Comentários à Reforma do Judiciário

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Comentários à Reforma do Judiciário


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Comentários à Reforma do Judiciário

J O Ã O J O S É S A DY


Copyright © Editora Manole Ltda., 2004, por meio de contrato com o autor. Capa: Eduardo Bertolini Editoração eletrônica: Join Bureau Projeto Gráfico: Acqua Estúdio Gráfico

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

S132c Sady, João José Comentários à reforma do judiciário / João José Sady. – Barueri, SP : Manole, 2004. Apêndice Inclui bibliografia ISBN 85-204-2048-6 1. Poder judiciário. 2. Organização judiciária. 3. Reforma judiciária. I. Título. 03-1879.

CDU 347.97/.99(81)

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. 1a edição brasileira – 2004 Direitos adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Avenida Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Fone: (0__11) 4196-6000 – Fax: (0__11) 4196-6021 www.manole.com.br info@manole.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil


Sobre o Autor

J OÃO J OSÉ S ADY Advogado. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor Associado no curso de Direito da Universidade de São Francisco/SP. Conselheiro Seccional Efetivo da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo, onde também é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos.


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Prefácio

Em uma de suas diversas obras povoadas por desconcertante tragicidade, Leibniz, em 1710, viria finalmente a nomear um clássico e recorrente problema comum à teologia e à filosofia: como pode o criador, em sua infinita bondade e perfeição, produzir criaturas tão susceptíveis à tentação da maldade, do egoísmo, em síntese, tão prisioneiras da finitude e da imperfeição? Residiria aí a contraprova lógica ou o desmentido ontológico do infinitamente infinito que acolhe em sua essência o próprio significado da criação? Ao retomar o argumento de Platão para quem “Deus é inocente”, Leibniz, como Descartes, escreveria em Francês para que a Europa do Bem pudesse compreendê-lo, apresentando, em seus Ensaios de Teodicéia sobre a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem e a Origem do Mal, o vetor de aprimoramento que subjaz à existência dos três males: o mal metafísico, o mal físico e o mal moral. Num vibrante libelo contra as dúvidas pronunciadas por Bayle em seu erudito Dicionário, Leibniz advoga que o mal metafísico decorre da imperfeição essencial da criatura; o físico, dos imperativos de punição e provação; e, por fim,


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o mal moral, como prenúncio do tenso e dilacerante dilema entre a liberdade e a providência. Ora bem, nesta sua mais recente obra Sady parece evocar a vibração polêmica marcante da Teodicéia, com energia guerreira de cruzado, erudição de teólogo e um certo mal-estar cidadão que nos remete ao otimismo, como equivalente da fé na construção de um projeto de Justiça. Em sua crítica, Sady luta por uma Justiça engrandecida pelo foco na promoção da dignidade do homem, com certa Justiça prisioneira (ou aprisionada) pelo cinismo ético e pelo egoísmo corporativo. Ao aplaudir, e creio com acerto, o abandono do projeto de reforma do Judiciário, pelo sofrível resultado a que chegou, como função de talhos e mutilações em suas principais virtudes, Sady não se deixa inebriar, por outro lado, pelo vezo fundamentalista de supor que o bom, o justo e o virtuoso são predicados do Eu e qualidades bastantes para a desqualificação do outro: do outro como tempo de construção e de persuasão sobre a necessidade da mudança, do outro como conteúdo (em extensão e intensidade) da reforma, e do outro como tolerância ética do dissenso e fundamento da política na Cidade mundana de Caim. Com efeito, ao contrário do modelo teocêntrico da Cidade de Deus preconizada pelo filho de Mônica e Patrício, a crítica severa de Sady orienta-se para a construção de um amplo projeto de mudança (não apenas de “modernização”, como enfatiza), porém de mudança republicana endereçada, como não surpreende, para uma Cidade secular, plural, heterogênea, marcada pela complexidade e pela diferença. Nesse diapasão, o argumento de Sady renega com coragem e uma vez mais, com sensatez e equilíbrio cívico, a síndrome do marco zero que acomete (sob o ângulo retórico e simbólico, antes que sob aquele do “pragmatismo” na execução material das políticas públicas) a mais recente elite dirigente. Em suas palavras: “não há como recomeçar a partir do zero nesse tipo de questão porque os temas contidos na PEC são realmente os grandes pontos polêmicos, que não vão desaparecer se retornarmos ao ponto de partida. Como


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rascunho de uma discussão mais séria, o material até aqui produzido pelo Congresso Nacional não é de ser desperdiçado”. E é verdade. Recordo-me que boa parte das postulações constantes neste livro freqüentava os temas por nós tratados na equipe de juristas convidados1 , ad hoc, para apresentar sugestões ao então Ministro da Justiça, José Carlos Dias. Em alguns encontros que tivemos em São Paulo, registro que já àquela altura preconizávamos, por exemplo, a federalização da competência em crimes contra direitos humanos, a recepção de tratados de direitos humanos como normas de índole supralegal, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho de sorte a que, despojada dos classistas, pudesse absorver jurisdição criminal em tudo o que decorresse de relação de trabalho (crimes contra a organização do trabalho, redução a condição análoga à de escravo etc.); a criação de um órgão de controle administrativo externo devotado ao acompanhamento do Judiciário, e por aí vai. Em síntese, alguns dos argumentos agora mais elaborados e mais bem desenvolvidos por Sady, que por seus méritos soube capturar e filtrar, nos debates até aqui exercitados; debates dos quais, por sinal, participou e vem participando ativamente. Por todos esses méritos, este mais recente trabalho de Sady é parada obrigatória para todos os que querem fazer a ponte, entre os limites e insucessos do projeto de Reforma do Judiciário no Brasil dos anos 90, e o que desejamos e lutamos para que venha a ser o sucesso e a virtude de uma ampla reforma da reforma da Justiça. Uma reforma que seja calcada em sólidos pressupostos de efetividade, endereçada à ampliação dos sujeitos aptos a invocar (e especialmente a obter) a tutela jurisdicional, e que traga como subproduto a qualificação do Judiciário e de

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Éramos, se a memória não me levou a esquecer alguns de seus integrantes (pelo que desde já me escuso), Oscar Vilhena Vieira, Flávia Piovesan, Floriano de Azevedo Marques, Celso Fernandes Campilongo, Jorge Pinheiro Castelo, Carlos Ari Sundfeld, Antônio Rodrigues de Freitas Jr. entre outros.


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seu papel como imperativo de promoção da dignidade humana e de respeito aos seus direitos; sejam esses de primeira, segunda ou de terceira geração, na conhecida tipologia de T. H. Marshall. Em lugar de um simples exercício de especulação doutrinária, tão ao sabor dos círculos jurídicos tradicionais de nosso bacharel país, este livro de Sady, pelo que há de informação factual do debate real, para além dos pronunciamentos retóricos, gestos simbólicos e vazios enunciados formais de seus protagonistas, será de grande utilidade e interesse para todo cidadão que queira estar informado sobre o estágio de uma das principais agendas de reforma política que o Brasil necessita enfrentar. Não para que se ajuste ao padrão Bird de qualidade, mas porque a ninguém é dado ignorar ser essa uma região sensível e fundamental para a promoção do ser humano; particularmente em cenários institucionais de países semiperiféricos os quais, para mais além da democracia política, necessitam construir um ambiente de efetiva democracia e justiça social. Assim porque, a estudantes, juristas, operadores do direito, cientistas políticos, sociólogos e, em particular (oxalá), a integrantes da elite dirigente, o presente trabalho de J. J. Sady terá vindo em boa hora. Antônio Rodrigues de Freitas Jr. Professor Associado da Faculdade de Direito da USP, foi Secretário Nacional de Justiça na Gestão do Ministro Paulo de Tarso R. Ribeiro


Sumário

Capítulo 1 – Panorama Geral ..................................................... 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7

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Introdução ........................................................................... A decepção popular com a ordem jurídica ........................ A movimentação social pela Reforma do Judiciário ......... A definição do referencial ideológico para a Reforma ...... O Judiciário como aplicador da lei .................................... A impotência da jurisdição ................................................. A proposta de inclusão de preceito no mandado de injunção .......................................................................... O problema da inconstitucionalidade por omissão visto à luz dos direitos sociais fundamentais .....................

1 8 10 13 15 17

Capítulo 2 – Eficiência e Celeridade ...........................................

29

1.8

2.1 2.2 2.3 2.4

Súmulas vinculantes versus súmulas impeditivas ............. Limitações ao recurso extraordinário ................................ A justiça rápida como idéia inspiradora ............................ A insuficiência de meios materiais e o problema da modernização .................................................................

22 25

29 36 37 39


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2.5 2.6 2.7

Prestação de serviços de forma ininterrupta ..................... Delegação dos atos de mero expediente ............................ A busca da sentença de mérito e o princípio da cooperação ...........................................................................

41 42

Capítulo 3 – Democratização e Controle do Poder Judiciário .

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3.1 3.2

43

O combate ao nepotismo nos tribunais............................. Constitucionalização dos tratados relativos a direitos humanos ................................................................. Magistratura: democratização do acesso ao órgão especial ...................................................................... Controle externo e Conselho Nacional de Justiça ............. Extinção dos Tribunais de Alçada ......................................

50 53 59

Capítulo 4 – Magistratura ...........................................................

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3.3 3.4 3.5

4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6

O corporativismo autocrático da magistratura ................. Ingresso na carreira: o juvenescimento da magistratura ................................................................... Promoções: critérios de aferição do merecimento ............ Promoções: excessos de prazo cometidos pelos magistrados ................................................................ Educação continuada dos magistrados .............................. Princípio do juiz residente ..................................................

Capítulo 5 – Justiça do Trabalho ................................................ 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 5.6

Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas ................. A regra de um Tribunal Regional do Trabalho em cada Estado .................................................................... Novo desenho para o Tribunal Superior do Trabalho .......... Extinção do poder normativo da Justiça do Trabalho .......... Sistema de relações de trabalho .......................................... Competência da Justiça do Trabalho .................................

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61 63 65 66 67 69

71 71 72 74 75 79 83


SUMÁRIO

Capítulo 6 – Questões Gerais...................................................... 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 6.7 6.8 6.9 6.10 6.11 6.12 6.13 6.14

A questão do foro especial .................................................. Tráfico de influência: a quarentena .................................... O quinto constitucional ...................................................... Incidente de inconstitucionalidade .................................... Federalização dos crimes contra os direitos humanos .......... A Emenda Constitucional n. 24 ......................................... Conciliação e arbitragem. Juizados de pequenas causas .................................................................. Crimes propriamente e impropriamente militares ........... Justiça agrária ...................................................................... Ministério Público: escolha do Procurador-Geral da República ........................................................................ Lei da mordaça .................................................................... Ministério Público: controle da atividade policial ............ Imprescindibilidade do advogado ...................................... A alternativa do Juiz de Paz ................................................

XIII

87 87 91 92 95 98 100 101 103 104 106 107 110 112 113

Capítulo 7 – Conclusões.............................................................. 115 7.1 7.2 7.3 7.4 7.5 7.6

Balanço dos resultados após a votação no Senado ............ Reforma e modernização .................................................... Poder Judiciário e autoridades judiciárias ......................... Redução do serviço público como ganho de eficiência ........ Controle externo e controle interno .................................. A crise dentro da crise .........................................................

115 119 119 120 121 121

Apêndice....................................................................................... 123 Bibliografia .................................................................................. 191 Índice Alfabético-Remissivo ....................................................... 193


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