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lume Mato Grosso

Avanços e Desafios

Revista nº. 16 • Ano 3 • Agosto/2017

Os 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pag. 22

PERSONALIDADE: LIONIÊ VITÓRIO CASA DA MEMÓRIA DE POXORÉO NUNCA TE VI, SEMPRE TE AMEI RETRATO EM P&B - ROBERTO CAMPOS A CATEDRAL BASÍLICA DE CUIABÁ - 45 ANOS AMERICANIDADE - MERCEDES SOSA

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C A RTA D O E D I TO R

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ouco se escreve sobre crianças abandonadas, no entanto, como é praxe, em nossa revista, a tratativa de temas sociais, históricos e culturais relevantes, destacamos este assunto sobre a criação do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, há 27 anos, com os articulistas Joyce Thays Pereira dos Santos, Júnior César Gomes Guimães, Kallita dos Anjos Moraes e Thays Oliveira Silva, que recentemente escreveram sobre o bullying neste periódico. Segundo especialistas em direitos humanos das Nações Unidas, existem 150 milhões de crianças em situação de rua em todo o mundo. Porém, pelo menos no Brasil, o histórico que engloba a situação de crianças abandonadas vem desde o século XVIII, quando muitas mães e famílias não tinham condições de criar seus filhos e acabavam abandonando-os, nas ruas. O principal fator do abandono sempre foi a miséria. Entretanto, existiam outros fatores que levavam uma mãe a abandonar seus filhos no século XVIII e o principal

JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral

deles ocorria pelo fato de a mulher engravidar quando ainda era solteira. A sociedade brasileira setecentista não aceitava que mulheres solteiras tivessem e criassem seus filhos, pois era uma sociedade na qual os valores morais e éticos acabavam prevalecendo – consequentemente, as mães solteiras sofriam um processo de discriminação e preconceito. Atualmente, nossa sociedade ainda sofre heranças desse passado: milhares de mães solteiras geralmente continuam sofrendo discriminação e abandonando seus filhos, tanto por esse processo discriminatório quanto pela miséria e falta de condições econômicas para criá-los. Com o advento das indústrias no início do século XX, milhares de famílias brasileiras acabaram saindo do campo para as cidades, em busca de trabalho, com a intenção de melhorar suas condições de vida. No ano de 1927 foram criadas as primeiras leis que regulamentavam políticas governamentais a favor das crianças – o chamado Código de Menores, que bus-

cou resolver questões de crianças abandonadas, descartas, rejeitadas e jogadas fora. Ao optarem pela rua essas crianças tentam escapar da pobreza, de moradias inadequadas, famílias desestruturadas, mas, uma vez nas ruas, sofrem discriminação, estigmatização e encaram um alto risco de serem sexualmente exploradas. Em julho de 1990 foi criado pelo governo brasileiro o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que regulamenta políticas em favor da criança e do adolescente e institui seus direitos e deveres. Mas a situação das crianças abandonadas em Mato Grosso e no Brasil ainda está longe de ser solucionada. É só sair de casa para ver uma criança nessa situação de abandono! Hoje ainda vemos várias crianças que ficam na rua vendendo balas, doces e vários outros produtos para ajudar na renda familiar. Nos sinais de trânsito, milhares de crianças são usadas pelos adultos para pedir dinheiro aos motoristas dos carros. Lembremo-nos que não há crianças descartáveis e que a vida de todas é importante.


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EXPEDIENTE

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ELEONOR CRISTINA FERREIRA Diretora Comercial JOÃO CARLOS VICENTE FERREIRA Editor Geral MARIA RITA UEMURA Jornalista Responsável JOÃO GUILHERME O. V. FERREIRA Revisão AFRÂNIO CORRÊA, AMANDA GAMA, ANDRÉIA KRUGER, ANNA MARIA RIBEIRO, CARLOS FERREIRA, CARLOS GOMES DE CARVALHO, DIEGO DA SILVA BARROS, EDNA LARA, EDUARDO MAHON, ENIEL GOCHETTE, EVELYN RIBEIRO, JOÃO CARLOS MANTEUFEL, JOYCE THAYS PEREIRA DOS SANTOS, JULIANA RODRIGUES, JÚNIOR CÉSAR GOMES GUIMÃES, KALLITA DOS ANJOS MORAES, LUCIENE CARVALHO, MILTON PEREIRA DE PINHO - GUAPO, RAFAEL LIRA, ROSARIO CASALENUOVO, ROSE DOMINGUES, THAYS OLIVEIRA SILVA, VALÉRIA CARVALHO, WILLIAN GAMA, YAN CARLOS NOGUEIRA Colaboradores ANDREY ROMEU, ANTÔNIO CARLOS FERREIRA (BANAVITA), CECÍLIA KAWALL, CHICO VALDINEI, EDUARDO ANDRADE, HEITOR MAGNO, HENRIQUE SANTIAN, JANA PESSOA, JOSÉ MEDEIROS, JOYCE CORRÊA, JÚLIO ROCHA, LAÉRCIO

MIRANDA, LUIS ALVES, RAI REIS, MAIKE BUENO, MARCOS BERGAMASCO, MARCOS LOPES, MÁRIO FRIEDLANDER Fotos OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO SÃO DE RESPONSABILIDADE DE LUME MATO GROSSO, E SIM DE SEUS AUTORES. LUME - MATO GROSSO é uma publicação mensal da EDITORA MEMÓRIA BRASILEIRA Distribuição Exclusiva no Brasil RUA PROFESSORA AMÉLIA MUNIZ, 107, CIDADE ALTA, CUIABÁ, MT, 78.030-445 (65) 3054-1847 | 36371774 99284-0228 | 9925-8248 Contato WWW.FACEBOOK.COM/REVISTALUMEMT Lume-line REVISTALUMEMT@GMAIL.COM Cartas, matérias e sugestões de pauta MEMORIABRASILEIRA13@GMAIL.COM Para anunciar ROSELI MENDES CARNAÍBA Projeto Gráfico/Diagramação FOTOLIA Foto Capa


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SUMÁRIO

8.

PERSONALIDADE

10. 12. NOTAS

CIDADES

16. MEIO AMBIENTE

20.

PARA QUANDO VOCÊ FOR

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AGOSTOS DE NOSSA HISTÓRIA

MEMÓRIA HISTÓRICA

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44. 46. 48. 54. 60. CULTURA

FOTOGRAFIA

LITERATURA

62. 64. 66. LITERATURA

ARTIGO

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PERSONALIDADE

Lioniê Vitório

Para o grande público é o Nico, comediante dos bons, que sabe que o seu sucesso não advém somente do que diz, mas da forma que o faz. As pessoas riem de seus trejeitos, gestos, postura, aparência e especialmente do tom de sua voz. Com seu parceiro, Lau, é sucesso de bilheteria em qualquer palco, Mato Grosso e Brasil afora. FOTO DIVULGAÇÃO

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Maggi, presidente de Honra do IHGMT. Na ocasião, Lioniê Vitório entregou valiosa proposta de restauração e devida ocupação cultural da Usina Itaici, localizada à margem direita do Rio Cuiabá, que se encontrava em ruínas. Como ator começou em 1986, no Grupo Ânima de Teatro na antiga Escola Técnica, hoje IFE-MT. Em 1989 é convidado por J. Astrevo para participar da Cia. Folhas de Teatro e juntos montam diversos espetáculos: “Último Baile de Verão”, “Balada para diagnosticar demente 1”, “Traído” “Balada 1 e 1/2”, “Ducatiribute”, “Pressão Baixa”. De 1990 à 1994, Nico participou de diversos Cursos de Pintura Cênica e cenários na Funarte, no Rio de Janeiro. Nesse período recebeu aulas de interpretação de Guel Arraes e outros grandes diretores e atores, a exemplo de Vera Lúcia Lopes, Antônio Mercado Neto, Paulo Betti e Fernanda Montenegro. O ano de 1995 é especial, pois cria juntamente com J. Astrevo os personagens NICO e LAU na TV Gazeta/Record. No ano seguinte estréia quadro para TV: Porteira Aberta e Ser... Tão Mato-grossense este último, comandado pelo apresentador Carlos Roberto Mortadella. Em 1998, estréia o Show O Cobrador e começa a realizar várias peças publicitárias para TV, jornal e rá-

dio do Estado. Nesse ano grava o 1º CD da dupla “Dança do Lambari” e realizam apresentações pelo interior do Estado. Em 2003, comemorando 8 anos de carreira, trouxeram a Cuiabá o notável Chico Anysio, em evento que superlotou o Cuiabá Tênis Clube e agregou imensurável valor mercadológico para a dupla. Esse acontecimento deu origem ao projeto Festival Nacional do Humor realizado anualmente pela Nico e Lau Produções. Este Festival já trouxe à Cuiabá os comediantes Saulo Laranjeiras, Jorge Loredo, Geraldo Magela, Claudia Rodrigues, Paulo Silvino e o cantor cearense Falcão. Em 2007, a dupla lançou seu primeiro DVD – o curta metragem O Jogo e 10 episódios do Minuto do Humor, de bônus. Desde 2005 veicula o programa Minuto do Humor na TV Centro América e a partir de 2007, na TV Morena em Mato Grosso do Sul. São centenas de trabalhos exitosos dos quais participou o comediante Lioniê Vitório, sendo que o último filme é o curta metragem Bala Perdida, que foi lançado em julho de 2017. Não temos dúvidas de que é rica e de muitos frutos a estrada que a dupla Nico e Lau percorrerá, não apenas no cinema, mas na televisão e especialmente nos palcos de teatros espalhados pelo Estado e país.

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ioniê Vitório, o Nico, nasceu em Santo Antônio de Leverger em 7 de março de 1970, filho de Quidauguro Vitório e Marize Ribeiro Teixeira Vitório. Artista de renome, formou-se em artes pela Universidade de Cuiabá, em agosto de 1993, é um dos mais conceituados atores de MT, com sucesso comprovado de público e de crítica. Atua, há tempos, com o ator Justino Astrevo, com quem forma a dupla Nico & Lau, que se apresenta em teatros de Cuiabá e do interior de Mato Grosso, sempre levando ótimo público aos seus espetáculos. Foi secretário municipal de Cultura, Turismo e Meio Ambiente no município de Santo Antônio de Leverger, sua terra natal e também foi eleito vereador à Câmara Municipal, em reconhecimento à ação em elevar o nome de sua cidade junto à sociedade mato-grossense. Participou de vários cursos voltados à área dramatúrgica e é um cidadão comprometido com a causa cultural matogrossense. No dia 05 de maio de 2004, na localidade de Mimoso, foi empossado primeiro presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santo Antônio de Leverger, em Termo assinado pelo governador Blairo Borges

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N OTA S

ABAIXO DE DEUS, SÓ VIGILATO »»Conhecidíssimo pelas bandas do Pantanal de Poconé, o boiadeiro mato-grossense Vigilato Canuto da Silva, falecido em 1944, passou à história por ser afamado curandeiro. Vigilato morava no Pantanal, região do Pixaim, donde não saía por nada. Tinha poder sobre os animais. Era capaz, por exemplo, de tomar conta de mil bois sem que houvesse um desgarre. Vi-

JÚLIO MÜLLER ABANDONADO »»Situação em que se encontra a construção do novo Hospital Júlio Müller, às margens da MT-040, entre Cuiabá e Santo Antônio de Leverger.

gilato tinha rituais próprios para cuidar dos animais e das pessoas. Segundo o escritor Alex Matos, “Vigilato, não se sabe como, teria aprendido a fazer curas, algumas pessoas até sugeriram que ele aprendeu com uma tribo indígena do Pantanal”. Seu túmulo é constantemente visitado, até os dias de hoje, inclusive por pessoas de fora do Estado. Corre na região a seguinte convicção: “Abaixo de Deus, só Vigilato”.

CAI-CAI »»Neste agosto de 2017, são completados 150 anos da criação do cemitério Nossa Senhora do Carmo, próximo da confluência das avenidas Dom Bosco e São Sebastião. Esse cemitério ganhou, logo no início de sua feitura, o apelido de Cai-Cai, por conta de abrigar milhares de cadáveres de cuiabanos que haviam contraído varíola no período da Guerra do Paraguai. Esse histórico cemitério “nunca” recebeu, a não ser em tempos idos, a menor atenção do poder público, notadamente da prefeitura de Cuiabá. PERIFERIA ESBURACADA »»Quem anda pelos lados dos jardins Umuarama, Dr. Fábio e adjacências, em Cuiabá, pode constatar que a prefeitura municipal tem feito um trabalho a menor do que a população merece. É só buraco, um em cima do outro, tanto na terra, quanto no asfalto.

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MAL EXPLICADO »»A propalada reforma da Previdência está mal explicada à sociedade brasileira como um todo. Ninguém está convencido das mal explicadas linhas e palavras que o governo federal nos ofereceu até agora.

POVOS INDÍGENAS »»No dia 9 de agosto deste ano foi comemorado os 10 anos de criação, pelas Nações, do Dia Internacional dos Povos Indígenas.


FOTOS: DIVULGAÇÃO

ETANOL »»Mato Grosso ganhou no dia 11 de agosto a primeira usina de produção de etanol de milho do Brasil. Localizada em Lucas do Rio Verde, a planta da FS Bioenergia produzirá 240 milhões de litros de etanol, além de 180 mil toneladas de farelo, 6 mil toneladas de óleo de milho e energia, por ano. O presidente da República, Michel Temer, o governador Pedro Taques e o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, participaram da cerimônia de inauguração.

KUARUP »»No mês de agosto acontece a cerimônia do Kuarup, no Xingu.

MEMÓRIA Lembrar é fácil para quem tem memória. Esquecer é difícil para quem tem coração. Esquecer...Esquecer...Esquecer será sempre a melhor opção? WILLIAM SHAKESPEARE

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FRASES

MADURO “Eventuais sanções à Venezuela podem piorar sofrimento da população”, disse o relator especial das Nações Unidas, IDRISS JAZAIRY, em 11/08, por entender que a população venezuelana já está sofrendo horrores com a inflação paralisante, falta de remédios e de alimentos. NUNCA CHOREI TANTO Foi o que disse o padre cantor FÁBIO DE MELO, que afirmou em programa de televisão e no seu Instagram, que enfrenta síndrome do pânico. O padre está sendo assistido por psiquiatra e toma remédios, no entanto, tem achado tempo para agradecer o carinho dos fãs. Por ser padre deveria ter fiéis, não fãs e não se apegar em psiquiatra ou remédios apenas, mas de forma mais vigorosa em Deus. Penso que nesse momento é o que lhe falta: Fé em Deus. NA UTI Em palestra ministrada em Cuiabá, no dia 3/08, no auditório do TCE, atendendo a convite dos “Multiplicadores do Conhecimento”, a ex-ministra DOROTHEA WERNECK , ao falar sobre a economia contemporânea disse: “Minha esperança está na UTI”.

PISTA MAL FEITA »»A rotatória no encontro das rodovias MT-040 e BR-163 tem grave e antigo defeito de fabricação, no sentido Várzea Grande/Rondonópolis. Nesse ponto inúmeras carretas e caminhões adernam, causam transtornos, prejuízos e atrapalham o trânsito, tudo por conta da pista “jogar”, dependendo da velocidade, os veículos para fora da pista.

MAIS O QUE FAZER Em conversa com a imprensa, no dia 11/08, o governador PEDRO TAQUES disse que só vai tratar de reeleição em 2018: “Deixa oposição discutir eleição, tenho muito o que fazer”.

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CIDADES

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Previdência Privada TCE fiscaliza investimentos POR JOSANA SALLES ABUCARMA FOTOS DIVULGAÇÃO

DENTRE OUTROS MUNICÍPIOS DO ESTADO, O TCE-MT AUDITA O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - RPPS, DE CUIABÁ.

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CIDADES

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e acordo com o novo modelo de auditoria do Tribunal de Contas de Mato Grosso, implantado desde 2016, um dos principais focos dos auditores voltou-se para a fiscalização dos investimentos e na base de dados utilizada na avaliação atuarial dos 105 Regimes Próprios de Previdência Privada - RPPS. No caso dos investimentos feitos pelos regimes próprios, o trabalho resultou em R$997 milhões, fiscalizados pelo TCE-MT. Já as auditorias na base de dados atuarial evidenciaram 205.170 informações incompletas ou inconsistentes, demonstrando a necessidade de censos ou recadastramentos dos servidores públicos Destacam-se,

EDUARDO BENJOINO FERRAZ

ainda, os acompanhamentos simultâneos das contribuições previdenciárias, taxa de administração e dos limites de investimentos. No caso das aplicações dos RPPS, em fundos de investimentos, a Secretaria de Controle Externo de Atos de Pessoal e RPPS do TCE detectou 7 aplicações financeiras com exposição temerária dos recursos, ou seja, investimentos que se fossem observados com mais critério pelos gestores extrapolavam o risco normal, sendo uma ameaça para o patrimônio público. Além da exposição temerária dos recursos previdenciários, os auditores notaram que houve o descumprimento de procedimentos acessórios, visto a ausência de realização

do credenciamento, procedimento este obrigatório conforme as normas do Ministério da Fazenda. Foram auditados os RPPS de Alta Floresta, Campo Novo dos Parecis, Lucas do Rio Verde, Cuiabá, Várzea Grande, Sinop e Rondonópolis. Em 2016 e 2017, o TCE-MT fez 105 acompanhamentos simultâneos de contribuições previdenciárias, resultando em 20 representações internas em desfavor dos órgãos públicos devedores, num total de R$14 milhões. É um trabalho continuo para verificar se existe inadimplência e de alerta aos gestores para os efeitos nocivos à saúde dos regimes próprios como também da responsabilização pelo dano causado. “Emitimos notas de auditoria alertando os gestores e dando prazo de 15 dias para regularização. Se não forem tomadas providências, será apresentado aos conselheiros relatores representação interna para apurar e penalizar o gestor. Qualquer atraso no pagamento de obrigações previdenciárias, o gestor deverá ressarcir os cofres públicos pelas multas e juros que são cobrados”, alerta o secretário Francis Bortoluzzi. Outra frente importante do trabalho da Secex Atos de Pessoal e RPPS do TCE é quanto à aquisição e venda de títulos públicos com sobrepreço. Entre 2016 e 2017, as irregularidades encontradas geraram a determinação de ressarcimento


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no valor de R$3,87 milhões, a serem pagos pelos responsáveis da gestão dos regimes próprios e por quem, de forma solidária, deu causa à irregularidade. Os títulos públicos são federais e comercializados pelas corretoras. O modus operandi identificado foi a venda, por meio de contratos de gaveta e com sobrepreço, sendo que após alguns anos, a mesma corretora participava do processo de compra dos títulos e pelo mesmo preço que vendeu anteriormente. “Aparentemente, parece que não houve prejuízo algum, mas, na verdade, o RPPS deixou de ganhar a valorização dos anos que manteve os títulos. Da análise dos processos, ainda não julgados pelo TCE-MT, estimamos que os novos casos poderão chegar a um valor total de R$5 milhões de determinações de ressarcimentos”, disse o supervisor de controle externo de RPPS do TCE, Eduardo Benjoino Ferraz. O TCE estará lançando, em breve, uma cartilha em sistema digital de orientação aos gestores quanto aos investimentos realizados nos regimes próprios de previdência. A auditoria atuarial com foco na base de dados dos RPPS tem sido um dos principais destaques da Secretaria de Controle Externo de Atos de Pessoal e RPPS do TCE-MT. Há alguns anos os auditores buscam orientar os regimes próprios a fazerem um recadastramento dos servi-

FRANCIS BERTOLUZZI

dores ativos, aposentados e pensionistas, atualizando informações que são necessárias para se fazer o cálculo atuarial. Ao todo foram realizadas 7 auditorias no TCE, com foco na base cadastral (MT PREV, Cuiabá, Várzea Grande, Sinop, Barra do Garças, Cáceres e Rondonópolis). As ações resultaram em determinações para que os RPPS adotem medidas de atualização e/ou correção das bases de dados, o que proporcionará um maior conhecimento sobre quanto efetivamente se deve dispor de recursos para que o RPPS suporte a carga de benefícios no futuro. O Ministério da Fazenda-SIPREV disponibiliza um sistema para a gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: http://www.

previdencia.gov.br/regimes-proprios/sistemas-srpps/siprevgestao-rpps/. É uma ferramenta gratuita de gestão das informações referentes a servidores públicos, ativos, aposentados, pensionistas e dependentes, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios que possuam RPPS. Armazena informações previdenciárias (vínculos funcionais, tempos de contribuição, aposentadorias adquiridas, histórico funcional, cargos e carreiras), informações financeiras (valor de contribuições previdenciárias e benefícios recebidos). Estão disponíveis as funcionalidades de emissão de Certidão de Tempo de Contribuição CTC, tempo para aposentadoria, Censo Previdenciário e Simulação de Aposentadorias..

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MEIO AMBIENTE

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IVO LEANDRO DORILEO Engenheiro Eletricista, Doutor pela UNICAMP. Pesquisador do NIEPE – Núcleo Interdisci-plinar de Estudos em Planejamento Energético da UFMT. Da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético - Vice-Presidente.

A Vez Da Energia Verde Dos Trópicos

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POR IVO LEANDRO DORILEO FOTOS DIVULGAÇÃO

s sociedades humanas contemporâneas trazem crescente preocupação com o bem-estar e o desenvolvimento tecnológico, todavia, em boa medida, tem negligenciado a coexistência pacífica com a biosfera da qual não podem, sem limites, explorar os recursos naturais. Hoje, o meio biofísico generoso fornece recursos, cujo valor é estimado pelo mercado e recebe os rejeitos indefinidamente, e que conduz a subprodutos indesejáveis e a três grandes ordens de impactos que vivencia-

mos: na saúde das pessoas, nos ecossistemas e no aquecimento global. A pressão das atividades humanas sobre os ecossistemas leva a uma reflexão para a compreensão do papel da energia no grande desafio com o qual se confronta hoje a humanidade. Não é de agora esta pressão: os vastos desmatamentos das florestas na era pré-revolução industrial oferecendo energia através da lenha e do carvão vegetal, a exploração do carvão mineral no hemisfério norte que abasteceu fornos e caldeiras da Europa,

e a utilização do petróleo a partir de meados do século 19 com a perfuração do primeiro poço na Pensilvânia, EUA, construindo um sistema energético escravo dos combustíveis fósseis. Nos dias atuais não é possível desconhecer a transição da base energética que sustentou o mundo nos últimos séculos e entender a geopolítica das fontes de energia que se desenha no hemisfério norte e no hemisfério sul. Abaixo do trópico de câncer estão os países de florestas úmidas, ricos em água, sol e clorofila, objeto de alter-

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MEIO AMBIENTE

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nativa ao petróleo e carvão mineral. O Brasil, com todos os seus caracteres privilegiados, pode romper o paradigma dos sistemas energéticos, em direção às energias renováveis, limpas e descentralizadoras. O novo cenário mundial aponta para a importância do uso das florestas para fins energéticos e da energia vegetal – uma singularidade dos países tropicais de clima úmido, constituindo-se na bio-

massa que carrega intrinsecamente o valor da terra, do meio físico e ecológico, que produz, além de energia, alimento em abundância. Existe, no país, uma disponibilidade energética duradoura, repetitiva, que amplia as possibilidades do sistema existente com alternativas técnicas e socialmente aceitáveis, dando condições para que a própria sociedade brasileira resolva seus problemas com a produção intensiva

e extensiva de energia verde. Os sistemas agroenergéticos se prestam muito bem para este fim sob as mais diversas formas: quer sejam com florestas plantadas de eucalipto, quer com o aproveitamento do potencial técnico dos resíduos agrícolas das grandes lavouras de soja, milho, arroz, algodão, cana-de-açúcar e de variadas oleaginosas para produzir, biocombustíveis líquidos. O Estado de Mato Gros-


e do estado, é iniciativa essencial para se atingir soluções de compromisso entre os dois objetivos: produção de energia x produção de alimentos. Estas políticas devem avançar além do objetivo básico de suprir energia com custo competitivo e sustentabilidade ambiental, mas que favoreçam também o desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas, impondo-se um planejamento mais abrangente, considerando a sinergia entre a cadeia bioenergética e a de produção de alimentos. Podemos transformar a cana e palmáceas tropicais em energéticos e produzir oleaginosas com possibilidades de aproveitamento industrial para fabricação de biocombustível. Neste contexto a palma de óleo apresenta potencial de cultura extraordinário; cultivar de alta produtividade e de grande versatilidade esta oleaginosa torna-se a principal cultura para atender à crescente demanda interna e externa por óleos vegetais e mais recentemente para atender ao mercado de biodiesel, especialmente após a instituição do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), além de ser considerada pelo governo brasileiro produto estratégico para o país no âmbito do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo no Brasil, em 2010. O Estado possui 7 mi-

lhões de hectares degradados em condições de exploração deste cultivar que pode contribuir na recuperação destas áreas, fomentar a agricultura familiar, produzir emprego e renda e que representa uma nova fronteira para a industrialização do estado tendo como base o insumo de uma cultura permanente. Temos agências consolidadas e preparadas para a pesquisa como a UFMT e a EMBRAPA Agrossilvipastoril Unidade de Sinop com laboratórios de excelência com capacidade para moldar este futuro com estudos de ciência, tecnologia e inovação (C&T&I), economia e meio ambiente e produzir as soluções necessárias para as questões agronômicas, climáticas, de manutenção de água no solo e técnicas da cultura em solo mato-grossense, mas com o apoio e a participação dos governos estadual e federal para implementação dos projetos. Em seu planejamento de desenvolvimento de longo prazo o Brasil não pode prescindir das alternativas da biomassa – a energia verde dos trópicos, integrando as políticas energéticas, de recursos hídricos e as sociais, sem obliterar a solução para o impasse que vive o mundo e que a humanidade tem experimentado: o desrespeito à natureza, a exploração de fontes de energia e a produção de alimentos.

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so – forte no agronegócio, e dado o seu enorme potencial para cultivo de espécies apropriadas, pode contribuir com um projeto energético da biomassa. Um bom planejamento, suportado por políticas públicas de longo prazo, bem formuladas, pode auxiliar com eficácia na solução de impasses; no caso dos biocombustíveis, apoiado pelas políticas energéticas em consonância com as políticas agrícolas do país

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PA R A Q UA N D O VOCE FOR

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CECÍLIA KAWALL Mora em Chapada dos Guimarães, é guia de ecoturismo e de aventura, empresária, fotógrafa e escreve para Lume MT.

Lume Vai ao Japão

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TEXTO E FOTOS CECÍLIA KAWALL

ue tal fazer uma visita logo ali , no Japão? Estive lá em 2009 e fiquei muito impressionada com a quantidade de imagens e templos. A religião original lá era o Xintô (xintoismo é a prática) onde não havia personificação de um sujeito, masculino ou feminino e sim a observação dos fenômenos da natureza. Tive o grande privilégio de ficar hospedada num templo que tinha 800 anos! Lá os guardiões são figuras fortes que parecem até vindas de um folclore. Mas quem trabalha nesta montanha é a água da cachoeira e o fogo e todo ano são celebrados rituais dedicados a estes elementos. Hoje o zen budismo (prática que segue os princípios de Buda, de muitas formas) é a religião mais encontrada por lá. De toda maneira os japoneses são extremamente hospitaleiros( a despeito da seriedade) e sempre querem agradar. Um costume que perdura é sempre ter à mão uma lembrancinha, para uma visita, um aluno ou até um atendente num balcão. O tradicional cumprimento, aquela reverência que fazem inclinando o tronco para frente diz: “obrigada pelo que vai acontecer entre nós” (arigatô onegai tashimas, ou apenas onegai tashimas) ao início do encontro e assim cria-se um espaço entre você e o outro. Ao final dizem : “obrigada pelo que aconteceu” (arigatô gozaimas). Foi uma experiência incrível, era como estar dentro do cenário de um filme. E um dos lugares mais interessantes por onde passei, ainda tenho muito material, aguardem os próximos capítulos!

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R E P O RTAG E M ESPECIAL


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Avanços e Desafios Os 27 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente

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POR JOYCE THAYS PEREIRA DOS SANTOS, JÚNIOR CÉSAR GOMES GUIMÃES, KALLITA DOS ANJOS MORAES E THAYS OLIVEIRA SILVA FOTOS FOTOLIA

sta discussão tem o propósito de resgatar a história da criança e do adolescente, refletindo a realidade desta população em cada tempo. Para tanto, se pontua as principais mudanças, ressaltando a im-

portância de cotidianamente influenciar a sociedade para defesa e garantia dos direitos arduamente conquistados pelas crianças e adolescentes no Brasil. Philippe Aries (1978), afirma que no passado crianças que atingiam um

grau de independência, eram tratadas como “mini adultos”. Isto é, se misturavam aos homens e mulheres na comunidade, sendo expostas aos riscos e perigos inclusive do trabalho nas fábricas para contribuir no sustento da família.

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R E P O RTAG E M ESPECIAL No século XVI, se percebe o novo olhar das pessoas quanto à infância e adolescência. Este resultou alteração de algumas concepções, mas se limitou a interesses psicológicos e morais. Em nível de Brasil, se verifica que até o final do século XIX crianças e adolescentes estavam sob responsabilidade de instituições de caridade. Exemplo disto, era a Roda de Expostos, instalada, a priori, na Santa Casa de Misericórdia em Salvador. Tal funcionou como uma estratégia de acolhimento deste público abandonado tanto pela família quanto pelo Estado. Posteriormente, as Rodas de Expostos foram fechadas, pois haviam críticas de diversos grupos quanto a (in) capacidade destas instituições de proteger a população infanto-juvenil. Daí, o Estado assume a responsabili-dade sobre estas pessoas e passa a realizar intervenções. Elaborado em 1927, o denominado Código de Menores que visava prestar assistência e proteção as crianças e adolescentes, longe disto, se apresentou como mecanismo de controle e repressão do Estado. Em 1979, o Código teve algumas alterações, mas persistiu com caráter conservador. É apenas em 1988, com as intensas manifestações sociais e o movimento de meninos e meninas de rua, principais responsáveis por trazer à tona as necessida-

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des particulares e singulares. Isto é, proporcionando visibilidade as práticas repressivas e punitivas sobre este público que surge uma nova Constituição Federal, reconhecendo as crianças e adolescentes como sujeito de direitos. Sem dúvidas, estes movimentos proporcionaram mudanças significativas para o contexto brasileiro, resultando na instauração da Lei Nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Reafirmando o novo compromisso com os seres que estão em pleno desenvolvimento pessoal. Aproveitando o ensejo comemorativo, onde se celebra os 27 anos de exis-

tência do Marco Legal, que dispõe sobre o novo reordenamento do atendimento a criança e ao adolescente e assume a ruptura com legislações que expressavam e reduziam a complexidade da questão em Situação Irregular, com intuito apenas de preservar o que ameaçava à boa ordem. É o que nos motiva a debruçar sobre o tema, a fim de compreender a trajetória exitosa. Os avanços contidos no Estatuto da Criança e Adolescente – ECA reconhece como crianças, pessoas de 0 a 12 anos de idade incompletos e adolescentes aquelas de 12 a 18 anos de idade. Sendo todos/as, in-

RODA DOS EXPOSTOS, UMA HERANÇA LUSITANA.


lumeMatoGrosso dependentemente da idade, consagrados/as como sujeitos de direitos. O ECA, se estrutura com elementos estratégicos para resguardar o público infanto-juvenil de casos de abuso sexual, tráfico, trabalho infantil, maus tratos, situação de moradia de rua e muitos outros infortúnios que podem vir a assolar o desenvolvimento desta população. Logo, esta normativa se direciona para assegurar especificamente direitos e deveres a infância e adolescência, reforçando as entrelinhas da Constituição Federal/88. Sendo a doutrina da proteção integral a diretriz de consolidação dos direitos fundamentais. Ou seja, o arcabouço jurídico passa a enxergar a criança e o adolescente como prioridade absoluta de uma nação, pois se encontram em um grau de vulnerabilidade natural por estarem vivenciando o processo de condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. É neste momento que os

integrantes da rede entram em cena, como: o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, Conselho Tutelar, Ministério Público, Fórum, Conselho Municipal/ Estadual/ Nacional dos Direitos da criança e do adolescente, Polícia Civil, Polícia Federal, Polícia Rodo-

É ruim acordar de madrugada pra vender bala no trem. Se eu pudesse eu tocava em meu destino, hoje eu seria alguém, seria eu um intelectual. SEU JORGE

viária e dentre outras unidades existentes no território, todas estão empenhadas na efetividade e aplicação dos princípios contido no ECA. Por isto, fica sob a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado zelar pela efetivação ao direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e econômica. A fim de garantir uma vida saudável. Compreendemos, que os 27 anos de ECA é apenas uma prévia do que a sociedade brasileira ainda tem que lutar para conquistar. Apesar do avanço normativo e construção de políticas públicas o ranço da doutrina de situação irregular permanece inalterado na visão sócio-cultural de muitas pessoas. Não há dúvidas de que essa característica seja um dos empecilhos para efetivação concreta dos direitos de crianças e adolescentes.

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R E P O RTAG E M ESPECIAL A falácia sobre o Estatuto gera uma conclusão precipitada sobre o seu real propósito. Contribuindo para uma propagação errônea, de que este “serve para proteger bandidos”. Recentemente a sociedade se viu dividida entre apoiar ou não apoiar a redução da maior idade penal. Salientamos que, é um grave erro apostar nesta forma de medida interventiva, pois ela fere os direitos constitucionalmente adquiridos e não se configura como uma resolução eficaz para o problema da criminalidade. Ao contrário do que se veicula na mídia, os adolescentes não ficam impunes quando co-

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metem algum ato infracional, o ECA dispõe sobre o cumprimento de medidas socioeducativas para esses adolescentes. Há várias outras possibilidades de resgatar e impedir que os jovens, o futuro da nação, sejam cooptados pelo lado sombrio da força. Nesta direção, é preciso lutar para implementar essas novas diretrizes, apostar no Sistema de Garantia de Direitos é poder vislumbrar o futuro de uma nação que caminha para o progresso, longe de opressão, violência e discriminação. O ECA é uma conquista capaz de se adequar a evolução da sociedade, que está em constante mo-

dificação, sem perder de vista o compromisso com o pleno desenvolvimento da população infanto-juvenil. O Estatuto fez com que a política de assistência social, educação, saúde, cultura e dentre outras, iniciasse o diálogo para atuar de forma articulada, com o objetivo de encaminhar a demanda para o aparelho público, no intuito de ter acesso as políticas públicas, programas e projetos. A articulação entre as políticas públicas (intersetorialidade), compartilhamento de responsabilidades e reivindicações são imprescindíveis para defesa e garantia de atendimento das múltiplas e diferentes necessidades das crianças e adolescentes. Salientamos que este trabalho deve ser constante para a materialização dos direitos. Daí se pressupõe que quando a rede de proteção à criança e ao adolescente está fortalecida é possível prevenir a violações de direitos como o abandono, violência física, violência psicológica, abuso sexual, negligência, exploração sexual, violência institucional, trabalho infantil, bullying e dentre outras formas. Antes da aprovação do ECA as crianças e adolescentes não possuíam nenhum direito adquirido oficialmente, mas, na contemporaneidade, as unidades públicas vão encaminhar as demandas para os órgãos competentes, pois


o artigo 4º, do ECA, discorre sobre a prioridade absoluta no que diz respeito a garantia de prioridade e compreende: »»Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; »»Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; »»Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; »»Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Portanto, no ano de 2017, o Estatuto da Criança e do Adolescente, completa 27 anos de luta pela efetivação e proteção daqueles que necessitam de cuidados especiais, pois é na infância e na adolescência que se inicia o desenvol-

vimento, isto é, comunicação, movimentação e conhecimento do ser humano. As fases inicias da vida são fundamentais, pois os vínculos que a criança e o adolescente desenvolvem influenciam diretamente no físico, social, emocional e intelectual, as vivências vão esculpindo o desenvolvimento psicossocial. O momento que vivemos são difíceis, percebemos várias tentativas de flexibilização dos direitos inclusive da criança e do adolescente. Desta forma, não vamos retroceder ou ser omissos/as com o que acontece na sociedade, no sentido de dar o famoso jeitinho brasileiro. Vamos lutar pela aplicabilidade e integralidade de tudo aquilo que foi conquistado para este público e assim, continuar avançando.

»»Joyce Thays Pereira dos Santos é Assistente Social - Integrante do Programa de Residência Integrada Multi-profissional em Saúde do Adulto e do Idoso com Ênfase em Atenção Cardiovascular (PRIMSCAV) do Hospital Universitário Júlio Muller, em Cuiabá; »»Júnior César Gomes Guimães é Assistente Social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social do Município de Juscimeira-MT e vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; »»Kallita dos Anjos Moraes é Assistente Social; »»Thays Oliveira Silva é Assistente Social.

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C U LT U R A

Memória Resgatada Poxoréu ganha museu e contribui para preservação da história e cultura mato-grossense FOTOS DIVULGAÇÃO

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m permanente ebulição cultural, o Instituto Histórico e Geográfico de Poxoréu, fundado em 7 de maio de 2016, tendo como atual presidente o professor Gaudêncio Filho Rosa de Amorim, não para de apresentar resultados positivos para a sociedade poxorense. A instituição promove intensa campanha para recebimento de livros que irão compor a biblioteca que se encontra em atividade. No entanto, o maior feito de sua recente história foi a aquisição, através de doação da prefeitura municipal de Poxoréo, sob a administração da então prefeita do município, Jane Maria Sanchez Lopes Rocha, de prédio do antigo colégio Júlio Müller, bem na área central da cidade. Esse prédio passou a ser recuperado e está muito bem cuidado e administrado pelos membros do IHGP, muitos dos quais são egressos e ainda filiados a União Poxorense de Escritores - UPE, notável instituição de apoio à produção literária, cultural e histórica do lugar. A criação do Instituto Histórico de Poxoréu foi presidida pelo jornalista Weller Marcos da Silva, então vice-presidente do IHGMT. Naquela data o IHGP foi instalado com 19 membros.

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CASA DA MEMÓRIA MANOEL DE AQUINO “PIÉ” »»O amplo espaço físico ocupado pelo Instituto de Poxoréu permitiu que fosse organizado e implantado um museu para guarda de rico acervo histórico da sociedade local. Ao espaço foi dado o nome de “Casa da Memória Manoel de Aquino - Piê”, em homenagem em homenagem a tradicional família do lugar, e, também, aos garimpeiros que fundaram este torrão, no inicio do século XX. Segundo o próprio IHGP, “...a ideia de organizar um museu sempre esteve presente na memória do povo de Poxoréu, principalmente das lideranças com estreita relação com a arte e a cultura, mas as dificuldades se arrastaram com o mesmo desejo de organizar”... “O Instituto Histórico e Geográfico, a partir de sua criação potencializou este desejo e otimizou força entre os membros e pessoas, de dentro e fora do município, para a consecução do empreendimento.” A Casa da Memória foi implantada no dia 24 de junho de 2017, na sede social do IHGP. Nessa ocasião estavam presentes notável parcela da sociedade local, além de autoridades convidadas. Citamos o presidente Gaudêncio Filho Rosa de Amorim, que representava a instituição, além do prefeito municipal – Sr. Nelson Antônio Paim; do presidente da Câmara – Ver. João de Jesus Oliveira, do Gerente do Banco do Brasil – Sr. Jailton de Souza, diretores de escolas, presidentes de Sindicatos, Vereadores, artistas, juventude, cidadãos em geral, entre outros. Ainda se fizeram presentes o dramaturgo Flávio Ferreira (Vice Presidente da OAB/MT e criador da Cia. de Teatro Cena Onze) e o escritor João Carlos Vicente Ferreira. A família do homenageado foi representada por seu filho Jerolino de Aquino, proprietário do Laboratório Carlos Chagas, em Cuiabá.

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Nunca Te Vi, Sempre Te Amei

À Desidério Aytai, um etnólogo de 7 fôlegos POR ANNA MARIA RIBEIRO FERNANDES MOREIRA DA COSTA FOTOS DESIDÉRIO AYTAI

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unca te vi, sempre te amei” (84 Charing Cross Road), filme de 1987, estrelado por Anthony Hopkins e Anne Bancroft, me remete à amizade que fiz com o professor Desidério Aytai, iniciada em 1987, (mesmo ano do filme) e finalizada, com sua morte, em 1998. Isso porque o enredo do filme trata da amizade entre duas pessoas que não se conheceram pessoalmente, mas pelas cartas trocadas durante duas décadas.

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ANTROPOLOGIA


e encontrou o espaço propício para construir sua carreira como antropólogo. Trabalhou na construção de pontes, estradas e locomotivas. Nessas áreas, publicou vários estudos, como cálculo das curvas econômicas das linhas férreas, determinação teórica do chamado fator de poissant de aços e um livro de mecânica para aprendizes técnicos. Foi premiado no concurso literário sobre vibrações da corda de aço dos elevadores. Na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC), depois de aposentado, fundou a Faculdade de Engenharia, momento em que também assumiu o cargo de diretor. Mas, o grande sonho do engenheiro húngaro estava alicerçado na área da Antropologia, especialmente dos povos da África e da América do Sul. Ao chegar no Brasil, no campo da Arqueologia, iniciou suas pesquisas nos sambaquis do litoral Sul de São Paulo. Os resultados das escavações realizadas por Desidério Aytai e os alunos do curso de Ciências Sociais da PUCC, no final da década de 1950, e no decorrer dos anos de 1960, encontram-se no acervo da instituição, que também reúne peças coletadas em expedições às comunidades indígenas do Centro-Oeste e Norte brasileiros. Recebeu o convite da mesma universidade, em 1963, para ocupar a cadeira de Antropologia no curso de Ciências Sociais. Também foi professor e pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em outras faculdades. Como professor, Aytai passou grande parte de sua vida na região de Campinas. Em cidades próximas, sua presença marcou uma trajetória no campo da Antropologia e da Arqueologia. Fundou o Museu Histórico de Paulínia, em Paulínia, o Museu Municipal Elizabeth Aytai, em Monte Mor, nome atribuído em homenagem à esposa, pesquisadora que encontrou, no ano de 1971, uma urna funerária de tradição Tupi, datada de 800 a 1000 anos. Hoje o museu está sob a direção Zilda Rangel, sua discípula e grande amiga.

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Baseado na vida da escritora nova-yorquina Helene Hanff, a trama narra os efeitos de uma troca de cartas que se iniciou com um simples pedido de livro. A escritora, ao enviar uma carta à livraria de Londres em busca de livros raros, entrou em contato com o livreiro britânico que respondeu educadamente à correspondência. Daí nasceu uma comovente troca de cartas. Em relação à minha amizade com Desidério Aytai, ela teve início com o meu interesse em criar, em 1988, um centro de documentação na sede da Funai, em Vilhena, Rondônia, momento em que estive entre os grupos Nambiquara do Cerrado. Assim, enquanto Helene Hanff, personagem de Bancroft, procurou Frank Doel, papel encarnado por Hopkins, entrei em contato, também por correspondência, com Desidério Aytai, para solicitar sua produção bibliográfica e fotográfica para formar um acervo documental e bibliográfico à disposição dos funcionários para conhecerem melhor os mais de 30 grupos que formam o povo Nambiquara do Cerrado, da Serra do Norte e do Vale do Guaporé. Dentre os estudiosos que desenvolveram pesquisas com o povo Nambiquara, Aytai foi o que mais contribuiu para o enriquecimento do acervo que pretendi criar em Vilhena. Foi nesse período que tive acesso às Publicações do Museu Histórico de Paulínia, sob sua organização. Assim, a semelhança que existe entre a história de Hanff e a minha se dá em três pontos: as cartas, os livros e a amizade. Desidério Aytai nasceu em Budapeste, Hungria, em 1905. A história de Aytai no Brasil teve início após a Segunda Guerra Mundial, quando a Hungria tornou-se um Estado comunista. Avesso ao ideário comunista, Aytai deixou sua terra natal com a família para trabalhar no Museu da Smithsonian Institution, em Washington, no Musée de l’Homme, em Paris, e no Museu do Vaticano, em Roma. Em 1948, o engenheiro mecânico formado pela Real Universidade Húngara imigrou para o Brasil

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ANTROPOLOGIA

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DESIDÉRIO AYTAI


lumeMatoGrosso DESIDÉRIO AYTAI, EM 1967, COM DOIS NAMBIQUARA DA SERRA AZUL.

O desejo pelas pesquisas antropológicas, todavia, permaneceu acima de quaisquer outros interesses acadêmicos. Na década de 1960 iniciaram-se os trabalhos de campo do engenheiro etnógrafo junto ao povo Nambiquara, bem como a publicação de uma série de artigos. Entre 1963 e 1966, esteve entre o Mamaindê e o Sararé, grupos da Serra do Norte e do Vale do Guaporé, respectivamente. Com os grupos da Chapada dos Parecis realizou estudos em 1967, com o grupo Halotesu e, nesse mesmo ano, retornou ao Vale do Guaporé para pesquisar o grupo Wasusu, todos da etnia Nambiquara. Aytai passou, então, a dedicar-se às pesquisas de campo, na organização e como integrante de várias expedições às terras

dos índios Xavante (tese de doutorado), Bororo, Paresi, Guarani, Karajá, Nambiquara. Estudou um dos aspectos mais relevantes na vida dos indígenas – a música – geralmente negligenciada como objeto de estudo por pesquisadores de distintas áreas do conhecimento. A exiguidade de material sobre a música indígena deve-se, por outro lado, a dificuldade em registrar fenômeno tão efêmero como o som e, por outro lado, a de se compreender a música indígena nos contextos em que é produzida. Aytai conseguiu superar tais dificuldades e legou um riquíssimo acervo ainda a ser explorado. Em relação à música Nambiquara, o resultado das pesquisas de Aytai mostrou que o espaço musical dá-se tanto no pátio central, circundado por casas habitacionais, como

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ANTROPOLOGIA no interior de uma casa ritual, construída pelos homens especialmente para entoarem os instrumentos de taquara, com e sem ressonador de cabaça. Não há a obrigatoriedade da guarda das flautas retas ser exclusivamente na casa das flautas. O interior da mata, longe da curiosidade e dos olhos femininos, pode ser também um local apropriado para esconder os instrumentos musicais, entre galhos e, até mesmo, enrolados em cobertores. São entoadas durante o cultivo de plantas comestíveis e utilitárias, necessária à sobrevivência Nambiquara. Ao som da música, os índios ingerem um bebida à base de mandioca e também despejam-na no interior das flautas, alimentando-as, pois crêem que ali se encontra a alma do menino que, no tempo mítico, transformou-se em plantas utilitárias e comestíveis para seu povo. Principalmente em relação à musica, a contribuição acadêmica de Desidério Aytai é inquestiona-velmente decisiva para o conhecimento da cultura musical dos indígenas no país. Seus estudos são referências para pesquisadores interessados em ter acesso às especificidades da música indígena. E, ainda, ao considerar a escassez de obras sobre a cultura musical dos índios que atualmente habitam o território brasileiro, sua contribuição atinge maior dimensão,

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ÍNDIO NAMBIQUARA LORENZO, FABRICANDO UM PENTE, EM 1967.

pois teve o mérito de conservar informações etnomusicais de grupos humanos que hoje passam por transformações sociais. Nossa correspondência durou uma década: de 04.10.1987 a 18.04.1988. Recebi do professor Desidério Aytai um total de 129 aerogramas, cartas e cartões-postais. Após obter, por doação, sua produção bibliográfica e fotográfica e incorporá-la ao Acervo Documental da Fundação Nacional do Índio (Funai), nossa correspondência tomou outro rumo: o professor passou a orientar minhas pesquisas de campo, primeiramente entre os Potiguara, Paraíba, e depois entre os Nambiquara do Cerrado, Mato Grosso. Mais do que ler e orientar meus escritos, a presença de Aytai significou, na aldeia, longe das universidades, a segurança do percurso acadêmico necessário para adentrar em um terreno tão árido – o da cultural material e imaterial. Assim, tive o olhar aguçado do húngaro sob meus escritos e ao resultado de suas pesquisas de campo realizadas no anos de 1960, em especial aquelas desenvolvidas entre o povo Nambiquara. A última participação de Desidério Aytai em meus trabalhos acadêmicos ocorreu entre 1997 e 1998, durante a elaboração de minha monografia intitulada “Irmão do chão: os Nambiquara na etno-história contemporâ-

EM PRIMEIRO PLANO A ÍNDIA BERENICE, NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967, COM UM PARENTE.


em seu testamento. Hoje esse acervo encontra-se sob a responsabilidade do Museu do Índio, da Funai, no Rio de Janeiro, já digitalizado e disponível à pesquisa. Minha eterna gratidão ao professor Desidério se materializou no livro que escrevi: “Desidério Aytai e a etnografia Nambiquara” (2011). Na verdade, este livro foi escrito especialmente para ele. Ao me referir a Desidério Aytai, tenho por hábito compará-lo a Edgard Roquette-Pinto (1884-1954), médico, etnólogo, professor, escritor, ensaísta e pai da radiodifusão no Brasil. Isso por ambos terem percorrido um vasto caminho pelos diversos campos da ciência. Um mestre ou feiticeiro, na indagação de Carlos Drummond de Andrade que dedicou um poema a Roquette-Pinto, publicado em “Fala Amendoeira”. Aos 93 anos, em pleno exercício da profissão, no Museu Elizabeth Aytai, com as mãos trêmulas, passou a assinar suas últimas cartas como Desidério (93), “Desidério Fóssil” e “Desidério de 7 fôlegos”. No Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, o húngaro que se naturalizou brasileiro se faz presente: dá nome à cadeira que ocupo. E no Museu Elizabeth Aytai estão as mais de cem cartas que escrevi ao professor Desidério durante uma década, acondicionadas em uma pasta amarela...

ÍNDIO NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967, FABRICANDO CASA.

ÍNDIOS NAMBIQUARA DA SERRA AZUL, EM 1967. O DO CENTRO TINHA PODERES MÁGICOS.

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nea”, apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso. Nesse estudo, Aytai contribuiu de forma ímpar na análise dos textos e no enriquecimento da bibliografia Nambiquara, especialmente enviando-me cópias de estudos em língua estrangeira. Junto às cartas do professor, recebi os números das Publicações do Museu Histórico de Paulínia, com artigos direcionados aos meus interesses. Ao final de poucos anos pude colecionar todos os números do periódico, cuja edição foi interrompida após a sua morte. Minha correspondência com o professor Desidério foi intensa e produtiva. Nossos laços estreitaram-se a cada carta. Infelizmente, não tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, como Helene Hanff não conheceu Frank Doel no filme “Nunca te vi, sempre te amei”. Mas, igualmente à escritora e ao livreiro, uma amizade nasceu. Amizade que teve como ponto de partida a pesquisa etnográfica, quando impingiu um legado técnico e metodológico às minhas pesquisas. Com sua morte, em 1995, recebi do Museu Histórico de Paulínia seu acervo sonoro, ainda inédito, com 71 fitas cassetes, contendo narrações indígenas sobre mitologia e cantos de diversas etnias que estudou. Creio que o professor tenha deixado estabelecido

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R E T R ATO E M PRETO E BRANCO

Roberto De Oliveira Campos

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oberto Campos nasceu em Cuiabá, em 17 de abril de 1917, filho de Valdomiro de Oliveira Campos e Honorina de Oliveira Campos. Diplomou-se em teologia e filosofia. Fez concurso para o Itamarati em março de 1939. Aprovado no exame, em 1942 foi nomeado para o seu primeiro posto no exterior, em Washington (EUA). Em julho de 1944 integrou a delegação brasileira à Conferência Monetário-Financeira da Organização das Nações Unidas (Onu) em Bretton Woods (EUA). Os acordos então estabelecidos deram origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). Transferido para Nova Iorque em 1947 para juntar-se à repre-

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sentação do Brasil nas Nações Unidas, permaneceu naquela cidade por dois anos e meio. Em agosto de 1949 deixou Nova Iorque, permanecendo nos quatro anos seguintes a serviço da Chancelaria no Brasil. A modernização da infra-estrutura econômica do país, especialmente nos setores energético e de transportes, constituiria uma das prioridades centrais do segundo governo de Getúlio Vargas, iniciado em janeiro de 1951. Roberto Campos integrou a assessoria econômica do presidente, participando da elaboração do anteprojeto governamental para a criação da Petrobrás. Em março de 1951, foi promovido a primeiro-secretário e participou da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desen-

volvimento Econômico. Sob sua direção, ainda em 1952 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, iniciou contatos com a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU que vinha fazendo estudos sobre modelos de desenvolvimento econômico aplicáveis à região. Em maio de 1953 foi criado o Grupo Misto de Estudos BNDE-Cepal. Roberto Campos demitiu-se do corpo diretor do BNDE em meados de 1953, e em setembro foi designado cônsul em Los Angeles (EUA). Em março de 1955 deixou o posto em Los Angeles e voltou ao Brasil, assumindo o cargo de diretor-superintendente do BNDE. Antes da posse de JK, na presidência, em janeiro de 1956 dirigiu, ao lado de


celino Kubitschek decidiu abandonar o programa de estabilização e romper com o FMI. Como conseqüência, Lucas Lopes foi substituído no Ministério da Fazenda e Roberto Campos deixou a presidência do BNDE, tendo sido, em outubro, promovido a ministro de primeira classe. Após a posse de Jânio Quadros na presidência, em 1961, foi convidado a assumir a embaixada do Brasil na República Federal da Alemanha, recusando a missão. Em agosto foi nomeado por Jânio embaixador do Brasil em Washington, como embaixador extraordinário e plenipotenciário naquela cidade, missão que chefiou até agosto de 1963, quando pediu demissão, revelando sua discordância com o governo Goulart. Em dezembro de 1974, já no governo Ernesto Geisel, foi nomeado embaixador em Londres. Com a extinção do bipartidarismo em 29 de novembro de 1979 e a conseqüente reformulação partidária, surgiria o Partido Democrático Social (PDS), governista. Filiou-se à agremiação em maio de 1980 e em abril do ano seguinte esteve no Brasil para articular sua candidatura ao Senado por Mato Grosso. Na noite de 28 desse mês foi esfaqueado em São Paulo num episódio controvertido, noticiado de início como um assalto e, em seguida, como

uma agressão por parte de uma amiga. Foi operado no Pronto-Socorro Iguatemi, onde permaneceu em repouso por duas semanas. Em 15 de maio retornou a Londres, sem que as investigações sobre o caso tivessem chegado a uma conclusão. Viajando novamente ao Brasil em novembro de 1981 para dar início à campanha eleitoral, fez palestras e deu entrevistas à imprensa em que defendia a política antiinflacionária do governo. Retornou ao Brasil em junho de 1982 a fim de dar prosseguimento à sua campanha para o Senado, afinal vitoriosa no pleito realizado em novembro. Estreou no Senado em junho de 1983, iniciando-se na vida parlamentar em pleno processo de redemocratização. Em 3 de outubro de 1990, depois de transferir seu título eleitoral para o Rio de Janeiro, elegeu-se deputado federal, sendo empossado em fevereiro de 1991. Foi reeleito em outubro de 1994. Em 23 de julho de 1999 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras na vaga deixada pelo dramaturgo e escritor Dias Gomes, tomando posse em 26 de outubro deste ano. Casou-se com Maria Estela Tambelinni de Oliveira Campos, com quem teve três filhos. Morreu em 9 de outubro de 2001, na cidade do Rio de Janeiro.

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Lucas Lopes, uma equipe de técnicos responsável pela formulação de um programa que deveria nortear a política econômica do novo governo. Em março de 1956, já no governo Kubitschek, foi promovido a ministro de segunda classe. No início de 1958, por instância de Roberto Campos, passou a integrar a diretoria do BNDE o economista Celso Furtado, com a incumbência de coordenar estudos para um plano de desenvolvimento do Nordeste. Como resultado desse trabalho, seria criada, em dezembro de 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em junho de 1958, Campos foi nomeado presidente do BNDE. O plano de estabilização monetária e a reforma cambial propostos por ele e Lucas Lopes no início do governo JK não havia sido aprovado. O governo optava por uma política de intensa industrialização, que em vários aspectos era responsável pelos problemas financeiros. Diante do agravamento das dificuldades e da pressão exercida pelos credores externos, o governo decidiu implementar uma política antiinflacionária, anunciando em outubro de 1958 o Plano de Estabilização Monetária, elaborado por Campos e Lopes. Em junho de 1959 Jus-

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MEMÓRIA HISTÓRICA

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BENEDITO PEDRO DORILEO é advogado e foi reitor da UFMT

A Catedral Basílica De Cuiabá

45 Anos POR BENEDITO PEDRO DORILEO FOTOS DIVULGAÇÃO

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elembrando as bandeiras e monções que aportavam o Centro-Oeste brasileiro, no século XVIII, encontramos a aclamação de Pascoal Moreira Cabral Leme como guarda-mor das fabulosas minas do Arraial de Forquilha, às margens do riacho Coxipó do Ouro, sob invocação de Nossa Senhora da Penha de França, em 8 de abril de 1719 – há quase três séculos.

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MEMÓRIA HISTÓRICA

ANTIGA CATEDRAL

Não demora e a ganância do ouro, principalmente para suprir a Coroa Portuguesa, aumenta a exploração para atingir o ribeirão Prainha, com novo povoado das minas descobertas por Miguel Sutil de Oliveira. A religiosidade acompanhava o bandeirantismo, e o capitão-mor Jacintho Barbosa Lopes manda erigir, em 1722, uma capela de palha em louvor ao Senhor Bom Jesus. Estavam sendo escritas as primeiras crônicas cuiabanas, envolvendo sacrifícios ingentes de brancos, índios, depois negros, cuja odisseia em meio ao inóspito era sustentada pela fé, em sendo: –”o pássaro que sente a luz e canta, quando a madrugada é ainda escura”, no sentimento de Tagore. Sutil, o lavrador-mor, expandia as lavras a forçar

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fama aurífera de mananciais generosos, implicando povoamento da região, em 1727, logo surgindo a Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, com o simbolismo das armas e levantamento do pelourinho. Mas, faltava a Imagem, a representação em escultura para veneração dos fiéis, protegida de profanação – e venerar não é adorar. Piedosa é a narrativa que encerrava a confecção, transporte e chegada da imagem do Senhor Bom Jesus, em 1729 – adotada oficialmente por Ato da Câmara da Vila Real. Da capelinha de palha, a Imagem taumaturga foi acolhida noutra com paredes de barrote, depois aumentada para igreja em taipa socada, a ruir por seguidas vezes; é reconstruída, em 1740, pelo vigário João Caetano Leite César

de Azevedo. A única torre viria, em 1771, em forma de pirâmide, pelo substituto padre José Pereira Duarte. Em 1826, de Prelazia para Diocese, o primeiro bispo Dom José Antônio dos Reis, ao assumir, em 1832, durante o seu rico apostolado, fez construir as sacristias e modificar a torre, dando-lhe forma ogival – a qual permaneceu até o início do século XX. O presidente do Estado, Mário Corrêa da Costa, aquele que imaginara nova capital no município de Chapada de Guimarães com o nome de Mariópolis, em 1928, mandou reconstruir a fachada da Sé Catedral, levantando uma segunda torre, a alterar o projeto arquitetônico original. Assim, apenas o frontispício ficou fortalecido com estrutura de cimento con-


tuto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. É a seguir instituído um concurso para votação do parecer pela comunidade católica e outros participantes, cujo resultado apurado apontou a decisão: 70% pela demolição e levantamento de uma Catedral segura e espaçosa no mesmo lugar; e 30% pela reconstrução. Na época, já se imaginava uma Basílica sob os anseios dos 250 anos de Cuiabá, em 1969. A relíquia colonial, ainda que alterada, infelizmente não se sustentava. “Se se tratasse de uma sólida e duradoura edificação, seria imperdoável deitar abaixo o monumento histórico” (op. cit.). Esta reflexão deve-se ao fato da proximida-

LUÍS-PHILIPPE PEREIRA LEITE

de dos 45 anos da Basílica Menor, no próximo ano de 2018; bem como dos 300 anos de Cuiabá, em 2019. Não há pretensão em prelecionar para os sabedores, pensa-se indistintamente para dialogar com leitores e pela conjuntura incluir estudantes adolescentes do ensino fundamental público que, nestes últimos anos, em parte tem mais aprendido a indisciplina de invadir, ocupar do que estudar. O estado democrático de Direito obriga à reflexão de valores e razões. Inaceitáveis certos ideólogos induzirem a violência em alunos de menor idade – por serem irresponsáveis penalmente –, resultando ato delituoso co-

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cretado, obedecendo a melhor técnica disponível na época. Resistente, enfrentou o tempo, enquanto os paredões de argila compactada cediam frequentemente à ação das intempéries. O corpo inteiro do templo permaneceu com grossas paredes de barro cru socado, cobertas por telhas coloniais. As persistentes goteiras derretiam o barro da colonização portuguesa, sob testemunho dos fiéis que frequentavam a Celebração Eucarística. Somente, em 1958, ocorre a decisão mais séria quanto à estrutura física da Sé Catedral que ameaçava ruir por inteiro, fissurada gravemente, com exceção da parte frontal que escondia a pior realidade; sob, ainda, o abalo provocado pelos veículos automotores. Um ingrediente depreciativo se somava: “o tombamento junto ao Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional fora negado em vista da descaracterização por perda do estilo colonial, quando da modificação de torre única abobadada pela dupla em agulha” (in Luís-Philippe Pereira Leite, Revista do IHGMT, Tomo CXXXIX – CXL, p.60/1993). Fatos que tais obrigaram o Arcebispo Metropolitano, Dom Orlando Chaves, a constituir Comissão Analisadora, sob a presidência do historiador referido, Pereira Leite, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e presidente do Insti-

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MEMÓRIA HISTÓRICA varde com finalidade política. Nesse estágio escolar, a ciência política deve ser abordada no colégio pelo caminho da dialética. Para nossa consciência de longo magistério, trata-se de atitude perversa ferir o botão em flor: “pura, incandescente rosa da chama que sai com o dia”, como cantou Francisco de Rioja. Assim, desvencilhada de postura ideológica dirigida e obsessiva com visão comprometida permanentemente com fatos políticos, continua a abordagem da remodelação do centro urbano de Cuiabá. Não se nega influência, inaceita-se o exagero proposital. O ciclo de modernização desse espaço, inicialmente, fora determinado pela iniciativa privada do comércio e de incorporadores de edifícios com linhas modernas, tais como, na década de 1950, o Centro América Hotel, o Palácio do Comércio, a Casa Laraya, Edifício Moreira, a Casa Athaíde, na proximidade, o primeiro das mais espaçosas vitrines. Ingressa na década de 1960 com o Edifício Maria Joaquina, na Praça Alencastro, com 13 pavimentos e 54 apartamentos, o primeiro residencial. A Avenida Getúlio Vargas já estava inteiramente com novos edifícios, incluindo Cineteatro e Grande Hotel, desaparecendo o casario colonial, nas décadas de 1940 para 1950, por providencial obra de Júlio Müller, que efetivou

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a fixação de Cuiabá como Capital do Estado. Segue a reforma da Praça Alencastro, da qual antes lhe retiraram a cerca gradeada. É, em 1965, modernizada para perder os pitorescos coreto e gasômetro. O ano é de 1960 e o governador João Ponce de Arruda decide demolir o velho Palácio Alencastro, limpando a grande área onde estavam os prédios térreos da Delegacia Fiscal, da LBA e Correios e Telégrafos e ainda a residência do coronel João Celestino Cardoso. Levanta o novo palácio onde, hoje, se situa a Prefeitura Municipal. A velha Catedral, por motivo aludido, também é demolida

passo a passo sem prejuízo dos atos religiosos. O cuiabano em sua maioria muda a face do seu cartão postal. O projeto da nova é de autoria do arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, autor do da Basílica Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Houve oferta de dois estilos diferentes, postos em votação livre para fiéis e povo, resultando em 5.450 votos, prevalecendo o clássico com 3.000 sufrágios, com adoção de retoques. O Pároco Pe. Firmo Pinto Duarte Filho tudo, atentamente, acompanhava com os fiéis católicos e povo, de maneira democrática. A Imprensa dividida, ora

PE. FIRMO PINTO DUARTE FILHO


apoiava, ora criticava, principalmente quando do uso de explosivo para romper unicamente a parede frontal de concreto armado. Após 15 anos de trabalho é, enfim, inaugurada a quarta e definitiva morada do Senhor Bom Jesus, no dia 24 de maio de 1973, dia expressivo de Nossa Senhora Auxiliadora, com presença do clero, altos prelados, personalidades, fiéis e povo. No ano seguinte, o coroamento da conquista: Sua Santidade o Papa Paulo VI, em 15 de novembro de 1974, atendendo ao pedido do venerando metropolita, concede a elevação da Catedral à categoria de Basílica Menor. Chamamo-la de Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Além da Imagem, acrescenta-se um dos maiores mosaicos do mundo, estampando o Salvador louvado com três oferendas: do bandeirante, do negro e do índio. Há alusão de que o Concílio Vaticano II de 1962 teria, além de profundas reformas intrínsecas, contribuído para a simplificação de altares e paredes internas dos novos templos católicos. As esculturas sacras do barroco removidas compõem, hoje, o Museu Sacro organizado no antigo Seminário da Conceição. Histórico, cívico e religioso são tudo quanto diz respeito à trasladação, em 1975, de Soroca-

ba para Cuiabá das cinzas de Miguel Sutil de Oliveira que, na cripta, repousam ao lado de Paschoal Moreira Cabral, de todos os prelados da Prelazia, Diocese e Arquidiocese de Cuiabá. Também repousa o corpo do arcebispo construtor, Dom Orlando Chaves, falecido em Cuiabá, em 15 de agosto – Assunção de Nossa Senhora – de 1981, aos 81 anos de idade. A saudade foi sempre presa da eternidade como flor murcha que exala aroma inebriante. Sentimento que se soma à memória telúrica. Também tenho

saudade da velha Catedral, onde, menino, ouvia homilias de Dom Aquino Corrêa. Ou em dia do “Te Deum Laudamus”, como para recepcionar Getúlio Vargas, em 1941. Ou da sua nave, onde comandei, em 1956, a guarda da urna fúnebre do Prelado que governou Mato Grosso. Lembranças tantas que, entretanto, despertam-se diante da magnitude do novo belo que encanta as novas gerações, especialmente nestes tempos dos 45 anos da Basílica, em 2018 e sob os auspícios do jubileu tricentenário de Cuiabá

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DOM ORLANDO CHAVES

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AGOSTOS DE NOSSA HISTÓRIA DIA 01 »»1943. Nasce Manoel Antônio Rodrigues Palma, advogado, professor e político. »»1952. Nasce Valter Albano da Silva, economista, Conselheiro do TCE/MT. DIA 02 »»1840. Nasce José Estevão Corrêa, professor e político, patrono da Cadeira nº 20, da AML. »»1921. O tenor italiano Enrico Caruso morre, aos 48 anos, vítima de peritonite.

quiteta, escritora, professora e artista plástica. Pertencia ao IHGMT. DIA 07 »»1942. Nasce Caetano Veloso, expoente do Movimento Tropicalista. DIA 08 »»1922. Morre Leovegildo Martins de Mello, professor, advogado e escritor, da AML. DIA 10 »»1931. Nasce Adauto Dias e Alencar, escritor e historiador, da AML e IHGMT. DIA 11 »»1991. Falece Benedito Sant´Ana da Silva Freire, jornalista e poeta, da AML.

DIA 03 »»1914. Começa a 1ª Guerra Mundial. »»1988. Assembleia Nacional Constituinte aprova o fim da censura e da tortura. DIA 04

»»1964. Estados Unidos co-

meçam a bombardear o Vietnã do Norte.

DIA 12 »»1892. Morre José Barnabé de Mesquita (Sênior), Patrono da cadeira nº 27, da AML. »»1919. Nasce Luís Cândido da Silva, servidor público e maestro. Autor do Hino à Cuiabá.

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DIA 16 »»1746. Nasce de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. »»1977. O Rei do Rock, Elvis Presley é encontrado morto no seu quarto, aos 42 anos. DIA 18 »»1832. Nasce o pintor brasileiro Vítor Meireles. »»1910. Nasce Ernesto Pereira Borges, jornalista e escritor cuiabano, da AML. DIA 19 »»1936. O poeta Federico García Lorca é assassinado durante a Guerra Civil Espanhola. DIA 20 »»1940. O revolucionário Leon Trotsky é assassinado no México por agentes de Josef Stalin.

DIA 13 »»1899. Nasce Alfred Hitchcock, cineasta britânico.

DIA 21 »»1989. Morre, aos 44 anos, o cantor brasileiro Raul Santos Seixas.

»»1971. Nasce Rodinei Barbosa, dançarino e professor de dança, em Cuiabá. DIA 06 »»2017. Morre Maria Clara Miglicário, arqueóloga, ar-

DIA 15 »»1815. Nasce Dom Bosco, santo italiano, fundador Ordem dos salesianos.

DIA 14 »»1914. Nasce Rachid José Mamed, deputado em MT e prefeito de Poxoréo.

DIA 22 »»1861. Nasce Antônio Francisco de Azeredo, notável político e escritor mato-grossense.


DIA 24 »»1891. Edson obtém a patente da primeira câmera cinematográfica. DIA 25 »»1961. O mato-grossense Jânio da Silva Quadros, renuncia ao cargo de Presidente do Brasil. DIA 27 »»1910. Nasce Agnes Gonxha “Madre Teresa de Calcutá”, religiosa albanesa, Nobel da Paz de 1979. DIA 28 »»2001. Falece Ronaldo Arruda de Castro, poeta e jornalista, da AML. DIA 29 »»1730. Nasce o escultor brasileiro Aleijadinho(Antônio Francisco Lisboa), expoente do barroco. »»1903. Nasce Fernando Corrêa da Costa, médico e governador de MT, da UDN.

O PERSONAGEM TRINTA E QUATRO ANOS SEM RUBENS DE MENDONÇA »»03-08-1983. Foi um dos grandes expoentes da poesia e da historiografia mato-grossense. Publicou dezenas de livro e teve no pai, Estevão de Mendonça, a grande inspiração para as letras. Como jornalista contribuiu para os jornais: Correio da Semana, A Batalha, O Social Democrata, O Estado de MT, Correio da Imprensa e o Diário de Cuiabá. Neste último escreveu ao longo dos anos artigos denominados “Sermão aos Peixes”. Mendonça deixou 19 títulos inéditos. Pertenceu ao IHGMT e AML, de ambas as instituições recebeu o título de Secretário Perpétuo, graças a sua brilhante atuação na Casa Barão de Melgaço. É nome de importante via em Cuiabá, a Avenida Rubens de Mendonça.

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DIA 23 »»1836. Chegada à Cuiabá de José Antônio Pimenta Bueno, presidente da província de MT. »»1953. Nasce o músico Roberto Lucialdo, o Rei do Rasqueado.

O ACONTECIMENTO CINQUENTA E TRÊS ANOS DO SUICÍDIO DO PRESIDENTE VARGAS »»24-08-1954. Suicidou-se o homem, nasceu um mito. Descrita pelo próprio Getúlio Vargas, em sua carta-testamento, como a saída da vida e a entrada na História, a morte trágica do presidente - que deu um tiro no peito, há 63 anos consolidou o ideário coletivo sobre o gaúcho de São Borja. Em meio a uma crise de instabilidade política agravada pelo atentado da Rua Toneleros, no Rio de Janeiro, Vargas disparou também contra ataques que vinha sofrendo da oposição. E catapultou um fascínio que atraiu milhares de pessoas para o seu velório e faz de Vargas alvo de interesse mais de seis décadas depois.

DIA 31 »»1844. Nasce Antônio Gonçalves de Carvalho, patrono da Cadeira nº 23, da AML. »»1867. Morre Charles Baudelaire, poeta francês.

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C U LT U R A

O Poder Das

Palavras

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POR JOÃO CARLOS MANTEUFEL FOTOS DIVULGAÇÃO


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JOÃO CARLOS MANTEUFEL Publicitário e cineasta

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pedido foi simples. João, fala do seu novo filme, lançado no Cine Teatro, que conta com depoimentos de grandes poetas, músicos, escritores, jornalistas, editores, filme que fez um breve apanhado de toda cadeia produtiva que cerca a palavra. Mas vivemos em tempos sombrios. Precisamos refletir muito mais do que jogar confetes. A idolatria da palavra deverá ser o calvário da humanidade. Ou sua salvação. Desde as cavernas, esperamos uma intervenção divina, esperamos que os imperadores não fossem tão romanos, esperamos que a igreja não acreditasse em indulgências, esperamos que a peste se interrompesse, esperamos que o pensamento burguês fosse apenas uma moda, esperamos que a guerra resolvesse, esperamos o mundo atômico, por conta da fé nas palavras, seja de um ou de outro, esperamos até chegarmos num futuro doente e dividido. O futuro é agora. Trump, Putin, LePen, Bolsonaro, são realidades e

não utopias. Uma vez solta, a palavra não tem volta. A Palavra é forte. A palavra é inexorável. A Palavra é poder. Pela Palavra Jesus arrastou multidões e ainda arrasta aos Bilhões. Pelas Palavras, o homem cantou aos 4 ventos a tão saudada Revolução Industrial. Industrialização que se disseminou por todas as latitudes. Dinheiro pelo dinheiro, dente por dente, doa a quem doer. A visão horizontal ofusca o crescimento vertical. Não podemos mais esperar. Tempo é dinheiro. Tudo na vida tem um preço. E tem mesmo. Somos cria de uma geração que, movida a sagaz fórmula do capital gerando capital, destruiu, no último século, mais que o restante de toda humanidade. Os fins justificam os meios. Em vez de resguardar podemos desfrutar, em vez de apreensão podemos amortizar. Só que nos chega uma conta alta demais. Um cálculo que chelpa nenhuma poderá abrandar. Não me livro da culpa. Minha profissão é criar sonhos impossíveis ao alcance da sua mão, é tornar um objeto em

símbolo, é simplesmente vender pra fazer você comprar, comprar e comprar. E vendemos tudo. Até a alma. E numa guerra de palavras, começamos a vender o mais precioso dos produtos: o planeta. Nunca se falou tanto em aquecimento global, em preservação. É a nova moda. É a nova moda para sustentar aquela antiga e perpétua moda. Mais uma ação num planejamento de marketing, mais um alvitre a ser oferecido. Compre aqui e salve o planeta em 10 vezes sem juros. Que nada! Aquecimento global é coisa da mídia. Aquecimento global não existe. Assim são as Palavras. Imutáveis e mutantes. Palavra que deverá ser o calvário da humanidade. Não vamos expor que estamos tratando um câncer maligno com doses homeopáticas, não vamos desvendar que o capitalismo nunca deixará de ser selvagem. Estamos apenas criando uma espera para o que não tem como esperar. Infelizmente, talvez, estejamos criando o último capítulo da Humanidade. Que Deus tenha piedade de nós.

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MEMÓRIA HISTÓRICA

O Brasil É Sempre O Primeiro A Discursar Na Assembleia Geral Da ONU. Porque?

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uve-se muito falar que é o representante brasileiro quem “sempre faz o primeiro discurso” na Assembleia Geral das Nações Unidas, que se reúne em Nova York no mês de setembro, mas isso não é exatamente verdade: o que hoje é a ordem tradicional dos discursos – Brasil primeiro, Estados Unidos em segundo, e depois os demais países, de acordo com um sistema que leva em conta, entre outros critérios, o nível de representação (se é o chefe de Estado quem vai falar, ou um ministro, ou um em-

OSWALDO ARANHA E A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL »»A página oficial da ONU sobre o protocolo da Assembleia Geral diz apenas que certas tradições emergiram ao longo do tempo, incluindo a ordem dos dois primeiros países a falar, Brasil e Estados Unidos. A explicação usual é que os EUA falam em segundo lugar por serem o anfitrião da Assembleia, e o Brasil, em primeiro, em reconhecimento ao papel desempenhado pelo brasileiro Oswaldo Aranha (1894-1960) nos primórdios da Organização das Nações Unidas. Oswaldo Aranha presidiu a Primeira Assembleia Geral Especial das Nações Unidas, realizada em 1947, e a Segunda Assembleia Geral Ordinária, no mesmo ano.

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baixador) só começou, de fato, em 1955, na Décima Assembleia. Antes disso, México, Estados Unidos, Canadá, Cuba e Filipinas também já haviam feito a abertura. Ainda assim, o Brasil foi o país que mais abriu sessões, mesmo no período anterior a 1955. Entre 1946 a 1954, um brasileiro abriu a Assembleia Geral três vezes. Representantes do México, duas, e EUA, Filipinas, Canadá e Cuba, uma vez cada. A primeira Assembleia Geral aberta pelo Brasil foi a quarta, de 1949. Mesmo depois do estabelecimento da tradição, a partir de 1955, no entanto, o Brasil não falou primeiro em duas oportunidades: nos anos de 1983 e 1984, o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, discursou antes do representante do Brasil, o então ministro das Relações Exteriores do governo João Figueiredo, Ramiro Saraiva Guerreiro. Figueiredo, aliás, foi o primeiro presidente brasileiro a fazer um discurso de abertura da Assembleia da ONU, em 1982. Antes dele, a tarefa sempre ficara a cargo do chanceler ou de um embaixador. Desde então, todo novo presidente do Brasil faz o discurso inaugural da Assembleia pelo menos uma vez, ao longo de seu mandato. A única exceção foi Itamar Franco.

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MEMÓRIA HISTÓRICA Essas duas reuniões tiveram o papel histórico de determinar – por meio da resolução 181 da Assembleia Geral – a partição da Palestina entre árabes e judeus, abrindo caminho para a criação do Estado de Israel. A votação final da resolução, em 29 de novembro de 1947, foi dramática: todos os seis países árabes que faziam parte da ONU na época retiraram-se da Assembleia em protesto contra a aprovação, sendo que quatro deles – Arábia Saudita, Iraque, Síria e Iêmen – anunciaram que não se sentiriam obrigados a respeitar a decisão, tomada por 33 votos, apenas dois além do mínimo necessário. Durante os trabalhos, Aranha rejeitou propostas, de autoria de países árabes e também da Colômbia, que devolveriam o plano para a Palestina ao estágio de debate em comitê, retirando-o da pauta de votação. No Brasil, na década de 1930, Aranha havia sido um dos principais articuladores da Aliança Liberal, o movimento que levaria à Revolução de 30 e à chegada de Getúlio Vargas ao poder. Foi Ministro da Justi-

À ESQUERDA OSWALDO ARANHA, AO CENTRO SOUZA DANTAS E À DIREITA GETÚLIO VARGAS

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ça e, depois, da Fazenda de Vargas. Participou da Assembleia Nacional Constituinte convocada após a revolução de 1932 em São Paulo, e foi nomeado embaixador brasileiro em Washington depois da promulgação da carta. Buscava viabilizar-se candidato à Presidência da República para o pleito previsto para 1938 quando Vargas deu o golpe do Estado Novo, em 1937. Sua primeira reação foi de ruptura com a ditadura que se instalava, mas em 1938 voltava ao governo, agora como ministro das Relações Exteriores. A nomeação foi saudada em editorial, pelo New York Times, como sinal de que “o regime [de Getúlio Vargas] não seguirá pelo caminho das ditaduras fascistas europeias”. ARANHA ARTICULA COM OS ALIADOS

»»Oswaldo Aranha foi instrumental para o

alinhamento do Brasil com as potências aliadas na Segunda Guerra Mundial, enfrentado a oposição de figuras do governo Vargas e, em alguns momentos, até mesmo do próprio presidente-ditador. Em


lumeMatoGrosso BOMBARDEIO JAPONÊS EM PEARL HARBOR

1940, quando a Marinha britânica deteve um navio brasileiro, o Siqueira Campos, que transportava carga vinda da Alemanha, Aranha teve de atuar para impedir o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com o Reino Unido. Durante a Conferência do Rio de 1942, uma reunião de chanceleres das Américas convocada pelos Estados Unidos após o ataque de Pearl Harbor, e sua participação no encontro ajudou a cimentar a decisão coletiva das repúblicas das Américas de cortar relações diplomáticas com os países do Eixo, aprovada sob as ressalvas de Chile e Argentina. Três anos antes de sua morte, em 1957, durante o governo de Juscelino Kubitschek, Aranha, como embaixador, faria o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em nome do Brasil. O livro “O Brasil nas Nações Unidas:1946-2006”, publicado pelo Itamaraty, resume assim sua intervenção: “Oswaldo Aranha, um dos líderes brasileiros que mais

havia se distinguido na formulação da política de aliança com os EUA, critica a falta de cooperação norte-americana ao desenvolvimento da América Latina. Suas palavras revelam frustração diante do rumo tomado pela relação estratégica global e do papel secundário destinado à América Latina”. Então, fazer a abertura da Assembleia Geral, falando antes até dos Estados Unidos, é uma honra para o Brasil? Talvez. Mas, em 2012, o colunista do New York Times, Michael Pollack, ofereceu uma interpretação alternativa para a ordem dos discursos e que, segundo ele, é bem conhecida dos fãs de shows de rock: “O astro geralmente tem um show de abertura. A Assembleia Geral é um lugar lotado, com delegados de 193 Estados-membros ainda chegando e procurando seus lugares durante os pronunciamentos iniciais. O discurso do Brasil oferece um modo diplomático de todo mundo se ajeitar para o que costuma ser a atração principal: o presidente dos Estados Unidos”.

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Americanidade A Busca Pelo Intercâmbio Cultural Entre Os Povos Da América Do Sul:

Mercedes Sosa

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cantora argentina Mercedes Sosa, das vozes mais conhecidas do folclore latino-americano, nasceu em Tucumán no dia 9 de julho de 1935, tendo falecido em Buenos Aires, a 4 de outubro de 2009.

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Mercedes, que ficou conhecida pelo apelido de La Negra, devido os seus longos e lisos cabelos negros, foi descoberta aos quinze anos de idade, cantando numa competição de uma rádio local da cidade natal, quando foi-lhe oferecido um contrato de dois meses.


são pelo Brasil, a temporada foi tensa. Em Curitiba seus fãs em sua maioria eram os estudantes que se identificavam com sua música de protesto, suas posições políticas corajosas e dignas. Mercedes convocou compositores de músicas novas a dividirem as gravações: o cubano Pablo Milanes em El Tiempo, em Implacable, El Que Puso; Teresa Parido no chamamé Pedro Canoeiro; Tito Paez em Parte Del Aire; Victor Heredia em Marcar Quila. Mercedes possui um dueto So le piedo a Dios com a cantora de samba, Beth Carvalho, cada uma cantando no seu idioma. Destaca-se também o dueto de Mercedes com o cantor cearense Fagner na música “Años”, sucesso gravado em 1981. Outra música de Mercedes muito conhecida na sua firme e, ao mesmo tempo, terna voz é a canção Gracias a la vida, composição de Violeta Parra. A cantora recebeu, em vida, diversos prêmios, dentre os quais um Grammy Latino, na categoria de Melhor Álbum Folclórico, com o CD Misa Criolla. Teve destaque o disco Alta Fidelidad, de 1998, com canções do roqueiro argentino Charly Garcia. Mercedes seguia fiel ao seu lema: “O que entra no coração do povo não pode ser proibido”. Nada como o tempo para fazer as devidas colocações. Símbolo da resistência política, dos direitos humanos, da contestação as ditaduras latino-americanas nos anos 1960 e 70, Mercedes Sosa nunca mudou. Continuava a ser a grande cantora e compositora - íntegra artista que, sempre, corajosamente, denunciava as violências dos ditadores do Cone Sul. Entretanto, ela, que era perseguida, boicotada e cuja presença assustava a tantos, foi adulada por um público que aprecia suas letras, música e performance musical que mescla temas de paz e igualdade social. Mercedes nunca deixou de cantar as mazelas do povo, fosse em discos ou shows. Mesmo após seu passamento, sua voz continuou a correr o mundo, visto que a música era a atividade que exerceu com enorme prazer até sua morte

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Admirada pelo timbre de contralto, gravou o primeiro disco Canciones con Fundamento, com um perfil de folk argentino. Consagrou-se internacionalmente nos EUA e Europa em 1967, e em 1970, com Ariel Ramirez e Felix Luna, gravando Cantata Sudamericana e Mujeres Argentinas. Gravou um tributo à chilena Violeta Parra. Mercedes interpretou um vasto repertório, gravando canções de vários estilos. Atuou com muitos músicos argentinos, a exemplo de León Gieco, Charly García, Antonio Tarragó Ros, Rodolfo Mederos e Fito Páez, além de outros latino-americanos, notadamente brasileiros. Foi ativista política de esquerda, e peronista na juventude. Em tempos relativamente recentes manifestou-se como forte opositora de Carlos Menem e apoiou a eleição do presidente Néstor Kirchner. Sua preocupação sócio-política refletiu-se no repertório interpretado, tornando-se uma das grandes expoentes da Nueva Canción, um movimento musical latino-americano da década de 1960, com raízes africanas, cubanas, andinas e espanholas. Por ser engajada politicamente, amargou anos de exílio voluntário, durante os quais excursionou por diversos países, inclusive o Brasil. A música brasileira era uma das paixões de Sosa. Foram muitos os encontros com nomes como Milton Nascimento, Chico Buarque e Raimundo Fagner, Caetano Veloso, Gilberto Gil, dentre outros artistas. São expressões da Nueva Canción, marcada por uma ideologia de rechaço ao que entendiam como imperialismo norte-americano, consumismo e desigualdade social. Em 1978, em turné pelo Brasil, Mercedes passou pelo aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, onde foi proibida de sair da sala VIP, lá foram vê-la seus amigos Milton Nascimento e Chico Buarque, entre outros. Na época, seu nome constava na relação dos indesejáveis da ditadura militar que dominava o Brasil. Mais tarde, quando, finalmente, obteve autorização para fazer sua primeira excur-

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FOTOGRAFIA MEIO AMBIENTE

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HENRIQUE SANTIAN O fotógrafo documentarista traz em suas obras um pouco daquilo por onde passa, histórias contadas em imagens, e sentimentos que nos fazem enxergar o mundo a nossa volta e ver que nosso espaço se resume na amplidão

O Nu Enquanto Arte

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FOTOS HENRIQUE SANTIAN

fotografia será o centro das atenções da cultura e da arte em Balneário Camboriú, de 24 a 27 de agosto. A 3ª edição do BC Foto Festival promete o intercâmbio de experiências entre amadores e profissionais, além de reunir nomes consagrados em palestras e workshops sobre diferentes aspectos que envolvem a arte de fotografar. As atividades serão realizadas no Teatro Municipal Bruno Nitz, na Galeria Municipal de Arte de Balneário Camboriú e também nas dependências do SESC do município.

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O fotógrafo mato-grossense Henrique Santian, de Chapada dos Guimarães estará presente nesse evento, com imagens representativas de um projeto idealizado e iniciado há pelo menos 10 anos: “O corpo em uma experiência atemporal”. Começou em 2008, com uma série documental de performances urbanas sobre a nudez, nas escadarias da Lapa no Rio de Janeiro. Em 2009, o projeto tomou corpo de fato, quando passou a construir uma proposta de produção, trabalhando ensaios onde o corpo e a paisagem se complementam. O desejo de colocar a beleza natural do corpo, livre para expressar sua graça e personalidade em diferentes situações, onde ganham novos significados por meio de interações improvisadas e espontâneas com o meio ao redor. Intencionalmente a idéia é dar voz ao corpo, é deixá-lo manifestar-se livremente. A construção dos ensaios contou com a participação de artistas e outros voluntários que foram registrados em paisagens naturais dos estados do Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. A série fotográfica explora os movimentos do corpo e os elementos da natureza com técnicas fotográficas que valorizam e realçam sutilmente a nudez, numa estratégia para ativar reflexões sobre o tema e construir outras visões sobre o mesmo. O nu artístico é considerado uma das classificações acadêmicas das obras de arte. Como gênero, o nu é um tema complexo de abordar pelas suas múltiplas variantes, tanto formais quanto estéticas e iconográficas, e há historiadores da arte que o consideram o tema mais importante da história da arte ocidental. Embora se costume

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associar ao erotismo, o nu pode ter diversas interpretações e significados, da mitologia até a religião, passando pelo estudo anatômico, ou ainda como representação da beleza e ideal estético da perfeição, como na Grécia Antiga. A arte foi de sempre uma representação do mundo e do ser humano, um reflexo da vida. Portanto, o nu não deixou de estar presente na arte, sobretudo nas épocas anteriores à invenção de procedimentos técnicos para captar imagens do natural, quando a pintura e a escultura eram os principais meios para representar a vida. Contudo, a sua representação variou com os valores sociais e culturais de cada época e cada povo, e assim como para os gregos o corpo era um motivo de orgulho, para os judeus — e, depois, para o cristianismo — era motivo de vergonha, era a condição dos escravos e os miseráveis. Em tempos mais recentes, os estudos do nu como gênero artístico focam-se nas análises semióticas, especialmente na relação entre obra e espectador, bem como no estudo das relações de gênero. O feminismo criticou o nu como uso objetual do corpo feminino e signo do domínio patriarcal da sociedade ocidental. Atualmente, o nu artístico é amplamente aceito pela sociedade; pelo menos no âmbito ocidental, e a sua presença cada vez maior em meios de comunicação, cine, fotografia, publicidade e outros mídias, converteu-o num elemento icônico mais do panorama cultural visual do homem e da mulher atual, embora para algumas pessoas ou alguns círculos sociais continue sendo tabu, devido a convencionalismos sociais e educacionais, gerando um preconceito para a nudez, que é conhecido como “gimnofóbia” ou “nudofóbia”


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Pela Periferia Tieta

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POR LUCIENE CARVALHO FOTOS DIVULGAÇÃO

show de Caetano na chapada havia sido uma das experiências mais emocionantes que eu vivera nos dois últimos anos. Uma multidão cantando movida pela mesma memória afetiva musical... tantos reencontros: Wagton, Mônica, Lorenzo, Glorinha, Iolanda, Rose, André, tantos... eu e meu muso fomos recebidos e hospedados por Maria Teresa Amaral; foi uma festa com doces de Anis e água com gás. A lua quase cheia passeava num cenário de céu claro, nem o frio veio pra atrapalhar, passou levinho, pedindo agasalho quase nenhum, permitindo, contudo, que as botas pudessem se exibir na mesma passarela das rasteirinhas e tênis. Caetaneamos lindamente, caetaneamos até a noite alta

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do sábado emadrugar e nos levar pra casa, pra um último chá. A alvorada me pegou insone de puro enleio. De dissonante mesmo, só uma secura no ar esturricando as narinas e repuxando a pele. No domingo acordado em tarde ao meio, restou um café, um banho, o arrumar das mochilas e subir pra cidade. Chapada oferece opções de almoços tardios e a digestão foi feita no rolê pelas irresistíveis barracas da praça, pequenos mimos que guardarão a memória do havido. Despedidas feitas da nossa acolhedora Maria Teresa e seguimos rumo a rodoviária. Conseguimos passagem para um último ônibus extra colocado na linha em função da grande busca de passageiros querendo descer pra Cuiabá. Adoro fazer o percurso Cuiabá - Cha-

pada, ou vice versa, de ônibus, me sinto segura. Visito a passagem tantas vezes vistas, descanso meus olhos no verde do cerrado. Inspeciono queimadas e observo atemorizada Cuiabá ir voraz em direção ao meu cerrado, que é de lavar os olhos a todo dia que se chama vida. Chegar na rodoviária da capital me traz um novo sentimento de fluxo de praticidade, lá é o ponto final da linha 07 da Várzea Grande, que no percurso pára na esquina da minha casa. Levando em conta a pouca bagagem, era só uma questão de paciência domingueira, para esperar a chegada do coletivo então, uma passada breve no Comper da Barão, e ... casa. E foi na espera da rodoviária que ela apareceu: toda de jeans, blusa jeans, um par de brincos de cor-


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LUCIENE JOSEFA DE CARVALHO Escritora, poetisa e membro da Academia Mato-Grossense de Letras

rentinhas de pérolas, cabelo preto bem alisado e domado na chapinha, preso em rabo-de-cavalo. Quando a avistei já estava sentada num banco alto da lanchonete, igual ao que eu ocupava. Magra, o short era curtíssimo, a blusa disfarçava o abdômen. Puta! Pensei no exato instante em que ela se aproximou de nós e perguntou: “Vocês tem esquero?”, eu tinha. Aloitei com minha bolsa até encontrar. Achei. Estendi à moça, dessa juventude que vai dos 27 aos 39. Ela acendeu, olhou pra mim e perguntou: “a senhora aceita um cigarro?”, pensei: Nunca ninguém que me pediu esquero, me ofereceu um cigarro. Ela falava em voz alta: “Esse quem que não vem...”. Fim de domingo, aquele programa era

estratégico prá ela, poderia pagar sua luz, comprar merenda pras crias, levar pra escola, comprar carne. Puta de rodoviária, vinda das quebradas ali de perto, mascando chiclete e balançando os brincos de pérola falsa e deslizando as mãos pelos cabelos falsamente lisos. Reflito o pensamento, me chamo de julgadora, tirei uma onda com o Raul enquanto dizia pra mim mesma: “Que puta o que? Deve estar esperando um parente ou namorado. Ela e eu terminamos nossos cigarros. O 07 encostou, deixou o pisca - alerta sinalizando que a demora para saída era pouca. A moça mascava chiclete enquanto cantarolava e eu imaginava qual carro viria buscá-la. Uma moto em velocidade deu uma brecada, ela

foi em direção a moto, motinha 125 cilindradas, nenhum nome, nenhum beijo, ela inclinou a pélvis pra frente falou um “eaê, boneco?”, de cliente antigo, enfiou o capacete e a moto arrancou pelas curvas da saída da rodoviária. O motorista do 07 ligou o ônibus. Entramos e, na minha cabeça, Caetano explicava: Todo mundo quer saber Com quem você se deita, Nada pode prosperar ... Existe alguém em nós Em muitos dentre nós Esse alguém Que brilha mais Do que um milhão de sóis E que a escuridão Conhece também Existe alguém aqui No fundo, do fundo De você e de mim..

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L I T E R AT U R A

Crônica Pantaneira Vai para as areias gordas! POR GUAPO FOTOS DIVULGAÇÃO

M

orando em Cáceres, eu beirava os treze anos quando participei de um acontecimento que até hoje mal compreendo. O meu irmão mais velho, Luis Justino, havia chegado em casa com um livro do famoso e tenebroso bruxo da Idade Média, “São Cipriano”, o famoso “Capa Preta”, me mostrando e dizendo que havia achado na rua. Na condição instintual e curiosa de adolescentes, começamos a folheá-lo. Ali estavam, bem à nossa frente, vários tipos de sortilégios, do tipo, “como ficar invisível”, “como entortar faca” ou, ainda, “como desviar do disparo de uma

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bala” e mais coisas desse tipo. Ficamos encantados com tudo aquilo que lemos, por que naquele tempo, ouvíamos muitos casos de pessoas, principalmente de justiceiros, da fronteira que tinham o chamado “corpo fechado”, por isso não morriam em trocas de tiros. Queríamos experimentar principalmente esse sortilégio de “como desviar a bala”. Como não tínhamos armas de fogo, embora eu houvesse construído alguns trabucos para caçar passarinhos, os quais meu pai sempre exasperava e, quando descobria, tomava de mim e os destruíam, ameaçando me bater se fizesse outro. Não adianta-

va muito, porque eu sempre fazia um novo. Nesse dia, “felizmente”, eu não tinha nenhum, então resolvemos substituir pelo estilingue, também conhecido lá em Cáceres como funda. Pegamos alguns pelotes e fomos para a frente de um paredão na frente da casa testar o desejado “desvio da bala”. Após ler e decorar direitinho as palavras do abracadabra do livro “Capa Preta”, escrito em latim, eu fui me meter a ser o alvo, e o Luis, o disparador do estilingue. Então começamos: Eu fiquei colado no paredão e quando falei em voz alta as ditas palavras mágicas, o meu irmão disparou o pelote que acertou meu braço,


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MILTON PEREIRA DE PINHO - O GUAPO Músico e escritor

dei um grito de dor e o Luis rindo, perguntou: - “Você falou certo as palavras”? Eu com careta de dor olhando pra ele disse que sim, que havia dito certo. Enquanto procurávamos saber o que foi que deu errado, minha avó, Dona Santana, que havia ouvido meu grito, apareceu e quis saber o que estava acontecendo, por que eu estava chorando e massageando o braço. Meu irmão contou pra ela, tintim por tintim, e ainda mostrou o “Capa Preta”. Minha avó materna era daquelas mato-grossenses à antiga, benzedeira e curandeira que conhecia muito sobre sortilégios. Em noites de São João ela ““olhava sorte das pessoas” de forma bastante atípica, derretia chumbo numa vasilha de co-

bre, derramando, em seguida, numa outra vasilha, com água fria, para depois ela interpretar a mensagem para o consultante. Seu trabalho era baseado na figura que se formava no aleatório choque térmico, orientada sobre a pergunta secreta que a pessoa havia feito na hora que foi derramado o chumbo na água e o que estava aguardando nesse ano até o próximo ano, na noite de São João. Quando ela pegou livro de “São Cipriano Capa Preta”, ficou olhando para nos dois e, num gesto sombrio, pegou meu irmão Luis pelo braço, olhou para a o sol quente e disse: - Anda! Vista uma camisa branca e venha comigo agora. Logo saíram os dois pra beira do Rio Pa-

raguai. Nesse tempo morávamos na Rua Bom Jardim, perto da antiga caixa d´água, onde o rio faz uma curva e tem um barranco bem alto. Passaram-se alguns minutos e os dois voltaram. Eu louco de curiosidade, já havia até esquecido da dor no braço provocado pelo pelote, quis saber o que aconteceu. Perguntei do “Capa Preta”, por que não o vi mais na mão do meu irmão e, ele me disse que ao chegar lá, minha avó pediu pra ele caminhasse de costas até a beira do barranco, fechasse os olhos e dissesse em voz alta a seguinte palavra: “Vai pra as areias gordas”! Em seguida ordenou que eu atirasse o livro prá dentro do rio abrisse, os olhas e caminhasse sem olhar pra trás. Foi o que eu fiz, relatou ele, dando risada. Fiquei mais curioso ainda e fui perguntar prá minha avó o que significava aquilo, e ela respondeu-me com um tom sombrio, censurando-me, tal como na hora que ela viu o Livro na mão do Luis: - Isso não é coisa pra criança saber... Vai brincar com outras coisas! Até hoje fiquei sem saber onde fica “as areias gordas” do Rio Paraguai.

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ARTIGO

O Cantautore E O Seu Vôo De Despedida

POR CARLOS GOMES DE CARVALHO* FOTO DIVULGAÇÃO

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entre as mais marcantes. Ou o inquietante e reflexivo Ébano: o novo peregrino sábio dos enganos o couro que me cobre a carne não tem planos a sombra da neurose te persegue há tantos anos. E como não nos recordarmos deJuventude Transviada, todas as noites repetida numa novela de sucesso? As canções de Melodia, por ser ele mesmo um homem do povo, traduzemum estado de espírito. O poeta elaborou metáforas surpreendentes, com uma sintaxe fragmentada, enquanto criava desencontros frasais às vezes de difícil compreensão, à primeira vista, sobretudo se excluídos os sons da canção, mas que, ao final, se revelavam belas expressões do amplo entendimento que tinha da vida e de seu mundo. Certa vez Melodia explicou: “As pessoas têm que estar abertas para entender os toques. Não é assim, eu pisei numa pedra e aí nasceu esta frase. É um toque ingênuo, uma coisa poética, das vivências que eu observei.” E quem haverá de esquecer a dramática declaração de amor de: Se alguém quer matar-me de amor, que me mate no Estácio. Não há como esquecer Luiz Melodia, também conhecido como Luiz Carlos dos Santos [Rio de Janeiro:7/01/1951– Rio de Janeiro: 04/08/2017]e não há como falar tudo sobre esse nosso grande cantautor carioca, brasileiro. Mas, vamos ficar, como ele mesmo disse: Falando de pobreza, sem ser triste Falando de tristeza, sem ser pobre (porque) nunca é tudo. [Farrapo Humano]. Parte um poeta do povo, mas não falemos de tristeza. Vá Melodia, vá melodiar outras paragens. Enquanto aqui ficamos ouvindo, ouvindo e mais uma vez ouvindo e dançando suas canções. *CARLOS GOMES DE CARVALHO Autor dos livros de poemas: A Arquitetura do Homem, Hematopoemas, Pássaros Sonhadores.

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mundo fica mais triste quando morre um poeta. É como se faltasse uma estrela no céu noturno iluminado. Pode parecer um surrado jargão, mas para mim, o Brasil ficou ainda mais triste na primeira semana de agosto quando partiu Luiz Melodia. E o que partiu não foi apenas o compositor de versos imperdíveis, de palavras elaboradas na singeleza do sentimento autentico do povo de seu Estácio, de seu Rio. Foi também a voz de beleza única, com um timbre aveludado nas proximidades e na mesma linhagem de um Jamelão, de um Emilio Santiago. Voz de cantor e de poeta que colorem a tradição dos melhores cantores populares de nosso cancioneiro. Qual o verso mais bonito? Qual deles escolher como representativo desse gênio popular? Aquele em declara andar sem rumo em sua cidade? Os transeuntes me agitam me perco entre a multidão e ... de repente encontra, o quê?: e vejo através das lentes negras lindo seu corpo, lindo, [...] giro a cidade sem juízo e nessa cidade alucinante vê de tudo, menos o que para ele importa: Vejo vitrines, vejo boutiques Só não vejo quem eu quis. [Onde o sol bate e se firma]. Ou é o poeta ante a dúvida profunda de todos os grandes amorosos no inicio do desafio do amor, como ele cantou no seu primeiro disco, [1973], Pérola Negra: Tente passar pelo que estou passando Tente apagar esse seu novo engano Tente me amar porque estou te amando Baby, te amo, nem sei se te amo. Que conflito maior e mais atormentado que este? te amo, nem sei se te amo Quantos entre nós já não nos sentimos assim? Diante de um novo amor, como o equilibrista no trapézio voando no vazio? Tanto a interpretação de Melodia quanto a voz de Gal Costa colocam esta canção

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Ú LT I M A P Á G I N A

CLARICE LISPECTOR Escritora

A Lucidez Perigosa POR CLARICE LISPECTOR FOTOS DIVULGAÇÃO

Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço. Além do que: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano - já me aconteceu antes.

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