisão racional no processo de gestão, cuja aplicação pode ser positiva ou não. [...] Não pode ser considerada antagônica ou substitutiva da setorialidade. A sabedoria reside em combinar setorialidade com intersetorialidade e não em contrapô-las no processo de gestão (p. 6).
Há aqui um alerta contra o modismo da intersetorialidade. É certo que existe uma interdependência entre as políticas e a intersetorialidade deve ser um objetivo, uma meta a ser alcançada. É uma lógica de gestão, uma estratégia política de articulação entre setores (PEREIRA, 2014, p. 22). Portanto, depende de uma concertação política entre os responsáveis pela gestão, não pode ser apenas atribuída à boa vontade dos profissionais que estão envolvidos na ação pública. 12 Intersetorialidade, transdisciplinaridade e multidisciplinaridade são conceitos distintos que não serão trabalhados neste artigo. Ver: MONNERRAT et al., 2014 e WANDERLEY, 2013. Voltar ao sumário
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A descentralização de poder, recursos, atribuições e competências alteram o poder decisório. Reivindica do governo central o papel de assegurar a unidade e a cooperação sistêmica intergovernamental na condução da política social. A gestão intersetorial (deve ser) capaz de re-totalizar a política social pública (BRANT DE CARVALHO, 2013, p. 53).
Atuar intersetorialmente exige mudanças na cultura organizacional e nas estratégias de ação. Resistências vão surgir em função de disputas entre os diversos setores e de interesses contrariados. A ousadia de mudar vai precisar das alianças de todos os que desejam incrementar a qualidade de vida do cidadão, dentro e fora da administração pública, de seus serviços (JUNQUEIRA, 2005, p. 4). E, então, caminhando na perspectiva intersetorial poderíamos pensar em serviços mais flexíveis, abrangentes em seu território de ação, potencializadores da participação das famílias e de outros sujeitos presentes no território. Esta reflexão nos remete a um outro desafio, ou seja, da territorialização das políticas, o que exige gestão descentralizada e territorializada. Ousamos dizer que este parece ser um outro modismo. Muito se fala de território, territorialidade, territorialização, desterritorialização porém, ainda temos um longo caminho a percorrer nessa direção, em termos de gestão social. A noção de território que vimos trabalhando é aquela de Milton Santos, de território usado, congregando as dimensões de tempo e espaço onde vivem e convivem os cidadãos. O território como chão das políticas públicas, conforme nos lembra constantemente Dirce Koga (2003), é uma meta a ser alcançada. Constitui-se a partir da apropriação, domínio e uso de espaços socialmente produzidos, segundo processos políticos, econômicos e sociais e não se restringe a uma área de circunscrição espacial. Constitui-se na interação dos sujeitos com os sistemas materiais compostos por objetos e elementos naturais. Assim, o território adquire significado a partir de seu uso e nele coexistem contradições, disputa de significados (SANTOS, 1994). A política pública, e sua gestão, tem que estar referenciada ao território onde se dá a vida dos cidadãos. É o que vem se convencionando chamar de “território de gestão”. Cada política social tem seu território de abrangência, o que aliás é um dos limitadores à intersetorialidade, a uma gestão intersetorializada. Os territórios têm fragilidades, vulnerabilidades, porém tem também potencialidades, fortalezas a serem desvendadas. O conhecimento e o reconhecimento dos territórios exigem a utilização de diferentes metodologias, instrumentos e/ou ferramentas. A realidade está em constante movimento. A construção de um bom diagnóstico socioterritorial exige a participação de todos os sujeitos envolvidos. São necessários metodologias e instrumentos que permitam identificar as particularidades dos territórios, sua dinâmica própria, sem cair na excessiva fragmentação. Combinadas com indicadores sociais amplos, medidas interurbanas permitem captar as diferenças e as desigualdades intra-territoriais. Metodologias diferenciadas que capturem informações (quanti e qualitativas) permitem desvelar as diferentes dinâmicas relacionais que se estabelecem em possibilitem espaço e tempo. O uso de diferentes “lentes” de aproximação da realidade, permite que avancemos no conhecimento das várias dimensões da vida, articulando desde os dados amplos (os chamados grandes números, indicadores sintéticos, etc.) até aqueles que emanam do cotidiano. Há inúmeras situações de invisibilidade nos territórios que deVoltar ao sumário
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mandam atenção das políticas sociais. Muito se tem falado do acesso a políticas, serviços, face ao reconhecimento dos direitos. São muitas as variáveis que interferem na privação dos direitos e estas são, muitas vezes, desconhecidas pelos sujeitos implicados no ciclo das políticas, desde seu desenho até sua operacionalização. A gestão social exige o aprofundamento de conhecimentos já produzidos pelas várias áreas de conhecimento, e a serem produzidos na própria gestão das ações públicas. E, ainda, o alargamento da capacidade de articulação e diálogo entre os sujeitos implicados na ação pública e as várias políticas sociais, tendo como prioridade a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos de direito, com transparência e participação de todos os sujeitos envolvidos. É uma permanente construção coletiva e democrática.
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DESENVOLVIMENTO E DINÂMICAS REGIONAIS EM TERRITÓRIOS RURAIS* Rosana Maria Badalotti**
1 Introdução Este ensaio analisa os pressupostos que orientam as concepções de desenvolvimento e território do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT),1 vinculado a Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), seus rebatimentos e dinâmicas regionais associadas às ações planejadas para o território rural Oeste. Para tanto, esta análise está orientada inicialmente por uma revisão teórica sobre o conceito de desenvolvimento, território e desenvolvimento territorial. Na sequência, apresentam-se os pressupostos que orientam a concepção de desenvolvimento e território do PRONAT para, em seguida, explicitar os aspectos em torno das dinâmicas regionais que envolveram a implementação deste programa, seus rebatimentos e ações planejadas para o território em questão. Enquanto fundamentos metodológicos, além da pesquisa bibliográfica, tomou-se os discursos dos agentes institucionais envolvidos com o programa em suas diferentes instâncias, tendo como base a pesquisa documental. A partir desta perspectiva, compreende-se que os discursos e as representações construídas sobre determinadas realidades por tais agentes não são destituídas de interesses e objetivos. Neste sentido, é preciso ressaltar que as considerações aqui apresentadas correspondem a um determinado contexto e tempo específicos, respondendo a processos sempre em movimento. Para esta compreensão, as análises de Bourdieu (1996a; 1996b) nos permitem apreender as relações entre objetivismo e subjetivismo, pensamento e realidade, ideologia e vida material, como dualidades que têm marcado os discursos e práticas de diferentes agentes sociais. Nesta mesma direção, a perspectiva interpretativista de Geertz (1989), permitiu identificar os diferentes significados produzidos nos documentos institucionais interpretados. Ou seja, realizou-se “interpretações a partir de interpretações” já produzidas pelos atores em questão, as quais significam determinados pontos de vista e interesses que se manifestam individualmente e coletivamente, expressas discursivamente. * Este ensaio é resultado de reflexões que orientaram a palestra proferida no Seminário Políticas Sociais e Desenvolvimento, intitulada A interface com o Serviço Social, realizado na Unochapecó por ocasião dos 25 anos do Curso de Serviço Social, realizada entre os dias 13 a 15 de agosto de 2014. ** Professora da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), vinculada a Área de Ciências Humanas e Jurídicas. Docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. E-mail: <rosana@unochapeco.edu.br>. 1 O recorte territorial do programa abrange 164 territórios da Federação, correspondendo a 5564 municípios. A região sul do País (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) abrange 22 territórios rurais. Em Santa Catarina, são considerados oito (8) territórios, correspondendo a 160 municípios. A região oeste de Santa Catarina está ordenada por três (3) territórios (Alto Uruguai, Chapecozinho e Oeste), que correspondem a 70 municípios (<www. sit.mda.gov.br>).
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Mediante análise documental apreendeu-se, por um lado, a percepção sobre o desenvolvimento rural sustentável, elaborada pelo MDA/SDT enquanto principal agente formulador do programa analisado. Por outro, identificou-se discursivamente os rebatimentos destes pressupostos nas dinâmicas regionais adotadas pelos agentes locais para a implementação do programa no território Oeste, seus limites e possibilidades.
2 Pressupostos teóricos sobre desenvolvimento, território e desenvolvimento territorial Visando a análise proposta, partimos do pressuposto de que a compreensão e intervenção das e nas políticas públicas ocorre necessariamente orientada por determinadas percepções sobre desenvolvimento em um território. Nesse sentido, para além das dimensões administrativas, entram em jogo as dimensões materiais e políticas, a construção histórica, o agenciamento humano, as definições e redefinições arbitrárias/consensuadas da reconfiguração de tais agenciamentos e de seus desenhos territoriais, ou seja, do território vivido. Neste sentido, Esteva afirma que “o desenvolvimento ocupa o centro de uma constelação semântica incrivelmente poderosa. Não há nenhum outro conceito no pensamento moderno que tenha influência comparável sobre a maneira de pensar e o comportamento humano” (ESTEVA, 2000, p. 61). Considerando essa afirmação, o autor chama a atenção para os princípios ideológicos, políticos e éticos que orientam os processos de desenvolvimento. Sugere a desconstrução de tal ideia que comumente está associada à metáfora da evolução, do crescimento e da maturação. A partir desta percepção coloquial, o pensamento humano tem construído suas ideias e práticas associadas aos processos de desenvolvimento, ou seja, “[...] desenvolvimento descreve um processo pelo qual são liberadas as potencialidades de um objeto ou de um organismo, para que esse alcance sua forma natural, completa e amadurecida” (ESTEVA, 2000, p. 62). É nesta perspectiva de descontrução do desenvolvimento como um dado natural e associado apenas a lei da escassez que compartilhamos com as ideias de Esteva. Estas demonstram a importância de pensar o desenvolvimento enquanto um processo de construção social vinculado à esfera econômica, política e ética, enquanto um processo integrado de expansão de liberdades. De acordo com as reflexões de Amartya Sen (2000), o desenvolvimento não se reduz a crescimento econômico, mas se trata de um processo integrado de expansão de liberdades substantivas interligadas. Estas podem ser identificadas como disposições sociais e econômicas (serviços de educação e saúde), direitos civis, liberdade de participação política, respeito aos diferentes valores sociais e costumes, igualdade entre os sexos, entre outros. Esses elementos são fundamentais para compreender os limites e possibilidades das concepções e processos que orientam as políticas públicas e sociais na contemporaneidade. A problemática envolvendo desenvolvimento e dinâmicas regionais (territoriais), neste sentido, requer, em nossa compreensão, visão interdisciplinar e vigilância epistemológica. Devem incluir a percepção das propriedades objetivas e subjetivas implicadas na análise sociológica em torno dos princípios de visão e divisão, modos de classificação e discursos performativos que, de acordo com Bourdieu (1996a), nos permitem identificar: 1. Interesses, conflitos, relações de poder, estratégias e Voltar ao sumário
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ações políticas; 2. Modelos e projetos de desenvolvimento e lógicas econômicas; 3. Agenciamentos humanos (agentes e atores sociais envolvidos nas formas de apropriação, ocupação, exploração dos territórios e construção de alternativas.); 4. Papel do Estado-Nação, da Sociedade Civil e do Mercado nas relações que envolvem a formulação e implementação de políticas públicas e sociais. É nesta direção de uma vigilância epistemológica que a pretensa neutralidade científica se desfaz em torno de conceitos como desenvolvimento, território, região, na medida em que os mesmos estão implicados por interesses e expectativas políticas dos diferentes agentes em jogo, inclusive àqueles vinculados ao campo científico. As expectativas em torno do desenvolvimento urbano e industrial, por exemplo, geradas principalmente a partir do século XX, criaram semânticamente o subdesenvolvimento enquanto processo e categoria de análise. Em relação ao campo político e normativo, pós Segunda Guerra Mundial emergiram constatações por parte dos organismos internacionais de que o crescimento econômico vinha acompanhado de desigualdades, as quais deveriam ser sanadas pela atenção pública e planejamento para o desenvolvimento. Tais expectativas também orientaram diferentes formulações teóricas sobre a necessidade de se compreender processos de desenvolvimento e dinâmicas regionais específicas, caracterizando os pressupostos das políticas e teorias desenvolvimentistas. No Brasil, as origens do debate acerca de políticas de desenvolvimento com contornos diferenciados às políticas desenvolvimentistas iniciaram a partir dos anos 90, pós - constituição de 1988, como decorrência do processo de reforma do Estado e de reestruturação do território (RUCKERT, 2005, p. 33). Tal debate vai culminar em ações governamentais e discussões nos anos 2000, que pretendiam construir as bases para uma política nacional que possibilitasse uma ação coordenada dos diferentes níveis de governo no território nacional. Entretanto, o que se observou ao longo da década foram formulações de diferentes políticas e programas vinculados a vários ministérios, apenas para citar dois exemplos: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional executada pelo Ministério da Integração Nacional (MIN) e o PRONAT. De maneira geral, o que se observa é uma sobreposição de objetivos e concepções em tais propostas que visam estimular e apoiar alternativas de produção e inclusão social diferenciadas e menos dependentes à lógica do mercado capitalista, da globalização econômica e das consequências advindas da economia neoliberal. Neste sentido, Schneider (2010) chama a atenção para o fato de que as políticas para o desenvolvimento rural deveriam estar integradas, mas o que se observa é a dispersão nas diferentes estruturais ministeriais. Os objetivos elencados acima, por exemplo, são contemplados tanto pelo MIN quanto pelo MDA em seus discursos. Entretanto, as políticas não convergem e os recursos voltados para ações que deveriam estar integradas, permanecem fragmentados e setorializados. Voltemos a expectativas. Cabe nos perguntar: por que determinadas políticas e teorias estão orientadas por abordagens territoriais? E no caso do Brasil, quais são os pressupostos que têm orientado a elaboração e implementação de programas baseados por tais abordagens? Embora a concepção de território não seja nova nas Ciências Humanas, cabe perguntar: por que as abordagens territoriais têm despertado tanto interesse entre os planejadores e formuladores de políticas públicas, bem como entre os estudiosos? Dito de outra forma, quais concepções de território têm orientado tais abordagens? Por que o conceito clássico de região têm sido ressignificado? Voltar ao sumário
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Observa-se entre alguns estudiosos da Geografia, em especial, uma preocupação em ressignificar o conceito de região, em relação a como era tratado pela geografia clássica. Nesta direção, outros conceitos têm se associado às problemáticas que visam compreender a relação entre dinâmicas regionais e desenvolvimento, por exemplo. Ao desenvolvimento têm se acrescido várias terminologias tais como: regional, local, sustentável, endógeno, territorial, rural, entre outros. Em relação aos diferentes usos de tais terminologias e isso parece ser válido também para a ressignificação em torno do conceito de região, a justificativa é a de que tais usos e operacionalidades variam no tempo e no espaço, explicando também contextos políticos, econômicos, institucionais e culturais (GOMES, 1995). Interessante observar que a aproximação de região ao conceito de território nas abordagens recentes não desconsidera, por exemplo, elementos de diferentes paradigmas que surgiram a partir da década de 1970 (espaços vividos, região articulada pelas relações de produção, escalas regionais, redes, etc.). Estes têm caracterizado a polissemia do uso de tais conceitos, bem como o seu caráter normativo, na medida em que enquanto construção social resulta da ação dos diferentes agentes sociais. Nesta perspectiva, compreende-se o território em seu caráter multidimensional, que envolve dimensões políticas, econômicas, culturais e simbólicas marcadas pela cooperação e conflitos, expressadas pelas relações produzidas pelos atores sociais em um campo de forças e relações de poder (MARTIN, 1997). Haesbaert (2004) sinaliza a existência de duas dimensões inter-relacionadas para compreender o território: a simbólico-cultural e a político-disciplinar. A última é caracterizada pela ação do Estado, organizações sociais e políticas, e diretamente relacionada ao conceito de poder. Isso significa que o território, através de suas diferentes instâncias de poder político, organiza-se em escalas de ação, “constituindo uma complexa rede de interações cujos interesses políticos se materializam no território” (CASTRO, 2005, p. 128). Nesta direção, território deve ser compreendido como produto de movimentos sociais e políticos (HARVEY, 1992) ou, ainda, como um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder, caracterizando-se pela intenção do homem com o solo, consistindo num campo de forças, numa teia de relações sociais que, juntamente com a sua complexidade interna, define um limite e uma alteridade. Portanto, territórios são relações sociais projetadas no espaço (SOUZA, 1995). Em síntese, a categoria de território emergente é diferente na noção geopolítica de Estado-Nação. O Estado-Nação não é o território per si, mas sim o local das diversas relações sociais e também de atuação do Estado. [...] o território emerge como nova unidade de referência para a atuação do Estado e a regulação das políticas públicas. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de resposta do Estado, entendido como instituição jurídico-social, às fortes críticas a que vinha sendo submetido, sobretudo tendo em vista a ineficácia e a ineficiência de suas ações, seu alto custo para a sociedade e a permanência das mazelas sociais mais graves como a pobreza, o desemprego, a violência, etc. (SCHNEIDER, 2004, p. 102).
Em relação às tendências contemporâneas que têm orientado os estudos e políticas sobre o desenvolvimento territorial, Favareto (2010) realiza uma síntese sobre o que denomina de literatura científica e normativa. Tanto um campo quanto outro estão orientados por referências internacionais, as quais não serão retomadas neste ensaio. Voltar ao sumário
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Para esta análise buscar-se-á sintetizar, de forma breve, quais aspectos este debate imprime nas diretrizes e experiências de políticas para o desenvolvimento de regiões rurais e sua recepção na discussão sobre desenvolvimento territorial no Brasil. Do ponto de vista teórico, na Europa, mais precisamente na Itália, o autor se refere a estudo do sociólogo italiano Arnaldo Bagnasco (1977), que enfatizou o papel dos sistemas produtivos locais na geração de certo tipo de empreendedorismo, chamando a atenção para as características morfológicas de determinados territórios e sua importância no estabelecimento da dinâmica econômica local. Entretanto, chama atenção para uma questão importante relacionada aos limites em torno da aplicabilidade de tais modelos em contextos particulares, enfatizando que “o que é comum a todos esses estudos é a importância conferida ao enraizamento da atividade econômica no conjunto de relações que conforma os territórios em que elas se inserem” (FAVARETO, 2010, p. 20-21). Favareto (2010, p. 23-24) enfatiza que a experiência de indução ao desenvolvimento rural que têm influenciado significativamente estudiosos no mundo e a elaboração de políticas públicas se trata do programa Ligações Entre Ações de Desenvolvimento das Economias Rurais. Esta, mais conhecida como Leader, surgiu em 1991, como Iniciativa Comunitária da União Europeia, “nos marcos de um amplo processo de discussão sobre as formas de planejamento de políticas no continente, em crescente preocupação com as discrepâncias entre regiões”. Em relação aos avanços, afirma que este tipo de projeto “possibilita ir-se além da definição setorial”, entretanto, o sucesso nesta direção depende da “maneira como são combinadas às expectativas dos atores sociais”. Tal expectativa está assentada em uma visão interacionista que normalmente não considera as diferenças e conflitos de interesses entre os atores. Considerando a diversidade de enfoques e o caráter normativo que têm orientado as chamadas abordagens territoriais, Favareto afirma que não existe uma teoria do desenvolvimento territorial, mas experiências empíricas que precisam ser compreendidas. No caso do Brasil, tal debate passou a permear o campo acadêmico e institucional a partir dos anos 90, período em que emergem importantes mudanças no meio rural e no desenho institucional das políticas públicas, decorrência de um processo de reformulação do papel do Estado e de organização da Sociedade Civil (grifos da autora). A partir da década de 1990, iniciou-se um processo de organização e reflexão da sociedade civil, principalmente a partir dos movimentos sociais, sindicatos, ONGs, no sentido de promover novas formas de participação nos espaços de desenvolvimento rural. Esta participação se refere, também, aos processos de formulação das políticas públicas em diferentes instâncias, o que alterou significativamente as relações entre governos e sociedade e os modelos de desenvolvimento em curso. Em relação ao debate acadêmico, a década de 1990 foi marcada pela concepção de agricultura enquanto que, nos anos 2000, emerge o significado de desenvolvimento rural. Este último busca dar conta das relações entre o rural e o urbano e da introdução da abordagem das dinâmicas territoriais nos processos de desenvolvimento. Nesta direção, Schneider enfatiza que a abordagem territorial do desenvolvimento rural surge em um contexto de redefinição do papel do Estado e do realinhamento dos instrumentos tradicionais de promoção do desenvolvimento, tendo em vista o redirecionamento da intervenção estatal, pois: “[...] em lugar dos investimentos diretos e de corte setorial, caberia ao Estado criar condições e um certo ambiente a partir Voltar ao sumário
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do qual os agentes privados pudessem, eles mesmos, fazer a alocação, supostamente mais eficiente, dos recursos humanos e materiais” (2010, p. 299). Para situar o papel do programa foco dessa pesquisa, compartilhamos do pressuposto de Andion (2007, p. 97-98) que defende que o Desenvolvimento Territorial deve ser compreendido como integrador de duas dimensões analíticas interdependentes: a dimensão empírica e a dimensão normativa. A dimensão empírica pressupõe a análise do desenvolvimento territorial na condição de processo e a maneira pela qual ele é colocado em prática por meio de ações territoriais. A dimensão normativa o percebe como uma finalidade a ser alcançada. De acordo com a mesma autora (2007, p. 52), o cenário teórico e empírico tem buscado relacionar três noções chaves para compreender a concepção de Desenvolvimento Territorial Sustentável: o meio ambiente, o território e a ação coletiva. Os diversos campos de estudo têm adotado uma ou outra noção como central, porém, em alguns casos, determinadas correntes buscam relacionar as três dimensões em suas análises. Um primeiro campo “refere-se ao debate que reintegra as variáveis ambientais nos processos de desenvolvimento”; um segundo “diz respeito à inscrição espacial, social, política e cultural do desenvolvimento, em torno da noção de território”; e um terceiro, síntese dos anteriores, “busca compreender e descrever como os processos de desenvolvimento são colocados em prática na atualidade, a partir da institucionalização da ação coletiva e do ‘retorno do ator’ na gestão de estratégias de desenvolvimento” (ANDION, 2007, p. 52). Esta última perspectiva, que privilegia a institucionalização da ação coletiva e do retorno do ator na gestão de estratégias de desenvolvimento, constitui o pano de fundo da maioria das políticas de desenvolvimento a partir dos anos 2000. Neste período passaram a adotar a abordagem territorial, à medida que se pretende um novo modo de pensar o desenvolvimento relacionado a práticas mais “alternativas”, caracterizadas “pela confrontação entre poderes heterogêneos, pouco previsíveis e dificilmente hierarquizáveis” (ANDION, 2007, p. 74). Observa-se a criação de espaços de articulação institucional e de gestão social do desenvolvimento, tais como conselhos, comissões, fóruns, como uma alternativa para a administração dos conflitos e para a formulação de consensos e acordos. É a partir desse contexto de reflexões que as políticas públicas de desenvolvimento rural têm sido formuladas, principalmente a partir dos anos 2000, entre as quais se destaca o PRONAT.
3 A abordagem territorial do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais O PRONAT foi constituído como parte do Plano Plurianual (2004/2007) do governo Luiz Ignácio Lula da Silva e possui como missão “[...] apoiar a organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e promover a implementação e integração de políticas públicas” (SDT/MDA, 2005b, p. 5). Um dos principais objetivos deste programa é sugerir uma nova maneira de “conceber e de implementar políticas públicas que enfatizem o desenvolvimento rural sustentável” (SDT/MDA, 2005a, p. 6). A concepção de desenvolvimento proposta pretende construir um desenvolvimento multissetorial, na medida em Voltar ao sumário
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que se pretende priorizar questões emergenciais como “o acesso à terra, combate à fome, pobreza, indigência, doenças endêmicas, garantia à habitação, segurança e trabalho” (SDT/MDA, 2003, p. 20). O referido programa sugere um recorte territorial, onde deverão ser estabelecidas relações e processos sociais entre Estado e sociedade. É a partir dessas relações que se produzem diagnósticos para cada território rural, de acordo com suas realidades específicas. O processo de desenvolvimento territorial pressupõe uma relação contínua entre as políticas públicas (nacional, estadual etc.), planos, projetos, proposições, que deverão demandar de consultas à sociedade civil e retornar em forma de diagnóstico para cada território rural. Neste sentido, o plano a ser construído em cada território é resultado de processos desenvolvidos de forma contínua e constante a partir de um “ciclo de gestão” (SDT/ MDA, 2005c, p. 6) que pressupõe planejamento, organização e controle social por parte dos agentes sociais envolvidos. Somente após esse processo será possível implementar as ações, verificar os resultados e impactos e finalmente avaliar o alcance do programa nacional. Para isso há que se considerar, para a construção e gestão do desenvolvimento sustentável, a heterogeneidade, as potencialidades e as fragilidades de cada território, conceito compreendido como um espaço físico, geograficamente delimitado e contínuo, que envolve a cidade e o campo, [...] caracterizado por critérios multidimensionais tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (SDT/MDA, 2005a, p. 28).
A articulação de políticas públicas é a ação mais desafiadora no processo de desenvolvimento territorial, à medida que busca romper com a atuação setorial das políticas públicas e sociais. Nesse sentido, a concepção multidimensional de desenvolvimento contida na proposta de desenvolvimento territorial exige uma ação multissetorial, articulada e integrada das organizações e estruturas governamentais.
4 Território Oeste: planejamento e gestão das ações e estratégias para o desenvolvimento territorial e rural O território rural Oeste atualmente está constituído por 25 municípios, com população total de 325.476 habitantes, sendo a população urbana de 252.616 habitantes (51%) e a rural de 72.800 (49%). Destaca-se o município de Chapecó com 183.530 habitantes, sendo 15.417 habitantes (8%) na área rural e 168.113 habitantes (56%) na área urbana (IBGE, 2010). Na região oeste de Santa Catarina, parte das experiências alternativas de desenvolvimento surgiram de movimentos locais, impulsionados pelo descontentamento em relação ao modelo desenvolvimentista e às políticas governamentais centralizadas. Nesse sentido, evidencia-se uma dinâmica regional que se materializa em esferas públicas de discussão e tomadas de decisão, representadas por diferentes atores sociais, como movimentos sociais, sindicatos, ONGs, fóruns, conselhos, caracterizando Voltar ao sumário
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espaços de institucionalidade e ações coletivas voltadas para a busca de alternativas na agricultura familiar da região. Deste processo surgem ONGs como a Apaco (BADALOTTI, 2003, 2005), que atuou como mediadora das ações do PRONAT no território Oeste no período de 2004 a 2013. O período em que a associação esteve nesta mediação se justifica pelo capital social2 acumulado em torno de experiências na área da assessoria, elaboração de projetos e capacitações voltadas para a agricultura familiar. No que se refere a diagnóstico que buscou identificar as potencialidades econômicas do território, de acordo com a Apaco (2005a), na maioria dos municípios que o compõe existe organização de cooperativas de leite, formadas por agricultores familiares descapitalizados que produzem até 50 litros de leite por dia3. Diferentes estudos sobre a cadeia produtiva do leite e os processos de constituição de redes cooperativas no Oeste Catarinense têm demonstrado que tais alternativas constituem importantes estratégias de viabilização econômica e social, de inclusão social e fator de competitividade no mercado local e regional, principalmente pela via da cooperação. A atividade produtiva leiteira em todo o seu ciclo – desde a produção até a certificação – têm envolvido diferentes atores sociais vinculados a projetos de desenvolvimento da agricultura familiar e do desenvolvimento rural da região (TESTA et al., 2003; SCHUBERT; NIEDERLE, 2009; ANSCHAU; ROVER, 2010; WINCKLER, 2010; ANSCHAU, 2011). Como veremos adiante, a atividade produtiva de leite, por se constituir em importante estratégia de dinamização econômica e social para a agricultura familiar na região, se configura entre as ações prioritárias definidas pelo território Oeste. No que se refere à gestão social do território, as ações e estratégias são planejadas a partir de espaços denominados de oficinas, dos quais participam representantes do Núcleo Dirigente e Técnico constituídos por representantes de entidades governamentais e não governamentais da região. A composição dos núcleos constitui uma espécie de colegiado comum a todos os territórios chamados de Colegiados de Desenvolvimento Territorial. São espaços de participação, decisões e deliberações das ações dos territórios, tendo em vista o planejamento de ações, avaliação de propostas de projetos e acompanhamento do processo de implementação e execução dos projetos já aprovados. Essas oficinas constituem também espaços de discussões temáticas e conceituais relacionadas aos eixos estratégicos de desenvolvimento, orientadores das ações, projetos e programas territoriais. Os eixos estratégicos para as ações a serem realizadas no território entre 2004 e 2011 foram assim definidos: eixo 1: cadeias produtivas, com ênfase na cadeia do leite (cadeias do mel, artesanato regional, agroflorestal, piscicultura, frango caipira, plantas medicinais, fruticultura e horticultura, agroindústrias familiares e suinocultura alternativa); eixo 2: comercialização; eixo 3: educação no campo (inclusão social, formação e capacitação para os agricultores familiares); eixo 4: meio 2 Bourdieu, em Le capital social: notes provisories (1980 apud HIGGINS, 2005, p. 30), entende por capital social o “agregado dos recursos atuais ou potenciais, vinculados à posse de uma rede duradoura de relações de familiaridade ou reconhecimento mais ou menos institucionalizadas”. Nesta definição cabe destacar, segundo a visão de Bourdieu que tais recursos não são homogêneos, na medida em que correspondem aos “proveitos” que determinados indivíduos ou instituições obtêm ao participarem de determinadas estruturas sociais. 3 Essas cooperativas estão organizadas por uma Rede de Cooperativas de Leite – a Ascooper –, que surgiu em 2002 objetivando agregar os pequenos produtores de leite dos municípios da região. Voltar ao sumário
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ambiente (produção agroecológica, plantas medicinais, saneamento ambiental, alimentação de subsistência, proteção e preservação de nascentes). Para a definição das prioridades, elaboração, escolha e trâmite legal dos projetos, os territórios se guiam pelas orientações institucionais do MDA. Como critérios obrigatórios devem ser observados os seguintes pontos: vinculação aos eixos temáticos ou aglutinadores dos Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável – PTDRS; possuirem caráter de integração territorial ou intermunicipal; atenderem o público beneficiário das ações do MDA (agricultores (as) familiares, assentados(as) da Reforma Agrária, quilombolas, indígenas, pescadores(as) artesanais e extrativistas); para os projetos de empreendimentos econômicos e/ou sociais, deve-se indicar a forma de gestão que inclua a participação do colegiado territorial e público beneficiário; os projetos de agroindústrias têm de ser destinados a grupos com maior dificuldade de acesso ao crédito, como jovens, mulheres, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, indígenas e a agricultores(as) familiares que se enquadrem no Grupo B do PRONAF; no caso de municípios/territórios que apresentam baixo dinamismo econômico, os projetos agroindustriais podem também contemplar agricultores(as) familiares que se enquadrem no Grupo C do PRONAF (MDA/SDT, 2007, p. 1-2). Para o território Oeste, no período entre 2004 e 2011, foram aprovados e executados 45 projetos objetivando diferentes ações. O número de projetos de acordo com cada eixo ficou assim caracterizado: eixo 1 (24); eixo 2 (08), eixo 3 (09); eixo 4 (04). Na execução destes projetos estiveram envolvidos 16 municípios do total de 25. Observa-se, porém, uma concentração de projetos em poucos municípios. Em relação às propostas aprovadas se destacam os municípios de Chapecó (06), Formosa do Sul (05), Quilombo (04), Campo Erê e Saudades (03). De acordo com a figura a seguir, dentro do segmento das cadeias produtivas, no período de 2004 a 2011, observa-se uma grande mobilização de recursos para as agroindústrias familiares, com R$ 825.820,00, seguido da cadeia produtiva do leite, com a quantia de R$ 792.650,00. Caracterizam investimentos principalmente relacionados à infraestrutura da cadeia produtiva do leite, especialmente no que se refere ao processo de agroindustrialização desta atividade. Figura 01. Investimentos no segmento das cadeias produtivas (2004 a 2011).
Fonte: Elaboração própria (2011). A definição de projetos segundo os eixos e linhas de ação representa uma estratégia técnica e política para a possibilidade de alcance do desenvolvimento sustentável. O Voltar ao sumário
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diagnóstico das necessidades de cada território constitui o ponto de partida dos agentes sociais para a definição dos projetos de acordo com os critérios já elencados. A forma como os recursos serão aplicados também constitui um critério importante para a aprovação ou não dos projetos, à medida que existem condições pré-determinadas pelas fontes de financiamento. As oficinas são, portanto, espaços de negociação política e de definições técnicas a respeito das prioridades relativas a um determinado território. A sustentabilidade do desenvolvimento deve estar pautada sobre ações estratégicas ou de longo prazo, o que não significa desconsiderar a formulação de ações de médio e de curto prazo. A partir da ideia de construção de “futuro desejado”, os formuladores devem programar o desenvolvimento através do estabelecimento de eixos estratégicos e/ou aglutinadores e “as diretrizes que irão nortear o processo de desenvolvimento sustentável do território, definindo o objetivo geral que se quer atingir e, se possível, montar cenários e os principais resultados esperados com a execução do plano [...]” (APACO, 2006c). Outra etapa do processo de desenvolvimento territorial rural é o monitoramento e avaliação dos projetos territoriais. De acordo com documento da Apaco (2006d), o monitoramento é um procedimento sistemático empregado para comprovar o processo de execução de um programa ou projeto, identificar debilidades e avanços e recomendar medidas corretivas. Em documento sobre o monitoramento dos projetos aprovados e executados no território Oeste, identificamos pontos de avanços e estrangulamento na implementação do programa de desenvolvimento territorial rural sustentável no referido território. Em relação aos avanços, podemos destacar: democratização na aplicação dos recursos; agilidade na execução dos empreendimentos; diminuição na pressão e no controle exercido pelas administrações municipais sobre os recursos; incorporação da política de DST pelos diferentes atores sociais; criação de leis municipais que normatizam o uso dos equipamentos coletivos entre os empreendimentos. Em relação aos estrangulamentos, destacamos: falta de vontade política de alguns municípios para dar encaminhamentos aos projetos, criando burocracia e empecilhos; pressão política no sentido de beneficiar determinados grupos em detrimento de outros; proposta que busca beneficiar grupos de famílias de forma isolada, sem articulação territorial; prefeituras e o poder público distanciados da discussão territorial; desvio de finalidades em alguns municípios que não seguem as determinações do MDA/SDT e as deliberações do território Oeste (APACO, 2006d).
5 Considerações finais Este estudo ao analisar os pressupostos que orientam as concepções de desenvolvimento e território do PRONAT, seus rebatimentos e dinâmicas regionais associadas às ações planejadas para o território rural Oeste, constatou que, em parte, tais pressupostos se efetivaram no processo de gestão, bem como nas ações e projetos priorizados para o território. Observamos que a implementação do programa no território Oeste agrega articulações políticas e ideológicas que se evidenciam na representação dos núcleos dirigentes e técnicos, e que são justificadas discursivamente como fundamentais nos processos participativos e democráticos que envolvem diferentes agentes soVoltar ao sumário
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ciais para a implementação de programas alternativos de desenvolvimento. No entanto, no que se refere à equidade “na organização e fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa do desenvolvimento sustentável dos territórios rurais”, conforme prevê a missão do PRONAT, constatou-se que, apesar do Colegiado Territorial estar representado por uma diversidade de atores, ainda predomina a organização política de determinados atores sociais e segmentos da agricultura familiar. Isso caracteriza um limitador em relação à concepção de gestão participativa bem como para o desenvolvimento sustentável.Identificou-se a priorização de ações e projetos vinculados a alguns segmentos e atividades produtivas da agricultura familiar, em detrimento de outras propostas relacionadas as necessidades de grupos sociais e culturais como ribeirinhos, indígenas, mulheres camponesas, jovens rurais, que constituem prioritariamente o público beneficiário do programa. Estas limitações não estão totalmente em consonância, com o pressuposto de que o programa busca o reconhecimento do território como expressão da identidade de uma população, valorizando suas características socioculturais, ambientais, político-institucionais e econômicas de tal forma que o processo de desenvolvimento sustentável do território permita a interação desses elementos visando às possibilidades de implementação de políticas públicas. Embora os eixos tenham elencado a educação no campo (inclusão social, formação e capacitação para os agricultores familiares) e meio ambiente (produção agroecológica, plantas medicinais, saneamento ambiental, alimentação de subsistência, proteção e preservação de nascentes), as ações e projetos priorizam as cadeias produtivas, em especial a cadeia produtiva do leite. Em nossa avaliação isso se constitui como uma limitação para o desenvolvimento sustentável do território, sem deixar de reconhecer a importância da cadeia produtiva do leite como uma estratégia organizacional e produtiva fundamental para a viabilização da agricultura familiar na região. Cabe destacar que outras ações e atividades produtivas, tais como as elencadas nos eixos da educação no campo e meio ambiente, deverão ser estimuladas e fortalecidas visando a reprodução social das futuras gerações no meio rural e a inclusão e empoderamento de grupos mais vulnerabilizados, como o caso dos ribeirinhos, indígenas, mulheres camponesas, jovens rurais. Um estímulo maior a outras cadeias produtivas (mel, artesanato regional, agroflorestal, piscicultura, frango caipira, plantas medicinais, fruticultura e horticultura), além de se constituir em alternativas de viabilização econômica para as famílias de agricultores familiares, podem estimular o fortalecimento econômico e social de outros grupos camponeses que não estejam vinculados à atividade produtiva do leite, a qual exige aplicação de muitos recursos. Dentre eles, possibilitar as mulheres camponesas e os jovens rurais desenvolverem atividades que não estejam tão centralizadas na figura masculina - em especial o chefe de família (a produção de leite já foi atividade feminina) - e nas demandas de mercado, alternativas estas que seriam um estímulo para a permanência dos jovens rurais. A partir de verificações realizadas em pesquisas anteriores, foi possível constatar que esses agentes, em algumas situações, formam uma rede social, denominada Rede de Viabilização da Agricultura Familiar,4 aspecto que vêm caracterizando novas 4 Termo utilizado por Badalotti (2003, 2005) a partir de estudo desenvolvido por Scherer-Warren (1999). Voltar ao sumário
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institucionalidades na região, mas que não significam a representatividade total de interesses e atores do território, na medida em que se trata de um território construído historicamente e politicamente por diferentes relações de poder, como nos lembra Haesbaert (2004). Aspectos identificados em nossa análise remetem também aos limites para a gestão do Plano do território no que diz respeito à articulação entre os municípios e diferentes atores da sociedade na definição e execução dos projetos, Na medida em que há uma alta concentração de investimentos em poucos municípios e em equipamentos e infraestrutura voltados para a cadeia produtiva do leite, em detrimento dos demais eixos, evidencia-se a dificuldade de articulação e consensos para projetos e políticas integradas. Estas limitações não respondem ao pressuposto do PRONAT, que coloca a articulação de políticas públicas como a ação mais desafiadora no processo de desenvolvimento territorial, à medida que busca romper com a atuação setorial das políticas públicas e sociais. Neste sentido, cabe destacar que o próprio MDA ao limitar as possibilidades de investimentos e direcioná-los exclusivamente para equipamentos e infraestrutura revela, não somente uma lógica “tecnocrática e profissional” por parte dos proponentes, mas também um problema de operacionalização do “financiamento dos projetos, os mesmos dependem de verbas anuais, o que leva a fragmentação dos projetos que passam por diferentes estágios (elaboração, aprovação e execução), dificultando a implementação de projetos mais amplos e intersetoriais” (SABOURIN, 2007, p. 731). Estas e outras limitações estão relacionadas à complexidade que envolve a construção de um plano de desenvolvimento que requer planejamento a médio e longo prazo e a construção de uma cultura e capital social voltado para a lógica da proposta do MDA. Segundo os mediadores do programa, na maioria das vezes, isto escapa ao “real”, visto que as prioridades são definidas levando-se em consideração “as possibilidades e limitações das ações”, medidas através de uma reflexão que busca confrontar o “ideal” e o “real”, ou, como afirmam os planejadores, através do “confronto do futuro desejado versus futuro possível” (APACO, 2006c).
Referências ANSCHAU, Cleusa T. Redes Cooperativas da Bovinocultura de leite e o desenvolvimento do Oeste Catarinense. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais). Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais. Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Chapecó, 2011. _____; ROVER, Oscar J. Impactos das Redes Cooperativas de produção de leite na reconfiguração de um território predominantemente rural. In: Congresso LatinoAmericano de Sociologia Rural. Porto de Galinhas: 2010. Disponível em: <http://www.alasru.org/wp-content/uploads/2011/09/ GT17-Cleusa-Teresinha-Anschau.pdf> Acesso em: 21 jul. 2012. ANDION, Carolina. Atuação das ONGs nas dinâmicas de desenvolvimento territorial sustentável no meio rural de Santa Catarina: Os casos da APACO, do Centro Vianei de Educação Popular e da AGRECO. Tese. (Doutorado em Ciências Humanas) - Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas), UFSC, Florianópolis, 2007. APACO. Diagnóstico do Território Oeste de Santa Catarina. Chapecó, jun. 2005a. _____. Gestão e Elaboração do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) do Território Oeste. Chapecó, maio 2006c. APACO. Gestão Social dos Territórios Rurais – Análise e Definição dos Instrumentos de Gestão Social. Chapecó, nov. 2006d. Voltar ao sumário
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Desenvolvimento e dinâmicas regionais...
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O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA EM UM LOTEAMENTO NA CIDADE DE CHAPECÓ: ALGUNS ASPECTOS DA REALIDADE Maria Luiza de Souza Lajús
1 Introdução O Programa Minha Casa Minha Vida é dirigido às famílias com faixa de renda de até três salários mínimos e, acima de três, até dez salários mínimos. Esse Programa pretende, por um lado, “amenizar” o déficit habitacional e, de outro, aumentar empregos no setor da construção civil. Essa “solução”, já experimentada em governos brasileiros, necessita ser redimensionada no sentido do planejamento e gestão territorial das cidades para que os programas de habitação social se constituam efetivamente em espaços e em condições que impactem na qualidade de vida dos habitantes e no desenvolvimento sustentável das cidades e regiões. A necessidade de melhoria das condições habitacionais com vistas a uma maior sustentabilidade em âmbito nacional, relaciona-se ao fato de que as necessidades humanas no tocante à habitação estão longe de se limitar à conquista da casa própria. Considera-se que o projeto de habitação coletiva deve se posicionar com maior vigor frente aos desafios e oportunidades para incentivar a apropriação espacial positiva por uma diversidade de moradores em sintonia à natureza do lugar em suas diferentes dimensões. Nesse sentido, visando uma habitação coletiva mais humana e sustentável, devem ser levados em consideração condicionantes locais que norteiem princípios de sustentabilidade social e ambiental, devendo permear o projeto urbano-arquitetônico, a partir do entendimento das pessoas e do próprio lugar. Segundo Barros (2011), pode-se constatar que os conjuntos de habitação de interesse social (HIS) possuem características em que há falta de harmonização entre a edificação e o local de implantação, inadequação das atividades relativas ao habitar e à rotina de vida diária. Isso sem refletir nem abrigar a diversidade de moradores ao criar espaços externos residuais e desconectados. São raros os projetos que efetivamente se empenham pela saudabilidade das pessoas e do planeta e pela vida urbana, uma vez que os processos inerentes aos projetos precisam ser considerados ferramentas fundamentais para o reestabelecimento da conexão entre as pessoas e a natureza do ambiente construído (LYLE, 1994). Levando-se em conta as peculiaridades arquitetônicas, econômicas e socioculturais na implantação de conjuntos habitacionais, um grande número de fatores precisa ser respeitado e envolvido de tal forma que possam interferir na qualidade de vida dos futuros usuários, bem como ter impactos nos aspectos de sustentabilidade (KOWALTOWSKI et al., 2006). Barros (2011) ressalta que o universo projetual da habitação coletiva requer atenção redobrada aos aspectos não mensuráveis do conforto humano para qualquer nível de 48
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renda familiar. Ressalta também que o habitar mais humano pressupõe a satisfação de necessidades psicossociais e ambientais, desde a implantação do conjunto em seu contexto de inserção, incluindo uma melhor relação com o lugar e elementos da natureza, a vivacidade urbana, diferentes graus de envolvimento comunitário e privacidade, senso de proteção, identidade, legibilidade e constância, variedade e estímulos sensoriais. Entretanto, a construção de empreendimentos habitacionais, na regra, ocupa-se de áreas distantes e muitas vezes isoladas em relação à área mais central das cidades. Isso, em princípio, reproduz as antigas formas de habitação social em conjuntos com um número muito grande de famílias, procedentes dos mais diferentes espaços urbanos e sem o mínimo de identidade ou experiência de vivência comunitária. Por essas e outras razões que dizem respeito à questão habitacional de interesse social, firmou-se o interesse de conhecer como se deu o processo de pós-ocupação do Loteamento Expoente na cidade de Chapecó. Mais especificamente, as condições de vida e trabalho dos moradores com a finalidade de obter elementos que apoiem estratégias em defesa da elevação de padrões para atingir a qualidade de vida familiar e comunitária. Nesse sentido, este artigo traz aspectos relacionados à trajetória e aos efeitos do Programa Minha Casa Minha Vida no acesso á moradia, a partir de um estudo de caso junto ao referido Loteamento. Entende-se que ao analisar os efeitos do acesso à moradia é possível refletir sobre o espaço urbano e localização das famílias e pessoas nele situadas. Com isso podem ser ereconhecidos elementos voltados à política municipal de habitação, especialmente no que se refere aos empreendimentos de habitação de interesse social voltados às famílias de baixa renda. A construção deste artigo é resultante de uma pesquisa de iniciação científica que articulou, complementarmente, métodos qualitativos e quantitativos. Os sujeitos dessa pesquisa foram moradores do Loteamento Expoente selecionados por meio de amostra estatística: os síndicos eleitos para coordenar os condomínios formados, cada um, por 64 apartamentos, o Superintendente Regional da Superintendência Oeste de Santa Catarina da Caixa Econômica Federal e a Secretária Municipal de Habitação de Chapecó. Os instrumentos de pesquisa utilizados foram o questionário, com perguntas fechadas e abertas, direcionado aos moradores e síndicos, assim como a entrevista semiestruturada direcionada ao representante da secretaria municipal de habitação e ao superintendente da Caixa. Além da aplicação do questionário e da realização das entrevistas, optou-se pela observação no espaço do Loteamento, apoiada por roteiro pré-estabelecido. Neste artigo, apresenta-se uma breve descrição que contextualiza historicamente a habitação de interesse social no Brasil, bem como a descrição sobre o Programa Minha Casa Minha Vida. E, mais, aborda-se os resultados parciais obtidos no trabalho de campo junto ao Loteamento Expoente.
2 Habitação de interesse social: breve contextualização no âmbito brasileiro É possível observar que a industrialização brasileira foi acompanhada de um intenso crescimento urbano a partir dos anos 1930. A lógica capitalista que permeou a configuração das cidades e os modos de viver nela aponta para alguns aspectos essenciais: a Voltar ao sumário
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privatização da terra e da moradia, a segregação espacial, a intervenção reguladora do Estado e a produção industrial (ROLNIK, 2012). A combinação desses processos ocasionou a alteração do modo de produção e, por consequência, uma enorme concentração econômica, determinando um processo de exclusão socioespacial que atingiu parcela significativa da população brasileira (JULKOVSKI, 2010). Até a década de 1930, existiam moradias de aluguel construídas pela iniciativa privada, com ausência de qualquer sistema que financiasse a casa própria para as famílias brasileiras. Sem condições de pagar aluguel de uma casa unifamiliar, os operários com menor renda, os trabalhadores informais e os desempregados encontravam no cortiço ou na casa de cômodos, alojamentos compatíveis com seus salários (BONDUKI, 2011, p. 53). Com o governo Vargas, iniciam-se mudanças para reorganizar o setor previdenciário, por meio de um processo de mobilização estatal de recursos para a produção de moradias. Nos anos 1930, criam-se os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), os quais sempre deixaram para segundo plano suas finalidades principais: proporcionar benefícios aos previdenciários (aposentadorias e pensões) e assistência médica (COHN, 1981). Juntamente com a Fundação da Casa Popular, os IAPs foram os primeiros órgãos federais a atuar na questão da habitação social no Brasil, muito embora priorizando empréstimos habitacionais para o mercado médio, ocasionando uma redistribuição às avessas em que os recursos dos trabalhadores financiavam habitação para as camadas de melhor renda (BONDUKI, 2011). No final do Estado Novo, o Brasil esteve prestes a formular uma política habitacional consistente que não foi concretizada devido a interesses econômicos e corporativos (MELO, 1991 apud BONDUKI, 2011, p. 99). Desse modo, o fim do governo Vargas, em 1945, interrompeu um processo institucional que se encaminhava para a criação dessa política habitacional, sendo que já estavam presentes os principais aspectos: recursos vultuosos acumulados nos fundos dos IAPs; reestruturação dos IAPs; criação da Fundação da Casa Popular; capacitação técnica; reconhecimento pela sociedade da importância da questão; e vontade política do governo (BONDUKI, 2011). Outras tentativas posteriores de consolidação de uma política habitacional também não se concretizaram, como a criação do Banco Hipotecário de Habitação, no âmbito da Fundação da Casa Popular. Tratava-se de um estabelecimento do Ministério do Bem-Estar Social, uma estrutura institucional voltada para a questão social, incluindo uma subsecretaria para habitação e favelas, além de muitas outras iniciativas surgidas no período de 1961 a 1964 (SORBELMAN, 1978; AZEVEDO, ANDRADE, 1982; MELO, 1987 apud BONDUKI, 2011). Após 1964, fase inicial dos governos militares, passa-se a adotar (no que se refere à questão habitacional) a política de remoção das famílias pobres que residiam em favelas, realizada de forma autoritária e com finalidades de preservar a estética e a liberação de áreas de construção para o setor privado. Essa política acabou fracassando. Em resposta à grave situação relacionada à habitação, foi criado o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) com o objetivo de captar recursos, por meio do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1967. Foi criado, também, o Banco Nacional de Habitação (BNH) com o intuito de financiar moradias de natureza social. Ao lado desses objetivos, pretendeu-se também promover a indústria da construção civil e aumentar o nível de empregos no país. Voltar ao sumário
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O SFH teve desempenho importante durante o regime de governo militar. No entanto, não foi capaz de atender a população com baixa renda. A esse respeito, Santos expõe que [...] somente 33,5% das unidades financiadas pelo SFH ao longo da existência do BNH foram destinadas à habitação de interesse social e, dado que o valor médio dos financiamentos de interesse social é inferior ao valor médio dos financiamentos para as classes de renda mais elevada, é lícito supor que uma parcela ainda menor do valor total dos financiamentos foi direcionada para os primeiros. Além disso, muitos dos problemas que anos depois vieram a inviabilizar o sistema, como o rombo do FCVS e a baixa taxa de retorno dos investimentos habitacionais (provocados em parte, pela política de aumentos de prestações inferiores à correção monetária no período 1973 a 1983), foram de fato, gerados na gestão dos governos militares (1999, p. 17).
Com o fim do governo militar e início do governo civil o que se observa em relação a política habitacional foi a crise final do modelo baseado no SFH. Os problemas do sistema advindos do período militar, nos governos Sarney (1985-1990) e Collor (19901992), agravaram-se chegando ao ponto de praticamente tornar inviável qualquer possibilidade de retomada de uma política habitacional baseada nos moldes que até então vigia (SANTOS, 1999). Apesar dos grandes investimentos em programas alternativos focalizados em famílias de baixa renda (Programa Nacional de Mutirões Comunitários, Profil URB e João de Barro), esses foram vítimas de negligência e objetos de todo tipo da má utilização de recursos, o que contribuiu para enfraquecer as Companhia de Habitação (Cohab) e, em decorrência, aumentar a centralização da política habitacional. Não é surpreendente, pois, que a atuação do governo da época tenha sido classificada pelo IPEA (1989, p. 34) como “um conjunto de ações segmentadas, sem articulação adequada a uma política consistente e coerente com os objetivos expressos nos planos de governo”, que determinam tratamento prioritário à população de baixa renda (SANTOS, 1999, p. 20).
No governo Collor (1990-1992), não ocorreu mudanças no SFH considerando o agravamento da crise na área da habitação. Os programas de habitação popular eram marcados pela má utilização dos recursos públicos, pela não vinculação aos programas do saneamento e desenvolvimento urbano e pela inexistência de controle em relação à qualidade das unidades habitacionais construídas, não observando os critérios técnicos exigidos. O governo Itamar Franco foi responsável por alterações significativas na política habitacional brasileira. Os programas, principalmente na área de habitação popular, foram modificados passando, segundo Santos (1999), a exigir a participação comunitária dos governos locais e a contrapartida financeira dos municípios. Essas alterações, além de aumentarem o controle social e a transparência na gestão dos programas referenciados, passaram a se constituir em ponto de inflexão na condução da política na área da habitação popular. [...] notadamente o Habitar-Brasil e o Morar-Município, ou foram mantidos na gestão posterior (como no caso do Habitar-Brasil, ainda que com modificações e aperfeiçoamentos), ou serviram de base para a formulação de programas semelhantes (SANTOS, 1999, p. 21). Voltar ao sumário
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Em governos posteriores, as ações e os programas da Política Nacional de Habitação, para Santos, avançou, podendo ser dividida em três grandes grupos: (i) atuação no financiamento (a fundo perdido ou subsidiado) a estados e municípios para a reurbanização de áreas habitacionais muito degradadas com melhorias das habitações existentes/construção de novas habitações e instalação/ampliação da infraestrutura dessas áreas, ocupadas principalmente pelas camadas populacionais de renda inferior a três salários-mínimos mensais; (ii) atuação na provisão de financiamentos de longo prazo para a construção/melhoria de habitações destinadas principalmente à população de renda mensal até doze salários-mínimos mensais; e (iii) políticas voltadas para a melhoria da performance do mercado habitacional (ou enabling market policies), tanto na reformulação da legislação quanto no desenvolvimento institucional e tecnológico do setor (1999, p. 22).
Dois programas de destaque foram o Pró-Moradia, financiado por um fundo gerado a partir de contribuições mensais compulsórias dos trabalhadores empregados (o FGTS) e o Habitar-Brasil, financiado com recursos do Orçamento Geral da União. De acordo com Santos (1999, p. 24), enquanto, no caso do Pró-Moradia, a disponibilidade de recursos era definida a partir das normas técnicas de utilização do FGTS, no caso do Habitar-Brasil era definida pelo Congresso Nacional, como responsável pela aprovação final do Orçamento Geral da União. Assim, a ingerência de fatores políticos no segundo caso é claramente maior do que no primeiro. Portanto, esses programas tiveram um alcance limitado e contribuíram muito pouco com a diminuição do déficit habitacional brasileiro. Já no governo Lula, verifica-se uma decisiva retomada pública da questão habitacional. Cria-se o Ministério das Cidades, altera-se a regulamentação do setor habitacional e ocorre a criação de programas com metas significativas em relação às definidas nos governos anteriores. Implanta-se o Programa Minha Casa Minha Vida, que surge inicialmente como forma de enfrentar a crise econômica internacional, mas com uma proposta social de construir, inicialmente, um milhão de unidades habitacionais destinadas às populações de baixa renda e com considerável quantia de recursos do Orçamento Geral da União. Essas iniciativas governamentais relevam e dão representatividade à política habitacional para o contexto brasileiro. Dando sequência a essa iniciativa, o governo Dilma define nova meta para alcançar a construção de mais dois milhões de unidades habitacionais.
2.1 O programa Minha Casa Minha Vida O programa Minha Casa, Minha Vida, ao priorizar famílias com baixa renda, abrange as capitais, regiões metropolitanas e municípios com mais de 100 mil habitantes, podendo incluir municípios entre 50 a 100 mil habitantes, em casos especiais. Os municípios e estados, ao oferecerem contrapartida financeira, infraestrutura ao empreendimento, terreno e desoneração fiscal de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), serão priorizados pela Caixa Econômica Federal (CAIXA). Ainda, terão preferência os projetos com menor valor de aquisição das unidades habitacionais, existência prévia de infraestrutura, sejam em regiões atingidas por catástrofes ou que recebam um grande impacto de empreendimentos, como usinas, portos, hidrelétricas, entre outros. Voltar ao sumário
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Os empreendimentos habitacionais são executados de acordo com padrões pré-definidos pela CAIXA. Podem ser feitas casas térreas ou prédios de acordo com especificações e custos já determinados. Há um limite de até 500 unidades por módulo ou condomínios segmentados em 250 unidades, nos quais não incidem custos de comercialização e incorporação. Com relação à metragem dos imóveis, existem dois tipos: tipologia 1 (casa térrea com 35 m2, contendo sala, cozinha, banheiro, 2 dormitórios e área externa com tanque); tipologia 2 (apartamento com 42 m2, contendo sala, cozinha, banheiro, 2 dormitórios e área de serviço). Em ambas as tipologias as dimensões dos compartimentos são compatíveis com mobiliário mínimo, há instalação elétrica e hidráulica com número de pontos definidos e é feita instalação de aquecimento solar/térmico. Para adquirir o imóvel via MCMV, dever-se-á possuir renda de até três salários mínimos, não ter sido beneficiado anteriormente em programas de habitação social do governo, não possuir casa própria ou financiamento em qualquer Unidade Federativa (UF), efetivar o pagamento de 10% da renda durante 10 anos, com prestação mínima de R$ 50,00, corrigida pela TR e registrar o imóvel em nome da mulher. O pagamento, entrada e assinatura do contrato são efetuados somente após o término da obra e não há cobrança de seguro por Morte e Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos do Imóvel (DFI). Os projetos devem ser apresentados pelas empresas do setor da construção civil, preferencialmente em parceria com o poder público municipal aos agentes financeiros, Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. São esses agentes que aprovam os projetos e as obras, observando as diretrizes estabelecidas pelo Ministério das Cidades. De acordo com dados da assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal, já são mais de 3,7 milhões de contratos assinados, com mais de 1,7 milhões de casas já prontas e entregues. No oeste catarinense o Programa já beneficiou 25.409 famílias com aplicação de R$1,74 bilhões. Para Romagnoli (2012), ao mesmo tempo em que o Programa mantém a forma normalmente encontrada de intervenção, baseada na iniciativa privada, rompe com “maus costumes” e mostra ênfase e atenção à camada de baixa renda do país. No entanto, apresenta rupturas por operar com um significativo aporte de recursos do Orçamento Geral da União (OGU). Argumenta que o sucesso do Programa, portanto, implicará fortemente na nova trajetória que começa a ser traçada a partir da utilização de recursos não retornáveis. Significa dizer que se o modelo implementado pelo Programa for exitoso, o mesmo deixará de ser conjuntural para se tornar estrutural e de longa duração.
3 O Loteamento Expoente e o programa Minha Casa Minha Vida: aspectos de uma realidade O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou, por meio do censo realizado no ano de 2010 que Chapecó conta com uma população de 183.530 habitantes, estando emoldurada com “mais de 100 mil habitantes”. Conforme dados fornecidos pela assessoria de imprensa da Caixa Econômica Federal, em 02/07/2014 o Programa Minha Casa Minha Vida já havia beneficiado 5.143 famílias chapecoenses, sendo: 942 com renda até três salários mínimos mensais, num total de recursos de R$ 43,04 milhões; 4201 destinados a quem tem renda Voltar ao sumário
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mensal de até R$ 5000,00, empreendimentos construídos pela iniciativa privada. O investimento alcançou até aqui o valor R$ 440 milhões, dos quais R$ 96 milhões representam valores de subsídios. O primeiro Loteamento construído em Chapecó, com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida, foi o Loteamento Expoente, em 08/07/2011, com 470 unidades habitacionais. É constituído por quatro conjuntos de apartamentos com 64 unidades cada um, perfazendo um total de 256 apartamentos e 214 casas. Pouco tempo depois da sua inauguração esse Loteamento passava uma imagem de um “lugar violento”. Em função disso recebeu o apelido de “Cidade de Deus” em referência ao filme do mesmo nome, que tinha como cenário os conjuntos habitacionais dos anos 1970, construídos em territórios distantes do centro da cidade, dos locais de trabalho, do comércio, dos serviços, sofrendo um processo de favelização. O terreno ocupado pelo Loteamento localiza-se no Bairro Seminário, distante a 4 km da área central da cidade e, em decorrência, dos estabelecimentos e órgãos públicos, tais como: creche, escolas, Unidades de Saúde e Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Relacionado à creche, essa foi construída, mas não está concluída. Com relação às escolas, os alunos são levados de ônibus para as que estão matriculados. A Unidade de Saúde do território nucleado, além de não estar próxima, não aumentou o número de profissionais no seu quadro funcional. Se não bastasse, o Centro de Referência de Assistência Social se encontra também distante das famílias beneficiárias desse Loteamento. A respeito disso, segundo informações da secretária municipal de habitação, estão destinados recursos para conclusão da creche, ampliação funcional da Unidade de Saúde e construção de um CRAS próximo ao Loteamento. E, conforme informações obtidas junto à ao representante da Caixa Econômica Federal, a Prefeitura Municipal de Chapecó comprometeu-se, no momento do contrato, com a realização de obras e contratações necessárias para bom atendimento das famílias beneficiadas, o que na regra está por acontecer. Quanto ao transporte coletivo existem pontos de ônibus e pavimentação nas ruas de acesso e no interior do referido Loteamento. Os moradores, em sua maioria, avaliam como razoável tal transporte. Consideram mínimos os horários de chegada e saída do Loteamento para a cidade e vice-versa. A condição precária dos ônibus também foi mencionada (chove em seu interior) e o tratamento dos condutores (cobradores e motoristas) para com os passageiros se caracteriza com impaciência e má educação. Ainda, em fins de semana, consideram esse transporte coletivo péssimo tendo em vista uma redução dos horários de ônibus disponíveis nos dias úteis. Para compor o Loteamento as famílias/moradores foram definidas de acordo com as regras do Programa Minha Casa Minha Vida. Famílias com renda de até três salários mínimos e que atendem às prioridades do Programa, ou seja, procedentes de assentamentos precários e que têm mulheres como chefes de família. Também precisaram atender às prioridades definidas pelo Conselho Gestor do Fundo Municipal de habitação de Interesse Social, ou seja, famílias com menor renda per capta, o elemento da territorialidade (famílias que residem na região do empreendimento), famílias que pagam aluguel, 3% das unidades habitacionais reservadas para portadores de necessidades especiais e 3% para idosos. Selecionadas as famílias que enquadravam-se nestes critérios houve o sorteio destas. Anterior a essa composição, a equipe técnica da Secretaria Municipal de Habitação de Chapecó, executou trabalho social durante três meses: trabalho de mobilização com visitas domiciliares a Voltar ao sumário
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cada uma das famílias sorteadas; transferência com visitas ao Loteamento e de destinação das casas para famílias numerosas, pessoas com deficiência e idosas. Ainda, executou o trabalho social pós-ocupação, com duração de aproximadamente três anos, sendo três meses com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida, considerando as necessidades, em especial, relacionadas à organização da população do Loteamento Expoente. Os sujeitos pesquisados constatam que um problema expressivo se relaciona à situação de violência que tem afetado o Loteamento desde sua ocupação. Atribuem aos adolescentes e a alguns adultos a realização de atos de intimidação aos moradores causados pelo uso e tráfico de drogas, originando a desistência por parte desses de habitarem suas unidades residenciais no Loteamento. Sobre isso, os moradores se negam a comentar, devido ao sentimento de medo de serem perseguidos e sofrerem algum tipo de ameaça ou serem acometidos de algum tipo de violência. Em algumas situações, há pais que só permitem que seus filhos menores saiam de suas residências para brincar sob sua vigilância/acompanhamento. Em outras, há moradores que já foram agredidos ou tiveram suas residências depredadas. Tudo isso, já desencadeou iniciativa por parte das famílias moradoras, ao realizarem audiência pública na Câmara de Vereadores em que compareceram órgãos oficiais e representantes dos moradores para tratar da Segurança Pública e das situações de violência vivenciadas no Loteamento. Quanto à situação de moradia atual em relação a que possuíam anteriormente, a maioria dos moradores considera estar melhor pelo fato de a residência ser própria (casa ou apartamento). Contudo, referem que é muito distante de tudo, de modo que antes tinham acessos mais facilitados e com maior agilidade ao trabalho, à escola, à Unidade de Saúde, ao comércio. Relacionado à questão ambiental, observa-se, em especial o “desleixo” com a coleta de lixo, necessitando ser organizada em seu recolhimento e armazenamento e nos cuidados relativos aos arredores, constituído por matagais com risco de animais peçonhentos (cobras, aranhas, entre outros). No que se refere à organização comunitária contam com grupo de mulheres e condomínios dos apartamentos. O local para a realização das reuniões está sendo o barracão da obra em condições inadequadas, tendo sido “deixado” para o Loteamento a pedido dos moradores, justificado como espaço das reuniões e de sala de aula para uma turma da Educação de Jovens e Adultos. No que se refere às condições de acessibilidade as dificuldades maiores estão sendo enfrentadas no acesso aos apartamentos que se dá por meio de escadarias com inclinação considerável, tanto na parte interna como na externa. Considera-se que na aprovação dos projetos para construção de moradias é preciso considerar a questão de acessibilidade não só para os 3% de pessoas com deficiência e 3% de pessoas idosas, mas para a totalidade dos moradores. Também é importante que o trabalho social seja encaminhado de forma que possibilite a organização dos moradores no processo de pré e pós-ocupação. Essas e outras observações acerca da realidade do Loteamento estudado, suscitam de análise e intervenção pública, no sentido de evitar que os empreendimentos habitacionais construídos venham a sofrer processos de favelização comprometendo as possibilidades de acesso digno à moradia, que representa mais do que apenas ter direito a uma unidade para habitar. Representa também, o direito de assegurar direitos no campo da Seguridade Social, da geração de trabalho e renda, da cultura e lazer, da educação e da qualidade ambiental de vida. Voltar ao sumário
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4 Conclusão A pesquisa realizada junto ao Loteamento Expoente em Chapecó demonstra que o Programa Minha Casa Minha Vida apresenta vícios e continuidades representados pela relação com o setor privado da construção civil e com o mercado imobiliário concentrador (ou centralizador?). Com isso, há um favorecimento da mercantilização da moradia em vez de assegurá-la como um direito humano-social, pois permite a localização das habitações de interesse social em áreas distantes para o acesso a equipamentos públicos, locais de trabalho, de comércio e da convivência com a cidade. Os dados apresentados até aqui realizado, são parciais. Pode-se afirmar que somente no ano de 1996 por determinação da Constituição de 1988, o Brasil passa a ter uma Política Nacional de Habitação a partir de um diagnóstico da situação da habitação brasileira. É notório, de norte a sul do Brasil, que as carências habitacionais são expressivas e precisam ser enfrentadas com urgência, pois afeta a qualidade de vida e a dignidade de milhões de pessoas e suas famílias. Há necessidade de ultrapassar o conceito de acesso à casa própria para o de acesso à moradia e possibilitar um período maior para a realização do trabalho social pós-ocupacional.
Referências BARROS, Raquel Regina de Paula. Habitação Coletiva: a inclusão de conceitos humanizadores no processo de projeto. São Paulo: Annablume, 2011. BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. 5. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2011. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Minha Casa Minha Vida. Moradia para as famílias, Renda para os trabalhadores, Desenvolvimento para o Brasil. Cartilha. Disponível em <http://www. caixa.gov.br/habitacao/mcmv/index.asp>. Acesso em: 05 mai. 2013. COHN, Amélia. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Moderna, 1981. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico: resultados preliminares. Chapecó. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow>. Acesso em: 20 out. 2012. JULKOVSKI, Marcos Antonio. Política Habitacional Brasileira: trajetória de uma política de exclusão. Monografia (Graduação em Serviço Social), Universidade Federal do Mato Grosso, Cuiabá, 2010. KOWALTOWSKI, D. C. C. K. et al. Reflexão sobre metodologias do projeto arquitetônico, ambiente construído, v. 6, n. 2, p. 7-19, 2006. LYLE, J. T. Regenerative design for sustainable development. New York: John Wyley & Sons, 1994. RIO DE JANEIRO (Cidade). Centro de Informações das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. dez. 2000. ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo: Brasiliense, 2012. ROMAGNOLI, Alexandre J. O programa “minha casa, minha vida": continuidades, inovações e retrocessos. Temas de Administração Pública (UNESP. Araraquara), v. 04, 2012. SANTOS, Cláudio Hamilton M. Políticas federais de habitação no Brasil: 1964/1998. Brasília, mimeo, 1999.
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PARTE II POLÍTICAS PÚBLICAS, PLANEJAMENTO E PRÁTICA PROFISSIONAL
O DESAFIO DAS POLÍTICAS SOCIAIS: UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO ARTICULADA DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA DESIGUALDADE SOCIAL Carlos Nelson dos Reis Heloisa Teles
1 Introdução A proposição que a seguir será desenvolvida tem por objetivos: tornar mais eficientes e eficazes os resultados esperados dos programas implantados nas diferentes áreas sociais de responsabilidade do Estado; eliminar a superposição de ações de políticas públicas sociais; orientar maior grau de articulação entre os órgãos executores e tornar mais transparente e organizada para o usuário das políticas sociais a oferta de bens e serviços que são disponibilizados. Para tanto, terá sequência uma série de reflexões acompanhadas de etapas que, ao final, resultarão em um esquema onde se visualiza a proposta de integração articulada de políticas públicas sociais que atendam à realidade de desigualdade social para o respectivo país que a adotar. É fundamental o destaque para o fato de que tal proposta deva ser traduzida em uma política de Estado, pois aí estariam as diferenciais em comparação as políticas governamentais, que normalmente tem um viés partidário. O núcleo da proposta concebe a existência de uma central de regulação da transversalidade que tem por objetivo propor maior eficiência e eficácia ao acesso aos direitos sociais. Por exemplo, será pouco eficaz a concessão de saúde pública, se não houver uma consonância com a política de habitação pública. A premissa básica para esse desenvolvimento é a constatação de existência de desigualdades sociais em suas diferentes expressões, tanto tradicionais quanto hodiernas. Importa salientar que as desigualdades no Brasil apresentam-se em condições extremas. Além disso, destaca-se que não é por falta de direitos legais ou mesmo ausência de programas sociais que os níveis tem se agravado cada vez mais, pois atualmente observa-se uma infinidade de legislações e programas sociais que se destinam a atuar na redução das desigualdades. Dessa maneira, fica evidente que a ineficácia está intrinsicamente relacionada com a ausência de uma gestão articulada e integrada entre os órgãos responsáveis pela formulação, implantação e pela execução das políticas públicas sociais. A desigualdade social apresenta-se a partir de uma essência multidimensional, ou seja, compõe-se de um expressivo número de expressões que as diferentes expressões da questão social, sendo, portanto, necessária a compreensão do seu significado na conjugação de vários elementos objetivos e subjetivos. O fato é que, generaliza58
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damente, sociedades como as da América Latina e em especial a brasileira não deveriam perpetuar, de maneira acumulativa, níveis tão elevados de extrema desigualdade social. Para toda e qualquer reflexão a esse respeito, é necessário considerar que se trata de um problema histórico que não se resolve por decreto ou mesmo por lei. Seu enfrentamento deve ser visto como uma política de Estado e não como uma ação de um ministério específico ou como um programa de agremiação política partidária, onde, na maior parte das vezes, o discurso não encontra a devida evidência empírica, como a história tem revelado.
2 A proposta O ponto de partida desta reflexão são as expressões da questão social, e o ponto de chegada é a ampliação do acesso aos direitos fundamentais no âmbito do Estado Democrático de Direito. Entre esses extremos existe um conjunto de ações a serem executadas que serão agrupadas em etapas, recebendo uma numeração. A primeira é muito simples: demonstra o ponto de partida que se define a partir da existência de desigualdade social. Para tanto, no sentido de melhor compor a reflexão, se utilizará como categoria base a pobreza. O conceito apreendido nesse artigo sobre a pobreza refere-se a sua compreensão a partir das dimensões absoluta e relativa. Pobreza absoluta refere-se às necessidades mais elementares de sobrevivência dos indivíduos e a falta de condições monetárias suficientes para a garantia das mesmas. Já a pobreza relativa diz respeito às necessidades advindas das particularidades presentes no modo de vida predominante na sociedade. (1)
Pobreza
Detectada a pobreza, é preciso decifrar sua tipologia, isto é, que tipo de qualificação se observa em sua composição e quais suas características. Isso é necessário para definir não só os recortes de políticas sociais, mas também o montante de recursos a serem alocados, objetivando suprir as necessidades sociais de forma equânime e superando as estratégias tradicionais já adotadas por formulações, implantações e execuções anteriores, que acabaram reiterando a reprodução da pobreza. O fundamental é ter certeza dos parâmetros de igualdade a serem alcançados. Em um cenário de pobreza, todo e qualquer gestor governamental deverá ter como objetivo a reunião de esforços para enfrentar o problema na perspectiva de efetivar a inserção social dos sujeitos. Com isso, pode-se chegar à etapa 2, a qual evidencia como a inserção social deve ser buscada, tanto para o contingente populacional atingido pelas velhas formas de manifestação da pobreza, como para o oriundo das novas formas, que são decorrentes do desemprego de longo prazo, resultante do ajuste estrutural. Nessa perspectiva, entende-se por velhas formas de pobreza as expressões tradicionais da questão social, vinculadas a exploração e exclusão social. Já as novas formas de pobreza referem-se ao desemprego estrutural, incapacidade progressiva de geração de empregos formais em quantidade e qualidade adequadas (DUPAS, 2000). Chama-se atenção para a noção de convergência equitativa destacada nas figuras componentes das diferentes etapas. Voltar ao sumário
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Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles
(2)
Velhas Formas
Inserção Social
Novas Formas
Na sequência, a terceira etapa dimensiona o meio pelo qual será possível alcançar a inserção social: as políticas de Estado. A base para essa etapa está na garantia de direitos sociais já conquistados ou mesmo as exigidas pelas necessidades do momento. O instrumento para tanto, no contexto do Estado democrático de direito, é uma legislação que preserve a garantia dos direitos fundamentais, que será materializada através das políticas públicas sociais. Fundamenta-se essa premissa pautada na noção de que a política pública inscreve-se numa dinâmica contraditória que, legalmente, deveria responder as necessidades sociais assumidas coletivamente com supremacia da responsabilidade de cobertura pelo Estado. (3)
Inserção
Políticas de Estado
Reinserção
Argumenta-se que através da efetivação dessas políticas sociais será possível atuar junto às velhas formas de pobreza, numa perspectiva de inserção social e, ao mesmo tempo, incidir sobre as novas formas de pobreza, viabilizando a reinserção social dos sujeitos atendidos. Chama-se atenção para o fato de que a única diferença entre as políticas indutoras de inserção ou reinserção deve estar no foco da ação e jamais no potencial de formatação da respectiva política. Por exemplo, na tradição brasileira, o aparato legislativo é bastante farto. Existe uma ampla quantidade de leis e decretos que, de alguma maneira, resultaram na implementação de várias políticas e programas em diferentes áreas. A crítica que se faz é, dada a atual dimensão da pobreza, sobre o quanto dessas implantações, em termos de resultados, apresentaram eficácia. Na maioria das situações, a resposta pode ser encontrada nas deficiências verificadas nos processos de implantação dos programas, projetos e/ou serviços, bem como na quase inexistência de mecanismos que viabilizem o monitoramento e avaliação das ações realizadas, que, em muitas oportunidades, por insuficiência de recursos financeiros, não efetivam as orientações do seu projeto original. Para efeitos dessa reflexão, na etapa (4), o apoio legal será o outorgado pela Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. O princípio básico para a concessão de direitos sociais é o da universalidade não contributiva, o que pode ser afiançado nos artigos 194 e 195 que estabelecem a seguridade social, composta pelo tripé saúde, previdência e assistência social, formando, assim, um conceito de proteção social baseada na universalidade e na integralidade das políticas públicas. Inicialmente é preciso destacar que se tem a convicção de que a desigualdade social, independentemente de suas expressões e dimensões, não se resolve apenas com políticas sociais. Soluções efetivas devem ser organizadas a partir de uma sólida articulação do conjunto de políticas públicas que envolvam as respectivas áreas sociais, tendo como agente responsável o próprio Estado, com vistas à garantia da proteção, prevenção, promoção e inserção da população. Na esteira da Constituição Federal de 1988, a literatura, notadamente no campo das ciências sociais, vem realizando um vigoroso debate a respeito do significado de mínimos e básicos sociais.
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O desafio das políticas sociais...
Se partirmos do pressuposto de que tais mínimos sociais correspondem a necessidades fundamentais a serem satisfeitas por políticas sociais, estaremos, hoje, diante de um cenário complexo, que requer maiores aprofundamentos e qualificações, no marco de uma realidade sensivelmente modificada; isto é, de uma realidade em que tanto o padrão de acumulação como o modelo de organização do trabalho e da proteção social difere substancialmente do passado, inclusive do passado recente, e exigem novas formas de enfrentamento (PEREIRA, 2000, p. 21).
Percebe-se a complexidade existente no significado de mínimos sociais. Além dos aspectos teóricos e ideológicos das diferentes interpretações, é necessário considerar as metamorfoses que a evolução do processo histórico impõe no seio do padrão de acumulação, no que diz respeito tanto às alterações na base produtiva como ao modelo de organização do trabalho e consequentemente, da proteção social. Não é objetivo desta reflexão entrar no âmago desse debate, aprofundá-lo ou mesmo estruturar uma sistematização do mesmo. No entanto, entende-se a necessidade de registrar a sua existência e sua importância. A noção de mínimo e básico social a ser utilizada “[...] ao contrário do que tem sido apressada e mecanicamente inferido no texto da LOAS, são noções assimétricas, que não guardam, do ponto de vista empírico, conceitual e político, compatibilidade entre si” (PEREIRA, 2000, p. 27). Constata-se uma assimetria que, para a compreensão da linha de raciocínio proposta por este texto, é fundamental, pois se define a partir das expressões que compõem a desigualdade social e do recorte de política social a ser implantado: como e quais sujeitos sociais estariam aptos ao benefício dos mínimos e dos básicos sociais, respectivamente. Passa-se, agora, a explicitar o significado das categorias a serem articuladas na etapa (4). Necessidades Básicas
Mínimos Sociais (4) Políticas Sociais para a autonomia
Proteção Prevenção Promoção
Políticas Sociais Cidadãs
O núcleo das ações que podem fortalecer a base para a articulação integrada de políticas sociais encontra-se nesta etapa. Nesse sentido, é preciso que se esclareça qual a compreensão que se tem das categorias: mínimos sociais e básicos sociais, bem como das de políticas sociais para a autonomia e políticas sociais cidadã. Os elementos aqui considerados para a definição de mínimos sociais são as expressões que se desdobramdas velhas formas de pobreza e que, por direito social e dever do Estado, devem ser incluídas. Para tanto, a noção de mínimos é o montante de recursos que conceda um padrão de proteção, prevenção e promoção, o que possibilitaria a transição para uma evolução social. Entende-se este último objetivo como essencial, pois é daí que se podem projetar, do médio para o longo prazo, transformações de efeito para esse conjunto de excluídos. Quanto ao significado de básicos sociais levam-se em conta as expressões resultantes das novas formas de pobreza, que são derivadas do desemprego de Voltar ao sumário
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Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles
longo prazo e que, portanto, devem ser reincluídas. Assim, a noção de básicos sociais refere-se ao montante de recursos que resultem em um padrão de proteção, prevenção, promoção e inserção. O conjunto desses princípios daria aos trabalhadores desempregados as condições necessárias à capacitação para sua incorporação ao novo contexto do processo de trabalho, que se estrutura sob a lógica da produção flexível. Aqui, também o último objetivo é fundamental, pois é a partir dele que a independência econômica e social poderá ser potencializada e, por consequência, ter-se-á como resultado a diminuição da desigualdade social. Destaca-se que tanto na disponibilização de mínimos sociais como na de básicos sociais está explícita a ideia de diminuição no sentido de encaminhar soluções efetivas para, no caso brasileiro, um problema historicamente crônico. Isto porque se entende que a situação chegou a tais níveis que não se deve mais, na prática, adotar medidas paliativas que a amenizem ou a acomodem. Para tanto, o recorte de política social pública deve mudar de forma radical. Assim, de conformidade com a LOAS, existem quatro princípios básicos a serem preservados com efetividade: proteção, prevenção, promoção e inserção. A concessão de mínimos e/ou básicos sociais que respeitem esses princípios seria resultante de políticas sociais que provam a autonomia e/ou cidadãs, portanto, não mais assistencialistas, conforme a tradição brasileira. Entende-se que a aquisição de autonomia constitui-se como importante estratégia para que se consiga romper com a larga distância entre os extremos que demarcam as desigualdades sociais no Brasil. Para fins desta reflexão, políticas sociais para a autonomia significam o conjunto de políticas públicas sociais com capacidade de produzir a autonomia social diante das diferentes expressões componentes das velhas formas de pobreza. Por sua vez, políticas sociais cidadãs significam o conjunto de políticas sociais com capacidade de produzir as circunstâncias para recompor as condições sociais das expressões que compõem as novas formas de pobreza. Do resultado eficiente e eficaz dessa articulação entre mínimos e básicos sociais que promovam a inserção e a reinserção social, ter-se-iam as condições necessárias para a integração das políticas sociais nos seus diferentes campos. Novamente, é fundamental reter a noção de convergência equitativa entre os extremos. A etapa (5) propõe, a criação de uma Central de Regulação da Transversalidade, incumbindo-lhe o papel de articulação da intersetorialidade para a integração do conjunto de políticas a serem implantadas. Parte-se da compreensão de intersetorialidade enquanto uma possibilidade de gestão para a integração de ações em um determinado território e/ou temática (SPOSATI, 2006); superando as práticas fragmentadas ou sobrepostas. Soma-se a isso a importância de combinar a articulação intersetorial com o trabalho multi e interdisciplinar, uma vez que os trabalhadores das diferentes políticas sociais, comumente, atuam nas mesmas realidades sociais e com os mesmos sujeitos e, assim, devem ter uma visão ampliada das necessidades sociais objetivando efetivar os nexos possíveis de serem realizados. Essa concepção demanda a ruptura com análises fragmentadas e segmentadas e evoca a superação da compartimentalização de saberes e conhecimentos. A consolidação dessa perspectiva enfatiza a importância das decisões compartilhadas e democráticas nos diferentes âmbitos que envolvem as políticas públicas, seja na gestão, na operacionalização ou no monitoramento e avaliação. Voltar ao sumário
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O desafio das políticas sociais...
A proposta de criação desta Central é realizada no sentido de eliminar sobreposição de funções entre os órgãos da administração pública responsáveis pelo planejamento, formulação e implantação destas políticas. Tal central deve ser vista como um órgão de apoio auxiliar para a prática da transversalidade entre as políticas, pois seus objetivos são os mesmos, quais sejam: o bem estar e a igualdade social. (5)
Central de Regulação da Transversalidade
A ideia de articulação é a de se ter, por meio da Central, o cenário completo das demandas sociais, pelo menos das que possibilitam ao indivíduo as condições suficientes e necessárias à sua manutenção e à sua reprodução, não somente enquanto força de trabalho, mas principalmente como sujeito partícipe de um processo societário. De posse dessas demandas, a Central sinalizaria e compatibilizaria a todas as outras políticas componentes do sistema, tais como: saúde, previdência, assistência social, educação habitação, trabalho e renda, cultura e lazer. Esse procedimento, por certo, eliminaria uma grande parcela de superposição de gasto público e tornaria o sistema muito mais eficaz. Por fim, a etapa (6) aponta como essa articulação deve integrar as políticas. (6)
Saúde Previdência
Assistência Social
Educação Habilitação
Trabalho Cultura Lazer e Renda
Todas essas áreas devem corresponder às demandas sociais requeridas por sujeitos excluídos socialmente e devem ser ofertadas concomitantemente. A demanda por habitação pode ser detectada, a partir do déficit habitacional, por nível de renda; a de saúde pode ser vista a partir de diferentes indicadores disponíveis; a de educação pode ser quantificada pela taxa de escolaridade da população; a de emprego, pelas taxas de desemprego aberto e oculto. Enfim, todas as demandas são quantificáveis e, de uma forma ou de outra, são preocupações centrais da proteção social que deve ter um objetivo único, qual seja, as reais condições para a formação, manutenção e reprodução do sujeito social. Isso ocorre a partir do estabelecimento das condições dignas de manutenção e reprodução das faculdades físicas e emocionais do indivíduo e de sua prole. Isso culminaria na etapa (7). (7)
Sujeito Social
A concepção do sujeito social aqui defendida filia-se na compreensão de conceber o sujeito em sua totalidade, ou seja, considerando as diferentes dimensões constitutivas de sua conformação, seja em seus aspectos subjetivos, objetivos e espirituais. Destarte, esse entendimento não diz respeito somente aos sujeitos apreendidos em sua identidade individual, mas sim, refere-se ao caráter coletivo inerente a sociabilidade humana e todas as particularidades que o compõe. Nesse sentido, a efetivação da intersetorialidade pressupõe considerar o conceito de necessidades humanas básicas, já apresentado anteriormente, que versa sobre necessidades que são produzidas socialmente e dizem respeito a valores e finalidades e sujeitos definidos (PEREIRA, 2000). Infere-se que a resposta a essas necessidades Voltar ao sumário
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Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles
constitui-se como possibilidade para o alcance mais aproximado da cidadania e autonomia dos sujeitos sociais. As sete etapas que compõem e fundamentam essa reflexão podem dinamicamente ser visualizada a partir do Fluxograma 1. Conforme afirmação anterior, o núcleo desta proposta fundamenta-se em dois pontos: impor à Central de Regulação uma função de transversalidade junto às outras políticas sociais públicas e a necessidade de convergência em todas as ações que tenham por objetivo a formulação de políticas sociais públicas. Fluxograma 1: Integração articulada de políticas sociais públicas Pobreza
Velhas Formas
Inserção Social
Novas Formas
Inserção
Políticas de Estado
Reinserção
Mínimos Sociais
Proteção Prevenção Promoção Inserção
Políticas Sociais Emancipatórias
Básicos Sociais
Políticas Sociais Cidadãs
Central de Regulação da Transversalidade
Previdência
Saúde
Assistência Trabalho Educação Habilitação Lazer Social e Renda
Cultura
Sujeito Social
Conforme pode ser observado no Fluxograma 1, trata-se de uma ação com dinâmica própria e que, para tanto, necessita de uma decisão em nível de Estado e com o propósito de encaminhamento de soluções para o problema. Este texto não tem a pretensão de ser uma receita para o fim da desigualdade social no Brasil ou mesmo na América Latina, mas objetiva destacar o fato de que, tradicionalmente, existe uma desigualdade social em trajetória crescente e que o seu enfrentamento, via de regra, vem sendo feito a partir de políticas sociais compensatórias e focalizadas, muitas vezes atuando de forma divergente. Ou seja, sem um marco de ruptura no Voltar ao sumário
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processo de exclusão, o qual se acredita, poderá ser alcançado com uma ação onde a convergência se estabeleça.
3 Considerações finais A literatura econômica e social mostra, pelo menos desde os anos 1930 do século XX, que o modo de produção capitalista, em vez da perfeição apregoada pelos clássicos do liberalismo, revelou-se conter um movimento imperfeito e, portanto, cíclico. Deste movimento, as fases mais importantes são as de crescimento e as de não crescimento. Estas últimas, quando profundas transformam-se em crises econômicas que podem ter uma composição conjuntural e/ou estrutural. E sua ocorrência no epicentro do capitalismo prolifera-se para as demais economias: emergentes ou periféricas. Nesta mesma literatura constata-se que as crises capitalistas decorrentes de desequilíbrios na conjuntura econômica dos países desenvolvidos lograram à contemporaneidade inúmeras transformações econômicas, políticas e sociais, que trouxeram profundos impactos às economias emergentes, em especial as da região latino-americana, repercutindo: tanto nas relações societárias no campo político e econômico, quanto nas respostas dadas às condições de vulnerabilidade social e pobreza da população. Sob esse aspecto, observa-se a proliferação dos programas de transferência condicionada de renda em diversos países latino-americanos ao longo das duas últimas décadas, os quais passaram a ocupar posição central nas estratégias de enfrentamento à pobreza absoluta. No entanto, embora o repasse monetário desses programas aumente, obviamente, o que também ocorre com os índices de mensuração da pobreza absoluta. Por outro lado, o mesmo não se pode considerar com relação à pobreza estrutural, dado que a diminuição da pobreza absoluta não significa diminuição das tradicionais desigualdades sociais características da região. Tal conjuntura societária reacende o desafio de seu enfrentamento aos países da região latino-americana em especial ao Brasil, por meio da formulação e implantação de políticas sociais que tenham potencial para de fato alterar uma configuração estrutural marcada por um alto grau de exclusão, desigualdade social e baixa equidade com que as mesmas foram desempenhadas historicamente. Para tanto, as políticas e programas sociais precisam ir além do “alívio a pobreza absoluta” – que visa garantir níveis mínimos de alimentação, saúde e educação por meio de ações focalizadas – para, assim, encontrar uma posição particular frente às dinâmicas recentes e, então, dar respostas às suas manifestações. É nesta perspectiva que se faz a proposta de reflexão de uma orientação transversal às políticas sociais na região, cujo objetivo é a formação do sujeito social com acesso a todas as suas necessidades mínimas e básicas independente de seu status social.
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Carlos Nelson dos Reis, Heloisa Teles
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POLÍTICA E PLANEJAMENTO SOCIAL: DECIFRANDO A DIMENSÃO TÉCNICO-OPERATIVA NA PRÁTICA PROFISSIONAL Odária Battini* Os tempos mudam no devagar depressa dos tempos. (Guimarães Rosa) É preciso, pois avançar com compromisso ético-político competência teórico-instrumental.
1 Introdução Este texto trata da dimensão técnico-operativa da prática profissional de assistentes sociais na esfera da política publica de assistência social, dirigida para o asseguramento dos direitos sociais. Saudando a primazia do Estado, defende a perspectiva prático-crítica na condução da coisa pública. Trabalha pontos que potenciam a superação da racionalidade instrumental na formulação, execução, monitoramento e avaliação do processo de planejamento concebido como mediação entre a burocracia e as condições objetivas para efetivação dos direitos. Nesse espectro, configura a prática profissional no âmbito da política pública de assistência social indicando avanços, fragilidades e desafios. Aponta possíveis respostas às necessidades de sobrevivência e de socialização de sujeitos na perspectiva da superação da alienação e da des-coisificação da vida, cultivando a cultura, a crítica e a capacidade de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais. Traz como solo o aprimoramento do compromisso e da competência, teórica, ético-política e técnico-operativa dos sujeitos, com foco na formulação do planejamento social e suas estratégias interventivas. Sujeitos esses que se responsabilizam por aquela política com a finalidade de contribuir na construção de um novo patamar de conhecimento e de socialidade na esfera pública, na direção da defesa dos direitos sociais e humanos. Considera a processualidade histórico-ontológica que impulsiona essa prática, desde a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e, mais recentemente com a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Paraná. Na totalidade do debate1 tomamos como centro desta reflexão a identificação do significado técnico e ético-político da prática do planejamento e/ou a falta de domínio * Texto revisado e atualizado, originariamente subsidiador do debate realizado com os gestores, usuários e profissionais da política de assistência social no II Encontro Estadual do Sistema Municipal e Gestão Local do CRAS. Secretaria de Estado do Trabalho e Promoção Social/Núcleo de Coordenação Estadual da Assistência Social – SETP/NUCLEAS. Curitiba. Paraná. 2007. 1 Sintetizado no âmbito das principais dificuldades apresentadas no I Encontro Estadual sobre o Sistema Municipal e Gestão Local do CRAS. Curitiba: SETP/NUCLEAS. 2006.
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Odária Battini
desse instrumento de gestão por parte de significativa parcela dos sujeitos envolvidos na condução da política de assistência social, especificamente nos municípios. Nesse rumo, duas questões restaram inscritas no exercício sócio-profissional e que configuram o ponto de partida para a presente reflexão, na perspectiva da sua superação:
◆◆ 1ª: em que pesam os significativos avanços na gestão local da política de assistência social, ainda é forte o entendimento do planejamento como um processo burocratizante e formal, de um lado marcado por um excesso de procedimentos técnicos decorrendo centralidade na eficiência (meios, recursos, operações formais), embaçando os princípios e as finalidades da política de assistência social, subordinando-se aos contingenciamentos, às determinações institucionais justificados geralmente pela falta de recursos ou pela insuficiência de qualificação dos sujeitos e, de outro lado, pela fragilidade na sua formulação e consecução, derivando atividades fundadas no senso comum, muitas vezes, traduzidas por sequencias empíricas de ação; ◆◆ 2ª: a incidência da perspectiva burocratizante na prática cotidiana, convalidando a reprodução da racionalidade instrumental no exercício sócio-profissional (GUERRA, 1995), subtraindo a apropriação dos determinantes da questão social que materializa a particularidade dos objetos de intervenção, esta traduzida em ações imediatas, não estruturantes e não universalizantes. Tal assertiva corrobora a tendência a uma prática cotidiana aligeirada, psicologizante, subalternizada às demandas dos espaços socio-ocupacionais dos profissionais. Assim, o texto procura contribuir para repensar tal prática. Para tal, é necessário reconstruí-la buscando referenciais teórico-políticos sustentadores de uma leitura e de uma ação crítica da realidade, os avanços e os desafios para superações do constituído. Pautar-se no que Paiva (2014) afirma ao exortar os assistentes sociais e demais profissionais da área a uma necessária reflexão sobre seu exercício profissional cotidiano com vistas à reconstrução crítica dos conceitos que movem a assistência social brasileira para superação do neoconservadorismo que fortemente reveste a atualidade daquela política pública. Nesse diapasão, a autora faz um convite aos profissionais para um profundo redesenho daquela política e do trabalho profissional. Nesta mesma linha, esta reflexão tem o intuito de contribuir para a construção de respostas aproximativas a esta questão. Assim, a presente reflexão aponta alguns pressupostos balizadores para aquele intuito.
2 Pressupostos para compreender o planejamento social e a prática profissional Situamo-nos como sujeitos políticos (SCHAFF, 1969),2 individuais e coletivos, que constroem as relações sociais - que são relações de classes3 - com outros sujeitos 2 Marx afirma que um indivíduo é um membro da sociedade, implicando nas relações concretas que existem entre os homens e, em primeiro lugar, nas relações de produção. O indivíduo, sendo formado por essas relações, expressa a “essência do homem” não como uma abstração que reside em cada indivíduo isoladamente. Ela é o conjunto das relações sociais. Como membro de uma determinada sociedade, inscreve-se de uma forma particular em uma determinada classe, com um determinado lugar na divisão social do trabalho e nas relações civis, etc. Essas relações determinam a consciência humana, desenvolvendo-a, que se plasma por meio de finalidades. Pelo trabalho, transforma a sociedade e a si próprio, posto que estabelece um processo de criação que também é de autocriação. Nessa concepção, está presente a perspectiva coletiva inerente ao indivíduo como ser social (SCHAFF, 1969). 3 Classes sociais são concebidas a partir dos critérios da propriedade privada dos meios de produção (capitalistas) e da venda da força de trabalho (trabalhadores). Não sendo efeitos lineares de caráter econômico, formam totalidades orgânicas em movimento e incorporam interesses plurais na luta pela hegemonia de um projeto de sociedade. São respostas estruturais e processuais dos modos de produção constitutivas da dinâmica de uma realidade onde as relações sociais se organizam em torno de um mecanismo de acumulação e de exploração. Nessa relação de antagonismo de classe, a classe Voltar ao sumário
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com os quais estabelecemos interlocução e que se objetivam quando realizam na sua prática a essência humana (MARX; ENGELS, 1989), dando a ela um significado que se concretiza nas finalidades a serem alcançadas. Portanto, nas múltiplas relações que estabelecemos damos sempre um sentido às nossas ações individuais, familiares, sociais, políticas e, também, profissionais. Esse sentido é determinado pela mediação amalgamada pela visão de mundo que temos e pelo lugar que ocupamos na divisão sócio-técnica do trabalho: somos trabalhadores (as), mulheres, homens, gestores, técnicos e, aqui, particularmente, nos inscrevendo como trabalhadores (as) assalariados (as) no âmbito da política de assistência social, orientados para favorecer o asseguramento de direitos na esfera pública concebida como [...] um movimento que pretende conferir níveis crescentes de publicização no âmbito da sociedade política e da sociedade civil, no sentido da criação de uma nova ordem democrática valorizadora da universalização dos direitos de cidadania (RAICHELIS, 1998).
É nessa esfera que realizamos nossa prática. Mas de qual prática estamos falando? Da prática social que, ontologicamente (LUKÁCS, 1997) é concebida como substância do processo de construção da existência humana e que se realiza pelo trabalho e da prática profissional, como uma dimensão da prática social mais ampla, como uma especialização do trabalho coletivo, que traduz respostas particulares às necessidades e carecimentos de segmentos sociais diversos que se constituem nos demandatários dos nossos serviços. Essas práticas são, necessariamente, mediadas, concebidas como práxis4 (VÁZQUEZ, 1977). É assim que temos um lugar determinado nas relações sociais, em particular na política pública de assistência social.5 A política social pública, dever do Estado, é concebida como materialização das lutas e reivindicações da classe trabalhadora e dos segmentos socialmente vulnerabilizados, na perspectiva do atendimento às condições dignas de vida. Reivindicações que se transformam em objeto da agenda pública, portanto, reconhecidas e legitimadas. O desafio é ampliar esse espectro por meio de ações coletivas democráticas, de efetivação do controle social, de tornar presente e reconhecidas as demandas sociais inseridas nos processos de formulação das decisões políticas, de efetivação de programas e projetos que extrapolem serviços tradicionalmente acionados pelo Estado, na direção do exercício constante de uma nova cultura cívica trabalhadora é central, mas surgem outras demandas, outros sujeitos coletivos que integram as lutas de classe promovendo um nexo com as subjetividades e com as lutas que não são de classe (minorias, raciais, étnicas, sexuais, etc.). As classes, assim, organizam-se em defesa dos seus interesses também através dos níveis político e ideológico, incorporando em suas lutas demandas plurais. A defesa coletiva de um determinado projeto de sociedade coloca os sujeitos em articulação com as forças do trabalho ou do capital na construção da sua hegemonia (COUTINHO, 1990; THERBORN, 1983). 4 Práxis como atividade humana se verifica quando os atos dirigidos a um objeto para transformá-la se iniciam com um resultado ideal ou finalidade e terminam com um resultado ou produto efetivo, real. Os atos, no seu movimento enquanto práxis levam em conta determinações de um estado anterior que se efetivou, mas também de algo que ainda não existe. Toda práxis se situa duplamente na história: em relação ao passado e em relação ao futuro sobre o qual ela se abre buscando criá-lo. A criação é tida, portanto, somente no pensamento como ideal concretizado pela prática social e política que é a própria atividade de transformação. A atividade de transformação realizada coletivamente implica unidade sujeito/objeto, conhecimento/ação, operada numa dimensão sócio-histórica, não reiterativa, de natureza pública, democrática (VÁZQUEZ, 1977). 5 Em recente pesquisa com assistentes sociais que militam na academia, nos organismos de representação da categoria profissional e na esfera da assistência social ficou evidenciado o protagonismo dos assistentes sociais brasileiros na formulação, execução e avaliação da política de assistência social (BATTINI et al.,2011). Voltar ao sumário
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que materialize o caráter público da política. Segundo Wanderley (2006), o caráter público da política tem as seguintes expressões:
◆◆ universalidade, objetivando acesso a todas as classes e setores sociais; ◆◆ visibilidade social, o que supõe transparência nas ações governamentais e dos distintos atores sociais, publicidade e fidedignidade das informações que orientam as deliberações; ◆◆ cognoscibilidade, significando conhecer e dar a conhecer ideias, dados e fenômenos que compõem as políticas sociais na relação público-privado; ◆◆ controle social, com o acesso de instâncias governamentais e da sociedade civil no controle das regras e aplicação dos recursos, com fiscalização eficiente; ◆◆ democratização, tem como exigência os mecanismos de participação e diálogo que implique mediar conflito e consenso e debates públicos; ◆◆ compromisso social, o que requer conhecimentos críticos e saberes sobre a realidade, supondo superação da cultura privatista, corporativa, paternalista, clientelista, patrimonialista.
Estamos falando da política pública de assistência social que é determinada econômica, social, política e culturalmente e que leva a marca das relações contraditórias entre capital e trabalho, sustentada por diversos projetos societários em disputa pela hegemonia6. Desse processo decorrem tensões políticas e societárias que, na sociedade atual, dissociam sujeitos dificultando a efetivação do conceito de humanidade. Para a concretização da dimensão pública da política é mister associar democracia representativa e democracia participativa na construção de um Estado em defesa de interesses humano-genéricos. Nesse sentido, a política pública é importante mediação. Fundada na primazia do Estado, tem como finalidade a garantia dos mínimos sociais, com ênfase do público não corporativo, não mercantil (SADER, 2004). É o espaço público de participação de sujeitos que compartilham da formulação da decisão política e do controle social onde é possível transitar da ética individual para a coletiva, balizada na noção social dos direitos, na perspectiva da sua coletivização (PAIVA, 2006). Tal direção é sustentada pela autonomia e emancipação. É importante marcar que a política social per si não constitui âmbito emancipatório e nem tem a função de reverter o quadro de desigualdades e de pobreza. No entanto, conforme asseveram Behring e Boschetti (2006), [...] levar as políticas sociais ao limite de cobertura numa agenda de lutas dos trabalhadores é tarefa de todos os que têm compromissos com a emancipação política e a emancipação humana, tendo em vista elevar o padrão de vida das maiorias e suscitar necessidades mais profundas e radicais. Debater e lutar pela ampliação dos direitos e das políticas sociais é fundamental porque engendra a disputa pelo fundo público, envolve necessidades básicas de milhões de pessoas com impacto real nas suas condições de vida e trabalho e implica um processo de discussão coletiva, socialização da política e organização de sujeitos políticos. 6 Hegemonia, como expressão universal de poder, entendida como prática política sempre renovada e contraditória é um processo no qual o bloco no poder aciona e organiza constantemente no sentido de universalizar seu poder implicando domínio e condução de uma determinada ordem social. Mas uma ordem social constituída numa realidade contraditória que é modificada e se modifica por forças contrárias, negando a imposição da ideologia dominante, expressando modos diversos de autonomização que permitem, no decurso histórico, a uma classe antes subordinada tornar-se hegemônica. Em Gramsci, a hegemonia é, pois, contra-hegemonia: necessidade de lutar por transformações estruturais fundamentais, por meio de criação e fortalecimento de instituições e movimentos superestruturais para uma nova concepção de sociedade. Não há extensão do Estado sem redefinição de uma perspectiva estratégica nova [...] que permita [uma classe ou segmentos que não são de classe] lutar por um novo Estado (BUCI-GLUCKSMANN, 1980). Voltar ao sumário
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Nessa linha o desafio se coloca em superar a visão de Estado como conjunto de órgãos governamentais, de organizações não governamentais e de reunião de segmentos sociais movidos por interesses solidários gerais, desprovidos dos interesses particulares de classe. Ao contrário, enraizar a ideia de espaço contraditório de lutas de classes, não monolítico, com mediação de forças voltadas ao fortalecimento das instituições democráticas, em defesa irrestrita dos direitos dos segmentos subalternizados e das classes trabalhadoras em geral, que têm no seu cerne a condição da ruptura e da transformação social. Tal conquista exige luta permanente, que é tensionada por relações societárias que expressam uma atribuição diferenciada de poder e de apropriação da riqueza socialmente produzida, trazendo à tona manifestações da questão social que revela [...] combinação perversa entre recrudescimento da pobreza e impactos para cobertura das políticas sociais [que se evidencia pela] inquietação pública nos grandes centros urbanos, expressada pela insurreição contra a discriminação e a injustiça social e contra a privação econômica e as desigualdades sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Questão social que não manifesta apenas uma crise circunstancial, mas uma ruptura com a noção civilizatória fundada na igualdade, liberdade, justiça social, garantia de direitos sociais e trabalhistas. Essa ruptura pode ser percebida através de elementos como: a precarização da sociedade salarial; o desemprego estrutural; a deteriorização do meio ambiente; o esvaziamento da esfera pública com a crescente privatização dos negócios públicos; a substituição da política pelo tecnicismo e pelo administrativismo; a configuração de um estado paralelo e policial; a questão ambiental; a flexibilização do trabalho, modificando o perfil do trabalhador e gerando contingentes populacionais supérfluos para o capital, com ampliação da situação de vulnerabilidade e risco social e pessoal, desenho esse que pavimenta o nosso exercício profissional. Como enfrentamos isso? O fazemos movidos pela consciência de que a sociedade é dinâmica, contraditória e que potencia uma substancialidade inédita associada a práticas críticas de cariz emancipatório. Com tais elementos constitutivos, a intervenção vai se processando e plasmando-se no seio das lutas de forças sociais em presença, tomando formas concretas e produzindo novas universalidades em determinados tempos históricos. Nessa dinamicidade, surgem novos sujeitos políticos, novos modos de fazer política, sendo os movimentos sociais – principalmente os de reivindicação por direitos não respeitados, de denúncias e de protestos - uma das evidências concretas desta realidade. Segundo Martinelli (2004), na atualidade manifestam-se novas relações de gênero, marcadas pelo protagonismo das mulheres; a vitalização das lutas políticas por direitos; o reconhecimento da dimensão política da ação profissional, como campo de luta social e de disputa de significados; o reconhecimento de que as profissões exercem impactos societários, e não apenas os recebem; o reconhecimento de que as profissões se transformam na mesma medida em que se transformam as condições sócio-históricas em que se dá a sua materialização, razão pela qual se torna indispensável o enraizamento da direção social da profissão na perspectiva de uma nova socialidade. Nesse espectro, enfrentamos a questão social pelo trabalho concebido como a condição da inserção criadora dos sujeitos no mundo, numa perspectiva de práxis (VÁZQUEZ, 1977), ou seja, a passagem da esfera da necessidade para a da liberdade, superando a perspectiva de consumo (LUKÁCS, 1997; COUTINHO, 1989). Nesse Voltar ao sumário
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processo, as políticas sociais e de defesa de direitos constituem importante mediação, pois conforme (IAMAMOTO, 2006), são [...] expressão dos embates entre as classes e, em especial, das lutas dos trabalhadores pelos direitos universais de cidadania que tem no Estado uma mediação fundamental.
Como arena de tensão e de disputas são: [...] contraditoriamente [...] espaços de potencialidades democráticas e de práticas antidemocráticas, portanto, de resistências, de rupturas e de pactuações entre interesses de grupos em presença (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
É nesse âmbito que nos movemos também mediando elementos constitutivos do nosso que fazer profissional – finalidades, meios, instrumentos, produtos – que incidem igualmente no nível da gestão da política pública de assistência social. Em particular, no processo de planejamento social. Assim, é necessário reconstruir o processo de planejamento não mais reproduzindo a perspectiva instrumental-burocrática, mas concebendo-o numa perspectiva prático-crítica.7 Então, como apreendê-lo?
3 Planejamento Social: concepções, dimensões e processualidade 3.1 Concepções do planejamento O Planejamento Social pode ser entendido sob diferentes enfoques, a saber: a) como ferramenta de trabalho que propicia uma prática metodologicamente conduzida e eticamente comprometida com a cidadania; b) como processo lógico, político e administrativo que, por meio de seu movimento, adensa formas de participação popular nos níveis decisórios e operativos; c) como instrumento que busca racionalizar e dar direção para redefinições futuras de organizações, políticas sociais, setores ou atividades, Influenciando o nível técnico e político; d) como mediação entre a burocracia e as condições objetivas para efetivação de direitos. Considerando suas dimensões sócio-histórica, técnico-operativa e ético-política, asseguradoras de seu caráter transformador, o planejamento social tem como finalidades: a) imprimir dinamicidade, organicidade e concretude à política, ao funcionamento institucional e à intervenção profissional, promovendo controle social; b) monitorar e avaliar sistematicamente a política e o exercício profissional cotidiano, na perspectiva prático-crítica.
3.2. Dimensões do planejamento 3.2.1 Dimensão sócio-histórica do planejamento A dimensão sócio-histórica do planejamento é aquela relacionada ao movimento do real. É estritamente o movimento que os sujeitos realizam entre o real e o con7 Essa perspectiva situa o planejamento como uma atividade ou um processo onde os sujeitos que o formulam, executam e avaliam os seus resultados são um produto humano renovado. Portanto, não mais definido como uma técnica pura, mas um instrumento que afirme uma verdadeira atividade prático-crítica, impulsionadora de novas relações, processos e produtos. Mudando o significado das ações com propostas concretas de superação da realidade e não apenas modernizando e otimizando as decisões numa perspectiva de melhoria ou de conservação do status quo. Voltar ao sumário
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creto8 e que constitui a legalidade das relações sociais. Perspectiva sócio-histórica que, através de mediações, apreende a realidade em seu movimento constituinte, com determinantes econômicos, sociais, políticos e culturais de uma dada formação social. Nesse movimento, o planejamento captura a vida individual e coletiva produzida em sua concretude, trazendo para o centro da atenção a análise da situação concreta dos cidadãos como sujeitos da história real. Pinça fenômenos advindos da atividade humana e os transforma em objetos de intervenção. A atividade humana é concebida na perspectiva da objetivação e da exteriorização do sujeito, tanto simbólica como teórica e prática, onde sujeito e objeto representam um produto humano. O planejamento, assim, torna-se importante mediação para desvelar um comportamento autenticamente humano, ontológico, de natureza prático-crítica. Dessa forma, aproxima-se mais intensamente das condições objetivas determinantes das intencionalidades das decisões e ações. Nesse modo de constituição do concreto edificam-se princípios, diretrizes e estratégias de ação, tecendo uma teia de relações ricas e vivas que movem a sociedade. Nessa linha, o planejamento compromete-se com os vínculos de diferentes naturezas constitutivos de uma certa totalidade social. O planejamento social é sempre vinculado a uma política que, por sua vez, é constituída das tensões entre forças sociais presentes numa dada realidade concreta. Nesse vínculo sustenta-se pelos eixos, prioridades, estratégias e é direcionado para atenção/superação das demandas próprias à política, sem prescindir das suas inelimináveis interfaces. Tem como matéria prima a questão social, em particular aquelas expressões que manifestam uma necessidade coletiva não atendida constituindo-se em objeto da política, a qual precisa ser reconhecida e incluída na agenda pública transformando-se em programa, ação, benefício, ou seja, em uma determinada resposta às demandas. Para essa transformação, o planejamento tem papel fundamental, pautando-se como base de sustentação no espectro legislativo/ normativo, sócio-institucional e macro-social. É assim que se realiza na prática profissional, associando ao seu processo os pressupostos constitutivos do Projeto Ético-Político Profissional (BORGIANNI, 2003). Balizado na dimensão sócio-histórica o planejamento social desdobra-se na dimensão técnico-operativa e ético-política.
3.2.2 Dimensão técnico-operativa do planejamento Constituída pelas teorias, metodologias, instrumentos, técnicas e habilidades para realizar a ação, a dimensão técnico-operativa do planejamento indica as possibilidades de operar instrumentalmente sobre a realidade das práticas sociais produzindo determinados resultados. É a perspectiva lógico-racional do planejamento que, segundo Baptista (2001). Realiza-se por meio de operações complexas e inter8 Há diferença entre o real e o concreto. O real independe do sujeito. A realidade é dada e o concreto se constrói no real pela ação consciente do sujeito. A realidade torna-se evidente pela contínua recolocação da questão em foco, fazendo-a emergir de forma cada vez mais rica, complexa e viva, recriando-a num percurso contínuo entre a aparência e a essência, entre a parte e o todo, entre o singular e o universal. Segundo Luckács (1997) é recriá-la considerando o movimento de passagem de um tipo de ser a outro, mas não “a reprodução da vida em contraposição ao simples tornar-se outra coisa [...] mas algo qualitativamente novo, cuja gênese não pode jamais ser simplesmente ‘deduzida’ da forma mais simples”. Isso implica refletir criticamente não somente sobre o objeto, mas sobre as interpretações existentes a respeito do objeto, contextualizando-o e recriando-o. Esse “diálogo crítico”, não linear, além de aprofundar a explicação, permite perceber e apropriar-se do processo de constituição da realidade. Ou seja, apropriando-se das suas relações, das estruturas, das leis tendências, dando a esse processo a dimensão ontológica. Voltar ao sumário
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ligadas promovendo um processo dinâmico e contínuo. O quadro a seguir indica suas operações. Processo racional
Fases metodológicas
Documentação
Reflexão
Reconstrução do objeto; estudo de situação; propostas alternativas
Proposta preliminar; diagnósticos; estudos de viabilidade; ante-projetos;
Decisão
Escolha de prioridades e alternativas; decisão de objetivos/metas
Planos; programas; projetos
Ação
Implantação, implementação, execução e controle
Roteiros e rotinas; normas/manuais; relatórios
Retomada da reflexão
Avaliação e retomada do processo em novo patamar
Relatórios avaliativos e novos planos/projetos
3.2.3 Dimensão ético-política do planejamento Esta dimensão impulsiona ações em defesa de valores éticos universais – liberdade, equidade, democracia, participação – e de modos próprios de reconstruí-los e operá-los em espaços diversos e particulares de relações sociais. Implica tomada de decisões inscritas nas relações de poder configurando o planejamento enquanto processo político que considera: ◆◆ jogo de vontades políticas plurais; ◆◆ correlação de forças que condicionam recursos e saberes, definindo seus objetos e objetivos; ◆◆ modos de articulação de grupos para constituírem-se em força política (de conservação ou de resistência); ◆◆ formulação de alianças e pactuações para viabilidade de um propósito;
◆◆ perspectiva estratégica (CASSAB, 2000), entendida como percurso a ser seguido em uma ação racional orientada, por objetivos esboçados em um projeto ético-político que se realiza na mediaticidade. Supõe reflexividade e cálculo que orientem decisões tomadas no curso das ações. Busca realizar intencionalidades mais globais que respondam a interesses e objetivos econômicos, políticos e sociais de determinadas forças sociais.
O planejamento em sua dimensão ético-política se concretiza, segundo Baptista (2001), por meio da seguinte processualidade:
a. equacionamento: como momento de pactuação articulada, que organiza um conjunto de informações negociadas para viabilizar decisões que são formuladas com uma direção política que requer ruptura de paradigmas tradicionais; inserção de demandas plurais na agenda pública com centralidade nos interesses humano-genéricos; mediação de interesses favorecendo a construção de uma nova cultura; b. operacionalização: detalhamento das atividades para efetivar decisões tomadas, o que ocorre por meio de elaboração de planos, programas e projetos; definição de atribuições e responsabilidades; eleição de serviços e equipamentos; sistematização das medidas de implementação; formulação de normas/procedimentos/rotinas; c. decisão: momento da deliberação que representa a mediação entre a problematização do objeto e diferentes escolhas a serem feitas para efetividade da proposta e atenção a intencionalidades. Condiciona a ação, apreende ideias e sistema de valores; analisa o significado e as decorrências da nova proposta. Essa dimensão dá centralidade à participação de diferentes segmentos como sujeitos políticos no processo decisório, propiciando condições tanto de conquistas quanto de aprofundamento de espaços no âmbito público, invertendo a tendência clássica à burocratização e ao conservadorismo das decisões (BAPTISTA, 2001);
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d. ação: resultando na materialização das decisões e tomada das providências que concretizam o que foi planejado, exigindo-se competência teórica e técnica, e compromisso ético-político.
Ao realizar as dimensões do planejamento na implementação da política de assistência social, são considerados os eixos estruturantes da política e, na atualidade, em especial da gestão do SUAS, quais sejam: ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆
precedência da gestão pública da política; alcance de direitos socioassistenciais pelos usuários; matricialidade sociofamiliar; territorialização; descentralização político-administrativa; financiamento partilhado entre os entes federados; fortalecimento do controle social; participação popular/cidadão usuário; qualificação de recursos humanos; informação, monitoramento, avaliação e sistematização de resultados (NOB/SUAS).
Esses eixos têm no plano municipal a sua referência de concretização, contemplando as diretrizes básicas que nortearão: as políticas a serem executadas; o ordenamento detalhado das ações e recursos, bem como as necessárias interfaces, para intervir numa perspectiva de totalidade; a definição de objetivos, metas, áreas prioritárias, rede socioassistencial, financiamento, sistema de avaliação e monitoramento. Nesse processo, orientado por um regime de gestão democrático-participativo, cabe ao planejamento capturar e enraizar os subsídios das conferências e indicativos das entidades de assistência social e instituições correlatas (COLIN; FOWLER, 2007) que abriguem serviços ou programas de assistência social, traduzindo as particularidades locais. Levando em conta a processualidade da agenda pública, configura a demanda, publicizando expressões particulares da questão social que chamam a atenção do governo e da sociedade e produzindo força de pressão que pode ganhar visibilidade. Para que sejam incluídas na agenda pública, como objetos das políticas sociais, é preciso que as demandas sejam reconhecidas e que apontem possibilidades de viabilização (SILVEIRA, 2006). Essa demanda – que deve ser coletivizada evidenciado o “não direito” e a alienação9 dos sujeitos e não ser acolhida como questão privada de indivíduos, grupos ou famílias (PAIVA, 2006) geralmente tidos como “culpados” da sua situação de vulnerabilidade e risco – advém do diagnóstico, desenhando a particularidade territorial e sócio-institucional, solo da efetivação da assistência social. A construção dessa particularidade se adensa e se nutre no sistema de informação (DELAZARI; PENNA; KAUCHAKJE, 2007), ao mesmo tempo em que o alimenta, traduzindo possibilidades de acesso e participação do usuário no controle social da política. Tendo como cerne a ampla divulgação dos serviços, programas, projetos e benefícios para o exercício dos direitos (COLIN; SILVEIRA, 2007), contribui na criação de indicadores para construção do sistema de avaliação de impactos e resultados 9 É fundamental ter claro que no mundo capitalista a ideologia produzida obstrui a expressão consciente das relações reais dos sujeitos produzindo uma “expressão consciente ilusória”. Os homens e suas relações aparecem invertidos, pois o capitalismo naturaliza a vida, reificando-a pela via da alienação. É preciso, pois tornar a consciência real atribuindo ao pensamento humano uma verdade objetiva. Isto é uma questão prática, pois é na práxis que o homem precisa provar a verdade, a realidade e a força, a terrenalidade do seu pensamento, apreendendo a essencialidade dos fenômenos reconstruindo-os considerando sempre sua substancialidade inédita (MARX; ENGELS, 1989, p. 12). Para isso, o trabalho criador é a principal mediação. Voltar ao sumário
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da política da assistência social, implementando sistema de acompanhamento da rede socioassistencial (NOB/SUAS). Esse modo de realizar a política, de forma planejada, envolve sujeitos diversos, quais sejam: grupos de pressão, gestores, administradores, profissionais e técnicos, conselheiros municipais, membros dos Fóruns, usuários. Cada qual com seu lugar específico no município, mas cujas ações promovem repercussões ampliadas, são acionados pelo profissional em sua prática mediante estratégias que garantam compromissos com a efetivação dos direitos. É nesse contexto que a prática profissional é uma das importantes mediações.
4 Planejamento social e prática profissional Pensar a prática profissional requer inseri-la na prática social mais ampla, da qual deriva certo tipo de relações sociais, pois [...] a prática profissional é uma expressão da prática social, dessa totalidade do movimento da sociedade, da história, da produção científica, artística na dimensão material e espiritual. O que vai dar a particularidade dessa expressão? É a maneira como a profissão se inscreve na divisão do trabalho nessa sociedade, o que faz com que não seja qualquer prática política. Ela tem uma particularidade que deriva da função da necessidade história (IAMAMOTO, 1995).
Às práticas profissionais diversas corresponde um conjunto de elementos que a constituem (BAPTISTA, 1994; BATTINI, 2009), possuindo configuração particular no terreno das práticas sociais. Como especialização do trabalho coletivo, a prática profissional se realiza em suas dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-instrumental, considerando a perspectiva imediata e mediata, o que promove atuação universalista, estruturada e estruturante. A perspectiva imediata constitui-se como ação com respostas diretas, nas expressões singulares do cotidiano, que dilapidam as condições de cidadania para as quais é necessário prover as seguranças de sobrevivência, de geração de renda, de convívio, de restabelecimento de vínculos, proporcionando acessos a direitos reclamáveis. Por sua vez, a perspectiva mediata está inscrita nas dimensões que constituem a sociabilidade humana (materiais, espirituais, culturais, subjetivas, etc), com repercussão no processo de reprodução social, com horizonte nas determinações macrossociais, na esfera propositiva e de controle social; respostas sócio-políticas alavancando condições de empoderamento da população, especialmente aquela distanciada dos espaços de decisão política, e construção de autonomia e protagonismo. O até aqui exposto nos remete ao modo pelo qual os profissionais apreendem a realidade, a profissão e as implicações dessas referências no exercício profissional cotidiano. Na recente história de implantação da assistência social como política pública ficam evidentes os avanços conquistados pelos profissionais entre os quais se destacam: [...] a consolidação e a democratização dos Conselhos e dos mecanimos de participação e controle social; a organização e apoio à representação dos usuários; a participação nos debates sobre o SUAS, a NOB, os CRAS, os CREAS; a elaboração de diagnóstico Voltar ao sumário
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de vulnerabilidade dos municípios; o monitoramente e a avaliação da política; o estabelecimento de indicadores e padrões de qualidade e de custeio dos serviços; contribuindo para a construção de uma cultura democrática, do direito e da cidadania (YAZBEK, 2006).
Em que pesem os significativos avanços quanto aos fundamentos da política e da própria profissão, ainda a prática profissional tem apontado algumas fragilidades que repercutem desfavoravelmente no modo de apreendê-las. Muitas vezes, limitam e tornam frágeis as formas de operá-las, como por exemplo: o ecletismo, a sua condução baseada no senso comum, na individualização ou privatização das demandas dos usuários recaindo na sua culpabilização das condições de subalternidade, elementos próprios da pós-modernidade. Ao insistir nesse tipo de postura teórico-metodológica e operativa a prática profissional desborda para uma diluição do processo de apreensão do objeto trazendo superficialidade no entendimento sobre os fenômenos com os quais a profissão opera, traduzindo uma reunião artificial de ideias com uma visão de conjunto confusa, tanto sobre a profissão, quanto sobre a realidade e a sua prática cotidiana. Associado a isso, há dificuldades de reconstruir na prática os conceitos, não fazendo as necessárias mediações entre as referências teóricas e as expressões/representações concretas. Com isso, tende-se a uma imposição ou a simples transposição dos conhecimentos acumulados nas realidades específicas do exercício profissional, de modo a produzir um discurso vazio e linear, o que resulta no formalismo. O aspecto ativo do sujeito na ação, assim aplicado, subordina-se ao molde, à forma previamente instituída pelas legislações e normativas, separadas do conteúdo ou da significação prática correspondente. Não há, no ato de apreender a realidade, o confronto com a experiência prática, esvaziando-se a noção de totalidade e de particularidade, retirando da prática sua dimensão essencial: a temporalidade e a historicidade. Nessa vertente, os enunciados que informam a prática profissional passam a constituir-se regras puramente formais, cabíveis igualmente em qualquer situação. Na prática, essa postura leva o profissional, além de formalmente operar as normativas, a impor seu saber específico ou a assumir o saber institucional como se fôra o saber profissional, sem mediá-lo com o contexto de sua intervenção, castrando referências novas e consistentes advindas da interlocução entre os usuários, das demandas sociais, entre outros. Como há limitações em reconstruir a particularidade da prática que move o contexto do seu trabalho, muitas vezes o profissional não vislumbra respostas e assume uma atitude fatalista que leva a afirmação de que “sempre foi assim” e que “as coisas nunca mudam”. Nessa medida, tende a convalidar a perspectiva instrumental do Estado, revelada nos projetos de dominação, aprofundando a ideia da subordinação das classes trabalhadoras e de segmentos sociais não inseridos nas relações de poder hegemônicas. Não resgatando, a contra-ideologia demove das relações o estabelecimento de alianças fortalecedoras de transformações. Sendo assim, o profissional trabalha no sentido da manutenção da ordem, criando espírito de endogenia pela própria negação do contrário, colocando resistência e atitude conservadora frente ao constituído. Tal prática favorece o normativismo, reduz a prática a preleções de cunho moral onde proposições tomam a forma dogmática, como princípios universalmente aceitos e inquestionáveis. Enquadra sujeitos e relações, negando a práxis e passando a Voltar ao sumário
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prática profissional a constituir-se num pragmatismo. É uma prática fundada no empirismo radical (DURKHEIM, s/d), decorrendo imediatismo e uma dialética espontânea. É importante, pois, tornar o imediatismo e a dialética espontânea conscientes e praxiológicos, favorecendo pensar a vida social como uma totalidade dialética histórica na qual as prescrições moralistas não aspiram posição. Assumir a perspectiva sócio-histórica torna-se fundamental, pois se assim não for, a tendência é desacreditar ações emancipatórias e descair num voluntarismo, prática descolada das determinações sociais. O profissional passa a desenvolver “sua” prática, afirmando realizar a “sua parte” desconectada da totalidade social e das lutas mais gerais. Na perspectiva de superação desse tipo de prática os profissionais vêm buscando enraizar novo desenho de seu agir/pensar que é denso de política e [...] de saberes que são explicativos da lógica dos fenômenos e outros que são interventivos. Daí que, na prática, as propostas profissionais exigem conhecimentos teórico-práticos [...] com implicações éticas e políticas (GUERRA, 2005).
Portanto, prático-críticos. Implicam em escolhas, em valores ancorados em um projeto ético-político profissional, articulado a um projeto societário emancipador. Na área do Serviço Social os profissionais vêm construindo seu projeto ético-político (BORGIANNI; GUERRA; MONTAÑO, 2003), o qual está em aberto, por constituir-se em movimento de avanços permanentes na direção da emancipação e do protagonismo dos sujeitos. É ético porque contém princípios valorativos orientadores das ações profissionais, tendo como valor central a liberdade como possibilidade de escolha entre alternativas concretas, ancorado no compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais (BONETTI et al., 2001). É político, porque é luta pela hegemonia, pelo poder que se coloca contrário à ofensiva neoliberal, posicionando-se em favor da equidade e da justiça social; da universalização do acesso aos bens, serviços e riquezas; da ampliação e consolidação da cidadania; da garantia dos direitos da classe trabalhadora. Profissionalmente, este projeto implica competência e aprimoramento intelectual; formação acadêmica qualificada; análise concreta da realidade (sob o prisma ontológico); auto-formação permanente e postura investigativa. Uma das importantes estratégias de sua configuração e operação reside na articulação com as forças vivas da sociedade, enfrentando as tendências criadas pela programática neoliberal. Isso deve ocorrer por meio de ações e lutas da categoria profissional e seu envolvimento junto a organizações e movimentos sociais que expressem e representem valores e princípios do Projeto Ético-Político Profissional hegemônico e as formas de resistência e enfrentamento ao neoliberalismo e às diferentes formas de exploração, dominação e subalternidade. Deve garantir o asseguramento dos direitos garantidos em lei, com sua ampliação e efetivação por meio das políticas sociais públicas (LOAS/SUAS, SUS, etc.) e de defesa de direitos (ECA, Lei do Idoso, Pessoas com Deficiência, Defesa da Mulher, do Índio, do Negro), com intervenções profissionais que consolidem uma direção social voltada para a construção de uma nova sociabilidade (BORGIANNI; MONTAÑO, 2003). Além da consolidação do seu projeto ético-político um dos mais importantes desafios que se coloca para o seu fortalecimento é a materialização na cotidianidade do trabalho profissional, evitando que este se transforme em indicativos abstratos, Voltar ao sumário
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descolados do processo social. Como enfatiza Iamamoto, é necessário dar-lhe vida por meio de sujeitos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional cotidiano, fundado na liberdade, na igualdade e na justiça social. Munida desses supostos, a prática profissional, orientada no planejamento social, se ampliará, promovendo articulações interdisciplinares e inter-setoriais realizando-se na direção de [...] romper com a inércia conformada [valorizando] o indivíduo como fonte de valor que tem potencialidades a serem lapidadas para a conquista da autonomia, da emancipação e do pleno desenvolvimento. Na realidade brasileira a justiça social tem figurado como ideal a ser conquistado a ser perseguido, cuja objetividade passa pela legalidade em prática, já que o direito não é naturalmente assegurado, mas depende do desenvolvimento da consciência das coletividades sustentada por um projeto societário que reclama uma sociedade justa, e de ações concretas que possibilitem a transformação dos valores em costumes. Afinal, a ética “não se realiza na solidão de alguns sujeitos, mas na intersubjetividade social, no mundo cultural e histórico” (CHAUÍ, 1994, p. 57).
Isto posto, que desafios se colocam para os profissionais, em particular nos processos de planejamento da sua intervenção? ◆◆ superar o “progresso linear” fundado na especialização, na técnica, na instrumentação da vida, para exercício de uma prática politicamente dimensionada; ◆◆ ultrapassar a construção de tipos e padrão de sujeitos, que os enquadram nas normativas institucionais e nos fundamentos metodológicos das profissões; ◆◆ estabelecer estratégias institucionais favorecedoras da visão de totalidade, des-hierarquizando as relações; ◆◆ operar ações coletivas entre diversas áreas como força de enfrentamento às exigências históricas; ◆◆ imprimir na prática particular as determinações gerais, produzindo condições de superação de ambas, recriando permanentemente e de modo obstinado, espaços e consciências; ◆◆ não negar conhecimentos próprios das áreas de saber, conjugando-os na formulação, execução e avaliação de uma política pública, dever do Estado e direito do cidadão, - em particular, superadora da concepção da assistência social como benesse, favor, espaço de subserviência e de clientelismo; ◆◆ cultivar a cultura, a crítica e a capacidade de formular, recriar e avaliar propostas que apontem para a progressiva democratização das relações sociais.
Aos profissionais cabe apreender a condição de agente de mediações promovendo: a) a valorização do protagonismo e da autonomia de grupos populacionais carentes de modos próprios de reprodução e de formas de acesso a bens, serviços e riquezas, com vistas a sua emancipação política; b) o acesso a programas, benefícios, ações das entidades públicas não governamentais e órgãos governamentais, qualificados como direitos sociais; c) respostas às necessidades de sobrevivência e de socialização de sujeitos na perspectiva da superação da alienação e da des-coisificação da vida. Uma das estratégias para todas essas conquistas é o registro do trabalho do assistente social considerado um instrumento de que o profissional dispõe para melhor contribuir com a sociedade. Fundado na atitude investigativa e inconformada perante os problemas sociais, no trabalho com as diferenças que valorizam e robustecem a história criando oportunidades de lançar olhares para a totalidade social e oferecer respostas ao cotidiano, o registro sistemático do trabalho profissional desenvolve e amadurece novas possibilidades de atuação. Voltar ao sumário
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Na prática cotidiana ganha relevo como mediação, com repercussões de politização e valorização da profissão. Marca a história profissional e social de entidades, de sujeitos, de tempos históricos, de modos culturais que compõem o acervo de conhecimentos e práticas de um importante ser singular (como profissão) e ser genérico, enquanto elemento inserido na práxis social. Como mecanismo de diálogo do profissional com a realidade na perspectiva histórica, o registro profissional garante a radicalização da particularidade do exercício profissional na totalidade das instituições e dos campos de intervenção, tendo como objetivos: ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆
qualificar o profissional de modo crítico; requalificar a prática de modo permanente; remodelar métodos e procedimentos; promover condições de acumular dados/informações sobre a realidade social e a vida de sujeitos; balizar o acolhimento de demandas, transformando-as em objetos profissionais que tencionam políticas sociais públicas; constituir elemento de síntese totalizadora das ações profissionais e ponto de partida para sua continuidade; colher elementos para compor totalidade social em patamares superiores de conhecimento e socialidade; criar condições de produção de conhecimentos novos sobre o social e o profissional; organizar os espaços profissionais particulares, otimizando argumentos e respostas práticas.
A exemplo do planejamento, o registro do trabalho do assistente social também é dividido em quatro eixos, a saber:
1. registro relativo à estruturação institucional: que permite ao profissional o domínio sobre a organização e o funcionamento institucional otimizando ações e decisões voltadas tanto para o ambiente interno quanto externo, que venham dar sentido às finalidades institucionais e do serviço social na direção do atendimento às necessidades sociais e humanas e da emancipação de sujeitos. 2. registro relativo a prática profissional cotidiana: fundamental para o entendimento sobre as determinações da questão social que se manifesta por meio dos conflitos e problemas sociais com os quais o assistente social se depara no seu dia-a-dia, para gerar objetos de intervenção nessas realidades dando respostas imediatas e mediatas aos destinatários dos seus serviços profissionais; 3. registro referente as atividades que envolvem as relações interprofissionais: geradas pela atuação simultânea com outras áreas do conhecimento dando densidade e integralidade às ações profissionais; 4. registro relativos as forças que alavancam a profissão: advindas das relações com entidades representativas da categoria profissional e de outros trabalhadores, com as escolas de formação profissional, com a rede de serviços e outros agentes).
Considerando esses quatro eixos, alguns itens para o registro do trabalho profissional são apresentados a seguir.
Estruturação Institucional ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆
cadastro de usuário; cadastro de contatos; cadastro da rede; caracterização e elegibilidade; sustentabilidade;
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base física e infraestrutura; mantenedora ou órgão responsável; RH (Gestão de pessoas); colaboradores eventuais.
Serviços e atividades desenvolvidos ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆ ◆◆
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gestão; plano e programas institucionais (vinculados à Política Pública); plano de ação profissional (interdisciplinar); projetos de atendimento com usuários; memórias de reuniões; registro de articulações horizontais (rede) e verticais (conselhos, órgãos gestores das 3 esferas de governo); representações político-institucionais – CFESS/CRESS/ Conselhos/ Fóruns; relatórios técnicos – atendimento individual direto: -- atendimento direto com grupos ou famílias; -- de monitoramento e avaliação sistemática; -- final de gestão e de prestação de contas; supervisão técnica; entrevistas; prontuários; pareceres; diário de campo.
Articulação exercício e formação profissional ◆◆ supervisão acadêmica; ◆◆ participação no Fórum de Supervisores de IES.
Bibliografia e referências ◆◆ textos, artigos, normas e legislações pertinentes à área e de conhecimentos gerais.
Aprimoramento e qualificação sócio-profissional continuada ◆◆ registro de participações em cursos; ◆◆ apresentação de trabalhos em eventos; ◆◆ produções.
É nesse sentido que podemos afirmar: “São tão fortes as coisas. Mas, eu não sou coisa e me revolto” (Carlos Drumond de Andrade) Feliz daquele que ainda cultiva as forças da revolta e da resistência.
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O TRABALHO COM FAMÍLIAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ACOLHIDOS: LIMITES E DESAFIOS EM DEBATE Eliane Aparecida Pinheiro* Dunia Comerlatto**
1 Introdução O interesse em estudar sobre o trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos surge de indagações profissionais acumuladas em meio à trajetória profissional nos espaços de atendimentos sociojurídicos1. A partir daí, formula-se uma questão geral que se impõe em torno dessa temática interventiva: em que medida o trabalho realizado com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos tem assegurado o retorno à convivência com a família de origem? Agregada a essa questão, torna-se oportuno discutir sobre os limites e as possibilidades identificados na intervenção com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, com vistas a analisar aspectos sobre o trabalho com famílias de crianças e adolescentes acolhidos, considerando as perspectivas de asseguramento no retorno da convivência com a família de origem. Nesse sentido, apresenta-se uma discussão situando a legislação em defesa e garantia do direito das crianças e adolescentes no que concerne à convivência com a família de origem, descrevendo sobre o trabalho realizado com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, identificando os limites e possibilidades que permeiam esse trabalho e ao mesmo tempo as ações desenvolvidas no campo das políticas públicas na atenção a essa temática interventiva. O caráter metodológico deste estudo é qualitativo, uma vez que, conforme assinala Minayo (2000, p. 21-22), “responde a questões muito particulares” e “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes”. O instrumento escolhido para colher informações dos sujeitos pesquisados foi o questionário com perguntas abertas e fechadas. Tais sujeitos totalizaram quatro técnicos, integrantes de uma equipe profissional em um Serviço de Acolhimento Institucional, atuantes no período de 2010 a 2013. As informações colhidas foram ordenadas e sistematizadas de modo a obter análises, as quais passam a compor os itens deste artigo. Um dos itens estruturantes * Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, assistente social vinculada ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina / Comarca de Herval D’Oeste - SC. ** Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul - PURS, professora vinculada ao Curso de Serviço Social e ao Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó / Chapecó - SC. 1 Os ambientes sócio-jurídicos referidos dizem respeito ao Escritório Sócio-jurídico da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), local de trabalho entre os anos de 2001 a 2011 atuando em questões envolvendo guarda, destituição do poder familiar, adoção, dentre outras demandas relacionadas à família. Mais recentemente, desde 2011, o trabalho é desenvolvido como assistente social no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Comarca de Herval D’Oeste (SC).
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da discussão é a família e o direito à convivência familiar, considerando a concepção e as questões legais. Outro item aborda sobre aspectos da realidade pesquisada. Por fim, estão as considerações finais, que indicam questões conclusivas e ao mesmo tempo potencializam a continuidade do debate em torno deste tema. O acolhimento, como medida de proteção infanto-juvenil determinada judicialmente, remete ao assistente social (num primeiro plano) a elaboração de estudos sociais. O fluxo de processamento para realização desses estudos tem permitido observar dificuldades vivenciadas pelas famílias envolvidas. Dificuldades essas que traduzem na alteração e superação das condições materiais e afetivas adversas, e na regra, complexificadas, as quais desencadeiam a “retirada” dos filhos menores de idade do próprio convívio familiar. Ainda, a garantia do retorno desses filhos ao convívio com a família de origem e a limitação em desenvolver um trabalho profissional efetivo com as essas famílias na rede pública (dita, de proteção), configuram-se como outras dificuldades a serem enfrentadas. Trata-se de uma limitação perceptível, uma vez que os acolhimentos, na maioria das vezes, têm ocorrido antes que a rede pública consiga esgotar as possibilidades de trabalho com a/s família/s ou até mesmo antes de iniciar qualquer intervenção. O serviço de acolhimento institucional denominado Abrigo Municipal Anjos da Luz2, instituição que compõe a rede de proteção à criança e ao adolescente do município de Herval D’Oeste3, encontra-se em fase de adequação, tendo como base as orientações técnicas descritas na obra “Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” (2009). Essas orientações regulamentam as exigências nessa direção, quais sejam: (a) excepcionalidade do afastamento do convívio familiar; (b) provisoriedade do afastamento do convívio familiar; (c) e preservação e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Legislações em nível nacional brasileiro como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei Federal 8.069 de 13 de julho de 1990), o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), a Lei nº 12.010/20094 e documentos normativos como as “Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes”, constituem-se importantes instrumentos para apoiar a equipe técnica do serviço de acolhimento, tanto na execução como no monitoramento do trabalho junto às famílias. Esse trabalho deve ser realizado imediatamente após o ingresso da criança ou do adolescente no serviço de acolhimento. Tais documentos posicionam a família como foco da intervenção das políticas sociais, na especificidade do retorno das crianças e adolescentes ao convívio familiar e delimitam um caminho na implementação dos serviços de proteção. O direito a convivência familiar é incluído como fundamental e a importância da família é reconhecida como necessária e primordial no desenvolvimento e formação da identidade do ser humano. 2 As normativas atuais alteraram a denominação de instituições de abrigos para serviços de acolhimento. No caso do Abrigo Municipal Anjos da Luz, o nome da instituição não foi alterado, desta forma ao se referir ao serviço de acolhimento municipal, ainda será utilizado o termo abrigo. 3 Município sede da comarca, localizado no Meio Oeste Catarinense. A população do município, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de 21.219 habitantes (IBGE 2010). Ainda segundo dados do Mapa de Pobreza e Desigualdade dos Municípios Brasileiros - 2003, a incidência de pobreza em Herval D’Oeste atinge 35,9% da população do município. 4 A Lei nº 12.010/2009, introduz inovação no Estatuto da Criança e do adolescente no que tange ao direito a convivência familiar. Voltar ao sumário
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Sentir-se parte de uma família sugere o pertencimento a um grupo, característica essencial para o ser humano se desenvolver integralmente. Nesse sentido, é preciso romper com a histórica institucionalização de crianças e adolescentes como regra e fortalecer os vínculos com as famílias de origem - potencializando-as para exercer suas funções protetivas como sujeitos do processo de solução e superação da lógica de culpabilização e/ou vitimização5. O trabalho com famílias nesse contexto, deve primar pelo esclarecimento dos motivos que desencadearam o acolhimento (como uma medida provisória de proteção) e a proposição de ações que possam contribuir para a superação das situações geradoras. O Estatuto da Criança e do Adolescente no Art. 19 § 3º e no Art. 101, principalmente nos §4º e §7º, explicita a obrigatoriedade de desenvolver o trabalho nessa direção. Na realização do trabalho com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, tem-se verificado certas fragilidades na efetivação da rede de proteção social. Uma delas se reveste da necessidade de clarificar a concepção de família e ao mesmo tempo, a abordagem a ser adotada no trabalho com essas famílias, uma vez que a intervenção não deve se reduzir em orientações seguidas de “aconselhamentos e exigências”, tampouco impedir que profissionais e usuários possam construir e firmar caminhos e propostas que fortaleçam, de modo emancipatório, os integrantes da família em defesa da proteção e convivência. Nessa perspectiva, a intervenção profissional deve se voltar às demandas dos usuários, salvaguardando amplamente os direitos familiares. É de responsabilidade direta da equipe do serviço de acolhimento tal intervenção, até porque a destituição do poder familiar só deverá ocorrer quando esgotadas todas as possibilidades de manter as crianças e adolescentes em suas famílias de origem. Portanto, toda e qualquer intervenção desempenhada pelos trabalhadores do poder judiciário deve, sob base legal e política, assegurar num primeiro plano a garantia ao convívio familiar na família de origem. Além desses trabalhadores, está atribuída aos trabalhadores da rede pública do poder executivo municipal a responsabilização de articular e implementar ações capazes de incluir, de modo setorial e intersetorial, esses usuários em, programas, projetos e serviços que promovam a superação das dificuldades e das exclusões socialmente enfrentadas, sejam essas individuais e/ou coletivas.
2 A Família e o direito à convivência familiar: concepção e questões legais Posicionar o acolhimento institucional de crianças e adolescentes como uma medida de proteção (provisória e excepcional), exige reflexão e acima de tudo, mudanças na concepção de família e nas questões legais que fundamentam a garantia do direito à convivência familiar. Sendo assim, um olhar diferenciado em relação aos seus padrões tradicionais precisa ser adotado no que concerne aos modos de “ser e viver família”. Desse modo, atuar com famílias - em especial famílias pobres em que muitos são os déficits sociais que as afetam geracionalmente, produzindo e reproduzindo violação e destituição de direitos – exige uma nova lógica: a de antecipação dos direitos. Para tal, é preciso romper com a lógica da culpabilização e 5 Quando confirmada a impossibilidade do retorno da criança e/ou adolescente ao convívio com a família de origem, a alternativa está na colocação em família substituta. Assim, o direito a convivência familiar deve ser sempre assegurado. Voltar ao sumário
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individualização da família, de modo a envolvê-la no apoio e compartilhamento das responsabilidades que lhe cabem no papel de cuidado e proteção para a formação e desenvolvimento de seus integrantes. A Constituição Federal brasileira de 1988 (CFB) estabelece no Art. 226, que a “família é a base da sociedade”, e, em seu parágrafo 4, define “como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes”. Já o Art. 227, estabelece à família o dever (de modo partilhado com o Estado e a Sociedade) “assegurar à criança e ao adolescente o exercício de seus direitos fundamentais”, dentre eles o direito à convivência familiar. Nesse sentido, os documentos normativos posteriores à CFB vêm contribuindo para consolidar oficialmente o direito das famílias de conviverem com suas crianças e adolescentes, sendo o acolhimento institucional uma das medidas protetivas asseguradas em caráter excepcional e provisório. O Estatuto da Criança e do Adolescente, reforça a função da família no que tange a sua proteção integral. O Art. 19 desse Estatuto, refere sobre o direito das crianças e adolescentes de serem criados e educados no seio de suas famílias de origem e, excepcionalmente, em famílias substitutas. Assim, a convivência familiar (e também comunitária) fica explicitamente estabelecida como um direito que deve ser intransigentemente defendido e garantido. Com base nos princípios e fundamentos presentes na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, na Convenção dos Direitos da Criança de 1990 e na Lei Orgânica de Assistência Social de 1993, conclui-se em 2006, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária6. O referido Plano propõe o rompimento de concepções, e práticas assistencialistas e institucionalizantes, reafirmando a importância do convívio familiar. Na perspectiva de garantir esse direito, a Política Nacional de Assistência Social (2004), traduzida no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), demarca a família como eixo central de suas ações. Desse modo, a matricialidade familiar é definida pela referida política como um dos eixos estruturantes, ao reconhecer sua importância na vida individual e grupal das pessoas, independente do formato que assume em sua organização e dinâmica. A centralidade na família, significa uma superação da perspectiva individualizada do atendimento, ao agregar crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos como membros integrantes do todo do grupo familiar. Portanto, a família precisa ser olhada e atendida na sua integralidade de organização e dinâmica de relações. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) organiza o sistema de proteção social em básica e especial, em diferentes níveis de complexidade. No que se refere à proteção social especial, classifica-se em média e alta complexidade. A média complexidade se destina às famílias e indivíduos em que os direitos foram violados, sem que os vínculos familiares e comunitários estejam rompidos. Definem-se como serviços de alta complexidade: atendimento integral institucional (no caso o serviço de acolhimento); casa lar; república; casa de passagem; albergue; família substituta; família acolhedora; medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade e trabalho protegido. No que concerne aos serviços de acolhimento institucional, a finalidade está em atender indivíduos com necessidade de afastamento do núcleo familiar. O trabalho 6 O Plano foi construído com a ampla participação da sociedade civil organizada e de setores/ organismos governamentais. Voltar ao sumário
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é direcionado às pessoas em condição de risco pessoal ou social. Nessa direção, a Proteção Social Especial de Alta Complexidade deve priorizar a construção de novos modelos de atenção e/ou “abrigamento” dos indivíduos que não contam mais com a proteção e o cuidado de suas famílias, em contraposição aos antigos abrigos, orfanatos e asilos (BRASIL, 2004). A Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009) estabelece que os serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes deverá ser organizado em conformidade com o que está prescrito no Estatuto da Criança e do Adolescente e nas Orientações Técnicas dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009). Tal documento reafirma a excepcionalidade de afastamento do convívio familiar e que todos os esforços devem ser direcionados no trabalho com a família, com vistas ao retorno das crianças e adolescente ao seu convívio. Outro aspecto posicionado é de que a condição de pobreza não pode ser motivo cabal para afastar a criança e o adolescente do convívio familiar ou inviabilizar seu retorno. Em 2010, foi aprovada a Lei nº 12.010, denominada de “Lei da Adoção”, que altera alguns artigos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e reafirma o direito a convivência familiar. Com a adequação da legislação e o estabelecimento de algumas normativas, - pontuando a convivência familiar como um direito que deve ser garantido - mais uma vez, a medida de acolhimento institucional é reforçada como àquela que só deve ocorrer após esgotadas as possibilidades de permanência da criança e adolescente junto à sua família de origem uma vez que “toda e qualquer” família tem o direito de ser atendida e de acessar as políticas públicas, visando superar as situações que propiciaram o afastamento das crianças e adolescentes. Nessa ótica, o trabalho com famílias requer uma metodologia, pautada por um plano de trabalho construído e reconstruído com as famílias envolvidas, com respeito às suas especificidades de histórias de vida, condições e situações vivenciadas. Ao considerar os diferentes contextos familiares e as necessidades demandadas pela particularidade de cada um desses contextos, o trabalho profissional passa a exigir modos inovadores de conceber e proceder com as ações direcionadas às famílias envolvidas no acolhimento institucional. Por isso, os profissionais que trabalham com essas (entre outras) famílias precisam desconstruir a visão “conservadora e moralista” de concebê-la e com ela atuar. Como alternativa metodológica deve-se firmar ações eficazes para superar as dificuldades e dinamizar a convivência familiar com vínculos fortalecidos. Assim, refletir sobre os valores que possuem de família e como as concebem, colocam-se como o primeiro passo para melhor compreender as situações que se apresentam isentos de preconceitos e julgamentos. Com essa visão de partida, é possível ter abertura pessoal e profissional para entender os diferentes arranjos familiares e as diferentes situações que se apresentam a partir do referencial da própria família com que se está trabalhando. Trata-se, pois, de uma atitude importante para alcançar um trabalho qualificado junto às famílias envolvidas com o acolhimento institucional. Nesse sentido, os Planos Individuais de Atendimento (PIA), configuram-se em mecanismos afirmativos para tal, pois são ferramentas importantes na construção de uma proposta de trabalho compartilhado com a família das crianças e adolescentes acolhidos. Contudo, não deve ser entendido e operacionalizado como mera formalidade para exercer controle sobre os sujeitos envolvidos. O PIA7 é uma estratégia me7 O Plano Individual de Atendimento, deve ser elaborado imediatamente ao acolhimento de crianças Voltar ao sumário
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todológica para envolver os diversos atores que integram a rede de proteção especial no campo das políticas sociais.
2.1 Família(s): alguns apontamentos A família tal qual a conhecemos e a vivenciamos se modificou historicamente, passando por significativas transformações ao longo dos séculos e que não retiraram de si o fato de ser concebida como uma instituição universalmente “indispensável” na vida em sociedade. Hoje em dia, compreender o significado de família exige um resgate breve referente ao percurso seguido por essa instituição social. Segundo Ariès (1981) na idade moderna, a família começa a se organizar em torno da figura paterna, considerando o homem provedor e a mulher e as crianças com autonomias diminuídas. À mulher cabia assumir a função do cuidado e da educação dos filhos, cuidado com os idosos, como a maior e (quase única) responsável pela assistência a todos os membros da família. As famílias mais abastadas economicamente se organizavam pautadas pelo modelo de família nuclear burguesa, o que foi se estendendo (como imperativo) às famílias das classes populares. A Igreja e o Estado influenciaram significativamente na adesão desse padrão, reforçando a ascensão do sentimento relativo à vida familiar nos moldes burgueses. A psicologia e outras áreas profissionais no campo das ciências humanas e sociais imprimiram a discussão do papel da família na vida da criança e a responsabilidade com a educação dos filhos. Essa função da família foi responsável pelo desenvolvimento da afetividade dos pais para com seus filhos. O relacionamento e os laços familiares passaram a servir de base para o reconhecimento da família moderna. O principal papel da família se instituiu como sendo o de procriação e da educação das crianças, “frutos” do casamento e de responsabilidade familiar. O modelo de família nuclear burguês - aceito por muito tempo como ideal e “verdadeiro” pela sociedade - tem implicações e exerce influência em diferentes meios, sejam privados ou públicos. Segundo Mioto (2008) a partir da definição do modelo de família nuclear como o ideal, a sociedade estabeleceu uma separação entre famílias normais e anormais, entre capazes e incapazes. As capazes seguem a regra estabelecida e, independente de sua condição, desempenham as funções que lhe são atribuídas pela sociedade. Na categoria das famílias incapazes estão àquelas que não conseguem desempenhar as expectativas sociais que lhe foram atribuídas, requerendo, não raras vezes, intervenção externa. As famílias que não correspondem aos padrões burgueses são responsabilizadas pelo fracasso escolar de seus filhos, por problemas de delinquência juvenil, pelo uso de drogas, violências entre outras situações conflitantes e críticas ao convívio e à formação pessoal. A categorização das famílias como capazes ou incapazes, sãs ou doentes, normais ou anormais se encontra fortemente arraigada tanto no senso comum como nas propostas dos políticos e dos técnicos responsáveis pela formulação de políticas sociais e organização dos serviços (MIOTO, 2008, p. 51).
Szymanski (2007) identificou em seus estudos a existência do que denominou de “família pensada e família vivida”. A família pensada é projetada como a imagem e adolescentes para orientar o trabalho durante a manutenção da medida de acolhimento e visa a superação das situações que ensejaram a aplicação da medida. Voltar ao sumário
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ideal, correta e boa de ser família, reproduzindo a ideia de família nuclear burguesa composta por pai, mãe e filhos, vivendo uma relação feliz e harmoniosa. A família vivida significa a realidade vivenciada, constituída a partir de possibilidades e escolhas, na maioria das vezes não correspondendo à família pensada. Ou seja, a família se organiza, com estruturas variadas: mães com filhos ou pais com filhos, avós e netos e outros arranjos possíveis. Apesar do modelo dominante ainda ser valorizado, constata-se que cresce a cada dia diferentes tipos de arranjos familiares como as uniões de homossexuais, uniões livres, etc. Esses arranjos diferenciados do nuclear burguês não podem ser considerados como formas erradas de viver família e como o fim da instituição familiar, mas como organizações familiares que correspondem à realidade da maioria da população. Mesmo que a família nuclear ainda seja muito concebida como a forma ideal de família, ela já não consegue corresponder às necessidades e possibilidades das pessoas. Então, o questionamento que persiste é: por que muitos profissionais e instituições insistem em utilizar o conceito de famílias desestruturadas para analisar àquelas que estão organizadas de modo diferenciado da família nuclear burguesa? A configuração que as famílias assumem é determinada por vários fatores, dentre eles, destaca-se a alteração do papel da mulher. As mulheres conquistaram espaço público na condição de trabalhadoras e “lutadoras” em movimentos sociais pela própria necessidade de sobrevivência econômica e política. A sua condição de mãe e cuidadora, apenas, restrita ao espaço da casa e do lar, foi sendo modificada e, consequentemente, modificou a dinâmica familiar. Considerando as transformações ocorridas, Szymanski (2007) refere que as famílias, em seus próprios ambientes, instituem tipos de organização e dinâmicas de acordo com a realidade em que vivem e, em decorrência, pelas representações que possuem acerca de sua identidade, de seus valores e de seus ideais. Portanto, falar em família é falar em diferentes realidades e representações, sonhos e projetos individuais e coletivos. Assim, constituiu-se como “espaço indispensável para garantia da sobrevivência de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando” (FERRARI; KALUSTIAN, 1997, p. 11-12). Nesse sentido, Mioto define família como sendo [...] um núcleo de pessoas que convivem em um determinado lugar, durante um lapso de tempo, mais ou menos longo e se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. É marcada por relações de gênero e, ou de gerações, e está dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida (2000, p. 217).
Trata-se de uma definição que precisa ser refletida em diferentes meios em apoio às relações sociais e aos atendimentos ofertados pelas políticas públicas setoriais, como é o caso da Assistência Social, Saúde e Educação. Mesmo que existam as condições materiais necessárias para a manutenção e desenvolvimento dos integrantes familiares, Sarti (1996, p. 33) afirma que “a família não é apenas o elo mais forte dos pobres, o núcleo da sua sobrevivência material e espiritual, o instrumento através do qual viabilizam seu modo de vida, mas é o próprio substrato de sua identidade social”. Na família os indivíduos desenvolvem a identidade social. Nesse espaço, o universo de valores se estrutura e, por meio deles, a família busca explicar o mundo e vivê-lo no Voltar ao sumário
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seu cotidiano. Não se pode pensar a família das classes “ditas populares” posicionando a pobreza como ponto central e determinante de análises e práticas. Ainda, que a precária situação econômica vivida seja considerada como a principal dificuldade na manutenção dos vínculos familiares satisfatórios. A família como espaço de convivência, constituída por pessoas, processa relações de trocas afetivas e também de conflitos. O choque de gerações, a dinâmica imposta pelo mundo do trabalho e das relações, sem dúvida, afetam o grupo familiar e, muitas vezes, geram situações adversas conflitantes no seu convívio. Desse modo, a família não se coloca isenta de influências externas, pois é um lócus privilegiado de relações e tensões. O sistema de poder presente no meio social, de certa forma, é reproduzido pela instituição familiar, pois ainda predomina o pensamento de uma estrutura familiar com base no poder da autoridade paterna e na relação submissa da mãe e dos filhos. A contemporaneidade tem exigido uma superação da compreensão conservadora de família como apenas uma unidade econômica. É necessário entendê-la como um núcleo afetivo importante, vinculado por laços consanguíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero. Nessa lógica, a família deve ser apoiada e ter acesso às condições para responder ao seu papel protetivo, no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e pessoas com deficiência. Vale ressaltar que, para a família cumprir com suas responsabilidades de proteção precisa ser considerada não apenas como espaço de cuidados, mas um espaço a ser cuidado (MIOTO, 2000). Portanto a discussão referente à família não pode ser fechada, restrita e excludente, ao contrário, precisa ser aberta e agregadora das inúmeras determinações do que é “ser e viver família”. Nessa ótica, o trabalho a ser realizado pelas diferentes políticas públicas, necessitam implantar e implementar programas, projetos, serviços e benefícios que atendam efetivamente as demandas familiares como necessidades particulares e, portanto, especiais, sempre respeitando as especificidades de organização e dinâmica.
3 O trabalho com famílias: reflexões com base na pesquisa de campo 3.1 Os sujeitos da pesquisa Os sujeitos selecionados para a pesquisa de campo integram o grupo de profissionais atuantes no serviço de acolhimento institucional, no período de 2010 à 2013. A seleção desses sujeitos considerou o fato de alguns desses profissionais - apesar de terem se afastado como trabalhadores desse serviço - continuam desempenhando funções vinculadas à Política de Assistência Social em âmbito municipal. A pesquisa contou com a participação de quatro profissionais, todos do sexo feminino, sendo três psicólogas e uma assistente social. São pessoas jovens, sendo a faixa etária entre 29 a 33 anos. A conclusão da graduação desses profissionais se deu entre nove e cinco anos atrás. Dois concluíram a graduação antes da aprovação do Plano Nacional de Promoção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, um durante o ano de sua aprovação do referido documento e o outro após essa aprovação. Quanto ao documento “Orientações Técnicas: Serviço de Acolhimento para Crianças e Adolescentes” e a Lei 12. 010, de 2009, todos os quatro concluiriam a graduação após a sua aprovação. O tempo de Voltar ao sumário
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atuação na instituição de acolhimento variou de dois anos a quatro meses. O profissional que atuou por dois anos, afastou-se em 2012, sendo admitido em seu lugar dois novos profissionais: uma psicóloga e uma assistente social. Há quatro meses outra psicóloga assumiu o trabalho no serviço de acolhimento. Assim, a equipe técnica atuante é recente, a assistente social está no serviço há nove meses e a psicóloga há quatro meses. Em relação à formação continuada, todos os sujeitos da pesquisa demonstraram preocupação e compromisso, acumulando capacitações na área do acolhimento de crianças e adolescentes. Porém nenhum desses possui cursos de especialização lato sensu na área de família, direitos e/ou acolhimento de crianças e adolescentes. Esse dado leva a considerar que o pouco tempo de atuação no Serviço, bem como a limitação de ofertas de cursos especializados, trazem implicações diretas, que podem ser afirmativas ou não, seja na formação continuada, no compromisso profissional e na qualidade dos serviços prestados.
3.2 O direito à convivência familiar: realidade ou utopia? O direito à convivência familiar está reconhecido no conjunto de legislações e documentos normativos que discorrem sobre os direitos das crianças e adolescentes. Contudo, ainda o grande desafio está em assegurá-lo, superando o mero discurso e efetivando acessos. A respeito, os profissionais pesquisados registram, de modo comum, que o direito à convivência familiar é fundamental e deve ser preservado. A convivência familiar é um direito da criança e do adolescente assegurado em Lei, no ECA e na Constituição Federal, garantindo vida digna e saudável para o pleno desenvolvimento. Crianças e adolescentes devem conviver com a família desde que lhe seja assegurado condições saudáveis de desenvolvimento físico e mental, pois a família é o ambiente em que a pessoa recebe apoio afetivo, psicológico, valores humanos e éticos (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA). [...] é um direito fundamental, pois a convivência familiar é determinante na formação do indivíduo e na construção de sua identidade. Deve ser preservado sempre que possível, mesmo nos casos de acolhimento institucional, quando a família deve receber o apoio do Estado para tornar-se um espaço saudável e adequado para desenvolvimento de suas crianças/adolescentes. Quando não é possível o convívio com a família de origem ou família extensa, a inserção em família substituta deve ser realizada da forma mais rápida possível, diminuindo a permanência em instituições de acolhimento (PROFISSIONAL B - PSICÓLOGA). O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu capítulo III, referência ao direito que crianças e adolescentes tem sobre a convivência familiar. Neste sentido e na minha concepção afirmo que a convivência familiar, se pontua como fundamental, necessária e primordial, para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, sendo que ela deve estar associada ao seu contexto sociocultural e principalmente a sua família (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). [...] evolui-se no campo dos direitos assegurados para crianças e adolescentes no que se objetiva a convivência familiar. Essas garantias são sinônimas da importância da família na construção do sujeito, propiciando um melhor desenvolvimento biopsicossocial. Sendo assim, minha concepção sobre a convivência familiar é de extrema importância na vida de crianças e adolescentes (PROFISSIONAL D- PSICÓLOGA). Voltar ao sumário
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As profissionais posicionam como ponto central na concepção do direito a convivência familiar, a importância da família no desenvolvimento das pessoas, independente de ser biológica ou não. Essa concepção “colabora” para uma postura favorável ao direito à convivência familiar e à execução do trabalho pautado no respeito às diferentes formas de “ser e viver família”. Dessa forma, podem ser traçados passos profissionais importantes na construção de estratégias efetivas e emancipatórias para a realização do trabalho com as famílias. O desafio posto aos profissionais dos serviços de acolhimento é desenvolver o trabalho superando a lógica culpabilizadora e de mera responsabilização da família pelo “fracasso” na proteção de suas crianças e adolescentes. Reconhecer a falta de acesso ou inexistência de políticas sociais para as famílias em situação de vulnerabilidade é outro aspecto a ser superado em defesa dessa garantia. A profissional A, sinaliza o direito de crianças e adolescentes no convívio familiar, enfatizando que “a família precisa ser capaz de assegurar as condições adequadas”. Contudo, muitas vezes, fica difícil para determinadas famílias devido às condições adversas em razão das destituições econômicas e afetivas acumuladas em sua trajetória de vida. A profissional B, por sua vez, alerta para a necessidade do Estado - como salvaguarda do interesse público e do bem comum - assegurar as condições básicas para que as famílias possam cumprir, de modo compartilhado, as funções de proteção e cuidado que lhes é atribuída, social e legalmente. Ao serem perguntadas se a instituição desenvolve o trabalho com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, conforme estabelecido pela Lei nº 12.010/09, no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e nas Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento, as profissionais pontuam alguns aspectos relacionados aos procedimentos e metodologias aplicados. No período em que trabalhei na Instituição somente eram realizadas visitas domiciliares para as famílias, atendimentos individuais de orientação e encaminhamento para grupos socioeducativos (PROFISSIONAL A - PSICÓLOGA). Na época em que atuei no serviço de acolhimento (janeiro/2010 a junho/2012) o trabalho com as famílias consistia em atendimentos individuais e familiares no intuito de fornecer subsídios para fortalecer as relações existentes, identificar as demandas da família e buscar, juntamente com ela, alternativas para melhorar as condições e viabilizar, quando possível, o retorno das crianças/adolescentes para casa. Para tanto, além dos atendimentos, eram realizadas visitas domiciliares, encaminhamentos para demais políticas públicas (educação, saúde, entre outras), encaminhamento para inserção no mercado de trabalho, acompanhamento das visitas ao Abrigo (PROFISSIONAL B - PSICÓLOGA). O trabalho realizado na instituição de acolhimento com as famílias é pautado no acompanhamento entre a interdisciplinaridade do Serviço social e da Psicologia, com o objetivo de acompanhar e orientar as famílias, bem como fortalecer os vínculos familiares para retorno dos acolhidos à família de origem ou excepcionalmente em família substituta. A metodologia de trabalho acontece através de atendimentos individuais e grupais, escuta atenta, entrevista, construção coletiva de alternativas para superação das vulnerabilidades vivenciadas pelo núcleo familiar, elaboração de projeto grupal com as famílias de acolhidos e em acompanhamento, visitas domiciliares, observação e intervenção nos momentos propiciados para a família visitar os acolhidos, integração da família no cotidiano do acolhido como participação na vida escolar, acompanhamento nas quesVoltar ao sumário
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tões de saúde, cultura e lazer. Cabe ressaltar que este trabalho necessita ser aprimorado, pois estamos implantando ações e tentando justificar a importância do trabalho com famílias, o qual requer interlocução da rede municipal de atendimento, apoio da gestão e envolvimento de vários segmentos (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). A metodologia de trabalho realizada na instituição de acolhimento é desenvolvida através ações psicossociais com a proposta de acompanhar os acolhidos bem como sua família de origem e ou até mesmo família extensa com o propósito de fortalecer ou criar vínculos e garantir o direito do sujeito enquanto cidadão. Com essa proposta utilizamos da metodologia de trabalho embasado na práxis profissional com os instrumentais de atendimento individual, grupal, visita domiciliar, entrevistas, observação, integração da família nas diversas atividades em que os acolhidos estão inseridos, elaboração de estratégias de superação das dificuldades vivenciadas pela família e em casos excepcionais preparação para a inserção em família substituta. Salientamos que o desenvolvimento deste trabalho requer aprimoramento e maior junção de ações interligadas com as redes de atendimento municipais (PROFISSIONAL D - PSICÓLOGA).
Observa-se nas respostas a existência de um trabalho com as famílias envolvidas no serviço de acolhimento. Importante destacar que a profissional B cita os encaminhamentos das famílias para as demais políticas públicas, mas não especifica se existe uma interlocução no trabalho ou se o mesmo se reduz a meros encaminhamentos para outros serviços. A profissional A, registra que são realizados encaminhamentos apenas para grupos socioeducativos e as profissionais C e D, citam a necessidade de fortalecer e estabelecer a relação com a rede de atendimento. Considera-se por meio dessas respostas a existência de uma relação frágil entre o Serviço de Acolhimento e os demais serviços que devem compor a rede de proteção social. Cabe ressaltar que o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), enfatiza a necessidade da articulação entre as políticas públicas na garantia dos direitos de crianças e adolescentes. As crianças e adolescentes tem direitos subjetivos à liberdade, à dignidade, à integridade física, psíquica e moral, à educação, à saúde, à proteção no trabalho, à assistência social, à cultura, ao lazer, ao desporto, à habitação, a um meio ambiente de qualidade e outros direitos individuais indisponíveis, sociais, difusos e coletivos (BRASIL, 2006).
Ainda, o referido Plano, estabelece para o Estado a responsabilidade de oferecer serviços de proteção, prevenção e superação das situações de violação de direitos. Portanto, qualquer tentativa de intervenção com as famílias dos acolhidos com a finalidade de superar as motivações que levaram ao acolhimento, exige a construção de um trabalho em rede, envolvendo todas as políticas públicas do município e região. É curioso observar que o universo das profissionais respondentes, não menciona, em momento algum, a elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA) como parte integrante no trabalho com as famílias dos acolhidos. A elaboração do PIA, é exigência incluída no Artigo 101 §4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a aprovação da Lei nº 12.010/2009 e determina que: Imediatamente após o acolhimento da criança e do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente [...]. Voltar ao sumário
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O PIA não pode ser mero cumprimento de um dispositivo legal, mas a construção de um plano com estratégias para enfrentar as situações que levaram ao acolhimento da criança e/ou adolescente. É uma ferramenta importante para o trabalho dos técnicos com todos os sujeitos envolvidos, pelo fato de requerer mais que o “simples preenchimento de um formulário”, pois É um documento que envolve a vida das pessoas e deve promover todos os direitos fundamentais da infância e adolescência, compreendendo que, embora a permanência da criança e do adolescente no abrigo seja provisória e excepcional, ela deve ser vista como um período importante em sua trajetória de vida (BERNARDI, 2010, p. 108).
Nas orientações técnicas para os serviços de acolhimento está descrita a necessidade de a família ser envolvida na construção do PIA. Sem dúvida, sua construção em conjunto com as famílias, coloca-se como um dos momentos principais no trabalho da equipe técnica que atua no Serviço de Acolhimento. As profissionais referem que o trabalho com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos propicia o direito à convivência familiar, justificando que: “[…] ao realizar efetivamente o trabalho com as famílias começa a fortalecer os vínculos familiares e a desempenhar o papel de cuidado e proteção” (PROFISSIONAL A - PSICÓLOGA). Ainda, que [...] o trabalho com famílias é essencial na garantia do direito à convivência familiar. Deve ser realizado de forma a fortalecer e apoiar as famílias no tange as relações, bem como na garantia de acesso as políticas públicas de habitação, saúde, trabalho, educação, entre outras. Penso que sem o aporte do Estado, oferecendo o apoio técnico no trabalho com as famílias, o direito à convivência familiar das crianças acolhidas/ adolescentes acolhidos torna-se inviável (PROFISSIONAL B - PSICÓLOGA). O trabalho com as famílias tem uma vasta importância para o fortalecimento e até mesmo a criação de vínculos familiares, bem como a superação de vulnerabilidades e assim é um aporte para a garantia da convivência familiar com dignidade (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). A partir do momento que a família passa a ser acompanhada e suas fragilidades e dificuldades trabalhadas no sentido de superar os obstáculos que levaram ao acolhimento, as tentativas de regresso ao seio familiar são aumentadas tendo como consequência o retorno familiar e garantido assim a convivência familiar (PROFISSIONAL D – PSICÓLOGA).
Somente a profissional B pontua sobre a necessidade de aporte do Estado para assegurar o acesso das famílias às políticas públicas setoriais. O trabalho com família precisa garantir o acesso a essas políticas, caso contrário qualquer intervenção empreendida ficará limitada ao plano individual, sugerindo a culpabilização da família em razão do acolhimento efetuado. Muitas vezes a história de vida dos membros da família e suas condições sociais são desconsideradas, mesmo diante das evidências de que a maioria das crianças e adolescentes acolhidos, estão inseridos em famílias pobres que vivenciam complexas situações de vulnerabilidade social e violação de direitos. Dados do Levantamento Nacional de Abrigos realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2003, p. 17), identificou que 86,7% das crianças e adolescentes acolhidos possuem famílias e a pobreza foi a principal razão que levou ao Voltar ao sumário
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acolhimento (24,2%). Outros motivos citados foram: abandono, violência doméstica, dependência química dos pais ou responsáveis, vivencia de rua e orfandade. Pode-se considerar que algumas dessas motivações para o acolhimento estão relacionadas à condição de pobreza. Sobre isso, Alencar (2009) refere: É um quadro social que se revela no crescente empobrecimento das famílias brasileiras, que cada vez mais, são substituídas a condições de vida e de trabalho extremamente precárias. É nesse cenário, em que se conjugam a falta de empregos, trabalho precário, deterioração das condições e relações de trabalho, que os trabalhadores e suas famílias enfrentam o seu cotidiano, permeado, muitas vezes, de situações em que predomina a violência no seu modo de vida (ALENCAR, 2009, p. 76).
As profissionais citam três limites e três possibilidades identificadas no trabalho com as famílias. Relacionado aos limites, destacam questões que dizem respeito diretamente às situações envolvendo a família e a rede pública de atendimento: “Falta de assiduidade das famílias nas atividades propostas, dificuldade de inserção dos familiares nos serviços da comunidade e em projetos assistenciais e carência de profissionais para realizar o acompanhamento familiar” (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA); “No caso de uso de substâncias químicas pelos familiares, dificuldades para encaminhar para tratamento e limitada adesão ao tratamento e falta de equipe completa e/ou exclusiva para o serviço de acolhimento” (PROFISSIONAL B – PSICÓLOGA); “Falta de programas municipais de orientação, apoio e promoção social, fragilidade na rede municipal de atendimento e convencimento da importância na participação e execução de trabalho que propicie autonomia das famílias” (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL); “Falhas na rede de atendimento, dificuldade do convencimento da participação da família e falta de políticas públicas de apoio e promoção social” (PROFISSIONAL D- PSICÓLOGA). Relacionado às possibilidades, respondem como sendo a ampliação das políticas públicas para garantir o pleno desenvolvimento das crianças, seus familiares e da comunidade em que se inserem. A realização de atividades durante as visitas, como estratégias para fortalecer os vínculos familiares entre pais, filhos e irmãos. A implantação de grupos de orientação para as famílias é a prioridade de atendimento na rede de proteção para familiares e crianças/adolescentes acolhidos. Respondem ainda, sobre a estrutura física da instituição como adequada e também o número de profissionais compatível com as exigências legais. Dentre os limites, a fragilidade da rede pública de atendimento é reiterada. Outra vez, pontua-se sobre a necessidade de trabalhar no redimensionamento das ações políticas públicas que tenham a família como prioridade. Em contrário, toda e qualquer intervenção tende a assumir uma perspectiva individualizada e isolada do contexto sociofamiliar. Outro limite está na dificuldade da família aderir aos atendimentos. Sobre essa afirmação, algumas hipóteses podem ser formuladas, quais sejam: as famílias se sentem atores e se percebem integrante do processo de superação das condições adversas? Elas se identificam com o trabalho proposto e realizado? A intervenção dos profissionais tem valorizado a família ou apenas a culpabiliza pelo acolhimento? Reforça-se que todo e qualquer trabalho desenvolvido com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos precisa superar a lógica da responsabilização e da culpabilização. Historicamente, o Estado “tratou” a família, principalmente as pobres, como incapazes de cuidar e de se responsabilizar pela proteção de suas crianças e Voltar ao sumário
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adolescentes. Romper com essa lógica é um imperativo urgente, pois ao estigmatizar a família como fracassada, desvia-se o foco sobre os talentos e as potencialidades do núcleo familiar em sua capacidade de cuidados e proteção. Quanto às possibilidades registradas para realização de um trabalho efetivo no serviço de acolhimento, têm avançado. Conta-se com equipe técnica exclusiva, conforme sugerido nas orientações técnicas para os serviços de acolhimento, bem como, com uma estrutura física adequada, formando “uma corrente para frente” para ampliar outras possibilidades de trabalho. O trabalho com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, contribui na diminuição do período de permanência no abrigo institucional, registram as profissionais entrevistadas: “[…] o trabalho com as famílias objetiva na superação das dificuldades vivências, visualiza limites e possibilidades que as famílias possuem, bem como se trabalha para a fortificação e criação de vínculos” (PROFISSIONAL C – PSICÓLOGA). Neste trabalho de acompanhamento a equipe avalia o interesse por parte da família em assumir a criança novamente, destacam-se as competências, capacidades e o que as famílias sabem fazer, para desta forma desenvolver autonomia e emancipação do público alvo. Portanto acredito que o retorno das crianças acolhidas ocorre com mais agilidade se for ofertado para as famílias alternativas de mudanças, se as respostas dadas pelos familiares na prática forem satisfatórias e se houve o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA). [...] o trabalho com as famílias é direcionado para fortificar suas potencialidades e em contra partida busca auxiliar na superação das dificuldades e assim a família se prepara reaver a guarda dos acolhidos em seu meio e agilizar o processo de retorno a convivência familiar, diminuindo a permanência nas instituições de acolhimento (PROFISSIONAL D – PSICÓLOGA).
As respostas evidenciam a importância do trabalho com as famílias. A intervenção profissional junto à família deve ser no sentido de potencializá-la para o cuidado com suas crianças e adolescentes. Perceber as ausências, as fragilidades e incluir as famílias no planejamento e decisões são de fundamental importância. Só assim, os serviços a serem ofertados poderão responder de modo adequado e efetivo as necessidades do núcleo familiar. Sobre os aspectos referentes à rede de proteção, as respostas evidenciam ser: “fragilizadas, é necessário criar estratégias de ações em conjunto para trabalhar e atender as famílias que estão prestes a vivenciar o retorno das crianças e adolescentes. Não se tem um trabalho continuo e planejado com este público alvo” (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). Fragilizada, pois deveriam ocorrer reuniões periódicas com toda rede de proteção e com um representante de cada secretaria, já que as necessidades/vulnerabilidades das famílias atendidas envolvem todos os setores, para desta forma em conjunto traçar objetivos e ações condizentes com a realidade de cada família e, cada um se comprometer e agilizar a sua parte no processo de mudança (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA). Com exceção de ministério público e poder judiciário, na época não havia mobilização da rede nesse sentido. As ações da rede se limitavam a atender os encaminhamentos do serviço de acolhimento (especialmente em relação a saúde e educação). Somente em Voltar ao sumário
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casos específicos era realizada discussão de caso com conselho tutelar e/ou outros órgãos de proteção para discutir encaminhamentos (PROFISSIONAL B – PSICÓLOGA). Acredito que as ações da rede de proteção estão deficitárias, não desenvolvendo suficientemente aporte para o retorno familiar, sendo necessário repensar as metodologias de atuação que envolve esse trabalho, bem como os serviços destinados a garantir esse direito (PROFISSIONAL D – PSICÓLOGA).
Essas respostas indicam o quanto ainda o conjunto das políticas públicas requer aperfeiçoamento na oferta de serviços. As profissionais acreditam ser necessário a articulação de ações para consolidar a rede de proteção social. Qualquer trabalho que tenha como objetivo efetivar a proteção social, exige diálogo, participação e complementariedade dos serviços que compõe a rede. A intervenção da equipe técnica do serviço de acolhimento não pode ser isolada ou desvinculada das ações das demais políticas públicas. A rede de proteção precisa ser estruturada e proporcionar o suporte necessário às famílias, a fim de que a centralidade na família e a qualidade dos serviços se elevem e consolidem, sobretudo, as ações especificas atribuídas à política de assistência social. Sobre a ocorrência de reuniões entre os técnicos do Serviço de Acolhimento com os demais integrantes da rede de proteção, respondem referindo sobre a existência de iniciativas pontuais, ainda não se configurando um procedimento sistemático. As reuniões ocorriam de acordo com a demanda apresentada e participavam os serviços que já haviam atendido a família: CRAS, CREAS e Conselho Tutelar juntamente com a equipe técnica da Instituição de Acolhimento. Em outros momentos a equipe técnica reunia-se informalmente com Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Assistente Social Forense e Oficial da Infância e Juventude para discussão de caso. Neste período estavam começando a ocorrer as primeiras Audiências Concentradas (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA). As reuniões ocorriam de forma esporádica para discussão de casos específicos. Muitas vezes foi conversado sobre a necessidade de implementação de reuniões periódicas, porém, essa ação nunca foi efetivada, um dos motivos seria a falta de tempo dos profissionais da rede (PROFISSIONAL B – PSICÓLOGA). [...] existem de maneira esporádica, reuniões para discussão de caso, elas acontecem quando o órgão julga necessário, mais ainda é realizado de maneira informal, através de conversas, por telefone ou até mesmo pessoalmente, mas sem registro ou documentação destes momentos. O que tem ocorrido com mais frequência são as audiências concentradas, que tem proporcionado grande aporte para o serviço de acolhimento, porém acredito que é necessária maior interlocução dos órgãos que compõe a rede de proteção à criança e ao adolescente para um trabalho com resultado mais positivo. Quem participa destas reuniões são os técnicos dos serviços, e nas audiências concentradas Juiz, Promotor, Assistente Social Forense e oficial de Justiça da Infância e Juventude (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). As reuniões acontecem conforme necessidade e demanda, porém não existe periodicidade determinada nem formalidade desses encontros. O que temos vivenciado e tem se mostrado positivo são as Audiências Concentradas. Os participantes desses momentos são os técnicos dos serviços, e nas audiências concentradas Juiz, Promotor, Assistente Social Forense e oficial de Justiça da Infância e Juventude (PROFISSIONAL D – PSICÓLOGA). Voltar ao sumário
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A necessidade urgente de implementar encontros periódicos com os demais órgãos que compõe a rede de proteção está explicita nos registros das profissionais, bem como a dificuldade para estabelecer uma determinada rotina nesse sentido. Fica evidente, que a responsabilidade pelo trabalho com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos tem “recaído” à equipe técnica do serviço de acolhimento, o que é um equívoco. Além disso, os avanços de integração da rede na busca da superação das condições que contribuíram para o acolhimento e na busca do (des) acolhimento são imperceptíveis nesse contexto de trabalho. É curioso observar em três dos quatro registros, o destaque à importância das audiências concentradas, que são um conjunto de medidas com objetivo de sistematizar os atos administrativos e processuais a fim de garantir o retorno de crianças e adolescentes institucionalizados para as suas famílias. As audiências concentradas são resultados da Instrução Normativa da Corregedoria Nacional de Justiça, editada em 30 de junho de 2010, atendendo as alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente com a Lei nº 12.010-09, que acrescentou no Art. 19: § 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em serviço de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por uma equipe multiprofissional, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em qualquer das modalidades previstas no Art. 28 dessa Lei. Sobre a interlocução com a rede de serviços no atendimento às famílias das crianças e adolescentes acolhidos, destacam: “o diálogo entre os profissionais que atuam dentro da rede é bom e pautado no comprometimento de por em prática ações concretas, o que dificulta a efetivação das mesmas são os limites/carências de cada secretaria” (PROFISSIONAL A – PSICÓLOGA); “ocorria através de contatos telefônicos, encaminhamentos por escrito e reuniões esporádicas para discussão de casos” (PROFISSIONAL B – PSICÓLOGA). Acredito que existe empenho por parte das equipes em buscar estratégias no atendimento com as famílias, o que embarga são os limites existentes na política municipal das secretarias em dispensar um olhar para a importância do trabalho de fortalecimento das famílias (PROFISSIONAL C – ASSISTENTE SOCIAL). A rede de serviço é composta por profissionais envolvidos em propostas para atender este público, mas ainda temos muitas dificuldades para serem superadas, como falta de profissionais, falta de articulações limitando o desempenho de um trabalho com a qualidade necessária, bem como a interlocução da rede de serviços (PROFISSIONAL D – PSICÓLOGA).
Esses registros reforçam a fragilidade marcada na rede de proteção às crianças e adolescentes, pontuando os limites como: a falta de estrutura; a não convicção sobre a importância do trabalho com as famílias dos acolhidos por parte dos demais integrantes da “rede de proteção”; e a incompletude da rede e do trabalho desenvolvido com as famílias. Assim, compromete-se a construção de intervenções efetivas quando os direitos constitucionais são inacessíveis. A realidade das famílias de crianças e adolescentes acolhidos, na sua grande maioria, é marcada pela pobreza e pelas condições precárias e provisórias de trabalho, resultando situações difíceis para o cuidado e proteção do grupo familiar. E, o que se percebe cotidianamente, além Voltar ao sumário
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dessa dramática realidade que afeta as famílias, é a dificuldade de acesso e inclusão em ações socioassistencias para seu enfrentamento.
4 Considerações finais A sistematização de aspectos legais e analíticos acerca do acolhimento institucional de crianças e adolescentes e o trabalho com as famílias - a fim de assegurar o direito ao retorno ao convívio com a família de origem - garantido na legislação brasileira e uma reflexão crítica na (des)construção de concepções pré-concebidas em torno do Serviço de Acolhimento Institucional - em especial a intervenção dos profissionais que compõem a equipe técnica atuante - como resultantes deste artigo são de fundamental importância para promover o debate acadêmico-profissional. Conhecer a opinião das profissionais sobre a ação realizada como trabalhadoras junto ao Serviço de Acolhimento, proporcionou uma compreensão, principalmente sobre os limites e as possibilidades identificados por elas na intervenção junto às famílias das crianças e adolescentes acolhidos. A realidade pesquisada indica que a medida de acolhimento institucional, assim como o trabalho profissional com as famílias enfrentam significativos limites teórico-metodológicos, o que exige redimensionar o “caminho interventivo”. Caminho esse, ainda incipiente, portanto, a ser construído de modo articulado entre os diferentes setores de políticas públicas no âmbito local/regional. Relacionado à legislação em defesa da garantia do direito das crianças e adolescentes à convivência com a família de origem, observou-se que os profissionais têm clareza desse direito e a concepção que permeia o trabalho está pautada nessa lógica, quando buscam assegurar tal garantia, imediatamente após o acolhimento ter ocorrido. Salvo determinação judicial em contrário, o contato com a família é mantido sendo agendado o primeiro atendimento, ocasião em que as famílias são orientadas sobre os dias e horários de visitas e sobre a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA), o qual requer a sua participação. Quanto ao trabalho realizado com as famílias das crianças e adolescentes acolhidos, verificou-se que o mesmo consiste em visitas domiciliares, entrevistas individuais e grupais, encaminhamento para “grupos socioeducativos” e para outros setores de políticas públicas, como educação e saúde, mais especificamente. Todos os profissionais pesquisados destacaram a importância do trabalho com a família na perspectiva da garantia do direito a convivência familiar e na diminuição do tempo de permanência das crianças e adolescentes no Serviço de Acolhimento. As profissionais entrevistadas têm clareza de seu papel e da função protetiva atribuída à família. Estão cientes da necessidade de fortalecer o núcleo familiar, porém a falta da rede de proteção articulada e comprometida com a garantia do direito das crianças e adolescentes à convivência familiar, tem sido uma “grande” dificuldade. Afirma-se o comprometimento das profissionais em defesa do direito à convivência familiar. No entanto, identifica-se que a estrutura dos serviços de proteção da rede pública ainda é desarticulada e, em decorrência, fragmentada. Isso traz implicações impeditivas ao desenvolvimento de ações intersetoriais, as quais requerem uma combinação técnica, discutida e assumida coletivamente. A construção de um trabalho coletivo qualificado pelo aprofundamento teórico-analítico e técnico-operativo, requer planejamento participativo, por meio do qual Voltar ao sumário
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possam ser instituídas metodologias e estratégias discutidas e estabelecidas grupalmente, envolvendo profissionais e usuários dos serviços. Desse modo, é possível desencadear uma intervenção em rede, com serviços complementares e integralizadores da atenção ao direito à convivência familiar e comunitária. O trabalho com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente necessita de respostas urgentes para as demandas que se colocam específicas e para a criação de alternativas de inclusão, proteção e autonomia. As famílias precisam se perceber e serem respeitadas como parte do processo e não apenas como coadjuvantes. Assim, a postura de vitimizar ou culpabilizar a família pela situação que gerou o acolhimento de suas crianças e/ou adolescentes necessita ser superada. Em substituição, torna-se necessário instituir metodologias para qualificar o atendimento e para contribuir na superação das condições e situações que originaram a medida de acolhimento. A intervenção não pode continuar reduzida à indicação/prescrição de ações a serem cumpridas pela família. Precisa avançar na proposição de ações concretas, com investimentos contínuos e responsabilização do poder público. A família, com certeza, tem potencial para participar dessa intervenção, de modo a apoiar a resolução dos seus problemas. Sabe-se que ao atribuir, única e exclusivamente, à família a responsabilidade de resolver seus problemas para “reaver” suas crianças e adolescentes, tem marcado um modus operandi com práticas discriminatórias, injustas e inibidoras do exercício dos direitos de cidadania. O Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente delega à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes. Portanto, o Estado, não pode se eximir do dever de efetivar políticas e programas destinados a esse fim. O conjunto das políticas públicas ainda não tem priorizado a atenção às famílias das crianças e adolescentes acolhidos. Então, torna-se urgente construir coletivamente respostas satisfatórias aos problemas das “famílias acolhidas”, instituindo e fortalecendo a rede pública de proteção social. A intervenção em rede, voltada às famílias das crianças e adolescentes acolhidos para assegurar direitos, ocorre por meio do diálogo, da reflexão, de mudanças na concepção e postura e, sobretudo, ante ao compromisso técnico –político. As considerações até aqui explicitadas não se esgotam de modo absoluto e definitivo. Estão colocadas para o debate coletivo, especialmente nos espaços de trabalho na área sócio-jurídica.
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POLÍTICAS PÚBLICAS E ENFRENTAMENTO DE VIOLÊNCIAS: CONTRIBUIÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL Deborah Cristina Amorim* Helenara Silveira Fagundes**
1 Para começar O corpo inerte chega ao Instituto Médico Legal (IML). Tinha dois anos e um severo problema cardíaco. O médico informou à família, logo que ele nasceu, que as chances de chegar à idade adulta eram limitadas. Precisaria de transplante de coração. Restava à família torcer para que um órgão compatível e viável surgisse dentro do tempo que seu próprio coraçãozinho aguentasse. Não aguentou. Morreu em casa, não chorou, não sofreu. Foi encontrado já sem vida sobre a cama. Nada mais restava a fazer. Foi levado para o IML porque não tinha outro jeito. Morreu em casa, é a convenção, precisa de autópsia. Por que submeter uma criança tão pequena a essa brutalidade? Seu destino já estava traçado, sabiam que não havia possibilidades de vida sem a realização do transplante. Poderiam poupar a família de mais essa dor. Na autópsia, contudo a situação inicial se transforma em um quadro de horror maior. A criança, de dois aninhos, morreu asfixiada. Alguém o estuprou e, para que não chorasse, fechou a boquinha e o nariz. Perdeu o controle e “matou sem querer”, foi “acidente”. Foi uma violência brutal! O relato acima poderia ser apenas uma estória, fruto da imaginação de quem escreve, mas não é. A história é real, quase cotidiana em nosso país. Crianças vítimas de violência sexual, vítimas de todas as formas de violências,1 também compõem o quadro de horrores que vivenciamos cotidianamente em nossa realidade. É difícil imaginar que criaturas tão pequenas, que precisam e merecem cuidados e proteção, sejam vistas como objetos de desejos e, pior, que sejam transformadas, por alguns, em artifícios para o alcance do prazer. Que motivações estão por traz desse ato ignóbil? Que possibilidades existem de superarmos essas atrocidades? Como nos organizamos, enquanto sociedade, para esse enfrentamento? Como nossa profissão, o Serviço Social, pode contribuir para a superação de crueldades como essa? * Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela UFSC, professora do Curso de Serviço Social da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó. Estudante do Curso de Doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. ** Assistente Social, Doutora em Serviço Social pela PUC/RS, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Orientadora. 1 Os estudos realizadas pelo Grupo de Pesquisa sobre Violências – NESVI, da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó, indicam a necessidade de compreender o fenômeno das violências em suas múltiplas facetas e possibilidades, assim, fazemos a opção pelo uso do termo no plural.
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O pai, amorosamente, prepara um lugar para colocar as crianças, de 6 e 8 anos, para dormir. O frio é intenso e o calor do fogão a lenha irá manter a temperatura mais suportável dentro do barraco. Dormirão todos juntos ao lado do fogo. Não há cobertas suficientes para todos e a alternativa é essa. O fogo permitirá que não sofram tanto a falta de cobertas e, como dormirão juntinhos, um aquece o outro, mantendo o calor através do contato humano. O mês ainda não terminou, mas o dinheiro já. Usaram o que restou para comprar algumas coisas que encham a barriga durante a próxima semana. Nessa noite alguns pães e um caldo, feito a partir de um pedaço de osso será o alimento. O caldo quente ajudará a enfrentar o frio e permitirá que as crianças não sintam fome. A mãe está no trabalho e lá terá acesso a refeições. O turno da madruga na agroindústria permite um salário um pouco maior e essa foi a alternativa possível, um trabalha na madrugada e outro durante o dia. A vida na agricultura, como agregados, já não permitia sobreviver com alguma dignidade. A busca por melhores condições na cidade grande foi a possibilidade que encontraram. Sabem que os primeiros meses serão cruéis, mas estão dispostos a fazer sacrifícios para possibilitar aos filhos uma condição de vida melhor. A escola é mais perto, a vida menos severa. “Queira Deus que as coisas sejam menos sofridas e menos doídas aqui” – é o que pedem, é o que desejam. Esse extrato de vida apresenta outra faceta das violências, tão cruel quanto a anterior. E as indagações possíveis não são menos inquietantes: por que a distribuição de renda é tão desigual? Qual a justificativa para tantas injustiças construídas socialmente? Como podemos superar as iniquidades presentes no sistema em que vivemos? Como as políticas públicas podem enfrentar essa realidade? O que nos cabe como assistentes sociais? São tantas perguntas, aparentemente sem respostas, e tantos desafios a nos provocar a acomodação e sentimentos que nos mobilizem para atitudes de proteção de seres humanos que não tem, por si só, capacidade e condições de lutar e defender seus próprios direitos, sua própria vida.
2 Violências Situações violentas são comuns no cotidiano de nossas cidades, sendo um fenômeno “democrático”, uma vez que vitimizam pessoas de todas as etnias e idades, de ambos os sexos, independente de opções religiosas, partidárias, sexuais, afetivas, condições econômicas e de classes sociais. Costumamos dizer que estamos vivendo um período extremamente violento, contudo, não há entre estudiosos sobre o tema uma convicção sobre essa afirmação. Diversamente do que é apresentado nas discussões atuais, que informam o crescimento das violências na contemporaneidade, Bonamigo, fundamentada em Chesnais (1981), afirma que: [...] a intolerância relacionada às suas práticas é resultado, na verdade, da sua diminuição, pois “[...] quanto mais um fenômeno desagradável diminui, mais aquilo que resta se torna insuportável.” O autor, baseado em uma pesquisa na Europa que abrange 200 anos, afirma que o número de homicídios diminuiu: há dois séculos, havia nos países europeus um índice de 60 a 80 homicídios por 100 mil habitantes que diminuiu para três por 100 mil. Ele analisa que os fatores responsáveis por esta queda foram as lutas dos trabalhadores, que conseguiram melhores condições de vida, a diminuição das desigualdades sociais, a criação de instituições fortes, sobretudo a educação formal (2008, p. 206). Voltar ao sumário
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Refletindo sobre essa percepção, Bonamigo (2008, p. 207) ainda nos leva a pensar [...] que a história do século 20, aquela das guerras, dos genocídios e de outros massacres de massa, convida-nos a resistir à imagem de um recuo generalizado da violência no mundo contemporâneo, pois ela aparece e se estende no seio de inúmeros espaços, constituída como um recurso, um meio de alcançar fins, e, ao lado das identidades culturais e das religiões, acompanha aspirações muitas vezes sem limites.
Assim, é necessário considerar que estamos imersos em situações de violências cotidianamente. Com base em Bonamigo (2008) é possível dizer que a humanidade modifica a forma como compreende e identifica fenômenos violentos de acordo com percepções e sensibilidades, sendo possível identificar diferentes tipos de violências dependendo da realidade em que essas acontecem. As modificações em nossa percepção e sensibilidade possibilitam hoje abranger novos tipos de violências que antes não eram considerados, como: discriminação por cor, sexo, idade, etnia, religião, escolha sexual; situações de constrangimento, exclusão ou humilhação (BONAMIGO, 2008, p. 206).
A partir dessas indicações é possível refletir sobre a forma como temos nos relacionado com as situações de violências que estão presentes no cotidiano dos espaços em que nos inserimos profissionalmente. Os assistentes sociais, assim como outros trabalhadores, têm atuado com populações que enfrentam diretamente os reveses das diferentes manifestações de violências, sejam de ordem física, psicológica, institucional, patrimonial, enfim, situações que de alguma forma desumanizam os sujeitos, desrespeitando sua cidadania. De acordo com Rocha (1996): A violência, sob todas as formas de suas inúmeras manifestações, pode ser considerada como uma vis, vale dizer, como uma força que transgride os limites dos seres humanos, tanto na sua realidade física e psíquica, quanto no campo de suas realizações sociais, éticas, estéticas, políticas e religiosas. Em outras palavras, a violência, sob todas as suas formas, desrespeita os direitos fundamentais do ser humano, sem os quais o homem deixa de ser considerado como sujeito de direitos e de deveres, e passa a ser olhado como um puro e simples objeto (apud LEVISKY, 2010, p. 06-07).
A objetivação do sujeito, a negação de sua humanidade, então, pode ser considerada como uma das mais complexas manifestações de violências, pois ao tomar o homem como objeto e subtrair-lhe a capacidade de pensar, de dialogar, de sonhar com possibilidades de outras construções reafirma-se nele a noção de incapacidade, incutindo-lhe a percepção de que se chegou ao “fim da história” e de que nada mais pode ser transformado, modificado. Se essa afirmação é real, podemos concluir que a forma como nos organizamos socialmente, a partir de um sistema econômico e político altamente concentrador de renda e de poder, é também um grande motivador de atos violentos. De acordo com Santos (2013): O modelo de desenvolvimento que um país adota, por exemplo, pode constituir-se, paradoxalmente, num vetor de violência – tanto por conta das representações hegemônicas que aciona e dissemina no tecido social, quanto pela naturalização de hierarquias Voltar ao sumário
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que estabelece. As ideias de progresso e desenvolvimento não raro transformam-se em desrespeito à diversidade e às diferentes temporalidades que marcam as formas múltiplas de organização da vida. O pensamento moderno ocidental – que, segundo Boaventura de Sousa Santos, opera por linhas abissais – fundamenta e legitima esta violência estrutural, encarregando-se de não só definir as experiências e saberes válidos como também classificar todo o resto como irrelevante.
Tema central nas discussões contemporâneas, produto de uma sociedade que alicerça-se na exploração do trabalho, na concentração de renda e que encontra na exclusão social as condições de sua reprodução, as violências vêm, cada dia mais, ocupando espaço no cotidiano das pessoas e das famílias. Somos assolados invariavelmente todos os dias por atos violentos. Se não diretamente, sendo vítimas ou algozes, indiretamente a partir de diferentes meios de comunicação, como jornais, revistas, rádios, televisões, internet. Assim, se tornaram corriqueiros e habituais, nas rodas de conversas, relatos de fatos violentos do dia a dia: é a criança que foi vítima de espancamento, o idoso abandonado pela família, o adolescente dependente químico, a mulher que apanha do marido, o homem assaltado na rua, a vítimas de acidentes de trânsito, a criança e o adolescente que são explorados no trabalho, a ofensa sexual contra crianças. Enfim, o jeito violento de viver a vida faz parte de um estilo incorporado e naturalizado pela sociedade, como se não houvesse alternativas, como se não houvesse mais possibilidades de construir relações sociais, comunitárias e familiares pautadas no respeito, na solidariedade e no compromisso mútuo.
3 Políticas públicas e enfrentamento de violências As políticas públicas brasileiras, em geral frágeis e desarticuladas, não conseguem contribuir para o enfrentamento das violências que vem se constituindo como um grande problema de saúde pública no país. As tímidas iniciativas para superar essa realidade, na maioria das vezes, não promovem alterações na vida das pessoas, pois as violências acabam sendo naturalizadas e encaradas como um problema de polícia, de segurança pública. Ou seja, não há uma percepção da sociedade de que é dever do Estado, nas diversas instâncias, assumir suas responsabilidades e atuar na definição, implantação e consolidação de diversas políticas públicas. Entre elas estão a assistência social, a educação, a habitação, a saúde, a cultura, o lazer, entre outras políticas que são estratégicas para a constituição de uma sociedade inclusiva, base fundamental para o enfrentamento das violências. É urgente a compreensão que quando negamos ao ser humano a possibilidade de ter um trabalho digno, seja pela forma como o educamos, seja pela forma como o desestimulamos a superar seus limites ou quando não reconhecemos a importância do que faz; quando lhe negamos a possibilidade de uma moradia que lhe dê conforto e segurança; quando lhe tiramos a possibilidade de desenvolver a capacidade de admirar o belo; quando tolhemos a capacidade de sorrir e brincar; enfim, quando, como sociedade, negamos a condição de cidadania para homens e mulheres de nosso país, somos obrigados a reconhecer e, de alguma forma, estar preparados para as estratégias de sobrevivência que aqueles que são alvo das diversas exclusões que produzimos podem assumir, tendo a consciência que essas, muitas vezes, passarão pela opção do uso de violências. Ainda assim é preciso marcar que não há vínculo “orVoltar ao sumário
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Políticas públicas e enfrentamento de violências...
gânico”, por assim dizer, entre pobreza e violências, mas não podemos ignorar que a carência de condições básicas de sobrevivência, a carência de afeto e respeito, podem ser determinantes para a definição de padrões de violências em nossa sociedade. Os crimes, seja contra a pessoa seja contra o patrimônio, têm seus números ampliados e articulados e é impossível não vinculá-los aos dados que indicam a fragilidade econômica e social vivida pelos trabalhadores brasileiros. Ainda que tenhamos superado índices históricos de negligência e descaso por parte dos governantes, o acesso aos bens e serviços expressos como direitos na Constituição Federal de 1988 estão muito centrados na legislação, não se traduzindo em melhorias no cotidiano de toda a população. A distância entre ricos e pobres ainda é abismal, o desemprego e a exclusão refletem a injusta distribuição de renda, de terra, de bens e serviços. A consequência lógica é a concentração de terras, de propriedades, de riquezas e de poder. Poder esse que muitas vezes está representado nas diferentes instituições que compõe o Estado e que definem as estratégias das políticas que em última instância implementam a legislação no atendimento à população. Assim, quando analisamos a forma como as diferentes políticas são executadas, em geral, desconsideramos os interesses presentes nos diferentes grupos que assumem os governos e as instituições (entre elas o Legislativo, o Poder Judiciário e o Ministérios Público, seja no âmbito municipal, estadual ou federal) que norteiam o trabalho dos profissionais que realizam o atendimento direto a população. Estas, muitas vezes, acabam desenvolvendo ações que se traduzem em verdadeiras violências institucionais, que contribuem para a manutenção dessa realidade. Assim, a parcela de cidadãos que está exposta às violências institucionais e exigindo dos governos e da sociedade uma postura de enfrentamento e superação dessa realidade é expressiva e contribui para tornar mais graves os problemas da sociedade atual. Por outro lado, a população com melhores condições financeiras, mas não só ela, acaba sendo vítima de violências que envolvem o patrimônio. Além da violência patrimonial é imprescindível que os governantes ponderem os números expressivos de outras manifestações de violências, entre elas os acidentes de trânsito. Considerando a situação de crianças e adolescentes,2 a realidade de violação de direitos e exposição a violências é a mesma, sendo fundamental refletir como os direitos humanos da população infantojuvenil brasileira têm sido viabilizados, a partir da organização das políticas públicas, conforme preconizado na atual Constituição Federal. É preciso lembrar que os direitos humanos estão consignados em uma declaração internacional que, em última instância, não tem força de lei nacional, constituindo-se mais como um compromisso ético/moral dos Estados Nacionais que assinaram o referido documento. Ainda assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 e assinada pelo Brasil no mesmo ano, tem sido cada vez mais proclamada como referência para a sustentação dos direitos e garantias fundamentais presentes na Constituição Federal de 1988, bem como nas leis complementares que indicam como devem ser desenvolvidos os programas, projetos e serviços das políticas públicas. Os Direitos Fundamentais são um conjunto de garantias para o ser humano, cuja finalidade principal é o respeito, com a proteção do poder estatal, às condi2 Por certo muito já se escreveu sobre a violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil, portanto não pretendo resgatar discussões anteriores à aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, uma vez que existem importantes reflexões sobre essa realidade feitas por autores como: Mendez e Costa (1994), Rizzini, (1997), Silva e Motti (2001), entre outros. Voltar ao sumário
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ções mínimas de vida e de desenvolvimento do cidadão. As diferenças devem ser compreendidas e respeitadas e as iniquidades precisam ser superadas, afim de que possamos viver em uma sociedade que garanta acesso aos direitos na busca de condições de justiça e igualdade. A forma como se organiza a defesa dos direitos humanos fundamentais está expressa legalmente na Carta Constitucional e nas legislações complementares que de alguma forma definem o desenvolvimento das políticas públicas, em especial aquelas que garantem os direitos de crianças e adolescentes.3 As políticas públicas deveriam ser mecanismos de inclusão e garantia de acesso aos direitos sociais e ao status de cidadania para a população. A Constituição Federal reconhece a responsabilidade do Estado quanto à viabilização de condições mínimas de dignidade. No seu artigo 6º está explicito: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Esses direitos devem ser efetivados no cotidiano de vida da população para garantir o enfrentamento dos atuais níveis de desigualdades e iniquidades que se manifestam nas discriminações, explorações e violências, fundamentadas em relações de classe social, gênero, raça/etnia, orientação sexual, deficiência e localidade geográfica, que dificultam a realização plena dos direitos humanos consagrados nos instrumentos normativos nacionais e internacionais. Se existe o acesso há algumas políticas públicas, ainda que com fragilidades e limitações, cabe reconhecer que outras políticas como as de habitação, cultura, lazer, segurança e trabalho pouco são reconhecidas como responsabilidades do Estado. Se nos acostumamos a reconhecer a assistência social, a educação, e a saúde, como políticas públicas que tem como máxima: “direito do cidadão e dever do Estado”, temos dificuldades em pensar o significado social de ter direito ao lazer, à habitação, à segurança, ao trabalho. Isso porque, na lógica capitalista, a busca pela satisfação dos direitos é individual, e na maior parte das vezes, passa pelo mercado. A análise sobre a forma como vem se implementando nos municípios os direitos sociais são um desafio a parte que, como profissionais, somos corresponsáveis em superar. Por outro lado, desafio maior é ser usuário de algumas dessas políticas que exigem respostas muitas vezes não condizentes com a realidade vivida pela população. As condicionalidades, que numa percepção superficial parametrada pelo pensamento conservador, parecem ampliar o acesso a demais políticas, muitas vezes são uma penalização para pessoas que já são torturadas pela própria dinâmica societária que as excluem. Assim, no dia-a-dia profissional percebe-se as contradições entre a perspectiva de proteção, fundada no direito e na cidadania, base da Constituição Federal de 1988 e a cobrança que se ampara na lógica caritativa, meritocrática, consolidada pelo pensamento conservador. Diante dessa constatação ficam perguntas que inquietam: qual o acesso da população aos direitos constitucionalmente garantidos? Como as políticas sociais 3 Uma série de normativas internacionais também tem influência sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, contribuindo para a consolidação da Doutrina de Proteção Integral. Podemos destacar: a Declaração Internacional dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948; a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1959; a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989; as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing, de 29 de novembro de 1985; As Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad, construídas entre 28 de fevereiro e 1º de março de 1988. Voltar ao sumário
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públicas têm sido efetivadas para viabilizar essa garantia? Qual a responsabilidade dos profissionais na efetivação (ou negação) desses direitos? Se analisarmos a questão dos direitos, a partir da perspectiva presente na Constituição Federal de 1988, veremos que o legislador procurou garantir, através das políticas públicas, a ampliação do acesso à população, à riqueza socialmente produzida, mas ainda apropriada de forma altamente concentrada em nosso país. As políticas públicas, assim sendo, deveriam se constituir em estratégias para superação das iniquidades presentes em nossa sociedade e não meros serviços ineficientes voltados a atender pobres e carentes, desprovidos de qualquer noção de pertencimento. Na perspectiva da Constituição Federal, as políticas públicas, se organizadas de acordo com os preceitos originais, podem ser consideradas como mecanismos para o enfrentamento de iniquidades, ainda que dentro dos marcos do capitalismo, por mais que tenhamos uma série de autores que façam críticas severas ao seu desenvolvimento. Enquanto profissionais e estudantes que tem como espaço sócio-ocupacional as instituições que desenvolvem as políticas públicas, temos o desafio de refletir sobre a intervenção nesse campo. Uma breve análise sobre a forma como historicamente as políticas têm sido desenvolvidas em nosso país permite perceber que essa intervenção sempre se pautou em uma lógica peculiar de cada política ou de cada área profissional dentro de cada política e centrada nas fragilidades dos indivíduos e famílias (em geral sendo culpabilizados). São recentes as discussões acerca da necessidade de superarmos a visão pontual de cada política e a percepção de que existe uma “parte específica” que cabe a cada serviço. A realidade é muito mais complexa e multifacetada e exige respostas também complexas e elaboradas a partir de análises e percepções que possibilitem sua compreensão de maneira ampliada, considerando a singularidade dos sujeitos e das situações em que eles estão envolvidos. A indicação da superação de ações individualizadas e individualizantes, centradas em uma percepção baseada no senso comum e na moral dominante, está presente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que aponta a necessidade de implementar o Sistema de Garantia de Direitos no trabalho junto a população infantojuvenil, explicitando ser imperativa a construção de articulações entre profissionais, bem como a aproximação das instituições e serviços das diferentes políticas públicas. Em outras palavras, interdisciplinaridade e intersetorialidade são fundamentais para o trabalho em rede e não se aplica especificamente ao trabalho com a população infanto-juvenil, mas se amplia para todas as políticas públicas e para todos os segmentos da população. Para que possamos dar conta desse desafio é fundamental compreender a linguagem das diferentes profissões e estarmos abertos ao diálogo necessário para a superação de ações reduzidas e pontais. Também é preciso avançar na compreensão da complexidade da sociedade em que vivemos percebendo que, para além da perspectiva individualista, preconceituosa e excludente que em geral assumimos, não podemos deixar de reconhecer os diferentes interesses que estão presentes na organização das instituições, dos programas, dos projetos e dos serviços das políticas públicas. Por último, mas não menos importante, é preciso reconhecer no usuário dos serviços o sujeito, o cidadão que, por trás da necessidade que apresenta ao buscar as políticas públicas e os serviços profissionais, é um ser humano com carências, mas com perspectivas; com limitações, mas com possibilidades; que apresenta necessidades, mas que sabe de sua vida melhor que qualquer profissional; que, se tratado com dignidade e respeito, poderá construir alternativas para acessar com mais qualidade os serviços profissionalmente desenvolvidos. Voltar ao sumário
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Essas indicações estão colocadas nas diferentes políticas organizadas no país e no Código de Ética Profissional do Assistente Social. Entretanto, nem sempre são seguidas e respeitadas como deveriam. O Código atual (1993) reafirma o rompimento com o conservadorismo, indicando o estabelecimento de vínculos com as prioridades da sociedade, fortalecendo uma clara identidade profissional, articulada com um projeto de sociedade democrática. Nele está prevista a compatibilidade entre os direitos do exercício profissional com os deveres que se deve ter com os usuários, com as instituições e com outros profissionais. Em outras palavras: ele busca articular e regular os componentes técnicos e políticos do trabalho profissional, em que os conflitos entre o individual e o coletivo se expressam. Nosso código está organizado a partir de valores e compromissos profissionais e de uma dimensão normativa, a partir de regras jurídico-legais que quando são infringidas possibilitam àqueles que se sentirem lesados fazerem denúncias aos órgãos de fiscalização da categoria. Em síntese, o Código de Ética é um instrumento que garante a qualidade dos serviços profissionais que desenvolvemos e um mecanismo importante para a defesa do exercício profissional dos assistentes sociais, fornecendo respaldo jurídico à profissão. O Código está estruturado a partir de onze princípios que não podem ser tomados separadamente, já que existe entre eles uma coerência e encadeamento internos que lhes dão complementaridade e sentido. Nele identificamos o claro posicionamento em favor de um Brasil justo, equânime, que fortaleça a cidadania, a democracia, a defesa intransigente dos direitos humanos e, enfim, a luta por um país que devemos contribuir com a construção. Para isso é fundamental o compromisso com o aprimoramento intelectual, o que requer o constante estudo atento e criterioso da realidade social e das teorias que a informam e contribuem para a sua compreensão. É preciso ter claro que o trabalho que fazemos a todo o momento está eivado da teoria que orienta nossa percepção de mundo, que o trabalho profissional precisa ser coincidente com as teorias que estudamos e que pautam a leitura de realidade, sob pena de estarmos desenvolvendo qualquer “prática” menos o trabalho do serviço social. Os desafios postos são enormes, mas grande também é a capacidade dos assistentes sociais mostrarem seu potencial, explicitar seus projetos e defender seus ideais. O código de ética profissional e a lei de regulamentação da profissão podem ser excelentes parceiros nessa empreitada.
4 Trocando em miúdos Ao iniciarmos essas reflexões algumas perguntas nos inquietavam e permanecem insolúveis: como contribuir para desenvolver a cultura da não violência? Qual o papel das políticas públicas nesse processo? Como os profissionais das diferentes políticas, e o assistente social em especial podem contribuir com o alcance de novos patamares de sociabilidade? Parece que a análise da dinâmica das violências e da organização das políticas públicas pode indicar os percursos a serem feitos para que se alcance a vivencia de uma sociedade de direitos. Entendemos que todos, enquanto profissionais, cidadãos e cidadãs comprometidas com um mundo justo e mais humano,4 podem colaborar com a criação de subsídios que indiquem caminhos de ação para as políticas públicas. 4 Justiça e humanidade que não se reduzam apenas as possibilidades de consumo de bens e serviços imediatos. Voltar ao sumário
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Partimos da perspectiva que os profissionais estarão avançando ao compreenderem e contribuírem para o atendimento especializado e em rede, envolvendo as várias áreas profissionais e articulando ações com entidades que possam contribuir para o enfrentamento das violências. Esse parece ser um caminho possível, já que o mundo nos pertence e está aberto a mudanças. Nós somos corresponsáveis para encontrar respostas para os desafios cotidianos. Como sabemos, não há receitas prontas, apesar de muitas vezes ansiamos por elas. O desafio é criar estratégias, com base em fundamentos teóricos e em princípios éticos e políticos, que contribuam para alcançarmos condições de vida mais dignas para toda a população. A ética profissional do serviço social requer isso: compromisso com a constituição de uma sociedade democrática que admita a existência de divergências e contradições, mas em que os direitos humanos possam ser vivenciados em sua plenitude por todos. Para tanto é primordial que o Estado assuma suas responsabilidades e cumpra seus deveres constitucionais na perspectiva de qualificar as políticas públicas, não apenas a partir de leis, decretos e resoluções, mas financiando serviços, programas, projetos e ações que possam contribuir para a superação das iniquidades ainda presentes em nossa realidade. Obviamente, não imputamos às políticas públicas todas as possibilidades de superação das mazelas do capitalismo, mas essas podem abrir caminhos na constituição de outro modelo de sociedade. A realidade tem mostrado, apesar de muitos não quererem ver, que “violência gera violência” e apenas quando nos tornarmos de fato uma sociedade protetiva para todos, apesar e além das diferenças e antagonismos, é que poderemos nos desarmar e vivermos em paz, garantindo as nossas crianças e adolescentes possibilidades de uma vida confortável e feliz, com respeito e responsabilidade de todos para como todos. A história tem indicado cotidianamente isso.
Referências BONAMIGO, Irme. Violências e contemporaneidade. Revista Katálysis. Florianópolis, v. 11, n. 2, p. 204-213, dez. 2008 BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. São Paulo: Saraiva, 2005. CFESS. Código de Ética Profissional do(a) Assistente Social. Brasília, 1993. LEVISKY, David Léo. Uma gota de esperança. In: ALMEIDA, Maria da Graça Blaya (org.). A violência na sociedade contemporânea. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. MENDEZ, Emílio Garcia; COSTA, Antônio C. Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros, 1994. PAIVA, Beatriz A.; SALES, Mione A. A nova ética profissional: práxis e princípios. In: BONETTI, Dilséa; SILVA, Marlise; SALES, Mione; GONELLI, Valéria. (orgs). Serviço Social e ética. Convite a uma nova práxis. São Paulo: Cortez, 1996. p. 174 -208. RIZZINI, Irene. O século perdido: raízes históricas das políticas publicas para a infância no Brasil. Rio de Janeiro: Petrobrás-BR; Ministério da Cultura; USU Ed. Universitária; Amais, 1997. SAMPAIO, Simone Sobral. Ética e o exercício profissional. Cress em debate, Florianópolis, n. 4. ago. 2010. SANTOS, Luciane Lucas dos. Os impactos do modelo de desenvolvimento na dignidade humana. Interculturalidade e construção de novas sociabilidades como antídoto à violência estrutural. Palas Athena. Disponível em <http://www.palasathena.org.br/evento_detalhe.php?evento_id=65>. Acesso em: 27 set. 2013. SILVA, Edson; MOTTI, Ângelo (coord.) Uma década de direitos: estatuto da criança e do adolescente. Avaliando resultados e projetando o futuro. Campo Grande: UFMS, 2001. Voltar ao sumário
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SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) Carlos Nelson dos Reis Professor titular permanente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, com doutorado em Política Econômica. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia dos Programas de Bem-Estar Social, atuando principalmente nos seguintes temas: exclusão social, economia brasileira, crescimento econômico, conjuntura e desenvolvimento econômico. É Diretor do IDÉIA - Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da PUCRS, desde agosto de 2006. E-mail: <cnelson@pucrs.br >.
Claudete Marlene Fries Bressan Professora titular da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), curso de Serviço Social, com mestrado em Educação. Coordenadora do curso de Serviço Social, desde 2012. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em fundamentos históricos, teórico e metodológicos do Serviço Social. E-mail: <cbressan@unochapeco.edu.br>.
Cláudio Machado Maia Professor titular da Área de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), curso de Ciências Econômicas e Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, com doutorado em Desenvolvimento Rural. Tem experiência em análise econômica; economia internacional, globalização e mercados; economia rural e regional, com ênfase em Economia Regional e Políticas Públicas. Atua principalmente nos temas referentes à análise de processos de desenvolvimento e integração regional, sociologia econômica aplicada, análise regional, desenvolvimento rural, agricultura familiar e sustentabilidade e temas vinculados ao processo de desenvolvimento territorial, governança e integração regional desde uma perspectiva comparada entre Mercosul e União Européia, com ênfase para as regiões menos favorecidas. Participa dos Grupos de Pesquisa: Desenvolvimento Regional, Política Pública e Governança; Relações Internacionais, Direito e Poder: cenários e protagonismo dos atores estatais e não estatais; Cidade: Cultura, Urbanização e Desenvolvimento. E-mail: <claudiomaia.dr@hotmail.com>.
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Deborah Cristina Amorim Professora titular da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), com mestrado em Serviço Social. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, atuando principalmente em temas referentes ao Serviço Social, proteção integral, exclusão social, família e políticas públicas. E-mail: <deborah@unochapeco.edu.br>.
Dunia Comerlatto Professora titular da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), curso de Serviço Social e Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, com doutorado em Serviço Social. Coordena o referido Programa, desde 2014 e integra o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Participação Social, desde 2003. Desenvolve pesquisas relacionados aos temas: conselhos gestores; gestão de políticas públicas; políticas públicas a grupos específicos e intersetorialidade. É sócia individual da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). E-mail: <dunia@unochapeco.edu.br>.
Eliane Aparecida Pinheiro Assistente Social do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Comarca de Herval do Oeste/SC, com mestrado em Serviço Social. Tem experiência na área de Serviço Social, atuando principalmente em temas relacionados aos direitos de crianças e adolescentes, família, políticas públicas e violência contra a mulher. E-mail: <nani@unochapeco.edu.br>.
Helenara Silveira Fagundes Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, com doutorado em Serviço Social. Membro do corpo editorial da Revista Sociedade em Debate do Mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Fundamentos do Serviço Social, atuando principalmente nos seguintes temas: criança e adolescente, serviço social, política social, saúde e assistência social. E-mail: <helenarasf@hotmail.com>.
Heloisa Teles Professora da Universidade de Caxias do Sul, curso de Serviço Social, com mestrado em Serviço Social. Doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e integrante do Núcleo de Pesquisa /NEPES. Atua principalmente nos seguintes temas: serviço social, políticas sociais, saúde, trabalho, processos de trabalho e assistência social. E-mail: <ashelo.teles@gmail.com>. Voltar ao sumário
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Maria Luíza de Souza Lajús Professora titular da Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), curso de Serviço Social e Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, com doutorado em Serviço Social. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em políticas públicas, atuando nos temas referentes à assistência social, habitação e gestão de territórios. E-mail: <mlajus@unochapeco.edu.br>.
Mariangela Belfiore Wanderley Professora titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com doutorado em Serviço Social e pós-doutorado em Sociologia Urbana na École de Hautes Etudes en Sciences Sociales. Membro da coordenação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP e coordenadora da Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais da PUC-SP. Pesquisa temas relacionados à exclusão social, assistência social, pobreza, políticas públicas e movimentos sociais, gestão social e avaliação. É membro do Grupo de Estudos em Nutrição e Pobreza do Instituto de Estudos Avançados da USP. Foi coordenadora da Área de Serviço Social na Capes (triênio 2008-2010). E-mail: <marilew@uol.com.br>.
Odária Battini Professora aposentada da Universidade Estadual de Londrina/UEL, com doutorado em Serviço Social. Presidente do Centro Interdisciplinar de Pesquisa e Consultoria em Politicas Públicas/PR – CIPEC. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em pesquisa, atuando principalmente com formação continuada e consultoria na esfera da política pública de assistencia social, planejamento social, conselhos municipais, qualificação de gestores, de profissionais e de pesquisadores. E-mail: <odarka@uol.com.br>.
Rosana Maria Badalotti Professora titular Área de Ciências Humanas e Jurídicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e em Educação, com doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas. Coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais. Desenvolve pesquisas nas áreas Multidisciplinar, Planejamento Urbano e Regional, Sociologia Rural e do Desenvolvimento, com ênfase nos seguintes temas: desenvolvimento rural, regional e territorial em interface as políticas públicas e sociais; agricultura familiar, trabalho e gênero; organizações e ação política na sociedade regional; educação e diversidades sócioculturais. E-mail: <rosana@unochapeco.edu.br>. Voltar ao sumário
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